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Processo n.º 67/2014
Recurso Penal
Recorrentes: A e B
Recorridos: Ministério Público
Data da conferência: 30 de Setembro de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Crime de roubo
- Tentativa
- Atenuação especial da pena

SUMÁRIO

1. Nos crimes de furto e de roubo, a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção.
2. A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.
3. No caso dos autos, a factualidade apurada revela que os recorrentes não conseguiram manter os bens subtraídos na sua posse com uma estabilidade relativa, pois o seu domínio sobre os bens subtraídos estava sempre sujeito aos riscos imediatos de reacção do ofendido e dos agentes policiais que os perseguiram e interceptaram, tendo os bens do ofendido sido recuperados pouco tempo depois do roubo, pelo que é de considerar que não se consumou a subtracção.
4. Concluído pela forma tentada do crime de roubo, há que lançar mão à atenuação especial da pena, ao comando do art.º 22.º n.º 2 do Código Penal de Macau.

A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, A e B, 1.º e 2.º arguidos nos presentes autos, foram condenados, pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de roubo p.p. pelo art.º 204.º n.º 2, al. d), conjugado com o art.º 198.º n.º 2, al. f), ambos do Código Penal de Macau, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão.
Inconformados com a decisão, recorreram para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu julgar improcedentes os recursos, confirmando a decisão de 1.ª Instância.
Vêm agora os dois arguidos recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando nas suas motivações do recurso as seguintes conclusões:
1. O acórdão recorrido julga improcedente o recurso, mantém a decisão da primeira instância e rejeita as argumentações do recorrente de que “existe erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal a quo”, “o crime de roubo dos dois arguidos é frustrado” e “há circunstâncias atenuativas, a pena é excessivamente severa e merece a suspensão de execução da pena”.
2. Fundamentando-se em que o Tribunal a quo não viola as regras de experiência comum e não existe erro notório na apreciação da prova, o acórdão recorrido rejeita a argumentação do recorrente de que “existe erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal a quo”.
3. O acórdão recorrido puramente entende que não são violadas as regras de experiência da vida quotidiana, nem é irrazoável o juízo dos factos feito pelo Tribunal a quo (incluindo a valorimetria sobre o telemóvel do ofendido e a prática dolosa do roubo com instrumento cortante mediante a intenção comum dos dois arguidos), todavia, não justifica a inexistência de irrazoabilidade, ou seja, não explica os fundamentos.
4. No que diz respeito à alegada prática de roubo com instrumento cortante, questionada pelo recorrente na petição de recurso, o acórdão recorrido indica que “não se mostra necessariamente que a versão dos factos alegada pelo ofendido é falsa. De acordo com as regras de experiência, é possível que antes de ser interceptado pelos agentes da polícia o titular do instrumento cortante o abandonou num determinado lugar onde é difícil encontrar o instrumento cortante.”
5. O recorrente entende que o acórdão recorrido não considera as dúvidas justas deduzidas na petição de recurso e acredita unilateralmente no depoimento do ofendido, sem examinar a diferença nas alegações anterior e posterior do ofendido, nomeadamente que, face à distância curta entre o local do caso e o local onde os arguidos foram presos, não é possível que o instrumento cortante seja abandonado num determinado lugar onde é difícil encontrar o instrumento cortante. Entende-se que não é convincente a fundamentação do acórdão recorrido.
6. Foi ou não utilizado um instrumento cortante? Leva-se da análise sobre o ambiente objectivo para concluir que, os arguidos não usaram instrumento cortante.
7. Se o 2º arguido tivesse usado instrumento cortante como o ofendido alega, devia ser encontrado esse instrumento cortante quando foram presos, uma vez que passou pouco tempo do acontecimento do caso até que foram capturados, a distância foi de 7 a 8 metros, mas na verdade, não há qualquer instrumento cortante apreendido no processo.
8. A nossa maior dúvida consiste em que a testemunha indica no auto de inquirição do Ministério Público (vide a fls. 43 dos autos) que o recorrente usou navalha, mas diz no Juízo de Instrução Criminal que o recorrente usou instrumento cortante (de 7 cm) (vide a fls. 56 dos autos), não se percebe porque o ofendido consegue lembrar-se claramente a tempo mais tarde da longitude do instrumento cortante, enquanto que anteriormente tem dito sempre que o recorrente usou navalha. Existe obviamente diferença entre o depoimento do ofendido e o auto.
9. Deste modo, o acórdão recorrido modificou os factos originais de acusação, sem justificar essa dúvida.
10. Não havendo qualquer instrumento cortante apreendido no processo, entende-se que não é crível o depoimento do ofendido.
11. O Tribunal a quo entende, só com base no depoimento do ofendido, que o recorrente participou na prática de roubo dos bens de outrem com o 1º arguido (sic.). Consideramos que existe erro notório na apreciação da prova, visto que não examina as outras circunstâncias contrariadas, nomeadamente a desconformidade entre uma parte do depoimento do ofendido e os factos objectivos.
12. O acórdão recorrido padece do vício de existência de erro notório na apreciação da prova previsto no art.º 400.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal, o acto do recorrente não satisfaz o requisito de construir o crime de roubo.
13. O acórdão recorrido rejeita a argumentação do recorrente de que o crime de roubo dos dois arguidos é frustrado e alega que “De acordo com os factos provados pelo Tribunal a quo, entende-se que embora os arguidos acabassem por ser interceptados pelos agentes da polícia, privaram anteriormente os bens do ofendido, devem ser condenados pela prática de crime de roubo consumado. O Tribunal a quo fez julgamento correcto nessa parte e este Tribunal não julga frustrado o crime.”
14. Salvo o devido respeito, não se acompanha o entendimento. O acórdão recorrido não considera as curtas distâncias temporal e espacial entre o acontecimento do caso e a detenção, nem pondera que os arguidos não obtinham o domínio efectivo e a disposição dos bens. O acórdão recorrido incorre em erro notório e viola a lei ao julgar consumado o crime puramente com base em que já privaram os bens do ofendido.
15. Concorda-se com o entendimento da 1ª Juíza-adjunta na declaração de voto.
De acordo com os factos provados, “Privados os bens pelos dois arguidos à frente da discoteca “DD”, o ofendido C gritou por socorro, quando os agentes do CPSP passaram pelo local e o ouviram. Conseguiram interceptar os dois arguidos fora do Hotel Lisboa. Encontraram-se do arguido A os numerários de MOP$60, de HKD$40 e de CHY$20 e um telemóvel NOKIA (vide o auto de apreensão constante da fls. 4 dos autos).”
1Como indica o TUI no acórdão n.º 24/2013: “Seja como for, afigura-se mais conforme com a noção de subtracção um entendimento que exija alguma estabilidade no domínio de facto da coisa pelo agente da infracção. Por exemplo, que o agente iluda a perseguição da vítima ou terceiro, que fique a salvo, ainda que por breves instantes.
Pelo que, os dois recorrentes foram perseguidos pelos agentes após privarem os bens do ofendido e os agentes acabaram por conseguir apreender os bens, isto é, o domínio dos recorrentes sobre a coisa estavam relativamente instável, não se ultrapassaram os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.” (vide o anexo)
16. Além disso, a decisão a quo julga consumado o acto de roubo dos arguidos, porque “…quando os arguidos saíram da cena, o ofendido gritou “socorro” e dois agentes policiais intervieram e interceptaram os arguidos. No caso, os arguidos já forçaram efectivamente por meio flagrante de violência o ofendido a entregar-lhes os bens de valor superior a MOP$500. Obtidos os bens, ao saírem do local do caso, foram interceptados pelos agentes policiais. Deste modo, os arguidos já se apoderaram efectivamente dos bens”.
17. Conforme as provas (depoimentos do ofendido e dos dois agentes policiais), ao saírem da cena, o ofendido gritou de imediato e os agentes policiais estavam perto dali. Um dos agentes, D, indica que estavam a 7 a 8 metros atrás, os agentes interceptaram imediatamente os arguidos.
18. Pode-se dizer certamente que, são extremamente curtas as distâncias temporal e espacial da privação dos bens à detenção, os arguidos até não se afastaram da vista do ofendido. Pelo que, podemos dar provado que os arguidos são flagrantes delitos. É flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer.
19. Conforme o requisito objectivo do crime de roubo, a consumação do crime de roubo não é simplesmente a subtracção dos bens, mas a subtracção dos bens móveis do domínio do ofendido e a colocação daqueles para o domínio do agente ou de outra pessoa.
20. De acordo com os factos provados, o recorrente não fugiu imediatamente após privar os bens do ofendido, gritou este por socorro e dois agentes policiais detiveram o recorrente e o 1º arguido (sic.) dentro dum tempo muito curto e pouca distância. Embora os arguidos já obtivessem os bens quando saíram, o ofendido não perdeu completamente, na altura, o domínio sobre os bens, isto é, os arguidos não obtinham domínio completo e relativamente estável sobre os bens do ofendido. Do acontecimento à detenção, é impossível que os arguidos obtivessem o domínio efectivo dos bens roubados.
21. Quando o agente tiver a resolução criminosa e tiver praticado o acto criminoso mas não conseguir subtrair a coisa móvel alheia, ou a outra pessoa não a entregar, ou o agente não conseguir constranger a que lhe seja entregue a coisa, o roubo é frustrado. Como o crime de furto, é preciso analisar, no caso, quanto tempo a coisa móvel se torna pertencente ao património do agente ou de outra pessoa para construir um crime consumado.
22. O crime de roubo é um tipo de crime de furto qualificado por existir circunstâncias de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir (art.º 204.º do Código Penal), portanto, a questão de quando construi a consumação do crime de furto também se destaca para o crime de roubo.
23. Seja como for, afigura-se mais conforme com a noção de subtracção um entendimento que exija alguma estabilidade no domínio de facto da coisa pelo agente da infracção. Por exemplo, que o agente iluda a perseguição da vítima ou terceiro, que fique a salvo, ainda que por breves instantes.
24. Para o efeito, alguma doutrina e jurisprudência têm propendido a que a subtracção só se efectiva quando o domínio do agente sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.
25. O domínio do agente ou de outra pessoa sobre a coisa subtraída tem que ser completo e autónomo, ou seja, a apropriação só se torna relativamente estável e só se pode construir a consumação quando o agente tiver subtraído a coisa móvel do domínio da vítima e ultrapassado os riscos imediatos de reacção da vítima ou de outrem.
26. No caso, o domínio efectivo dos arguidos sobre os bens não foi estável. Privados os bens pelos dois arguidos à frente da discoteca “DD”, o ofendido C gritou por socorro, quando os agentes do CPSP passaram pelo local e o ouviu. Conseguiram interceptar os dois arguidos fora do Hotel Lisboa. Da privação à detenção demorou pouco tempo e a distância era muito curta, na altura, o ofendido estava a gritar por socorro e os agentes policiais estavam a perseguir os arguidos, que não se conseguiram afastar dos riscos e não tinham o domínio efectivo sobre os bens. Pelo que o acto de subtracção não tinha sucesso.
27. Ao abrigo do art.º 22.º n.º 2 do Código Penal, a tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada.
28. Como o acto do recorrente e do 2º arguido satisfaz a disposição de tentativa, o Tribunal a quo e o acórdão recorrido deviam conceder ao recorrente a atenuação especial e determinar a pena adequada nos termos do art.º 67.º do Código Penal.
29. O acórdão recorrido mantém a decisão a quo e condena o recorrente pela prática da forma consumada com circunstâncias agravantes, assim sendo, viola o art.º 204.º n.º 1 e 2 alínea b), art.º 198.º n.º 4 e art.º 22.º n.º 2 do Código Penal, deve ser revogado por padecer de “vício decorrente do erro da interpretação da lei” previsto no art.º 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal.
30. Fundamentando-se em que os arguidos não confessou na audiência e não são primários, o acórdão recorrido nega a argumentação do recorrente de que se deve aplicar a atenuação especial, a pena é excessivamente severa e merece a suspensão de execução da pena.
31. Todavia, o caso ocorreu há mais de 9 anos, o comportamento efectivo deles desde o acontecimento do caso mostra que já se reflectem e estão arrependidos pelo crime praticado, tomam a iniciativa de reintegrar-se na sociedade e contrariam a crimes.
32. Além disso, os arguidos não causaram ao ofendido qualquer lesão por meio de violência e o ofendido não sofreu qualquer dano patrimonial.
33. Cumpre salientar que, os arguidos praticaram o crime, em 15 de Março de 2005, há mais de 9 anos.
34. Os arguidos praticaram o acto na altura em que não tinham dinheiro para consumir droga, entretanto, com a ajuda e a suporta dos familiares e amigos, reformam-se por eles próprios constantemente e deixam de consumir droga há vários anos, reintegram-se na sociedade e trabalho, emendam-se, altera-se obviamente a personalidade deles, já têm emprego estável com bom comportamento, são bem estimados pelo empregador e amigos.
35. Deste modo, o acórdão recorrido não concede a suspensão, viola os art.º 44.º a 55.º do Código Penal, deve ser revogado por padecer de “vício decorrente do erro da interpretação da lei” previsto no art.º 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal.
36. Entende-se que deve aplicar ao recorrente a atenuação especial de acordo com o art.º 66.º n.º 2 alínea d) e art.º 67.º do Código Penal. É mais adequando condenar o recorrente em pena de prisão de 2 anos ou inferior. Deve-se considerar ainda que, de acordo com o art.º 67.º n.º 2 do Código Penal, a pena especialmente atenuada que tiver sido em concreto fixada é passível de substituição e suspensão, nos termos gerais.
37. No caso, após feita uma análise integral, o recorrente está arrependido, são leves as circunstâncias criminosas, a culpabilidade subjectiva é suave, o crime é frustrado e o ofendido não sofre qualquer dano, pode-se acreditar fundamentadamente que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam adequada e suficientemente as finalidades da punição, portanto, deve-se suspender a execução da pena, o que favorece mais à satisfação das necessidades de prevenção geral e especial. Pode-se fixar o prazo de suspensão ao seu máximo, em 5 anos.
Alega ainda o arguido B que, desde que deixou de consumir droga em 2006, reforma-se a vida do recorrente, não comete qualquer crime há vários anos, participa as actividades sociais de interesse comum e presta serviços aos indivíduos toxicodependentes e desfavoráveis. Tomando isso em conta, deve-se aceitar o arguido.

Respondeu o Ministério público, terminando a sua resposta à motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1. Como é sabido, o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão com provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
2. Ao abrigo do art.º 114.º do Código de Processo Penal, compete ao juiz apreciar livremente as provas apresentadas permitidas pela lei, com observância das disposições do valor probatório e das regras profissionais. O juiz aprecia, segundo as regras de experiência e o senso comum, a probabilidade das provas produzidas, de forma a admitir ou negar factum probandum.
3. De acordo com os autos, foi conforme as regras de experiência e após fazer um raciocínio lógico dos meios da prova, tais como as declarações dos recorrentes na audiência, a declaração para memória futura prestada pelo ofendido no Juízo de Instrução Criminal, os depoimentos das testemunhas e as provas documentais nos autos, nomeadamente o auto de apreensão, que o Tribunal a quo deu provados os factos apurados; não se vê qualquer erro em dar provados os factos.
4. Tendo em conta as provas produzidas na audiência, o Tribunal a quo não aceitou as declarações dos recorrentes, mas sim o depoimento do ofendido, não violou as regras de experiência ou o senso comum. Os recorrentes entendem que não devia aceitar o depoimento do ofendido mas sim o teor das declarações deles, o que obviamente é a sua opinião subjectiva, não obstante a formação de convicção livre do Tribunal a quo segundo as regras de experiência.
5. Os recorrentes limitam-se meramente a questionar a convicção do Tribunal a quo com a convicção deles sobre os factos que estes entendem provados, de forma a exprimir uma opinião diferente sobre os factos provados pelo Tribunal, não passando de tentar duvidar a convicção livre do Tribunal por meio de deduzir vícios, o que viola o art.º 114.º do Código de Processo Penal.
6. Salvo o devido respeito, a situação deste caso é diferente dos factos do acórdão do TUI, invocado pelos recorrentes.
7. No caso, os agentes privaram os bens e fugiram não por meio de distrair o ofendido como acontecido no caso do acórdão invocado, mas sim constrangeram o ofendido a entregar os bens ou privaram os bens alheios por meio de ameaça com instrumento cortante, ultrapassando os riscos imediatos de reacção do ofendido. Os recorrentes não só praticaram o acto integral de roubo, mas também subtraíram coercivamente todos os seus bens, apoderaram-se daqueles e saíram, só que acabaram por ser detidos pelos agentes policiais, portanto, o crime deve ser considerado frustrado.
8. Bem como indicado no acórdão referido do TUI, há várias teorias sobre a consumação do crime patrimonial. Seja o que for, desempenha uma importante função teórica e prática apreciar a consumação do crime a partir de realização do acto criminoso, legitimidade de defesa e possibilidade de desistência, etc.
9. No caso, os recorrentes não são primários, na altura foram consumidores de droga por longo período, praticaram o roubo com instrumento cortante para obter interesses pecuniários, desprezaram a liberdade pessoal e o direito patrimonial de outrem, o crime é grave. Portanto, são relativamente elevadas as necessidades de prevenção geral e especial.
10. Todavia, o caso ocorreu em 5 de Março de 2005, há mais de 9 anos.
11. Conforme os autos, embora o 2º recorrente não seja primário, tenha sido condenado pela prática de crime penal e cumprido a pena de prisão, tem-se comportado bem desde a ocorrência do caso em 2005 até agora, sem violar qualquer lei. Depois de deixar de consumir droga em Janeiro de 2006, dedicou-se activamente aos serviços de comunidade e ajudou como voluntário no tempo livre as pessoas em necessidade com a sua própria experiência anterior, nomeadamente as pessoas toxicodependentes. Contam dos autos várias provas do comportamento do 2º recorrente num longo período.
12. O comportamento do 2º recorrente B desde a ocorrência do caso até agora demonstra que já se reflecte e está muito arrependido pelo crime, toma a iniciativa de reintegrar-se na sociedade, contraria a crimes e até ajuda os outros com as suas experiências anteriores, reduzindo assim a necessidade de aplicação de pena. Pelo que, deve-se conceder-lhe a atenuação especial nos termos do art.º 66.º n.º 1 e n.º 2 alínea d) do Código Penal, determinar uma nova pena e condená-lo em pena de prisão inferior a 3 anos, cuja execução fica suspensa.
13. Mesmo não construindo a situação de atenuação especial, entende-se que deve punir o 2º recorrente com pena leve porque o caso ocorreu há mais de 9 anos, o 2º recorrente não só se reintegra na sociedade, vive das próprias mãos, se torna independente de droga e álcool, trabalha e vive responsavelmente e mantém bom comportamento a longo prazo, mas também ajuda como voluntário no tempo livre as pessoas toxicodependentes ou com outras questões.
14. Como se sabe, a imposição de pena visa à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade. Pelo menos na reintegração na sociedade, o 2º recorrente emite-nos sinais positivos.
15. Isto é, mesmo não estando satisfeitas a situação de atenuação especial, considerado o caso concreto, nomeadamente o comportamento bom do 2º recorrente em 9 anos desde o caso, pode-se dar provadas as circunstâncias favoráveis para determinar uma pena leve. Pelo que, não obsta condená-lo em pena de prisão mínima (3 anos), cuja execução fica suspensa.
16. Após este caso, o 1º recorrente foi condenado em 2006 pela prática de crime respeitante à droga, mas do cumprimento de pena em 9 de Junho de 2009 até agora, dentro desses 5 anos, não violou qualquer lei. Actualmente tem um emprego estável com comportamento diligente, portanto, não se opõe a punir o 1º recorrente com pena leve de prisão de 3 anos, cuja execução fica suspensa por um longo período, de forma a vincular o 1º recorrente a manter o bom comportamento e reintegrar-se efectivamente na sociedade, sem cometer novo crime.

Nesta instância, a Digna Procuradora-Adjunta do Ministério Público emitiu o douto parecer, mantendo a posição já assumida na resposta à motivação do recurso.
Foram corridos vistos.

2. Factos
Nos autos foram dados como provados os seguintes factos constantes da acusação:
- Em 15 de Março de 2005, por volta da meia noite, o ofendido C passou pela Escola Portuguesa sita na Zona Central, momento em que os dois arguidos A e B dirigiram-se ao mesmo pedindo-lhe dinheiro.
- O ofendido C ignorou os arguidos e continuou a caminhar, mas os arguidos A e B seguiram-no.
- Quando o ofendido C passou pela “Discoteca DD”, o arguido A aproximou-se dele pedindo-lhe continuamente dinheiro, pelo que o ofendido deu ao arguido A 20 dólares de Hong Kong.
- Insatisfeito com a quantia acima referida, o arguido A exigiu ao ofendido C que lhe desse a carteira e todos os bens, altura em que o arguido B tirou um instrumento cortante apontando-a à parte direita da barriga do ofendido para forçá-la a dar-lhes os bens.
- O ofendido C foi forçado a entregar ao arguido A a carteira, na qual estavam 60 patacas, 40 dólares de Hong Kong e 20 RMB.
- A seguir, o arguido A meteu a mão no bolso esquerdo das calças do ofendido C e tirou-lhe um telemóvel da marca NOKIA, naquele tempo de valor de cerca de 600 pataca (vide o auto de perícia que consta de fls. 47 dos autos)
- Os arguidos A e B foram-se embora depois de o arguido A ter devolvido ao ofendido C, a pedido dele, o “SIM Card” no telemóvel acima referido e 20 dólares de Hong Kong.
- Roubado pelos dois arguidos A e B, o ofendido C gritou em voz alta dizendo “fui roubado”, momento em que os agentes da PSP que patrulharam o local ouviram o grito de socorro e imediatamente perseguiram os arguidos, e interceptaram-nos fora do Hotel Lisboa.
- Os agentes policiais encontraram na posse do arguido A 60 patacas, 40 dólares de Hong Kong e 20 RMB, bem como um telemóvel da marca NOKIA (vide o auto de apreensão a fls. 4 dos autos)
- Os dois arguidos A e B, com ilegítima intenção de apropriar-se dos bens do ofendido, agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços e intenções, por meio de ameaça com perigo iminente para a integridade física e com a utilização de arma (instrumento cortante), ao forçar o ofendido a entregar-lhes bens.
- Por fim, os dois arguidos A e B não conseguiram apropriar-se dos bens do ofendido por causa da intervenção oportuna dos agentes policiais e da ajuda por estes oferecida ao ofendido.
- Os dois arguidos A e B bem sabiam que a sua conduta é legalmente proibida e punida.
*
Também se provou que:
- Segundo o certificado de registo criminal, o 1º arguido A não é delinquente primário e tem os seguintes antecedentes criminais:
1. Em 19 de Janeiro de 1995, foi condenado, no âmbito do Processo Sumário n.º 33/95 do Tribunal Judicial de Base, pela prática de um crime de detenção de droga para consumo pessoal e um crime de detenção de instrumentos para consumo de droga, na pena global de multa de 3000 patacas, convertível em 99 dias de prisão.
2. Em 4 de Junho de 1996, foi condenado, no âmbito do processo penal de querela n.º 726/96 do TJB, pela prática de um crime de roubo, na pena de 1 ano de prisão efectiva; o arguido cumpriu, na íntegra, a pena de prisão em 30 de Janeiro de 1997.
3. Em 12 de Março de 2001, foi condenado, no âmbito do processo n.º PCC-094-00-3 do TJB, pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, na pena de 9 meses de prisão efectiva; o arguido cumpriu, na íntegra, a pena de prisão em 28 de Maio de 2001.
4. Em 18 de Setembro de 2001, foi condenado, no âmbito do processo n.º PCC-035-01-4 do Tribunal Judicial de Base, pela prática de um crime de tráfico de droga de menor quantidade, um crime de detenção de instrumentos para consumo de droga e um crime de consumo de droga, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão efectiva e pena de multa de 5.000,00 patacas, convertível em 50 dias de prisão; em 13 de Outubro de 2003 o arguido cumpriu, na íntegra, a pena de prisão em apreço.
5. Em 6 de Maio de 2005, foi condenado, no âmbito do processo n.º CR3-04-0166-PCS do TJB, pela prática de um crime de detenção de droga, na pena de 45 dias de prisão efectiva; a decisão transitou em julgado em 11 de Julho de 2005.
6. Em 29 de Junho de 2005, foi condenado, no âmbito do processo n.º CR2-05-0110-PSM do Tribunal Judicial de Base, pela prática de um crime de detenção ilegal de droga para consumo pessoal, na pena de 2 meses de prisão efectiva, sendo condenado, em cúmulo jurídico desta pena e da pena acima referida, na pena global de três meses de prisão efectiva; a respectiva pena já foi cumprida.
7. Em 23 de Junho de 2006, foi condenado, no âmbito do processo n.º CR2-05-0079-PCC do Tribunal Judicial de Base, pela prática de um crime de detenção ilegal de instrumentos para consumo de droga e um crime de detenção ilegal de droga para consumo pessoal, respectivamente na pena de 4 meses de prisão e pena de 2 meses de prisão, sendo condenado, em cúmulo jurídico, na pena global de cinco meses de prisão efectiva; tal pena foi posteriormente absorvida pela pena aplicada no processo n.º CR1-03-0155-PCC.
8. Em 30 de Junho de 2006, foi condenado, no âmbito do processo n.º CR1-05-0358-PCS do Tribunal Judicial de Base, pela prática de um crime de detenção ilegal de droga para consumo pessoal e um crime de detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem, respectivamente na pena de 45 dias de prisão e pena de 3 meses de prisão, sendo condenado, em cúmulo jurídico, na pena global de 3 meses e 15 dias de prisão efectiva, da decisão recorreu o arguido para o TSI, que rejeitou o recurso; tal pena foi posteriormente absorvida pela pena aplicada no processo n.º CR2-05-0277-PCC.
9. Em 14 de Setembro de 2006, foi condenado, no âmbito do processo n.º CR2-06-0161-PSM do Tribunal Judicial de Base, pela prática de um crime de detenção ilegal de droga para consumo pessoal e um crime de detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem, respectivamente na pena de 2 meses de prisão e 4 meses de prisão, sendo condenado, em cúmulo jurídico, na pena global de 5 meses de prisão efectiva; tal pena foi posteriormente absorvida pela pena aplicada no processo CR2-05-0277-PCC.
10. Em 19 de Outubro de 2006, foi condenado, no âmbito do processo n.º CR1-03-0155-PCC do Tribunal Judicial de Base, pela prática de um crime de detenção indevida de instrumentos para consumo pessoal e um crime de detenção ilegal de droga para consumo pessoal, respectivamente na pena de 4 meses de prisão e 2 meses de prisão, sendo condenado, em cúmulo jurídico, na pena global de 5 meses de prisão efectiva; tal pena foi posteriormente absorvida pela pena aplicada no processo CR2-05-0277-PCC.
11. Em 16 de Março de 2007, foi condenado, no âmbito do processo n.º CR2-03-0277-PCC (sic.) do Tribunal Judicial de Base, pela prática de um crime de tráfico de droga de menor quantidade, um crime de detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem e um crime de detenção ilegal de droga para consumo pessoal, respectivamente na pena de 1 ano e 2 meses de prisão e pena de multa de 2.000,00 patacas, convertível em 13 dias de prisão, pena de 4 meses de prisão e pena de 2 meses de prisão, em cúmulo jurídico, na pena global de 1 ano e 5 meses de prisão efectiva, e pena de multa de 2.000,00 patacas, convertível em 13 dias de prisão; sendo condenado, em cúmulo jurídico desta pena e das penas aplicadas nos processos n.ºs CR2-05-0079-PCC, CR1-05-0358-PCS, CR2-06-0161-PSM e CR1-03-0155-PCC, na pena global de 2 anos de prisão efectiva e na pena de multa de 2.000,00 patacas que convertível em 13 dias de prisão; tal pena foi posteriormente absolvida pela pena aplicada no processo n.º CR1-06-0138-PCC, que foi cumprida na íntegra em 9 e Junho de 2009.
12. Em 22 de Novembro de 2007, foi condenado, no âmbito do processo n.º CR1-06-0138-PCC do Tribunal Judicial de Base, pela prática de um crime de tráfico e consumo de droga, um crime de detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem e um crime de aquisição ou detenção ilegal de droga para consumo pessoal, respectivamente na pena de 7 meses de prisão e pena de multa de 4.000,00 patacas, convertível em 26 dias de prisão, pena de 4 meses de prisão e pena de 2 meses de prisão, em cúmulo jurídico, na pena global de 1 ano e 5 meses de prisão efectiva, e pena de multa de 2.000,00 patacas, convertível em 13 dias de prisão; sendo condenado, em cúmulo jurídico desta pena e da pena aplicada no processo n.º CR2-05-0227-PCC, na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão efectiva e na pena de multa de 6.000,00 patacas que convertível em 39 dias de prisão; o arguido cumpriu, na íntegra, a pena de prisão em 9 e Junho de 2009.
- De acordo com o certificado de registo criminal, o 2º arguido B foi condenado criminalmente, os seus antecedentes constam de fls. 30 a 40 e 486 a 487 dos autos:
1. Em 27 de Janeiro de 2000, foi condenado, no âmbito do processo comum colectivo n.º 680/99 do TJB, pela prática de um crime de alojamento de imigrantes clandestinos, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses; tal pena foi posteriormente declarada extinta por ter sido decorrido o período da suspensão.
2. Em 31 de Outubro de 2003, foi condenado, no âmbito do processo sumário n.º PSM-080-03-1 do TJB, pela prática de um crime de consumo de droga, na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses; a suspensão foi posteriormente revogada, e o arguido cumpriu, na íntegra, a pena de prisão em 28 de Setembro de 2004.
3. Em 2 de Junho de 2004, foi condenado, no âmbito do processo sumário n.º PSM-049-04-6 do TJB, pela prática de um crime de consumo de droga, na pena de 2 meses de prisão efectiva, que foi cumprida em 31 de Julho de 2004.
4. Em 29 de Junho de 2005, foi julgado no âmbito do processo n.º CR3-04-0210-PCS do TJB, pela prática de um crime de furto; o procedimento criminal deste caso extinguiu-se pela desistência do ofendido.
- O 1º arguido A é chefe da administração de propriedade, com rendimento mensal de cerca de nove mil patacas, tem como a sua habilitação literária o 6º ano da escola primária e tem a seu cargo os pais.
- O 2º arguido B é agente administrativo da [Associação], com rendimento mensal de cerca de nove mil patacas, tem como a sua habilitação literária o 5º ano da escola primária e tem a seu cargo os pais.
*
Factos não provados:
Dado que o facto de “os arguidos A e B não conseguiram praticar a conduta criminosa acima referida” que se descreve na acusação trata-se dum juízo jurídico, o Tribunal não precisa de o reconhecer e deve conhecer deste no que diz respeito à aplicação da lei.
Realizada a audiência, este Tribunal entende não se ter provado os seguintes factos descritos na acusação:
- O instrumento cortante que o arguido B apontou à parte direita da barriga do ofendido foi uma navalha.
- O instrumento cortante que os arguidos A e B trouxeram e utilizaram para ameaçar o ofendido foi uma navalha.

3. Direito
Os recorrentes suscitaram as seguintes questões:
- O erro notório na apreciação da prova;
- A prática do crime de roubo na forma tentada;
- A atenuação especial da pena;
- A medida concreta da pena; e
- A suspensão da execução da pena.

3.1. Sobre o erro notório na apreciação da prova
Como se sabe, é de entendimento uniforme deste Tribunal de Última Instância que existe erro notório na apreciação da prova “quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores”.2
No caso vertente, não se nos afigura que está verificada alguma das situações acima referidas que consubstanciam o vício.
De facto, resulta dos autos que o Tribunal Colectivo de 1.ª instância formou a sua convicção com base na análise conjunta e objectiva das declarações prestadas pelos próprios recorrentes, das declarações para memória futura do ofendido lidas na audiência de julgamento, do depoimento e das testemunhas agentes policiais que interceptaram na altura os recorrentes, todos sujeitos à livre apreciação do julgador, bem como das provas documentais, nomeadamente o auto de apreensão, constantes nos autos.
Alegam os recorrentes que o Tribunal recorrido incorreu no vício em causa porque, no que respeita à prática de roubo com instrumento cortante, tomou como verdadeira a versão apresentada pelo ofendido, enquanto nos autos não foi apreendida nenhum instrumento.
Ora, não é de acolher a tese dos recorrentes, pois que, vigorando no processo penal o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 114.º do Código de Processo Penal de Macau, e estando as declarações prestadas pelo arguido e pelo ofendido sujeitas à livre valoração do Tribunal, nada obsta ao Tribunal que valorize todas as provas produzidas, conjugando-as com as regras de experiência comum, e julgue a matéria de facto no sentido apontado pelo ofendido.
Por outro lado, a não apreensão do instrumento nos autos não afasta, por si só, a possibilidade da sua utilização na prática de roubo nem implica necessariamente a falsidade da versão apresentada pelo recorrente.
Tal como afirma o Tribunal de Segunda Instância, é possível que os recorrentes tenham abandonado o instrumento cortante antes de serem interceptados pelos agentes policiais, não se violando assim como foram violadas as regras de experiência comum.
E quanto à discrepância indicada pelos recorrentes nas declarações prestadas pelo ofendido no Ministério Público e no Juízo de Instrução Criminal sobre o instrumento utilizado no roubo, não se afiguram contraditórias, na medida em que a navalha é, evidentemente, um tipo do instrumento cortante, daí que tal discrepância, não essencial, não é susceptível de pôr em causa a credibilidade da versão do ofendido.
Concluindo, não se vislumbra qualquer erro na apreciação da prova, muito menos ostensivo, evidente para qualquer pessoa que examine os factos dados como provados e os meios de prova utilizados.
Improcede o argumento dos recorrentes.

3.2. Sobre a tentativa do crime e a atenuação especial da pena
Entendem os recorrentes que praticaram o crime de roubo na forma tentada, e não na forma consumada tal como vêm condenados.
Ora, nos termos do n.º 1 do art.º 21.º do CPM, “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”.
E verifica-se a consumação do crime quando estão preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo criminal.
Quanto à questão de consumação ou tentativa do crime de roubo, teve já este Tribunal de Última Instância oportunidade para se pronunciar, fazendo consignar no seu Acórdão de 22 de Maio de 2013, Proc. n.º 24/2013, o seguinte:
《Normalmente, não é difícil saber-se quando é que um crime se consuma.
Não obstante, há casos em que não é fácil concluir quando é que o crime está realizado. Um desses casos é, precisamente, o do crime de furto, “que há longo tempo tem dividido a doutrina e a jurisprudência”3.
Sendo o roubo um furto qualificado pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo para a vida ou a integridade física da mesma ou pondo-a na impossibilidade de resistir (artigo 204.º do Código Penal), suscitam-se quanto a este crime os mesmos problemas que se colocam quanto ao momento da consumação do crime de furto.
O crime de furto consiste na subtracção de coisa móvel alheia, com ilegítima intenção de apropriação desta para o agente ou para terceira pessoa (artigo 197.º, n.º 1, do Código Penal).
Destes três elementos fundamentais (subtracção, ilegítima intenção de apropriação e coisa móvel alheia), interessa-nos a descrição da conduta objectiva, a subtracção.
Refere J. FARIA COSTA4 que subtracção “traduz-se em uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. Implica, por consequência, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa”. E que a coisa entre no domínio do agente da infracção.

A doutrina italiana identificou quatro momentos possíveis para consumação do furto.
- Uma teoria, a contrectatio, defendia que a subtracção ocorria logo que o agente tocava na coisa;
- Uma outra, a amotio, defendia que a subtracção acontecia quando o agente removia a coisa do lugar em que ela se encontrava;
- A ablatio, exigia que que o agente transferisse a coisa para fora do domínio do anterior detentor;
- Para outra teoria, só haveria subtracção quando a coisa fosse conservada em lugar seguro (illatio).
As duas primeiras teorias não têm, actualmente, seguidores.
Na doutrina, EDUARDO CORREIA5, a propósito do requisito da actualidade da agressão, que condiciona a legítima defesa, que só é possível enquanto não se consumou o tipo legal de crime, problematiza as situações em que antes do início da actividade executiva do crime, por exemplo, actos preparatórios, se pode falar já em actualidade e aquelas outras em que se defende que a actualidade da agressão permanece depois de o delito se haver consumado, como os actos posteriores à apreensão da coisa no crime de furto, por exemplo, quando se dá a fuga do ladrão. Defendia o Professor de Coimbra que, nem neste caso, a teoria da actualidade da agressão, como requisito da legítima defesa, é posta em causa já que o furto só de deveria considerar consumado quando entra pacificamente na esfera da disponibilidade do ladrão. E acrescentava: “Enquanto a coisa não está na mão do ladrão em pleno sossego não parece dizer-se que haja consumação. Depois disso, porém, se o ladrão tem v.g. a coisa em sua casa ou se o dono o vê com ela na mão, não pode, por via da legítima defesa, - outra coisa será porventura por via da autodefesa ou do exercício do direito de sequela que a lei reconheça – recuperá-la”.
Num primeiro momento, a jurisprudência seguiu esta teoria, que tem contra si o facto de que “admitindo-se que a subtracção se consumava apenas quando a coisa objecto da acção estivesse conservada pelo agente em lugar seguro, teríamos que todos os furtos que hoje conhecemos seriam tecnicamente tentativas de furto. Aqui a punição de um furto consumado seria algo de raríssimo, posto que, as mais das vezes, a conservação em lugar seguro vai acompanhada da impossibilidade de descoberta da coisa, senão mesmo de detecção da conduta do agente. Reduzir-se-ia intoleravelmente o âmbito da punição, de um ponto de vista criminológico e de política criminal, além de que se remeteria para o campo da tentativa uma série de comportamentos que largamente excedem aquilo que o espírito legislativo fez consagrar como actos preparatórios” 6.
Posteriormente, a jurisprudência inclinou-se para a tese de que haveria subtracção logo que o agente apreende a coisa furtada, mesmo que nunca a tenha em lugar seguro. Foi esta tese que vingou no Acórdão recorrido.
Actualmente vai vingando a teoria que defende que o furto se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção. Não se exige, assim, que a coisa fique em pleno sossego. Mas também não se basta com a mera posse por parte do agente, ainda disputando a mesma com alguém que o persegue. É o entendimento perfilhado por J. FARIA COSTA7 e PAULO SARAGOÇA DA MATTA8. O primeiro argumenta com as consequências desastrosas para a desistência da tentativa e arrependimento activo da teoria precedente, que aceita como subtracção o instantâneo domínio de facto, dizendo ainda que ninguém aceitaria que alguém ao ver o ladrão sair de sua casa com as coisas furtadas não pudesse exercer o direito de legítima defesa, na medida em que o furto já estaria consumado.
O argumento da necessidade de se aceitar a legítima defesa da vítima perante um ladrão em fuga com a coisa furtada é poderoso. Mas nem todos entendem que esta possibilidade tenha, forçosamente, implicações quanto ao momento da consumação do furto. Já o vimos, quando referimos a tese de EDUARDO CORREIA. Também o defende JORGE FIGUEIREDO DIAS9, quando, a propósito da actualidade da agressão na legítima defesa, diz:
“A defesa pode ter lugar até ao último momento em que a agressão ainda persiste. Também aqui nem sempre pode fazer-se coincidir esse momento com o da consumação, uma vez que são numerosos os crimes em que a agressão e o estado de antijuridicidade perduram para além da consumação típica ou formal…. Também p. ex. o crime de sequestro … se consuma logo que E encerra F num certo local contra a sua vontade, mas este pode reagir em legítima defesa contra a privação da sua liberdade enquanto durar o cativeiro. Relevante para este efeito é o momento até ao qual a defesa é susceptível de pôr fim à agressão, pois só então fica afastado o perigo de que ela possa vir a revelar-se desnecessária para repelir aquela. Até esse último momento a agressão deve ser considerada como actual. É à luz deste critério que devem ser resolvidos os casos que mais dúvidas levantam neste ponto, os dos crimes contra a propriedade, nomeadamente o crime de furto. Ex. G dispara e fere gravemente H, para evitar que este fuja com as coisas que acabou de subtrair. Poder-se-á considerar a agressão de H como ainda actual? A solução não deve ser prejudicada pela discussão e posição que se tome acerca do momento da consumação no crime de furto. O entendimento mais razoável é o de que está coberta por legítima defesa a resposta necessária para recuperar a coisa subtraída se a reacção tiver lugar logo após o momento da subtracção, enquanto o ladrão não tiver logrado a posse pacífica da coisa. Os factos praticados depois desse momento já não estarão cobertos pela legítima defesa, uma vez que a agressão deixou de ser actual, mas poderão estar justificados por acção directa … se estiverem preenchidos todos os requisitos desta causa de justificação”.
No mesmo sentido, defende TAIPA DE CARVALHO10 que, relativamente ao termo da actualidade da agressão na legítima defesa, nos crimes contra a propriedade, se deve considerar irrelevante a consumação típico-formal da infracção penal, perdurando a actualidade da agressão “até que o bem jurídico susceptível de legítima defesa seja efectivamente lesado ou até que o agressor desista da concreta agressão-lesão”. Considera, ainda que “até ao momento em que o ladrão consiga o domínio pacífico (fáctico) do objecto furtado é possível a legítima defesa do agredido (do roubado) e a desistência relevante do agressor (agente), desde que, claro, se verifiquem os respectivos pressupostos desta figura jurídico-penal”.
Seja como for, afigura-se mais conforme com a noção de subtracção um entendimento que exija alguma estabilidade no domínio de facto da coisa pelo agente da infracção. Por exemplo, que o agente iluda a perseguição da vítima ou terceiro, que fique a salvo, ainda que por breves instantes.
Para o efeito, alguma doutrina e jurisprudência têm propendido a que a subtracção só se efectiva quando o domínio do agente sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.
No caso dos autos, não se verificou a estabilidade mínima no domínio de facto do agente, que se pôs em fuga por algumas dezenas de metros, logo após a apreensão da coisa, sempre seguido pela vítima, após o que o arguido dos autos largou a mala com o dinheiro, por não poder conservar a posse da mesma. Não se consumou, assim, a subtracção.》

O caso reportado nos presentes autos é semelhante ao analisado no referido Acórdão, pelo que, no seguimento do entendimento supra transcrito, a solução não pode deixar de ser a mesma, no sentido de considerar que o crime de roubo foi cometido na forma tentada.
Na realidade, a factualidade apurada nos autos revela que a distância entre os locais de roubo (à frente da discoteca “DD”) e de detenção (fora do Hotel Lisboa) dos recorrentes é curta, bem como o tempo que media entre os dois actos; logo depois do roubo o ofendido gritou por socorro e os recorrentes foram imediatamente perseguidos pelos agentes policiais que passaram pelo local, até serem interceptados.
Não obstante a subtracção por parte dos recorrentes dos bens do ofendido, certo é que eles não conseguiram manter tais bens na sua posse com uma estabilidade relativa, pois o seu domínio sobre os bens subtraídos estava sempre sujeito aos riscos imediatos de reacção do ofendido e dos agentes policiais que os perseguiram e interceptaram, tendo os bens do ofendido sido recuperados pouco tempo depois do roubo.
E o facto de ter o recorrente A devolvido ao ofendido, a pedido deste, o “SIM Card” do telemóvel e 20 dólares de Hong Kong não torna efectiva a subtracção efectuada pelos recorrentes.

Concluído pela forma tentada do crime de roubo, há que lançar mão à atenuação especial da pena, ao comando do art.º 22.º n.º 2 do Código Penal de Macau.
A tentativa do crime de roubo pelo qual foram condenados os recorrentes, p.p. pelo art.º 204.º n.º 2, al. d), conjugado com o art.º 198.º n.º 2, al. f), ambos do Código Penal de Macau, deve ser punível com a pena de 7 meses e 6 dias de prisão a 10 anos de prisão, nos termo do art.º 67.º n.º 1 do mesmo diploma.

3.3. Sobre a medida concreta da pena e a suspensão da execução da pena
Nos termos do art.N 40. n. 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.d 2 do artigo.
No caso vertente, resulta dos autos que os recorrentes não são primários, tendo sido condenados em vários processos.
Prestaram declarações na audiência de julgamento, admitindo ter roubado o ofendido, sem que no entanto confessaram a detenção do instrumento cortante na prática do crime.
O valor dos bens subtraídos pelos recorrentes não é elevado.
No que tange às finalidades da pena, são prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que tem sido frequentemente cometido em Macau.
E são fortes as necessidades de prevenção especial, face aos antecedentes criminais dos recorrentes.
Tudo ponderado, afigura-se-nos adequada e ajustada uma pena de 2 anos e 3 meses de prisão.

Nos termos do art.° 48.° n.° 1 do Código Penal de Macau, “o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Como se sabe, a suspensão da execução da pena só é decretada quando se verificarem, em caso concreto, todos os pressupostos, tanto formais como materiais, de que a lei faz depender a aplicação do instituto.
No presente caso, à primeira vista e tendo em conta o tipo e a natureza do crime em causa, a realidade social de Macau e, sobretudo, a antecedência criminal dos recorrentes, não parece merecer censura a decisão quanto à não suspensão da execução da pena.
No entanto, há de tomar em consideração o facto de ter já passado 9 anos desde a prática do crime, período este em que o recorrente B não voltou a cometer mais crimes, enquanto o recorrente A também deixou de ter condutas ilícitas desde a sua última condenação no ano de 1997, o que revela, de certo modo, a evolução mais recente dos recorrentes no que tange ao seu comportamento e à sua personalidade.
Não se vê grande obstáculo à suspensão da execução da pena, mesmo tomando em conta as exigências de prevenção criminal, já que os elementos apurados nos autos permite formar o “prognose favorável” sobre a conduta futura dos recorrentes e esperar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão servem para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
É de decretar a suspensão da execução da pena ora aplicada aos recorrentes, por período de 3 anos.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar procedentes os recursos, revogando o Acórdão recorrido que condenou os recorrentes pelo crime consumado de roubo p.p. pelo art.º 204.º n.º 2, al. d) do Código Penal de Macau, passando a condená-los, pela prática na forma tentada do mesmo crime, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por período de 3 anos.
Sem custas.
Passe os mandados de soltura.
  
Macau, 30 de Setembro de 2014

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 Sumário do acórdão n.º 24/2013 do TUI:
I – No crime de furto a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção.
II – A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.
2 Cfr. Ac. do TUI, de 30-1-2003, 15-10-2003 e 11-2-2004, nos processos n.ºs 18/2002, 16/2003 e 3/2004, entre muitos outros.
3 JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal …, p. 414, nota (28).
4 J. FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, Tomo II, 1999, anotação ao artigo 203.º, p. 43.
5 EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, Coimbra, Almedina, reimpressão, 1986, II Volume, p. 42 a 44, e nota 1.
6 PAULO SARAGOÇA DA MATTA, Subtracção de Coisa Móvel Alheia, Os Efeitos do Admirável Mundo Novo num Crime Clássico, em Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p, 1024 e na obra colectiva de que também é autor juntamente com Teresa Quintela de Brito, J. Curado Neves e Helena Morão, Direito Penal, Parte Especial: Lições, Estudos e Casos, Coimbra Editora, 2007, p. 652.
7 J. FARIA COSTA, Comentário…, Tomo II, anotação ao artigo 203.º, p. 49 e segs. e anotação em Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134.º, p. 253 a 256.
8 PAULO SARAGOÇA DA MATTA, Subtracção…, p. 1025 e segs.
9 JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal …, p. 413 e 414.
10 TAIPA DE CARVALHO, A Legítima Defesa, Coimbra Editora, 1995, p. 300 a 306.
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Processo n.º 67/2014