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Processo n.º 101/2014
Recurso penal
Recorrente: A
Recorrido: Ministério Público
Data do acórdão: 30 de Setembro de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Crime de tráfico de estupefacientes
- Medida concreta da pena

SUMÁRIO

1. Nos termos do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do mesmo artigo.
2. Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.

A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 14 de Maio de 2014, A foi condenado, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 7 anos de prisão efectiva.
Inconformado com a decisão, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu negar provimento ao recurso.
Vem agora o arguido recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
(1) Disse o acórdão recorrido: “Nos termos supra expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A e, em consequência, decidir rejeitá-lo.”
(2) O recorrente foi condenado pelo Tribunal a quo na pena de sete anos de prisão efectiva, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 8º, nº 1, da Lei nº 17/2009.
(3) Ao reconhecer a pena aplicada pelo Tribunal a quo ao recorrente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, o acórdão recorrido violou as normas jurídicas e determinou uma pena excessiva.
(4) De acordo com a matéria de facto provado, no caso em apreço, o recorrente deteve Ketamina com pesos de 3,109g., 1,503g. e 1,609g., respectivamente, perfazendo um peso total de 6,221g. E deteve Heroína com peso de 0,034g.
(5) A quantidade detida pelo recorrente é relativamente baixa em comparação com outros processos do mesmo género. No entanto, a pena que lhe foi aplicada é mais ou menos igual as que foram fixadas nos processos onde se verifica a detenção de grande quantidade de drogas. Isto é, manifestamente, a violação dos princípios da justiça e da imparcialidade.
(6) Podemos tomar como referência os casos julgados, dentro dos limites previstos na Lei nº 17/2009, pelo Tribunal de Última Instância que se prendem com a detenção de grande quantidade de drogas.
(7) Por exemplo, os processos nºs 28/2009 e 38/2009, ambos do Tribunal de Última Instância, e processo nº 617/2009 do Tribunal de Segunda Instância.
“- No processo nº 28/2009, ao arguido, que transportou no total 1111,99g. de heroína (4448 vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referencia de uso diário na referida lei), foi aplicada apenas a pena de 9 anos de prisão.
- Ao arguido no processo nº 38/2009, que transportou no total 1084,16g. de heroína (4336 vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referencia de uso diário na referida lei) foi também aplicada a pena de 9 anos de prisão.
- E no processo nº 617/2009, aos arguidos que transportaram no total 1501,31g. de heroína (6005 vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referencia de uso diário na referida lei) foi apenas aplicada a pena de 9 anos e 3 meses de prisão.”
(8) Nestes casos, o elemento mais ponderado pelos Tribunal a quo e acórdão recorrido na determinação da pena é as “drogas contidas”. E, nesta causa, a quantidade das drogas contidas nos produtos detidos pelo recorrente é muito mais baixa (centenas de vezes mais baixa) do que as verificadas nos processos referidos.
(9) Qualquer homem médio consegue concluir que, em comparação com os três processos supra ditos, este caso tem circunstâncias menos graves, tais como a ilicitude, o grau de culpa e a quantidade de drogas.
(10) A lei deve ser aplicada e executada de acordo com os princípios da igualdade, justiça e imparcialidade.
(11) Mas, no acórdão recorrido, a pena aplicada ao recorrente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes é, aparentemente, desproporcional, irracional, inadequada e excessiva.
(12) O Tribunal devia reduzir a pena aplicada ao recorrente conforme o espírito jurídico dos artºs 40º e 65º do referido Código e as circunstâncias favoráveis ao recorrente. Infelizmente, o acórdão recorrido não fez ponderação suficiente.
(13) O acórdão recorrido não considerou suficientemente as finalidades das penas e a medida da culpa previstas no artº 40º do CP, nem teve em conta todas as circunstâncias dispostas no artº 65º, nº 2 do mesmo Código, o que resultou numa pena excessiva.
(14) Razão pela qual o acórdão recorrido violou os artºs 40º, 65º, nºs 1 e 2 do CP, padecendo assim do “vício de interpretação errada do direito” indicado no artº 400º, nº 1 do CPP, devendo, por consequência, ser revogado.
(15) O recorrente entende ser adequado aplicar-lhe a pena de quatro anos e seis meses de prisão, tendo-se atendido às disposições dos artºs 40º e 65º, nº 1 e 2 do CP.

Respondeu o Ministério público, apresentando na sua resposta à motivação do recurso as seguintes conclusões:
1) A lei exige que o tribunal considere vários elementos na ponderação concreta da pena,
2) Atendendo, nomeadamente, à culpa do agente e às exigências de prevenção criminal.
3) No crime de tráfico de estupefacientes, é verdade que a quantidade das drogas detidas sirva como elemento fundamental para avaliar o grau ilicitude do facto.
4) Mas não é o único factor a considerar.
5) De facto, os antecedentes criminais do recorrente, a sua atitude na audiência quanto à confissão, todos estes factores afectam directamente a medida da pena.
6) Entendemos que a decisão, quer do Tribunal a quo quer do Tribunal de Segunda Instância, determinou a medida da pena em função das exigências legais e conforme as circunstâncias objectivas nesta causa.

Nesta instância, a Digna Procuradora-Adjunta do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que se deve rejeitar o recurso por ser manifestamente improcedente.
Foram corridos vistos.

2. Factos
Nos autos foram dados como provados os seguintes factos:
- Tendo recebido informação, os agentes da Polícia Judiciária deslocaram-se a um centro de divertimento de jogos no dia 25 de Julho de 2011, pelas 9:00, a fim de vigiar o local. Às 11:45, os agentes descobriam o arguido A e interceptaram-no.
- Os agentes da PJ encontraram na mão esquerda do arguido A um pacote de lenço de marca “Tempo”, dentro do qual se encontrou uma embalagem de substância cristalina branca. Na sua mala de cintura da cor verde, encontraram um lenço de papel branco contendo uma embalagem de substância cristalina branca, um pacote/folha de lenço de papel de “PONTE 16” contendo uma embalagem de substância cristalina branca, um protector de cartão plástico com palavras “Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego” contendo uma embalagem de pó branco (fls. 8 dos autos – auto de apreensão).
- Submetidos a exame laboratorial, a substância cristalina branca no lenço de papel “Tempo” continha Ketamina, substância abrangida na Tabela II-C da Lei nº 17/2009, com peso líquido de 3,565g (a análise quantitativa revelou que o produto continha 87,20% de Ketamina, com peso líquido de 3,109g), a substância cristalina branca no lenço de papel branco continha Ketamina, substância abrangida na Tabela II-C da referida lei, com peso líquido de1,735g (a análise quantitativa revelou que o produto continha 86,63% de Ketamina, com peso líquido de 1,503g), a substância cristalina branca no lenço de papel de “PONTE 16” continha Ketamina, substância abrangida na Tabela II-C da referida lei, com peso líquido de 1,850g (a análise quantitativa revelou que o produto continha 86,96% de Ketamina, com peso líquido de 1,609g) e o pó branco no protector de cartão com palavras “Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego” continha Heroína e Ketamina, substâncias abrangidas nas Tabelas I-A e II-C da referida lei, com peso líquido de 0,255g (a análise quantitativa revelou que o produto continha 13,36% de Heroína, com peso líquido de 0,034g).
- As drogas apreendidas ao arguido A foram adquiridas pelo mesmo de um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, em local não apurado, que eram destinadas à venda com lucro.
- Além disso, os agentes da PJ encontraram na posse do arguido A um telemóvel com um cartão de SIM e um cartão de memória e HKD2800.
- O dito telemóvel com um cartão de SIM e um cartão de memória foi o instrumento usado pelo arguido A para o tráfico de estupefacientes e o dinheiro foi obtido através da venda do produto.
- O arguido A bem sabia das características e natureza das drogas.
- O arguido A agiu de forma livre, voluntaria e consciente ao praticar a conduta supra referida.
- O arguido A bem sabia que tal conduta é proibida e punida por lei.
- O arguido alegou ser motorista profissional, auferindo um vencimento diário de MOP500,00. Tem a seu cargo a mulher e três filhos e tem o 9º ano como habilitações literárias.
- Segundo o registo criminal, o arguido tem antecedentes criminais:
1- O arguido foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base, em 28 de Abril de 2006, no âmbito do processo nº CR3-05-0114-PCS, por um crime de tráfico de menor gravidade praticado em 19 de Outubro de 2004, na pena de um ano e dois meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, e na pena de multa de MOP3000,00, convertível em 40 dias de prisão em caso de não pagamento da multa ou de não substituição da multa por trabalho. Em 22 de Julho de 2011, a execução da sua pena foi suspensa por mais um ano. E em 14 de Dezembro de 2012, a pena foi declarada extinta.
2- O arguido foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base, em 28 de Junho de 2010, no âmbito do processo nº CR4-09-0177-PCS, por dois crimes de emprego ilegal praticados em 27 de Fevereiro de 2008, na pena de cinco meses de prisão cada, em cúmulo jurídico, na pena única de oito meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, sob condição de pagar um montante de MOP5000,00 a favor do Governo da RAEM no prazo de um mês após a transição em julgado da decisão. A pena imposta neste processo já foi declarada extinta.
3- O arguido foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base, em 16 de Dezembro de 2010, no âmbito do processo comum nº CR2-10-0070-PCC, por um crime de consumo de estupefacientes praticado em 16 de Setembro de 2009 e, em concurso aparente, por um crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento na pena de 45 dias de prisão, suspensa na sua execução por um ano. Inconformado com a decisão, o Ministério Público recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, este proferiu decisão em 31 de Março de 2011, na qual aplicou ao arguido uma pena única de 66 dias de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses.

Factos não provados:
- Todos os demais factos relevante constantes da acusação que estejam em contradição com os assentes, designadamente: As drogas apreendidas ao arguido A foram os produtos que o mesmo comprou de um homem no Interior da China, cuja identidade não apurada, e transportou-os para Macau.

3. Direito
O recorrente suscitou a única questão que se prende com a medida concreta da pena, pretendendo que seja aplicada uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

Nos termos do art.N 40. n. 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.. 2 do mesmo artigo.
No caso sub judice, o crime pelo qual foi condenado o recorrente é punível com a pena de 3 a 15 anos de prisão.
Não resultam dos autos quaisquer circunstâncias que militem a favor do recorrente, que na audiência de julgamento se manteve em silêncio quanto à prática do crime, não obstante a sua detenção em flagrante delito, com posse de estupefacientes, o que revela a falta de reflexão e arrependimento por parte do recorrente quanto à conduta ilícita.
O recorrente não é primário e tinha sido condenado em 3 processos pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes em quantidade diminuta, de emprego ilegal, de consumo de estupefacientes e de detenção indevida de utensilagem, respectivamente, sendo que o crime reportado nos presentes autos foi cometido no período de suspensão da execução da pena anteriormente decretada.
A factualidade assente revela que é intenso o dolo do recorrente e são graves os factos ilícitos.
No que tange às finalidades da pena, são prementes, sem dúvida, as exigências de prevenção geral, face à realidade social de Macau, em que se tem detectado problemas graves relacionados com o tráfico e consumo de estupefacientes, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que põe em risco a saúde pública e a paz social.
Ao mesmo tempo, são fortes as necessidades de prevenção especial, face à antecedência criminal do recorrente.
Citando os Acórdãos anteriormente proferidos pelo Tribunal de Última Instância e pelo Tribunal de Segunda Instância e fazendo comparação das quantidades da droga apreendidas e das penas aplicadas nestes processos e nos presentes autos, alega o recorrente que a pena a si aplicada, de 7 anos de prisão, se mostra inadequada e excessiva, com violação dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade.
Ora, é de salientar que a medida concreta da pena é determinada caso a caso, tendo em consideração a moldura pena do crime, a culpa do agente e as exigências de prevenção criminal e atendendo a todos os elementos pertinentes apurados no caso concreto.
A quantidade da droga apreendida nos autos é apenas um dos elementos que a lei manda atender na determinação da medida da pena, não sendo o único.
Ponderado todo o circunstancialismo do caso concreto, nomeadamente as circunstâncias referidas no art.º 65.º do Código Penal de Macau, não se nos afigura excessiva a pena de 7 anos de prisão aplicada ao recorrente, que foi encontrada dentro da moldura penal fixada para o crime em causa.
E o recorrente não chegou a alegar a violação das regras de experiência por parte do Tribunal recorrido, que na realidade não se verifica.
Tal como tem entendido este Tribunal, “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”1, pelo que se não se estiver perante essas situações, como é no caso vertente, o Tribunal de Última Instância não deve intervir na fixação da dosimetria concreta da pena.
É de concluir pela manifesta improcedência do recurso.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em rejeitar o recurso.
Nos termos do art.º 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal de Macau, é o recorrente condenado a pagar 4 UC.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 3 UC.
  
   Macau, 30 de Setembro de 2014
  
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
1 Acórdãos do TUI, de 23 de Janeiro de 2008, 19 de Setembro de 2008, 29 de Abril de 2009 e 28 de Setembro de 2011, nos Processos nºs 29/2008, 57/2007, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
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