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Processo n.º 108/2014. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrentes: A e B.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Suspensão da eficácia do acto. Prejuízo de difícil reparação.
Data da Sessão: 8 de Outubro de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
  I – Os três requisitos previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, tendentes ao decretamento da suspensão da eficácia de acto administrativo, são de verificação cumulativa.
  II – O requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo121.º do mesmo diploma (a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso) tem sempre de se verificar para que a suspensão da eficácia do acto possa ser concedida, excepto quando o acto tenha a natureza de sanção disciplinar.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A e B requereram a suspensão da eficácia do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 16 de Maio de 2014, que declarou a caducidade da autorização de residência temporária dos requerentes, com efeitos a partir de 23 de Abril de 2013.
Por acórdão de 31 de Julho de 2014, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) indeferiu o requerido, por entender que não se verificava o requisito de que a execução do acto causasse previsivelmente prejuízo de difícil reparação para os requerentes.
Inconformados, interpõem os requerentes recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI).
Terminam a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
- O acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre se o facto da execução do acto provocaria o esvaziamento de sentido que os Recorrentes atribuem à sua vida, provocando um desequilíbrio emocional próprio e natural pelo que acórdão recorrido encontra-se ferido de nulidade.
- É notório o lapso do douto tribunal a quo quando considera que os então requerentes não haviam alegado sobre a difícil situação financeira em que a execução do acto os deixaria, como, aliás, expressamente se pode ler no artigo 50.° do Requerimento de Suspensão de Eficácia: "(...) Na verdade, a execução imediata do acto em causa colocará os Requerentes em situação de desemprego, ficando a família sem qualquer meio de sustento"; no artigo 51°: "(...) os Requerentes, mormente atenta a sua idade, dificilmente conseguirão arranjar outro emprego, e daí outra fonte de rendimento.
- A circunstância de serem proprietários de bens imóveis na RAEM não era nem é indiciária de que os ora Recorrentes teriam condições financeiras suficientes para viverem condignamente fora da RAEM.
- Ora, aos rendimentos salariais acima mencionados, acresce o rendimento de MOP$ 8.000,00 que os ora Recorrentes auferem desde 26 de Maio de 2014 em virtude do arrendamento de um dos imóveis de que são proprietários (um dos que constituiu fundamento para a sua autorização de residência).
- Para além disso, ao contrário do que sustenta o venerando tribunal a quo, com a execução do acto recorrido sempre estaria vedada aos ora Recorrentes a possibilidade de arrendar uma casa em Zhuhai.
- Por outro lado, os imóveis de que são proprietários, ou - no caso de uns - não podem ser vendidos (visto que a liberdade da sua alienação se encontra cerceada pelo artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, pelo menos enquanto não for proferida decisão sobre a questão que se encontra em discussão no âmbito dos autos de recurso contencioso), ou - no caso de outros - a sua alienação implicaria o pagamento de imposto de selo especial, determinando um prejuízo relevante, a que acresceria, na hipótese da sua venda, um forçoso despejo do filho dos Recorrentes C, da sua esposa D e do filho de ambos do imóvel em questão, onde vivem com os ora Recorrentes.
- Mal andou o douto tribunal recorrido ao concluir in casu pela inexistência de qualquer prejuízo no afastamento dos ora Recorrentes da sua família, especialmente do seu neto nascido na RAEM, prejuízo que é, inegavelmente e por natureza, irreparável e insusceptível de reintegração e, de acordo com um juízo de prognose, integralmente adveniente da não suspensão do acto recorrido.
- Por outro lado, e como já exposto, embora tenha o douto tribunal a quo omitido pronúncia sobre a presente questão, foi também alegado pelos então Requerentes que "a produção de efeitos do acto esvaziaria o sentido que os ora Requerentes atribuem à sua vida, que é o de trabalhar e permanecer em família e na terra que escolheram como sua e que os acolheu há mais de 8 anos".
O Ex.mo Procurador Adjunto emitiu parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
Estão provados os seguintes factos:
  Os requerentes requereram autorização de fixação de residência temporária na RAEM, junto do IPIM, através de aquisição de bens imóveis, cujo pedido foi concedido em 17.08.2006.
  As autorizações de fixação de residência supra referidas foram sendo sucessivamente renovadas junto do IPIM, tendo a primeira ocorrido por despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças em 01.07.2009 e a segunda por despacho de 05.12.2012, com validade até 17.08.2015.
  A concessão da autorização de fixação de residência temporária dos requerentes teve por base a aquisição de dois bens imóveis, a saber, a fracção autónoma designada por “A13”, do 13º andar A, para habitação, e metade indivisa da fracção autónoma designada por “G3”, do 3º andar G, para habitação.
  Entre 18.12.2007 e 24.06.2014, o requerente marido manteve-se empregado ao serviço da “E”
  A requerente mulher foi contratada pela sociedade “F” em 19.03.2007 para exercer funções de caixa de restaurante, exercendo actualmente, e desde 19.05.2008, as mesmas funções na sociedade “G”.
  C, filho dos requerentes, maior, foi contratado pela sociedade “H” como médico de medicina chinesa.
  Em 03.01.2013, os requerentes foram notificados pelos Serviços de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública, que a partir de 16.08.2013, data em que completariam 7 anos de autorização de residência, deveriam dirigir-se à Direcção dos Serviços de Identificação, a fim de tratarem das formalidades relativas à emissão do seu documento de identificação.
  No dia 26.03.2013, foi celebrado entre I, como cedente, e os requerentes, conjuntamente com o filho de ambos, como cessionários, um contrato através do qual aquele se obrigou a transmitir a estes a sua posição contratual de promitente-comprador das fracções autónomas “H18” e “P4-122”, nos contratos-promessa de compra e venda que havia celebrado com a “J” em 22.03.2011 e 04.04.2011.
  Para obter financiamento, os requerentes constituíram hipoteca sobre a supra mencionada fracção autónoma “A13” a favor do [Banco (1)]
  No dia 16.08.2013, os requerentes requereram à Direcção dos Serviços de Identificação a emissão dos seus Bilhetes de Identidade de Residente Permanente da RAEM.
  Por ofício datado de 03.09.2013, o IPIM comunicou ao requerente marido que a sua autorização de fixação de residência, bem como a da ora requerente mulher, iriam ser canceladas, com fundamento no facto de ter sido constituída uma hipoteca sobre a fracção autónoma “A13” a favor do “[Banco (1)]”, para garantia de um financiamento no montante de HKD$2.640.000,00.
  No dia 24.09.2013, os requerentes procederam ao cancelamento da referida hipoteca que incidia sobre a fracção “A13”.
  Por ofício de 11.06.2014, os requerentes foram notificados do despacho do Exmº. Secretário para a Economia e Finanças, declarando a caducidade da autorização de residência temporária dos requerentes, com efeitos a partir do dia 23.04.2013, com fundamento em que a situação de investimento que fundamentou a autorização de fixação de residência dos requerentes não se manteve.
  O filho de ambos, C, tem um filho nascido em Macau.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
O Acórdão recorrido entendeu que, para que a providência cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos pudesse ser decretada, seria necessária a verificação cumulativa dos três requisitos previstos no artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC). E que não se verificava o requisito segundo o qual a execução do acto causaria aos requerentes previsivelmente prejuízo de difícil reparação, pelo que indeferiu o requerido. Estes discordam da não verificação deste requisito.
É esta a questão a apreciar.

2. Prejuízos de difícil reparação
No caso dos autos é requisito da concessão da suspensão de eficácia dos actos administrativos que a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso.
O acórdão recorrido considerou que não se verificava tal requisito, o que os ora recorrentes discordam.
Vejamos, pois, se o que os recorrentes alegaram na providência cautelar configura tal requisito.
  Os recorrentes começaram por alegar (o que foi considerado provado) que entre 18.12.2007 e 24.06.2014, o requerente marido manteve-se empregado ao serviço da “E”. E que a requerente mulher foi contratada pela sociedade “F” em 19.03.2007 para exercer funções de caixa de restaurante, exercendo actualmente, e desde 19.05.2008, as mesmas funções na sociedade “G”.
Alegam os ora recorrentes que, se executado acto, ficarão desempregados e sem qualquer meio de sustento, já que, atenta a sua idade (que não disseram qual era, apenas tendo alegado neste recurso jurisdicional – manifestamente de forma extempoânea - terem 56 e 54 anos de idade) dificilmente arranjarão outro emprego, designadamente no Interior da China.
Pois bem, aceita-se que da execução do acto resultará previsivelmente a cessação do trabalho dos ora recorrentes em Macau. Mas essa consequência só releva no lapso de tempo que durará o processo de recurso contencioso que, em regra, não é superior a um ano, incluindo aqui eventual recurso jurisdicional da decisão em 1.ª instância.
Se o recurso contencioso mantiver o acto administrativo o prejuízo dos recorrentes não tem qualquer relevância em sede desta providência cautelar. Se não mantiver e o anular, então poderão os recorrentes obter novo emprego em Macau, o que não se mostra difícil para residentes permanentes, mesmo para pessoas com a sua idade.
Por outro lado, o que os ora recorrentes não demonstram, nem mesmo com uma prova perfunctória ou ligeira, é que desse desemprego – durante a pendência do recurso contencioso apenas, como se disse - resultará a sua impossibilidade de sustento.
Antes, o que resulta dos factos provados é que os recorrentes terão outras fontes de rendimentos ou poupanças, que não se limitam aos seus salários actuais.
  Na verdade, em 2006 os ora recorrentes adquiriram uma fracção autónoma para habitação e metade indivisa de outra fracção autónoma para habitação. E foi com base nestas aquisições que requereram o estatuto de residentes temporários em Macau.
  Alegaram os recorrentes que, em 2013, os ora recorrentes e o único filho prometeram comprar duas fracções autónomas, uma para habitação e outra para estacionamento, pelo preço total de MOP$10.248.500,00, tendo feito hipoteca a banco, de outra fracção, para garantir o pagamento de HKD$3.870.000,00. E que pagaram imposto de selo no montante de MOP$242.524,00.
  Ora, entre 2007 e 2013 não foi seguramente apenas com os seus salários que os recorrentes angariaram mais de MOP$6.000.000,00 para comprar estas últimas duas fracções, sendo certo que também tiveram despesas com o seu sustento diário.
  Logo, terão, necessariamente, outras fontes de rendimentos ou poupanças.
  Por outro lado, ainda que assim não fosse, se tiverem necessidade, para se sustentar, podem alienar estas últimas duas fracções. Provavelmente já valem bem mais do que aquilo que os ora recorrentes pagaram.
  Terão de pagar imposto de selo. Certo. Mas tais prejuízos são indemnizáveis, não sendo de difícil reparação, se vier a ser dada razão aos recorrentes no recurso contencioso.
  Soçobra, assim, o 1.º argumento dos recorrentes.
  O 2.º argumento é o seguinte: a caducidade das autorizações de residência dos ora Recorrentes implicaria o afastamento imediato e abrupto do seu neto menor, comprometendo irredutivelmente o sentido de união de família.
  Antes de mais, não sabemos se os recorrentes têm um convívio intenso com o neto, até porque ambos trabalham, não são propriamente reformados que tomam conta do neto.
  Mas ainda que tenham convívio intenso com o neto, não é imperioso o afastamento imediato e abrupto deste convívio. Basta que escolham residência perto de Macau. Podem visitar o neto e ser visitados por ele com muita frequência, neste lapso tempo que decorre durante a pendência do recurso contencioso.
Alegam, por fim, os recorrentes que com a execução do acto recorrido seriam violentamente forçados a abandonar o seu lar com destino incerto, sendo que não têm qualquer outro local com condições condignas para viver que não na R.A.E.M.
E que a produção de efeitos do acto recorrido e o consequente abandono do Território esvaziará o sentido que os Requerentes atribuem à sua vida, que é o de trabalhar e permanecer em família e na terra que escolheram como sua e que os acolheu há mais de 8 anos, pelo que não têm condições físicas ou psíquicas para, aos 56 e 54 anos respectivamente, abandonar a RAEM de forma abrupta e com apenas uma mala de viagem na mão.
  Vejamos. É exacto que o acórdão recorrido não se pronunciou especificamente sobre esta última questão.
  Os recorrentes vivem em Macau há oito anos, tendo vindo do Interior da China. Dada a sua idade, foi muito maior o período de tempo que viveram no Interior da China, do que os oito anos vividos em Macau. Por isso, terão certamente muitos mais laços familiares e de amizade no Interior da China do que em Macau que, de familiares apenas têm o filho, o neto e a nora (pelo menos não falaram de quaisquer outros familiares).
Não se vislumbra, por outro lado, por que é que terão de levar apenas uma mala de viagem na mão.
  Quanto a não terem qualquer outro local com condições condignas para viver que não em Macau, aceita-se que possa ser o caso. Mas não parece difícil arranjar tal local, dado o património dos recorrentes, de que atrás se fala.
  No tocante à falta de condições físicas ou psíquicas para se deslocarem para outro local, não se aceita como verosímil esta alegação. Com 56 e 54 anos de idade, sendo pessoas ainda activas e a trabalharem, têm certamente condições para se estabelecerem noutro local.
Improcedem as questões suscitadas.
Não merece censura o acórdão recorrido.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça fixada em 4 UC.
Macau, 8 de Outubro de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho




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Processo n.º 108/2014

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