打印全文
Processo n.º 143/2014
(Recurso Cível)
    
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 18/Setembro/2014


ASSUNTOS:

- Da aplicação dos artigos 208º e 202º do Código Comercial
- 254º do Código Civil
- Negócio consigo mesmo; regime aplicável aos actos de um sócio gerente de uma sociedade por quotas em seu benefício
- Alienação de quota da sociedade pelo gerente em seu favor
- Simulação; art. 232º do CC
    
    
    SUMÁRIO :
    1. O legislador foi claro ao sujeitar às formalidades de prévia aprovação por deliberação dos sócios em que não vote o sócio a quem os bens hajam de ser adquiridos ou alienados, as aquisições e alienações de bens sociais aos sócios, titulares de uma participação superior a 1% do capital social.
    2. Começa por cheirar a negociata a situação que resulta de uma gerente proceder a uma transmissão da totalidade de uma sociedade detida pela por si gerida, para si e para um pretenso irmão, titular de um património de grande valor, sem contrapartida correspondente, sem explicação para o contra-valor pago, e, mesmo esse, desvanecido em poucos dias da conta sociedade para a sua conta pessoal.
    3. Negócio consigo mesmo é aquele que é celebrado por uma só pessoa, que intervém simultaneamente a título pessoal e como representante de outrem, ou, ao mesmo tempo, como representante de mais de uma pessoa.
    4. Se um sócio gerente aliena as quotas de uma sociedade detida pela sociedade que gere, para si própria, há aí negócio consigo mesmo e continua a haver quando transfere dinheiro da sociedade para a sua conta pessoal, não dando qualquer justificação para esse efeito.
    5. O negócio celebrado pelo representante consigo mesmo é anulável, seja outorgado em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representante tenha especificamente consentido na celebração, ou se o negócio excluir, por sua natureza, a possibilidade de um conflito de interesses - art. 254°, n.º l do C. Civil - regime este aplicável aos gerentes das sociedades por quotas, não sendo de aplicar o regime da nulidade especialmente previsto para as sociedades anónimas.
    6. O que importa, na invocação de um negócio simulado é que se alegue a face visível do que se passou entre os simuladores, que esse negócio seja descrito com clareza e seja de molde a configurar um negócio celebrado com a intenção de enganar terceiros, no caso, invocando-se ainda o prejuízo dos interesses do autor.
    7. A causa de pedir numa acção fundada em simulação de negócio jurídico estrutura-se na base de três componentes fundamentais decorrentes do art. 232º do CC: a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos contraentes, aquela integrando o negócio dissimulado e esta o negócio simulado; o acordo ou conluio entre as partes; a intenção de enganar terceiros. Estes elementos não deixam de se observar se os réus combinam transferir a totalidade das quotas de uma sociedade detida pela sociedade que a 1ª ré gere, detentora de um prédio em Xangai, de grande valor, para si, pretensamente por um preço muito abaixo do real valor, sendo que o montante pretensamente pago entra e logo sai da disponibilidade da sociedade autora e entra na conta pessoal da 1ª Ré sua gerente.
              O Relator,


















Processo n.º 143/2014
(Recurso Cível)
Data : 18/Setembro/2014

Recorrente : Companhia de A Ld.

Recorridos : B
C

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. COMPANHIA DE A LDA. (A有限公司), A. nos autos à margem referenciados e neles mais bem identificada, vem recorrer da sentença proferida, alegando em síntese conclusiva:
    a) Vem o presente recurso interposto da sentença de 21 de Outubro de 2013 que julgou improcedente a acção oportunamente interposta pela A., ora recorrente, absolvendo os RR., B e C do pedido formulado.
    b) A acção julgada improcedente era aquela, declarativa de condenação sob a forma ordinária, na qual a A. havia peticionado a nulidade da alienação do capital da sociedade de Hong Kong, "Hong Kong D Limited" por parte da 1.ª R., B, na qualidade de representante da A., aos RR., B(ou seja, a si própria) e C, em 19 de Maio de 2010; e a condenação dos RR. a devolver à A. aquela participação.
    c) A recorrente não se conforma com a decisão em apreço, fundamentando o seu recurso em questões de facto e de direito.
    d) No tocante à matéria de facto assente, entende a A. recorrente que, para além dos factos que a sentença recorrida deu como assentes, deveriam ter igualmente ficado assentes outros, devidamente elencados na petição inicial que, como se demonstrará, têm também interesse para a decisão.
    e) Estes factos são relevantes para a decisão da causa e não foram impugnados pelos RR, pelo que devem ser considerados provados, nos termos do art. 410° n.° 2 do C.P.C ..
    f) Ainda no tocante à matéria de facto assente, entende a A. recorrente que, em vista dos princípios da verdade material e do inquisitório, deve acrescentar-se àquela o facto alegado no art. 28° da p.i., ou seja, que "a 1.ª R. e o 2° R. são irmãos".
    Por outro lado,
    g) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida faz errada interpretação das disposições que regulam a transmissão de bens de uma sociedade.
    h) No caso, um pretenso negócio social que assume uma especial relevância porquanto é um negócio nulo - seja por ter sido praticado entre a sociedade e um seu sócio gerente, seja por simulação - ou, no mínimo, um negócio anulável.
    i) A sentença recorrida olvida o facto de o negócio em apreço ter sido efectuado de forma não onerosa; por um gerente da A. "consigo mesmo"; em desvio do objecto social da A.; e, manifestamente, contrário, inútil e inconveniente à prossecução do seu fim social.
    j) Entende, por isso, a recorrente que, pela matéria assente, impunha-se a aplicação ao negócio em apreço do disposto no art. 208º do Cód. Comercial, devidamente interpretado em vista do elemento teleológico da interpretação (art. 8°, nºs 1 e 3, do Código Civil).
    k) Como tal, a situação descrita nos autos é regulada por norma análoga à do art. 208°, aplicada por integração analógica, nos termos do n.º 1 do art. 9° do Cód. Civil e da 1.ª parte do art. 4° do Cód. Comercial.
    l) Por outro lado, como vimos supra, o negócio acabou por não ser oneroso, mas "gratuito", dado que a compradora gizou o negócio de uma forma em que ela mesma foi a destinatária do pagamento do activo de que se tomou proprietária. Assim, e alternativamente, resulta de todo o alegado supra que o pensamento legislativo impõe uma interpretação extensiva do preceito, segundo a qual a alienação de bens da sociedade a um sócio-gerente da mesma, sob a forma de um negócio "consigo mesmo", tem de satisfazer as condições referidas na norma, ou seja, tem de ser a título oneroso, depois de previamente aprovada por deliberação dos sócios e precedida da verificação do valor dos bens.
    Sob pena de nulidade.
    m) Em qualquer dos casos, pois, existe violação da lei, com a consequente nulidade do negócio, que se requer seja declarada por V. Exªs.
    Por outro lado,
    n) O negócio assumido pela 1.ª R. é, face à matéria assente, uma clara violação do disposto no art. 235° n.º 2 do Cód. Comercial que dispõe:
    "Os administradores da sociedade devem agir sempre no interesse da mesma e empregar nessa actuação a diligência de um gestor criterioso e ordenado ".
    o) Ora, resulta óbvio para a recorrente que o pretenso acto negocial em apreço praticado pela 1.ª R. é, no mínimo, manifestamente desrazoável. Alienar um bem da sociedade, avaliado em mais de RMB100,000,000.00, por HKD$5,000,000.00 (cfr. artigos 10° a 15° da p.i.) não tem a menor razoabilidade. Mais ainda quando o aludido pagamento não integrou o património da "vendedora", mas o da própria compradora ...
    p) Mas também é um acto manifestamente desleal porquanto, como assente, a 1.ª R. foi a única beneficiária daquele seu acto, em prejuízo da sociedade A. que à data representava (cfr. artigos 16°, 21°, 22°, 35° e 36° da p.i.),
    q) Como tal, o acto, tratando-se de um negócio no essencial interno entre a sociedade e uma sua sócia-gerente (não havendo, pois, terceiros de boa fé cujos interesses mereçam a tutela da lei), é nulo por violação da lei (art. 273° do Cód. Civil ), devendo tal ser declarado por V. Exªs.
    r) Ademais, afigura-se à recorrente que o acto praticado pela 1.ª R. em prejuízo da A., quando não por violação dos supra citados artigos 208° e 235° do Cód. Comercial, sempre será nulo ou anulável, como se verá: por força do comando constante no art. 460° do Cód. Comercial, por aplicação analógica às sociedades por quotas deste regime das sociedade anónimas (conforme previsão do art. 4º do Cód. Comercial); ou por força do comando constante do art. 254º do Cód. Civil (também pela aplicação subsidiária prevista no citado art. 4º), por se tratar de um negócio "consigo mesmo".
    Ainda,
    s) O art. 177º do Cód. Comercial trata da capacidade de gozo das pessoas colectivas que é limitada pelo princípio da especialidade ínsito no art. 144º do Cód. Civil, abrangendo "todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins".
    t) Isto é, as sociedades comerciais constituem-se para que aos seus sócios seja conferido direito aos lucros.
    O lucro é a causa da sua participação na sociedade, sendo, aliás, nula qualquer cláusula que prive um sócio de quinhoar nos lucros (art. 197º do Código Comercial).
    u) Ora, uma doação por parte da gestão de uma sociedade que não possa ser "considerada usual segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade" tem de ser havida como contrária ao fim da sociedade (n° 2 do art. 177º "a contrario"), porquanto priva a sociedade do seu património e priva os sócios da parte em causa na respectiva distribuição dos lucros.
    v) Nos termos do art. 273º do Cód. Civil, como supra se referiu, é nulo todo o negócio jurídico "contrário à lei", podendo ser invocável a todo o tempo por qualquer interessado (art. 279º do Cód. Civil).
    Por outro lado,
    w) Admitindo, sem conceder, que se não verificou qualquer violação dos preceitos que se vem enunciando e que, como se disse, têm como consequência a nulidade ou a anulabilidade do negócio em apreço, então, também aqui, o negócio é nulo por abuso de direito.
    x) A ilegitimidade do abuso de direito tem como consequência, a nulidade do negócio, nos termos gerais dos artigos 278° e 287° do Cód. Civil.
    Mais ainda,
    y) A simulação está prevista no Código Civil de Macau no art. 232°, como um vício da vontade exigindo-se, neste preceito, três requisitos para que haja simulação: "divergência entre a vontade real e a vontade declarada, intuito de enganar terceiros e o acordo simulatório."
    z) Salvo o devido respeito, os requisitos referidos constam, todos eles, da matéria dada como assente.
    aa) Entende, por isso, a A. recorrente que é por demais óbvia, dos factos assentes, a existência de uma simulação.
    É que existiu por parte de ambos os RR., uma intencional divergência entre a vontade real e a declarada; um acordo simulatório de ambos ; e o intuito de enganar terceiros, a A. e o seu sócio maioritário.
    bb) Estamos, pois, perante uma simulação relativa e fraudulenta, porquanto os RR. celebraram alegadamente um negócio e na realidade queriam outro negócio, com o claro intuito de enganar e prejudicar a A.: fingiu-se uma venda (o negócio ostensivo) - mesmo que, como supra se referiu, por valores declarados, eles mesmo altamente prejudiciais para a A. quando efectivamente o que se pretendia era uma doação (negócio oculto), já que não houve na alegada transacção nem pagamento nem recebimento do preço.
    cc) O negócio simulado é nulo; e nulo é, também, o negócio dissimulado, pois que, perante a avaliação de facto e de direito, este nunca seria realizado se tivesse sido abertamente concluído, tal a forma como a sociedade A. é afectada pelo actos (simulado e dissimulado) na sua consistência jurídica e prática.
    Finalmente,
    dd) O 2° R. não é um terceiro de boa-fé.
    Nestes termos, entende, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue procedentes os pedidos formulados pela A. recorrente.
    
    2. C e B, Réus nos autos à margem referenciados, contra-alegam, em síntese:
    I. Veio a ora Recorrente COMPANHIA DE A LDA recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base nestes autos que, na qual apesar de ter dado como provados os factos invocados pela Autora dada a ausência de contestação, decidiu não serem tais factos bastantes para que se julgue nulo ou anulável o negócio sub judice, tendo, consequentemente julgado improcedente a acção.
    II . Nesta resposta, os Recorridos irão demonstrar que à Recorrente não assiste qualquer razão, designadamente: a) porque a petição inicial não comporta minimamente factos mas antes meras conclusões subsumíveis nas normas jurídicas invocadas pela A.; b) porque as Alegações de recurso apresentadas constituem uma forma anómala de colmatar os factos que deveras não foram alegados pela A. em sede de petição inicial, chegando ao ponto de alegar factos novos; c) que nas suas Alegações a Recorrente factualiza conclusões de direito como forma desesperada de forçar a consequências de direito pretendidas; d) que, no jogo processual civil, a Recorrente pretende prevalecer-se dos efeitos da revelia mas violou os elementares ónus de alegação e da prova imperativa a que estava obrigado; e) Que, ao contrário do que agora alega a Recorrente, os negócios celebrados não revestem de qualquer vício que agora vem imputado.
    III . Nas suas conclusões a Recorrente reconhece e confessa as suas falhas na medida em que tenta sanar os vícios da petição das violações essenciais do ónus da prova a que estava obrigada e a douta sentença, na aplicação do Direito à matéria de facto a alegada pela A. obviou o inultrapassável, ou seja, os factos alegados eram insuficientes ou inábeis a produzir os efeitos pretendidos pela Autor.
    IV. Nas suas alegações, a Recorrente faz um exercício de factualizar as suas conclusões, para delas se servir no exercício de subsunção, na medida em que a Recorrente, em sede de petição inicial limitou-se a alegar factos manifestamente insuficientes para poderem ser compreendidos nos dispositivos que deveras pretendia usar para invalidar os negócios em causa.
    V. Nos termos do artigo 5° do Código do Processo Civil, ao consagrar o princípio do dispositivo, estabelece que: "1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções. 2. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434.° e 568.° e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa."
    VI. Da mesma forma, e como bem ensina Prof. Antunes Varela, "A petição inicial é precisamente o acto processual pelo qual o titular do direito violado ou ameaçado, nas acções de condenação, requer do tribunal o meio de tutela jurisdicional destinado à reparação da violação ou ao afastamento da ameaça. E a sua importância basilar resulta precisamente de não haver acção sem petição, ou seja, de não haver concessão oficiosa da tutela jurisdicional. Entre as indicações mais importantes que devem constar da petição (art. 467.°, 1), destacam-se as seguintes: a identificação das partes (com a menção dos seus nomes e a indicação da residência e, sempre que possível, da profissão e local de trabalho); a narração dos factos e a exposição das razões de direito que servem de fundamento à acção; a formulação do pedido; e a especificação dos factos narrados que considera provados, bem como daqueles que se propõe provar. Na fundamentação da acção, é mais premente a menção das razões de facto do que das razões de direito. Enquanto, na matéria de facto, o juiz tem de cingir-se às alegações das partes (art. 664.°), na indagação, interpretação e aplicação do direito o tribunal age livremente (a): Da mihi jactam dabo tibi ius. A formulação do pedido reveste também a maior importância, porque o juiz "não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir" (ne eat iudex ultra vel extra petita partiam): artigo 661.°, 1. Se a petição contiver deficiências de carácter substancial," destacados nossos. Antunes Varela, J. Miguel Bizerra, Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil: 28 ed., pág. 244
    VII. Todos estes ensinamentos foram senão cilindrados, pelo menos descurados pela ora Recorrente em sede de Petição Inicial, porquanto ao longo da presente resposta se verá que a Recorrente não cumpriu o ónus de alegação, devendo ser responsável pela sua conduta em total consonância com o princípio dispositivo previsto no citado art. 5° do Cód. Proc. Civil.
    VIII. A Recorrente, ao mesmo tempo que se pretende valer dos efeitos da revelia para dela se servir nos presentes autos, já não considera estar obrigada a cumprir com os ónus da alegação e da prova a que deveras também está sujeita.
    IX. Assim, ao longo das suas alegações, a Recorrente pretende que parte essencial das suas interpretações e conclusões infundadas passem a figurar como factualidade assente, descurando do facto essencial de que a Recorrente não se prestou tampouco a juntar prova documental para os factos que estão legalmente dependentes dessa apresentação, como é o caso, aliás, da relação familiar existente entre as partes da acção.
    X. Na composição da acção, sem prejuízo dos efeitos da revelia, como bem entendeu o Meritíssimo juiz a quo, o Autor não está liberado de cumprir com os seus ónus da prova quando para talo Direito assim o impõe especificadamente, pelo que não pode por isso a Recorrente fazer-se valer da revelia para umas coisas e escudar-se nela para esconder as suas obrigações.
    XI . É este, aliás o ensinamento preconizado pelos mais eminentes processualistas como Antunes Varela: "[ ... ] Por via de regra, a sentença proferida em tais circunstâncias conduzirá à condenação do réu no pedido formulado pelo autor (na conclusão da petição).Mas não é esse o desfecho necessário, fatal, da situação. Pode o juiz concluir que os factos articulados na petição, apesar de globalmente considerados como confessados, não justificam, em face 'do direito aplicável, a condenação do réu no pedido. Assim, tanto pode o juiz, na sentença, condenar o réu no pedido, julgando a acção provada e procedente (hipótese mais frequente e mais natural), como absolver o réu da instância (com fundamento na verificação de qualquer excepção dilatória, de que possa conhecer ex officio) ou absolvê-lo até, no todo ou em parte, do pedido formulado, julgando a acção total ou parcialmente improcedente."
    XII. Quanto à aplicação dos artigos 208º e 202º do Código Comercial, neste particular, pedia o A. que deveria a referida transmissão ser nula face ao disposto no art. 208º do C.Com.
    XIII. O Meritíssimo Juiz a quo limitou-se a declarar o direito... que é claro e inultrapassável e que ora se reproduz para melhor referência: "Para que este preceito se aplique é necessário que o sócio em causa tenha uma participação no capital social superior a 1%. Da prova produzida resulta que o capital social é de MOP$20.000.000,00 e a 1.ª Ré tem uma participação de MOP$200.000,00, ou seja, igual a 1%. Destarte, sem necessidade de outras considerações fica excluída a aplicação deste preceito uma vez que a participação da 1a Ré no capital social da Autora não é superior a 1%. No que concerne ao 2º Réu a questão nem sequer se coloca porque na data da transmissão nem sócio da Autora era. Assim sendo, outras não decorrendo do negócio a que se reportam os autos impõe-se concluir que não se verifica a invocada nulidade."
    XIV. Quanto a este particular, a Recorrente não refuta a verdade factual ou a bondade da decisão, nem pode. A decisão é liminar no argumento e na aplicação da lei e às normas invocadas pela própria Autora em sede de petição inicial.
    XV. Quanto a esta parte da decisão, os argumentos aduzidos pela Recorrente para a colocar em crise é, de todo, imperceptível e contraditório, quando conclui que "[...] impunha-se a aplicação ao negócio em apreço do disposto no art. 208 ° do Cód. Comercial, devidamente interpretado em vista do elemento teleológico da interpretação (art° 8°, nos 1 e 3, do Código Civil)."
    XVI. Para desfazer o argumento que deveras não resultou, a Recorrente pretende forçar a aplicação do artigo 208º do Código Comercial contra a vontade do próprio legislador a transações que este legislador não quis que fosse aplicável. Este argumento da Recorrente não é apenas confuso: é contraditório, isto porque a Recorrente afirma que existe lacuna ... mas o artigo da Lei lá está .... e responde, tendo sido o legislador claro ao sujeitar às formalidades de previa aprovação por deliberação dos sócios em que não vote o sócio a quem os bens hajam de ser adquiridos ou alienados, as aquisições e alienações de bens sociais aos sócios, titulares de uma participação superior a 1% do capital social.
    XVII. É da mais elementar regra de interpretação jurídica que quando o legislador não distingue não cumpre ao intérprete distinguir. Ora, quando o legislador distingue é já abusivo ao intérprete impor a sua vontade contra a vontade expressa do próprio legislador.
    XVIII. A contrario, o legislador tomou posição expressa no sentido de que as aquisições e alienações de bens sociais aos sócios, titulares de uma participação igualou inferior a 1% do capital social não estão sujeitas às mesmas formalidades.
    XIX. Recorrente pretende desviar o argumento confundindo com a pretensa existência de negócio consigo mesmo, "um negócio efectuado pela P R. como gerente da A. e "consigo mesmo" porque esta, se bem que formalmente só tenha beneficiado de 5% da alienação em causa, agiu em conluio com o 2° R. (artigos 29°, 39° e 48° da p.i.) e acabou, a final, por ser a beneficiária do pretenso negócio, ao transferir para ela própria a propriedade do edifício de Shanghai (art. 36° da p.i.);" Destacados nossos.
    XX. A recorrente confunde os institutos tentando dessa forma enganar o Tribunal, isto porque a Recorrente pretende qualificar como negócio a semet ipse que é realizado com recurso a pretenso conluio, que: a) nem a Recorrente alegou em sede de petição na medida em que dos factos nela apresentados nenhum elemento factual é descritor de qualquer acordo simulatório; nem o Direito o permite, na medida em que os objectivos da simulação e do negócio consigo mesmo são diversos.
    XXI . Para dar mais ênfase jurídico à sua posição, a Recorrente ... confunde mais, alegando a pretensa violação do artigo 235º n.º 2 do Código Comercial que se dirige essencialmente à responsabilidade dos administradores no exercício das respectivas funções.
    XXII . O julgador a quo foi liminar e claro, na medida em que a Recorrente não formulou qualquer pedido correspondente, pelo que não poderá o mesmo servir para justificar a pretenção peticionada que se refere aos institutos da simulação e das alegadas nulidades que a Recorrente simplesmente não alegou nem provou.
    XXIII. Aqui chegados, e quanto ao pretenso negócio consigo mesmo, a Recorrente salta do pretenso incumprimento do artigo 208º do Código Comercial para o artigo 460º do mesmo diploma.
    XXIV. Pretende a Recorrente alegar de que se trata de um negócio consigo mesmo e, para o mesmo, seria aplicável analogicamente o artigo 460º do Código Comercial.
    XXV. Como é sabido o artigo 4600 do Código Comercial de Macau tem como fonte material o artigo 397º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais de Portugal e, este, bem assim, também estipula que são nulos os contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, directamente ou por pessoa interposta, se não tiverem sido previamente autorizados por deliberação do conselho de administração, na qual o interessado não pode votar, e com parecer favorável do conselho fiscal.
    XXVI. Este preceito é exclusivamente aplicável às sociedades anónimas como é o artigo 460º do Código Comercial de Macau, não existindo preceito correspondente para as sociedades por quotas e, aliás, a este propósito ensina Raul Ventura que o mesmo preceito não pode ser transposto directamente para estas sociedades, nas quais não há normalmente conselho fiscal. Adianta ainda o mesmo mestre que o regime previsto no art. 261º n.º 1 do CC (equivalente ao artigo 254º do Código Civil de Macau), constituindo um princípio geral da representação, facilmente adaptável ao caso, não pode deixar de ser aplicado. Vide, Raul Ventura, in Sociedades por Quotas, Vol. III, págs. 176 e 177.
    XXVII. A consequência é deveras iminente, porquanto o artigo 460º do Código Comercial o legislador estabelece como consequência a nulidade, o artigo 254º do Código Civil, pelo contrário determina a eventual anulabilidade do negócio jurídico.
    XXVIII. São evidentes as diferenças de regime que os dois preceitos implicam, nomeadamente ao nível da arguição, da alegação e da prova, porquanto não possuindo a Recorrente, nem conselho de administração nem conselho fiscal, é por demais evidente que o legislador não quis que tais requisitos fossem aplicados às sociedades por quotas, que estão desprovidos dessa realidade orgânica.
    XXIX. Enquadrando-se os negócios sujeitos meramente ao regime da mera anulabilidade, cabia à Recorrente, se pretendesse alegar a existência de negócio consigo mesmo, alegar e provar os factos constitutivos correspondentes a tal pretensão, no entanto a Recorrente não alegou, nem provou nenhum.
    XXX. A Recorrente confunde os próprios sujeitos, na medida em que se contradiz em benefício de quem é que o negócio foi realizado, tentando adequar as suas conclusões ao raciocínio que vai desenvolvendo e, nesse exercício recai em contradição.
    XXXI. Na petição inicial a Recorrente limita-se a alegar no artigo 36 que: "Através duma acção superficial de alienação do total das quotas de capital da "Hong Kong D Limited", a 1.ª R. B alienou a si própria a propriedade dum andar num edifício sito no XX, China que estava na posse da "E, Ltd." e que valia mais de RMB100.000.000,00.", no entanto, a a Recorrente é desmentida com os factos que deveras alegou, na medida em que também afirma que: «Em 19.05.2010 a 18 Ré B em representação da Autora transferiu 5% da participação que a Autora tinha na "Hong Kong D Limited" para si própria.» e «Em 19.05.2010 a 1.ª Ré B em representação da Autora transferiu 95% da participação que a Autora tinha na "Hong Kong D Limited" para o 2° Réu C»
    XXXII. Ora a Recorrente afirma que a totalidade das acções eram tomadas em benefício da Ré, ora do Réu, ora dos Dois ... No meio de toda a confusão alegada apenas se sabe que a Recorrente pretende invalidar a transacção que sabe ter sido realizada de forma legal, não curando tampouco de alegar os factos que suportem quer do ponto de vista objectivo (identidade dos sujeitos em relação ao objecto mediato do contrato) quer do ponto de vista subjectivo (intenção de lesar os interesses da sociedade).
    XXXIII. Do mesmo modo, e como é sabido, estando sujeito a arguição, a anulabilidade por conflito de interesses tinha que constar não só na alegação dos factos e dos fundamentos de direito na petição inicial, como teria ainda que constar do pedido na mesma acção. O que deveras não ocorreu. Só pois em sede de alegações de recurso é que a Recorrente invoca os referidos artigos e factos novos respeitantes ao pretenso negócio consigo mesmo, não tendo alegado os factos constitutivos de tal pretensão, e muito menos provado, tais novos factos e conclusões serem dados como provados por confissão ficta.
    XXXIV. Alega ainda a Recorrente em sede de alegações de recurso que "Resulta da matéria assente que o negócio em apreço nos presentes autos não teve qualquer contrapartida para a sociedade A..", tudo isto para, suportando-se neste facto (apenas alegado em sede de recurso), a Recorrente sustentar que, afinal, o que se quis dizer na petição inicial é que o negócio constitui uma liberalidade para, dessa forma se encontrar fora do escopo da capacidade da sociedade comercial.
    XXXV. Neste particular, uma vez mais a Recorrente desmente e é desmentida pelo seu próprio articulado. Isto porque a Recorrente alega claramente no artigo 21 da sua petição inicial que: "A 1.ª R. B efectuou a transferência bancária do total das despesas das duas alienações, no valor de HKD5.000.000,00, à conta bancária da A. em Macau". Ou seja, a própria Recorrente alega a onerosidade do negócio. Aliás, esse foi o entendimento do Meritíssimo Juiz a quo como a será de qualquer outro jurista.
    XXXVI. O texto da alegação formulada pela Autora, ora Recorrente, não deixa margem para dúvidas de que não se tratou de uma liberalidade, tendo a própria Recorrente admitido o carácter de preço ao montante efectivamente transferido para a conta da sociedade e em lado algum se diz na petição inicial que o negócio jurídico é gratuito!!!!! Trata-se de matéria nova alegada em sede de recurso por parte da Recorrente em violação das mais elementares regras de alegação e por isso, em caso algum poderá proceder a alegação da Recorrente de que se trata de negócio nulo.
    XXXVII. Também não poderá proceder, por contraditório, a alegação que ora a Recorrente faz, no sentido de se dizer que os montantes transferidos são meramente falsos porquanto a Recorrida transferiu um montante similar para a sua conta pessoal, como forma de disfarçar a operação.
    XXXVIII. Se a Recorrente aceita, por um lado que o preço foi pago (independentemente da validade ou não do negócio), já não poderá concluir que a transferência foi falsa na medida em que retransmitiu o valor para a sua conta bancária, isto porque o objecto mediato do negócio se prende com a transferência, a favor do Recorrido, e não da Recorrida, de 95% do capital social da referida sociedade de Hong Kong.
    XXXIX. O valor da transferência não foi feito para e em benefício do Recorrido, pelo que tal alegação não poder valer contra ele.
    XL . Encontramo-nos, uma vez mais presos a uma estória cheia de conclusões, e não de factos que foram alegados pela Recorrente em sede de alegações de recurso e não em sede de petição inicial, pelo que uma vez mais se encontram violados os ónus da alegação e da prova, tendo o negócio tido uma contrapartida pecuniária, é, desde logo, um negócio oneroso e, por essa razão, dentro do escopo da capacidade da sociedade comercial e no mais, a Recorrente não formulou qualquer pedido contra a pretensa ideia ora formulada em sede de alegações de recurso quanto à responsabilidade da gerente.
    XLI. Tratando-se de negócio jurídico oneroso, o negócio posto em crise nos presentes autos deverá ser sempre entendido como abrangido pelo escopo do objecto social da mesma e, por essa razão, válido nos termos da Lei.
    XLII. Pretende a Recorrente que o negócio seja considerado ilegítimo por abuso de direito, para tanto, alega a Recorrente que "33. Da matéria assente, resulta que a 1.ª R. - detentora de mero 1% do capital social da A. e sua gerente - transferiu, formalmente, 5% do capital da sociedade de Hong Kong para si própria e o restante 95% para o 2° R.." (note-se que desta vez a Recorrente separa os destinatários)."
    XLIII. E para reforçar tal ideia, a Recorrente alega, em sede de alegações de recurso, que "Tal negócio consistiu, na prática, na alienação por HKD$5,000,000.00 de um bem que aquela sociedade detinha e que, como se vem referindo, tinha um valor superior a RMB100,000,000.00"
    XLIV. A Recorrente, neste particular, falta à verdade, isto porque, o objecto mediato constitui a participação de uma sociedade de Hong Kong, a Hong Kong D Limited, que por sua vez detém a "Companhia de F, Lda.", ou seja, também uma companhia esta registada em Shanghai, China.
    XLV. Quanto muito aceita-se que a última sociedade seja proprietária de um imóvel como o descrito na factualidade dada como assente... e que o sócio principal da Recorrente bem sabe corresponder ao investimento do próprio Recorrido! Ou seja, a Recorrente, que aqui representa essencialmente os interesses do seu sócio maioritário bem sabe que o investimento realizado para a aquisição indirecta do referido prédio em Shanghai é o Recorrido C e não a Recorrente e muito menos o seu sócio maioritário.
    XLVI. Se bem atentarmos ao valor apresentado pela Recorrente para o referido imóvel, a avaliação do interesse respectivo e, bem assim da pretensa violação por abuso do acto posto em causa pela Recorrente está dependente da alegação de factos que demonstrem esse mesmo interesse.
    XLVII. Pretendendo como pretende a Recorrente que o negócio seja considerado nulo por abuso de direito, sustentando-se essencialmente na diferença de valores entre o valor do activo indirecto e do valor da transacção, cabia à Recorrente alegar todos os factos que demonstrem a realização do investimento por parte da mesma Recorrente.
    XLVIII. Só assim podia o Tribunal efectivamente apreciar se o acto é ou não abusivo por violar manifestamente os ditames da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico desse direito. A Recorrente esconde propositadamente ao Tribunal como e em que termos é que a sociedade Recorrente ficou na posição de proprietária indirecta desse edifício, porque sabe que pretende beneficiar de algo que efectivamente não produziu nem criou, correspondendo a sua conduta a uma tentativa de se locupletar ao investimento essencialmente realizado por terceiro com capacidade para o realizar, como é o caso do Recorrido C.
    XLIX. Para o que interessa aos presentes autos, a falta de alegação: a) do investimento efectivamente efectuado pela Recorrente; b) do valor real, não do imóvel mas das duas sociedades em causa: A Hong Kong D Limited; e a F有限公司; c) a inexistência da avaliação das participações sociais, depois de apurado os respectivos activos e passivos; d) a participação e dos investimentos esses sim, efectivamente realizados pelos destinatários das respectivas participações na transacção posta em crise, é suficiente para se concluir que o Tribunal não está em condições, por omissão do dever de alegar e de provar os factos subjacentes, de declarar o negócio como abusivo.
    L. Toda a conduta da Recorrente reflecte a vontade emulativa do sócio maioritário da Recorrente e que consubstancia numa tentativa de se apoderar de investimentos que sabe não lhe pertencerem nem nunca terem trabalhado para o realizar. Essa conduta sim, por emulativa consubstancia uma conduta eivada exclusivamente de má fé, e abusiva por contender contra os ditames da boa fé, ainda que apreciados objectivamente como deverá ser feito por V. Exas. e mais uma vez por violação manifesta dos ónus da alegação e da prova, deverá improceder esta nova questão trazida aos autos através das alegações de Recurso por parte da Recorrente.
    LI. Vem a Recorrente alegar que o negócio é simulado e que andou mal Tribunal a quo ao entender não existirem factos suficientes que demonstrem existir tal vício.
    LII. Ninguém pode por em crise os ensinamentos reproduzidos pela Recorrente e que são da lavra dos ilustríssimos Professores Pires de Lima e Antunes Varela in "Código Civil- Anotado", Vol. 1,4 ed. Pág. 227, e que aqui uma vez mais se transcrevem: "Exige este artigo três requisitos para que haja simulação: divergência entre a vontade real e a vontade declarada, intuito de enganar terceiros e o acordo simulatório."
    LIII. Para preencher os requisitos supra citados, a Recorrente faz algo para nós de inédito: em vez de fazer o exercício de subsunção dos factos dados como provados pelo Tribunal, a Recorrente, ela própria, dá como assente as suas conclusões que não correspondem a factos dados como provados.
    LIV. O Tribunal a quo teve o cuidado de separar o trigo do joio no exercício a que está adstrito de condensação, ou seja, de retirar dos articulados a matéria de facto alegada e que, nos termos da Lei da prova carreada para o processo seja ou deva ser dada como provada.
    LV. Atenta a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, o Tribunal doutamente excluiu as conclusões e interpretações plasmadas na petição inicial, baseando-se apenas e tão só no factos que devam ser considerados como provados.
    LVI. Nas suas alegações a Recorrente inventa outros factos e conclusões que não correspondem a factos incluídos no articulado Petição Inicial, tais como: "Está assente que se tratou de um negócio falso" (não se sabendo onde ficou provado); que "está assente que a 1 a R., assinou os documentos supra de transferência de acções em representação da A, com o intuito de "... enganar a A., o sócio da A., G e os outros intervenientes ..." (desconhecendo-se que factos suportam estas conclusões); e «quanto ao "acordo simulatório", encontra-se assente que, aquando da prática do alegado negócio, a P R. e o 2° R. tinham o mesmo objectivo, sendo que a P R. aproveitou o nome do 2° R. para adquirir as acções pertencentes à A; que, mesmo que ambos tivessem transferido para a conta da A a alegada contraprestação do negócio, a intenção de ambos era encobrir o negócio falso e enganar a A e o sócio majoritário da A e prejudicá-los, bem como aos credores da sociedade.» (desconhecendo-se a que acordo se refere).
    LVII. Neste particular não poderia ser mais claro e límpido o Meritíssimo Juiz a quo quando, na sentença refere: " Ora, o que a Autora alega é que a 1.ª R. em representação da Autora vendeu para si e para o 2° R. a participação que a Autora tinha em determinada sociedade. Em momento algum se diz que apesar de ter sido feita uma venda o negócio subjacente não era esse - a venda - mas outro. Em momento algum se alega o "acordo simulatório" entre declarante e declaratário, isto é, entre a Autora ainda que através do seu legal representante e os aqui Réus. Em momento algum se alega qual o negócio dissimulado e/ou se a simulação é quanto ao negócio ou quanto ao preço. Das alegações da Autora o que parece resultar é que o valor da participação social era muito superior àquele que foi pago por ela. Contudo essa situação não permite que dai se retire qualquer conclusão. De igual modo quando se vem dizer que a 1.ª Ré retirou o dinheiro da conta da Autora para a sua, esse facto é inócuo face ao que se alega e se pede dele não se podendo retirar conclusão alguma."
    LVIII. A alegação agora feita pela Recorrente continua a ser contraditória por na petição inicial ora se dizer que os valores transferidos serviram efectivamente para pagar as alienações e, mais adiante se dizer que se tratava de uma transacção falsa!? Em que ficamos?
    LIX. Bem andou pois o Tribunal a quo que não podia simplesmente dar como provado meras conclusões que são, aliás contraditórias e cuja contraditoriedade não foi desfeita nesta sede.
    LX. Como é sabido, as alegações de recurso visam por em crise uma decisão judicial que viole a lei mas já não poderá servir para colmatar ou suprir os defeitos intrínsecos de um articulado e mais, quanto ao pretenso conluio entre os dois Réus, sempre se diga que a Recorrente se alicerça, uma vez mais em meras conclusões. Destacamos a referência para o "facto psicológico" alegado pela Recorrente e que pretende que seja dado como provado.
    LXI. Pretende a Recorrente demonstrar que o intuito de enganar constitui em si um facto psicológico que a mesma apenas tem de o alegar... e pronto! Mais nada tem de fazer. Não interessa saber, como perguntou o Meritíssimo Juiz a quo, se houve tentativa de enganar no tipo de negócio ou preço!
    LXII . Para Recorrente, a mesma basta-se com as suas conclusões que pretende factualizar agora em sede de recurso! Este comportamento processual não poder deixar de ser apreciado por V. Exas.
    Nestes termos, pedem, deverá o recurso apresentado pela Recorrente Companhia de A Lda. ser julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida.
    3. Foram colhidos os vistos legais.
    
    I - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
“a)
Na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº de Registo 2XXX7 SO está inscrita a constituição da sociedade “Companhia de A Lda.” com o capital social de MOP$20.000.000,00 da qual a partir de 12.07.2006 são sócios G com uma quota de MOP$19.800.000,00 e B com uma quota de MOP$200.000,00, cabendo a administração da sociedade a G e a B, tendo esta cessado funções 14.06.2010 – cf. fls. 14 a 18 -;
b)
A autora é sócia única da companhia registada em Hong Kong com o nome de “Hong Kong D Limited”;
c)
A Companhia “Hong Kong D Limited” registou-se em Hong Kong sob o n.º 9XXXX5 com o capital registado no valor de HK$5.000.000,00, situa-se em Hong Kong, Admiralty, n.º 89, Lippo Centre, Tower 2, 35th floor, Rm 3509 e foi estabelecida em 1 de Setembro de 2004.
d)
Até a 19 de Maio de 2010, a autora é a única sócia da companhia referida no item anterior.
e)
A “Hong Kong D Limited” é a única sócia da Companhia “F有限公司” traduzido para português “Companhia de F, Lda.”, companhia esta registada em Shanghai, China.
f)
A Companhia de F, Lda. é proprietária de um piso de edifício situado no XX da Cidade Shanghai, China, o qual vale mais de RMB$100.000.000,00.
g)
Em 19.05.2010 a 1ª Ré B em representação da Autora transferiu 5% da participação que a Autora tinha na “Hong Kong D Limited” para si própria.
h)
Em 19.05.2010 a 1ª Ré B em representação da Autora transferiu 95% da participação que a Autora tinha na “Hong Kong D Limited” para o 2º Réu C.
i)
Como contrapartida das transferências referidas nas alíneas anteriores a 1ª Ré em 15 de Junho de 2010 transferiu em duas tranches o valor total de HKD$5.000.000,00 para a conta bancária da autora com o n.º 001-3XXXX4-0XX aberta na Filial de Macau do HSBC.
j)
A Autora informou a 1ª Ré B por intermédio de U Xia’na empregado da Companhia de F, Lda. de que aquela tinha cessado as funções de Directora da Autora em 14.06.2010.
l)
Em 18.06.2010 a 1ª Ré B transferiu para a sua conta pessoal todo o dinheiro existente na conta bancária da autora aberta na Filial de Macau do HSBC no valor de MOP$5.100.000,00, onde se inclui os HKD$5.000.000,00 referidos em i).”

Não se provou que os Réus B e C são irmãos entre si uma vez que tal facto apenas pode ser provado por documento – artº 406º al. d) do CPC -.
  
  
    III - FUNDAMENTOS
   1. As questões a conhecer são as seguintes:
   - Insuficiente matéria de facto tida por assente;
- Da aplicação dos artigos 208º e 202º do Código Comercial;
   - Invalidade das alienações por se tratar de negócio consigo mesmo;
   - Invocada capacidade negocial;
   - Abuso de direito;
   - Simulação do negócio
  
2. Convém reter a fundamentação exarada na douta sentença:
“Alegando a invalidade da transmissão efectuada pela 1ª Ré (enquanto representante da Autora) para si (1ª R) e para o 2º R da participação que aquela (a Autora) tinha na Hong Kong D Limited, vem esta invocar:
- Ser a referida transmissão nula face ao disposto no artº 208º e 202º do C.Com.;
Ou
- Ser a mesma anulada por ser simulada porque o negócio é falso.
Ora, desde logo cumpre referir que face ao disposto no artº 232º nº 2 do C.Civ. a verificar-se a simulação o negócio não é anulável mas nulo, pelo que enferma a Autora de erro nas suas alegações.
Vejamos então.
Da nulidade da transmissão.
Reza o nº 1 do artº 208º do C.Com. que «exceptuando-se as que tenham por objecto bens de consumo e se integram na normal actividade da sociedade, as aquisições e alienações de bens sociais aos sócios, titulares de uma participação superior a 1% do capital social, só podem ser feitas a título oneroso e depois de previamente aprovadas por deliberação dos sócios em que não vote o sócio a quem os bens hajam de ser adquiridos ou alienados».
Para que este preceito se aplique é necessário que o sócio em causa tenha uma participação no capital social superior a 1%.
Da prova produzida resulta que o capital social é de MOP$20.000.000,00 e a 1ª Ré tem uma participação de MOP$200.000,00, ou seja, igual a 1%.
Destarte, sem necessidade de outras considerações fica excluída a aplicação deste preceito uma vez que a participação da 1ª Ré no capital social da Autora não é superior a 1%.
No que concerne ao 2º Réu a questão nem sequer se coloca porque na data da transmissão nem sócio da Autora era.
Assim sendo, outras não decorrendo do negócio a que se reportam os autos impõe-se concluir que não se verifica a invocada nulidade.

Da simulação.
Segundo o artº 232º do C.Civ. se por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado».
Ora, o que a Autora alega é que a 1ª R. em representação da Autora vendeu para si e para o 2º R. a participação que a Autora tinha em determinada sociedade.
Em momento algum se diz que apesar de ter sido feita uma venda o negócio subjacente não era esse – a venda – mas outro.
Em momento algum se alega o “acordo simulatório” entre declarante e declaratário, isto é, entre a Autora ainda que através do seu legal representante e os aqui Réus. Em momento algum se alega qual o negócio dissimulado e/ou se a simulação é quanto ao negócio ou quanto ao preço.
Das alegações da Autora o que parece resultar é que o valor da participação social era muito superior àquele que foi pago por ela.
Contudo essa situação não permite que dai se retire qualquer conclusão.
De igual modo quando se vem dizer que a 1ª Ré retirou o dinheiro da conta da Autora para a sua, esse facto é inócuo face ao que se alega e se pede dele não se podendo retirar conclusão alguma.
Salvo melhor opinião se a participação social vendida era de valor superior àquele que foi pago tal situação poderá eventualmente configurar uma situação de responsabilidade do legal representante da sociedade ora Autora nos termos consagrado no C.Com., porém, nem é isso que se alega ou invoca.”
    
    3.1. Entende a recorrente que, além dos supra mencionados, deveriam ter ficado igualmente assentes outros factos por terem também interesse para a decisão e por não terem sido contestados, em particular os factos que integram os pressupostos necessários ao decretamento da simulação.
    
    3.2. Pretende ainda que se considere como provado o facto seguinte, constante do art. 28° da p.i., "A 1ª Ré e o 2° Réu são irmãos.", juntando só agora o documento respectivo.
    A junção desse documento mostra-se extemporânea face ao disposto no artigo 451º, n.º 1 do CPC e não será aplicável o disposto no artigo 616º, n.º 1, parte final, pois a recorrente já sabia da importância desse facto, na tese por si defendida, antes da prolação da sentença recorrida.
    Quanto ao facto de se alegar que esse facto probando ocorreu na China Interior, mesmo a considerar-se a alegada não obrigatoriedade do registo, o certo é que não é facto sujeito a confissão, sendo sempre passível da produção da respectiva prova.
    Afigura-se que não lhe assiste razão, porquanto, não obstante a falta de contestação, esses factos só por prova documental são passíveis de ser provados, para além de outros serem manifestamente alegações conclusivas ou opinativas.
    
    3.3. Acresce que a recorrente, contrariamente ao entendimento do Mmo Juiz a quo, ainda que com uma menos bem conseguida alegação da base factual pertinente, em sede de petição inicial, não deixou de alegar factos que integravam o elemento típico da previsão legal em que se baseava para invocar um dos vícios do negócio determinante da sua nulidade, qual seja o da simulação, como adiante veremos.
    Nos termos do artigo 5° do Código do Processo Civil, ao consagrar o princípio do dispositivo, estabelece-se que:
    «1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.
    2. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434.º e 568.º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.»
    Na composição da acção, sem prejuízo dos efeitos da revelia, a autora não estava liberada de cumprir com o seu ónus da prova quando para tal a lei assim o impõe especificadamente, como resulta do disposto no artigo 406º, d) do Código de Processo Civil.
    Quanto aos factos relativos à actividade, objecto e participações sociais, ou estão eles já provados, face à douta sentença proferida, ou só por prova documental se podem ter como assentes.
    No que respeita ao negócio simulado e falsificação do negócio, não se deixará de analisar o que efectivamente foi alegado, importando não esquecer que estamos perante uma acção que não foi contestada, sendo de dar como provada a factualidade que o possa ser, enquanto não impugnada, observando-se nesta particular questão que deve ser alargada a base fáctica apenas considerada na douta sentença proferida.
    Não obstante a pobreza da invocação das apontadas nulidades, como já se frisou - passe ainda a confusão entre a nulidade e a anulabilidade - não se deixarão, contudo de aproveitar os factos que possam ser considerados assentes, por não contestados e de conformar adequadamente sob o ponto de vista jurídico a causa de pedir deduzida nos autos.
    
4. Da aplicação dos artigos 208º e 202º do Código Comercial
    Neste particular, pedia a A. que deveria a referida transmissão ser nula face ao disposto no art. 208° do C.Com. que prevê:
    “Exceptuando-se as que tenham por objecto bens de consumo e se integram na normal actividade da sociedade, as aquisições e alienações de bens sociais aos sócios, titulares de uma participação superior a 1% do capital social, só podem ser feitas a título oneroso e depois de previamente aprovadas por deliberação dos sócios em que não vote o sócio a quem os bens hajam de ser adquiridos ou alienados”.
    Remetemo-nos aqui para o que foi exarado na sentença recorrida, sendo inultrapassável a inverificação do requisito relativo a uma titularidade de capital social superior a 1%, destacando-se a passagem seguinte:
     “Da prova produzida resulta que o capital social é de MOP$20.000.000,00 e a 1ª Ré tem uma participação de MOP$200.000,00, ou seja, igual a 1%.
    Destarte, sem necessidade de outras considerações fica excluída a aplicação deste preceito uma vez que a participação da 1ª Ré no capital social da Autora não é superior a 1%.
    No que concerne ao 2º Réu a questão nem sequer se coloca porque na data da transmissão nem sócio da Autora era.
    Assim sendo, outras não decorrendo do negócio a que se reportam os autos impõe-se concluir que não se verifica a invocada nulidade.”
    
    Pretende a recorrente estender a proibição a outras situações não contempladas na norma, mas sem razão.
    Na verdade, o legislador foi claro ao sujeitar às formalidades de prévia aprovação por deliberação dos sócios em que não vote o sócio a quem os bens hajam de ser adquiridos ou alienados, as aquisições e alienações de bens sociais aos sócios, titulares de uma participação superior a 1% do capital social.
    O legislador não tomou posição expressa no sentido de que as aquisições e alienações de bens sociais aos sócios, titulares de uma participação igual ou inferior a 1% do capital social estão sujeitas às mesmas formalidades. Ao falar em participação superior a 1% foi isso que quis dizer exactamente.
    Mas fala ainda a recorrente na existência de uma lacuna oculta, pois que o legislador não prevê naquela norma os sócios gerentes, devendo ser-lhes aplicável aquela restrição, independentemente dos valores em causa, face à particular posição que lhes advém do exercício daquela gerência.
    Não colhe esta tentativa de fundamentação pela razão simples de que não há que confundir os actos de gestão, enquanto actos de administração ordinária, com os actos de disposição, devendo para tanto os gerentes estar devidamente mandatados.
    A questão transfere-se então para a capacidade do sócio, enquanto gerente, para poder alienar bens sociais e já não pode servir de argumento para fundamentar a extensão da restrição objectiva contida no artigo 208º do C. Comercial.
    Não deixa a recorrente de configurar o vício subjacente ao negócio que se pretende inválido como um “negócio consigo mesmo”, efectuado pela 1ª R. como gerente da A. porque esta, se bem que formalmente só tenha beneficiado de 5% da alienação em causa, agiu em conluio com o 2° R. (artigos 29°, 39° e 48° da p.i.) e acabou, a final, por ser a beneficiária do pretenso negócio, ao transferir para ela própria a propriedade do edifício de Shanghai (art. 36° da p.i.), em violação do disposto no art. 235º, n.º 2 e 460º do C. Com.
    
    5. Do negócio consigo mesmo
    5.1. Em boa verdade, o que desde logo se estranha é a situação que resulta de uma gerente proceder a uma transmissão da totalidade de uma sociedade detida pela por si gerida, para si e para um pretenso irmão, titular de um património de grande valor, sem contrapartida correspondente, sem explicação para o contra-valor pago, e, mesmo esse, desvanecido em poucos dias da conta sociedade para a sua conta pessoal.
    Há neste negócio o cheiro a negociata e, assim sendo, importa ir atrás dessa intuição e procurar nos factos com que nos deparamos a confirmação dessa suspeita, na certeza de que contra a objectividade desses factos nenhuma explicação plausível é avançada.
    
    5.2. Pretende a recorrente, para além da invocação de uma simulação, que se trata de um negócio consigo mesmo e, para o mesmo, seria aplicável analogicamente o artigo 460º do Código Comercial:
    “São nulos os contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, directamente ou por interposta pessoa, salvo os casos de autorização especial concedida expressamente por deliberação do conselho de administração, com o parecer favorável do conselho fiscal ou do fiscal único.”
    Este preceito é exclusivamente aplicável às sociedades anónimas como é o artigo 460º do Código Comercial de Macau, não existindo preceito correspondente para as sociedades por quotas, não podendo ser transposto directamente para estas sociedades, sendo aplicável ao caso o regime do 254º do Código Civil:1
    “1. É anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representado tenha especificadamente consentido na celebração, ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses.
(…)”
    Enquadrando-se os negócios sujeitos ao regime da mera anulabilidade, cabia à recorrente, se pretendesse alegar a existência de “negócio consigo mesmo”, alegar e provar os factos constitutivos correspondentes a tal pretensão, o que não existirá na tese dos recorridos.
    Não estamos seguros que assim não tenha acontecido. Ainda que imperfeitamente expresso tal pedido, importa não esquecer que a qualificação jurídica cabe ao tribunal e o certo é que a A., ora recorrente não deixou de alegar que:
    Em 19.05.2010 a 1.ª Ré B em representação da Autora transferiu 5% da participação que a Autora tinha na "Hong Kong D Limited" para si própria.
    
    Através duma acção superficial de alienação do total das quotas de capital da "Hong Kong D Limited", a 1.ª Ré B alienou a si própria a propriedade dum andar num edifício sito no XX, China que estava na posse da "E, Ltd." e que valia mais de RMB100.000.000,00.
    
    Não vemos que mais seja necessário para se ter como verificado o negócio que aquela sócia gerente faz consigo, em representação da sociedade, sendo evidente que alienou para si 5% da participação da autora para si própria.
    É certo que «Em 19.05.2010 a 1.ª Ré B em representação da Autora transferiu 95% da participação que a Autora tinha na "Hong Kong D Limited" para o 2° Réu C.», mas, contrariamente ao pretendido pelos recorridos, tal não invalida que uma parte do negócio claramente tenha sido feito consigo mesmo, não sendo legítimo lançar a confusão, questionando se a totalidade das acções eram tomadas em benefício da Ré, ora do Réu, ora dos dois!?
    Mais: depois de transferir cinco milhões para a conta da autora como pagamento das alienações referidas faz transferir posteriormente esse dinheiro e o mais que havia na conta da autora para a sua conta pessoal.
    
    5.3. Negócio consigo mesmo é aquele que é celebrado por uma só pessoa, que intervém simultaneamente a título pessoal e como representante de outrem, ou, ao mesmo tempo, como representante de mais de uma pessoa.
O negócio celebrado pelo representante consigo mesmo é anulável, seja outorgado em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representante tenha especificamente consentido na celebração, ou se o negócio excluir, por sua natureza, a possibilidade de um conflito de interesses - art. 254°, n.º l do C.Civil.
Os elementos do negócio consigo mesmo acabam por estar todos na petição e essa probabilidade não foi sequer equacionada na douta sentença proferida que se fixou no fundamento que radicava na falta de um requisito previsto no artigo 208º do C. Comercial, sem equacionar outra abordagem e descurando o facto que não deixa de impressionar de a 1º Ré, de um assentada, esvaziar o património da autora, ora recorrente, superior a cem milhões, por um preço de cinco, em seu benefício, sendo claro que não explica que, não obstante a transferência de 5% da participação que a autora tinha na “Hong Kong D Limited” para seu nome próprio, dela não beneficiou.
    Pode-se pensar, como os recorridos afirmam, que não vêm alegados todos os pressupostos do negócio consigo mesmo praticado pelo representante em nome da sociedade, no caso, pela sócia gerente da sociedade. Ainda que os recorridos não mencionem expressamente qual o pressuposto em falta na alegação da recorrente, poder-se-ia pensar que se trata da falta de consentimento do representado. Entendemos, porém, que essa falta de consentimento não deixa de emergir de toda a configuração do negócio e não deixa de estar tacitamente implícito na alegação de que o negócio foi realizado em prejuízo dos interesses da sociedade.
    Quanto a este aspecto - lesão dos interesses da sociedade - o elemento subjectivo não se deixa de se impor, muitas das vezes, pela própria objectividade da conduta, sendo que nas situações de negócio consigo mesmo, nem se impõe a observância daquele elemento, resultando patente a intencionalidade do legislador em preservar uma situação de conflito de interesses, de forma a evitar que os gerentes misturem os seus próprios negócios com os negócios da sociedade.
    Não é, pois, verdade que só em sede de alegações de recurso é que a recorrente tenha invocado tal causa de pedir, podendo descortinar-se ela logo da narração da petição.
    
    5.4. Considerando que estamos perante uma clara situação de negócio consigo mesmo praticado pela 1ª ré qual o regime aplicável?
    Entende a sociedade recorrente que se deverá aplicar por analogia às sociedades por quotas o preceituado para as sociedades anónimas no art. 460º do Cód. Com., pugnando pela nulidade do negócio e, subsidiariamente, pela sua anulabilidade, nos termos do disposto no artigo 254º, n.º 1do CC.
    É certo que, como refere Paulo Olavo da Cunha - "Direito das Sociedades Comerciais", 5ª edição, pág. 823 - "nas sociedades por quotas não há limites específicos à contratação entre a sociedade e os seus gerentes, para além daqueles que decorram do normal exercício da função e designadamente do cumprimento dos deveres legais gerais, de cuidado e lealdade ... que nesta matéria se traduzem no dever de boa administração e da não concretização de negócios ruinosos para a sociedade. Estando em causa negócios com o gerente, é normal que o escrutínio dos sócios que sobre eles possa recair seja mais rigoroso.".
    Em abono da sua posição, cita a recorrente Coutinho de Abreu "O regime do art. 397º (em Macau, art. 460º do Cód. Com.) será aplicável analogicamente, mutatis mutandis, nas sociedades de outros tipos. Além de a sanção prevista neste artigo ser diferente, os negócios entre gerente e sociedade não têm de ser "negócios consigo mesmo". Quando a gerência seja plural, o gerente contraente não tem de aparecer (ou aparecer sozinho) a representar a sociedade. Por sua vez, nos casos de gerência singular, salvaguardando o disposto no n.º 5 do art. 397º e a proibição absoluta do n.º 1, devem os negócios consigo mesmo ser autorizados por deliberação dos sócios e merecer parecer favorável do órgão de fiscalização (se existir) - sob pena de nulidade. " 2
    
    5.5. Cumpre dar resposta.
    Dispõe o art. 460º do C. Com.:
    «São nulos os contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, directamente ou por interposta pessoa, salvo os casos de autorização especial concedida expressamente por deliberação do conselho de administração, com o parecer favorável do conselho fiscal ou do fiscal único.»
    Como é sabido o artigo 460º do Código Comercial de Macau tem como fonte material o artigo 397º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais de Portugal.
    O referido artigo 397º, n.º 2 também estipula que são nulos os contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, directamente ou por pessoa interposta, se não tiverem sido previamente autorizados por deliberação do conselho de administração, na qual o interessado não pode votar, e com parecer favorável do conselho fiscal.
    Este preceito é exclusivamente aplicável às sociedades anónimas como é o artigo 460º do Código Comercial de Macau, não existindo preceito correspondente para as sociedades por quotas e entendemos, na esteira de Raúl Ventura, que o mesmo preceito não pode ser transposto directamente para estas sociedades, nas quais não há normalmente conselho fiscal.
    Adianta ainda Raul Ventura que o regime previsto no art. 261º n.º 1 do CC, equivalente ao artigo 254º, n.º 1 do Código Civil de Macau - É anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representado tenha especificadamente consentido na celebração, ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses.-, constituindo um princípio geral da representação, facilmente adaptável ao caso, não pode deixar de ser aplicado. 3
    Justifica-se até a diferença de regimes, vista a inexistência dos órgãos e instrumentos de fiscalização entre uma e outra sociedade e vista ainda a necessidade de imposição de meios mais radicais para as violações dos deveres de lisura contemplados no artigo 235º, n.º 2 do C. Com. dos administradores, nas sociedades anónimas, em relação aos gerentes das sociedades por quotas, em vista do diferente distanciamento dos sócios numa e noutra sociedade, sendo que no artigo 460º do Código Comercial o legislador estabelece como consequência a nulidade, enquanto que no artigo 254º do Código Civil se determina a anulabilidade do negócio jurídico. Ou seja, vista a maior proximidade entre os sócios e a vida da sociedade numa sociedade por quotas, compreende-se que o legislador deixe à disponibilidade destes a anulação ou não dos actos praticados pelos sócios gerentes dos negócios que estes façam consigo próprios e como representantes da sociedade, ponderando caso a caso os prejuízos daí advenientes e a conflitualidade de interesses.
    A anulabilidade do negócio celebrado consigo mesmo é estabelecida em defesa dos interesses do representado já que o representante, como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, sentir-se-á tentado a sacrificar os interesses do representado em beneficio dos seus ou poderá prejudicar os interesses de um dos representados em benefício dos do outro.4

    A consequência da celebração pelo gerente, sem prévio consentimento por deliberação dos sócios, de contrato entre a sociedade e o próprio gerente, directamente ou por pessoa interposta, decorre, com as necessárias adaptações, do princípio geral estabelecido no artigo 254º do Código Civil. Disposição que não pode deixar de aplicar-se à representação da sociedade pelo gerente quando este queira consigo celebrar qualquer contrato e não tenha previamente obtido o consentimento da sociedade por deliberação dos sócios.
    No sentido da anulabilidade que se vem defendendo, unanimemente, a Jurisprudência Comparada.5
    
    5.6. Considerando que se processaram duas alienações, só a alienação da participação social de 5% estaria ferida do aludido vício, anulabilidade que já não se comunicaria à alienação a favor de terceiro, no caso, a referente ao 2º réu, não fora o caso de o montante pago à sociedade pelas aludidas alienações ter sido transferido na totalidade para uma conta pessoal da 1º ré, assim se destruindo os efeitos da totalidade do negócio feito em representação da sociedade, pois que com essa transferência para a conta pessoal da 1º ré passa a assumir, todo ele, eventualmente, a natureza de negócio consigo mesmo.
    Por outras palavras: se um sócio gerente transfere dinheiro da sociedade para a sua conta pessoal e não dá qualquer justificação para esse efeito parece haver aí um negócio celebrado entre a sociedade e o gerente consigo mesmo.
    Bem podem os recorridos dizer que o beneficiário de 95% da alienação das participações sociais foi o 2º réu, mas o que fica por explicar é a transferência de cinco milhões para a conta pessoal da 1ª ré.
    
    5.7. A configuração do negócio celebrado nestes termos e que por si só seria bastante, como se viu, para que se anulasse o negócio celebrado, constitui, no entanto, ponto de partida para, em conjugação com toda a matéria que vem alegada e não se tem por impugnada, se considerar que o negócio aparentemente celebrado não deixou de ser simulado, o que o fulmina com o vício mais grave da nulidade.
    Na verdade, pior do que um negócio consigo mesmo crê-se que não houve sequer venda onerosa das quotas da sociedade participada pela A., na medida em que não foi querida qualquer venda, antes uma alienação dessas participações sem qualquer contrapartida para a A., como adiante se verá.

    6. Da nulidade por simulação
    Vem a recorrente alegar que o negócio é simulado e que andou mal Tribunal a quo ao entender não existirem factos suficientes que demonstrem existir tal vício.
    A causa de pedir numa acção fundada em simulação de negócio jurídico estrutura-se na base de três componentes fundamentais decorrentes do art. 232º do CC:
a) - a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos contraentes, aquela integrando o negócio dissimulado e esta o negócio simulado;
b) - o acordo ou conluio entre as partes;
c) - a intenção de enganar terceiros.
    Ora estes elementos não deixam de se descortinar na factualidade que não deixa de vir concretizada num negócio celebrado que se denomina de transferência de participações sociais (5% para a recorrida e 95% para o recorrido) pelo preço de HKD 5.000.000,00, estando, assim, subjacente a esse negócio a entrega de uma contrapartida em dinheiro, mas que logo desaparece da conta da recorrente e entra na conta pessoal da recorrida.
    Não é difícil ter por assente sem qualquer explicação para este facto – que, na verdade, não houve pagamento algum. Tanto basta para termos por comprovada a divergência entre a vontade declarada e o que realmente se passou, ou seja, que não houve qualquer transmissão onerosa (já não falando sequer da desproporção manifesta entre o valor da coisa transferida e a da sua contrapartida).
    O acordo entre as partes decorre igualmente da globalidade dos factos, sendo óbvio que os recorridos não podem deixar de ter acordado na transferência daquelas quotas nas apontadas proporções, sendo apodíctico o intuito de enganar a A., o que se revela pelo subsequente desapossamento da quantia entregue da disponibilidade da A., ora recorrente e seu ingresso na titularidade da Ré, ora recorrida, não havendo justificação para o facto de só ela beneficiar desse dinheiro quando adquirida apenas a percentagem de 5% e comparação com os 95% da percentagem do seu pretenso irmão.
    A causa de pedir é o título ou o "facto jurídico" gerador do direito invocado, devendo definir-se em função da qualificação jurídica desses factos. Certo que a causa de pedir se destina a impedir que seja o demandado compelido a defender-se de toda e qualquer possível causa de pedir, apenas tendo de se defender da concretamente invocada pelo autor.
    Em acção de anulação por simulação, a causa de pedir consiste no vício específico (simulação) que se invoca, ou seja, no conjunto dos factos que fundamentam esse vício.
    Nem interessa mais indagar qual o negócio subjacente - sendo certo que foi uma transferência não onerosa da totalidade das quotas -, bastando que um negócio seja celebrado em divergência entre o declarado e o querido para que o negócio seja declarado nulo, verificando-se os restantes pressupostos acima apontados; saber se para além disso houve outro negócio ou que as partes realmente quiseram essa é outra questão.
    Nem se diga, ao contrário do que exarado ficou na douta sentença, que estes elementos não foram alegados pela A. Atente-se que não deixa ela de referir que
    
    - "A 1ª ré, B empregou um meio simulado e assinou, na qualidade de representante legal da autora, dois documentos de alienação da participação da A. na "Hong Kong D Limited" em 19 de Maio de 2010 em Hong Kong." (art. 17º da p.i.);
    
    - "Aquando da prática deste negócio, os dois tinham o mesmo objectivo. A 1ª ré, B, aproveitou o nome do 2° réu, C para adquirir as respectivas acções, tendo como objectivo evitar aquela disposição legal" (isto é, o art. 208° do Código Comercial). (art. 28º da p.i.);
    - "A 1ª ré, B, transferiu, através de negócio falso, toda a participação da "Hong Kong D Limited", no valor total de HKD$5,000,000.00 à 1ª ré, B e ao 2° réu, C". (art. 35º da p.i.);
    
    - “A 1ª ré, B transferiu para ela própria a propriedade do edifício no XX da Cidade de Shanghai, na China, no valor de mais de RMB100,000,000.00, pertencente à "Companhia de F Lda.", de forma enganosa e através da alienação de toda a participação na "Hong Kong D Limited". (art. 36º da p. i. );
    
    
    -"Embora a 1ª ré, B e o 2° réu, C tivessem transferido respectivamente duas quantias no valor total de HKD$5,000,000.00, decorrente de toda a participação na "Hong Kong D Limited", para a conta bancária, em patacas, n.º 001-3XXXX4-0XX, da autora, aberta na Filial de Macau do HSBC, em 15 de Junho de 2010” (art. 37º da p. i.);
    
    - “…praticaram esta conduta de transferência bancária a fim de encobrir o seu negócio falso" (art. 39º da p. i.);
    
    - "A 1ª ré, B não precisou de pagar um centavo e desapossou a autora da sociedade "Hong Kong D Limited" (art. 45º da p. i. );
    
    - "Esta conduta fez com que a A. tivesse perdido a propriedade do prédio sito no XX na Cidade de Shanghai, na China, pertencente à "Companhia de F Lda.". (art. 46º da p. i.)
    
    - "O 2° réu, C tinha conhecimento do respectivo plano e de que acabou por deter uma participação de 95% na sociedade "Hong Kong D Limited" sem ter efectuado qualquer pagamento. (art. 47º da p.i.;)
    
    - "O 2° réu, C, tinha conhecimento de que a conduta descrita era proibida por lei, mas, mesmo assim, participou no plano." (art. 48º da p. i.)
    
    - "Pelo exposto, a 1ª ré, B, celebrou, na qualidade de representante legal da A., um negócio com a própria 1ª R. e com o 2° réu, C, com a intenção de enganar a A., o sócio da A., G e os outros intervenientes a fim de prejudicar os interesses da A., do sócio da A., G e os credores da sociedade ... ". (art. 51º da p.i.).
    
    Não há aqui apenas conclusões mas factos, ainda que alguns deles do foro volitivo e anímico mas que não deixam de ser factos. Trata-se de matéria que não se mostra impugnada, se deve ter por provada e se encaixa perfeitamente na restante globalidade não sendo por ela de alguma forma contrariada, antes ajudando a compreender qual a intencionalidade presente ao negócio que não deixa de suscitar muitas dúvidas e interrogações. Em boa verdade, não se apresenta qualquer outra explicação para aquele negócio.
    Temos, pois, por verificada a simulação do negócio e, consequentemente, a sua nulidade, como decorre do art. 232º, n.º 1 e 2 do CC.
    Nesta conformidade o recurso nesta parte não deixará de proceder.
    
7. Da alegada incapacidade da sociedade A. para a prática do acto
    Uma vez que as sociedades comerciais se constituem para que aos seus sócios seja conferido direito aos lucros, sendo o lucro a causa da sua participação na sociedade, sendo, aliás, nula qualquer cláusula que prive um sócio de quinhoar nos lucros, uma doação por parte da gestão de uma sociedade não pode ser "considerada usual segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade" tem de ser havida como contrária ao fim da sociedade (n.º 2 do art. 177º "a contrario"), porquanto priva a sociedade do seu património e priva os sócios da parte em causa na respectiva distribuição dos lucros e considerando que o negócio em apreço nos presentes autos não teve qualquer contrapartida para a sociedade A . - considerando que, numa primeira fase, os RR. nada pagaram à sociedade como preço da alienação, numa segunda fase, depositaram o montante correspondente ao valor nominal das acções cedidas; e, numa terceira fase, três dias depois, a quantia em causa foi transferida para uma conta pessoal da 1.ª R . - conclui a recorrente que se tratou de um negócio não oneroso que, em termos do direito societário, é nulo.
    Ainda que prejudicada pela opção acima tomada, não se deixa de referir que a recorrente não deixa de ter alguma razão, pois não se concebe como em termos normais pode ter ocorrido um negócio daquela natureza em prejuízo manifesto da sociedade de que a 1º Ré era gerente, o que só reforça a ideia, à míngua de outra explicação para a razoabilidade do raciocínio que faz suspeitar daquele negócio e da sua falsidade inerente, enquanto desconforme àquilo que aparenta, quer quanto ao conteúdo, quer quanto à sua onerosidade.

8. Do abuso de direito
    Pretende a recorrente que o negócio seja considerado ilegítimo por abuso de direito.
    Para tanto, alega a Recorrente que “ Da matéria assente, resulta que a 1.ª R. - detentora de mero 1% do capital social da A. e sua gerente - transferiu, formalmente, 5% do capital da sociedade de Hong Kong para si própria e o restante 95% para o 2º R.,» (note-se que desta vez a Recorrente separa os destinatários).”
    E para reforçar tal ideia, a recorrente alega, em sede de recurso, que “Tal negócio consistiu, na prática, na alienação por HKD$5,000,000.00 de um bem que aquela sociedade detinha e que, como se vem referindo, tinha um valor superior a RMB100,000,000.00.”
    Trata-se de matéria igualmente prejudicada e já não há necessidade de entrar por aqui, não sem que se deixe de considerar que, ao agir como agiu, celebrando um negócio consigo mesmo, mas simuladamente e com prejuízo manifesto da A., não se deixa de entender que a 1ª Ré, conluiada com o segundo, não deixou de exceder os seus poderes e de exercer o seu mandato de gerência, passando todos os limites consentidos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito, na previsão do que dispõe o art.326º do CC.
    
    Tudo visto e examinadas as questões que vinham colocadas, entende-se ser de fulminar o negócio celebrado com a nulidade face à simulação que se mostra sobejamente patenteada.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revoga-se o decidido e declara-se nula a alienação da participação de “Hong Kong D Limited” praticada pela 1ª ré B na qualidade de representante da autora à 1ª ré B e ao 2º réu C, em 19 de Maio de 2010, sendo a devolução da referida participação à sociedade autora, uma decorrência de tal nulidade.
    Custas pelos recorridos.
Macau, 18 de Setembro de 2014,

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 - Raul Ventura, in Sociedades por Quotas, Vol. III, págs. 176 e 177
2 -Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades
3 - Sociedades por Quotas, Vol. III, págs. 177

4 - Vd. CCA, anotação ao respectivo artigo 261º
5 - Acs do STJ, proc. n.º 08B948, de 27/5/2008, 98B595, de 23/9/98, de 13/3/08, CJ, I, 171, RP, proc. 0521121, de 13/12/2005

---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

143/2014 52/52