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Processo nº 182/2014
(Autos de recurso contencioso)

Data: 18/Setembro/2014

Assunto: Indicação da morada para efeito de notificação
Caducidade do direito de recurso

SUMÁRIO
    - Não obstante a carta para notificação ter sido recebida por pessoa diferente do destinatário, mas sendo o endereço para onde foi remetida a carta indicado pelo próprio interessado aquando da apresentação do pedido de autorização temporária junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, considera-se perfeita a tal notificação.
    - Tendo o recurso contencioso sido interposto fora do prazo, dá-se por verificada a excepção de caducidade do direito de recurso, ao abrigo do disposto no artigo 46º, nº 2, alínea h) do Código de Processo Administrativo Contencioso.

O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 182/2014
(Autos de recurso contencioso)

Data: 18/Setembro/2014

Recorrente:
- A

Recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, titular do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM, melhor identificada nos autos, notificada do despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças de 10 de Janeiro de 2009, que declarou a caducidade da autorização de residência temporária em Macau concedida à recorrente e ao seu agregado familiar, interpôs o presente recurso contencioso de anulação do referido despacho, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por base o despacho de indeferimento do pedido de renovação de Autorização de Residência na RAEM da ora Recorrente bem como do seu agregado familiar composto pelo seu cônjuge B e filho C.
2. Em 14/09/2006, quando a Requerente apresentou o seu pedido de autorização de fixação de residência em Macau, exibiu o seu diploma emitido pela Escola 莆田縣江口公社革命委員會中學 comprovativo da sua frequência do ensino secundário nessa escola, faltando contudo a autenticação do referido documento.
3. Após ter sido notificada pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau e depois pela Polícia Judiciária percebeu que se passava algo de estranho com o diploma que havia exibido e após averiguar por si própria mais detalhadamente apercebeu-se que a Escola onde tinha estudado nos anos 70 莆田縣江口公社革命委員會中學, que era uma escola da povoação onde morava, mudou o seu estatuto e passou a ser uma escola regional, alternado o seu nome para 福建省莆田巿涵江區江口鎮錦江中學 e já mudou várias vezes de nome.
4. O resultado das averiguações efectuadas pelo Ministério Público da Província de GuangDong refere que o nome da Recorrente não consta na lista da escola indicada pela Recorrente, mas não certifica que a Recorrente não estudou na referida escola, nem tão pouco prova que a Recorrente falsificou qualquer documento.
5. Mais, a Recorrente tem conhecimento pessoal de que este não é o primeiro caso em que um estudante da referida escola tenha tido dificuldade em comprovar que efectivamente estudou na referida escola, em virtude da revolução cultural naquela altura.
6. Esta decisão de indeferimento de renovação da autorização de fixação de residência comporta em si um julgamento antecipado, prejudicando assim os interesses da Recorrente.
7. Aliás, a Recorrente entende que esta questão que está por resolver, tendo em consideração o entendimento do Ministério Público da Província de Guangdong, contra o qual não consegue neste momento fazer contraprova, apenas pode ser esclarecida com outros testemunhos reais idênticos aos da Recorrente, e que foram igualmente vítimas da revolução cultural dos anos 70.
8. Pelo que a Recorrente não se pode conformar com esta decisão de indeferimento que se baseia num pressupostos de facto que não é verdadeiro, e mesmo que a Recorrente não consiga provar em Julgamento a sua inocência, o que apenas se coloca por mera hipótese académica, em todo o caso, não se pode valor nenhum juízo de valor e considerar que o documento é falso e que a Recorrente falsificou o documento.
9. A grande margem de discricionariedade da apreciação das situações não impede que o acto possa ser sindicado por erro sobre os pressupostos de facto.
10. No despacho que ora se recorre, invoca-se apenas um juízo precipitado de valor mas que se mostra insuficiente para justificar um indeferimento com tamanha proporção.
11. E embora se reconheça que o acto de que ora se recorre é um acto discricionário da Administração, esta encontra-se vinculada a diversos princípios legais – como legalidade e fundamentação segundo o qual “devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas” (artigo 8º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo).
12. Todos os actos emanados do poder discricionário têm que demonstrar justiça, imparcialidade e proporcionalidade em face do caso concreto.
13. E conforme refere David Duarte, in Procedimentalização, Participação e fundamentação: Para uma concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório, Livraria Almedina, Coimbra, 1996, p. 344.: o uso do poder discricionário encontra-se limitado pelos chamados limites internos e limites externos, sendo estes últimos os que respeitam à orientação dos poderes de livre decisão a priori e ao seu controlo a posteriori, ou seja o princípio da legalidade, na mesma vertente em que materializa a exigência de um título de decisão, não se limita, no entanto, a uma mera permissão decisória. Simultaneamente, por razões de densidade substantiva, a legalidade exige que o suporte da decisão contenha uma intensidade razoável de pré-determinações, sob pena de frustração da própria raio do princípio.
14. Apesar de, honestamente, até à data a Recorrente ainda não ter conseguido refutar as provas documentais, não significa que não consiga provar a sua inocência com base nos seus testemunhos reais que está a recolher de casos idênticos ao da Recorrente que não viram o seu nome aparecer na lista de alunos da Escola em questão, em virtude de alguns arquivos terem desaparecido.
15. Considerando o disposto no artigo 24º do Regulamento Administrativo 5/2003: “São causas de caducidade da autorização de residência: 1) O decaimento de quaisquer pressupostos ou requisitos sobre os quais se tenha fundado a autorização; 2) Qualquer circunstância que, nos termos da lei de princípios e do presente regulamento, seja impeditiva da manutenção da autorização, nomeadamente a falta de residência habitual do interessado na RAEM”.
16. Não existem fundamentos que permitam declarar extinta a autorização de residência da ora Recorrente bem como do seu agregado familiar.
17. Pelo que entende o Recorrente que o ato administrativo de indeferimento de autorização de residência, violou os termos do artigo 24º do Regulamento Administrativo 5/2003 e do artigo 23º do Regulamento Administrativo 3/2005, bem como os artigos 8º, n.ºs 1 e 2 do CPA, e os artigos 3º e 5º do CPA, o princípio legalidade, por não respeitar os requisitos previstos na lei, o princípio de fundamentação adequada das decisões, ao basear a sua decisão em meras premissas e conclusões prematuras, sem haver antes um julgamento judicial real e efectivo com direito a defesa, ultrapassando o princípio da proporcionalidade quanto ao critério de segurança das decisões da Administração, originando uma decisão injusta para a Recorrente e o seu agregado familiar que deveria de beneficiar do princípio do contraditório, em sede própria, e do princípio da presunção da inocência.
Conclui, pedindo a anulação do acto administrativo recorrido.
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Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação constante de fls. 21 a 25 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pugnando antes de tudo pela extemporaneidade do recurso.
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Aberta vista inicial ao Digno Magistrado do Ministério Público, foi emitido o seguinte parecer:
     “Datado de 13/02/2014, o carimbo demonstra indubitavelmente que o aviso de recepção foi devolvido aos Serviços de Correio nessa data (doc. de fls. 108 do P.A.). Daí que a carta registada para efeitos de notificação do despacho em causa foi levantada no mesmo dia de 13/02/2014, e a partir do dia seguinte (13/02/2014) se iniciou a contagem do prazo para interpor o recurso contencioso (arts. 25º, n.º 3 do CPAC ex vi 74º do CPA).
     Apesar de quem levantou tal carta registada ser um indivíduo de apelido Liang (梁), em vez da recorrente que foi destinatária da aludida notificação, em consonância com a doutrina e jurisprudência pacífica de ser substantivo o prazo previsto no n.º 2 do art. 25º do CPAC (vide. Acórdão do TSI no Processo n.º 26/2001) parece-nos que não se aplica in casu a dilação consagrada na alínea a) do n.º 1 do art. 199º do CPC.
     De outro lado, afigura-se-nos que o levantamento pessoal pela ora recorrente da notificação registada sob o n.º P2112/2006/02R não detém a virtude de conduzir à interrupção do prazo em decurso desde o apontado dia seguinte, nem ao novo início da contagem do prazo legal de 30 dias consignado na alínea a) do n.º 1 do art. 25º do CPAC (residindo a recorrente, na devida altura, na RAEM).
     Sendo assim, e visto que o presente recurso contencioso veio a ser interposto em 20/03/2014 – data manifestamente posterior ao último dia do prazo legal de 30 dias, não podemos deixar de entender que se verifica in casu a extemporaneidade aduzida pelo Exmo. Sr. SEF na contestação.
     Por todo o expendido, propendemos pela procedência da excepção da apontada extemporaneidade do recurso contencioso em apreço.”
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Notificada a recorrente, esta pronunciou-se pela tempestividade do recurso.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da excepção – Caducidade do direito de recurso - suscitada pela entidade recorrida:
Por despacho do Exmº Secretário para a Economia e Finanças, de 10.01.2014, foi declarada a caducidade da autorização de residência temporária em Macau concedida à recorrente e ao seu agregado familiar. (cfr. fls. 101 a 103 do processo administrativo)
Foi enviada à recorrente uma carta registada com aviso de recepção para o endereço declarado pela mesma junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau. (cfr. fls. 100 e 109 do processo administrativo)
Esta carta foi levantada por um indivíduo da companhia “XXX Group Company Limited”, conforme o aviso de recepção assinado em 11.2.2014. (cfr. fls. 108 do processo administrativo)
O recurso contencioso deu entrada neste TSI no dia 20.03.2014.
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A questão que se coloca é saber se o recurso contencioso foi interposto tempestivamente ou fora do prazo.
Dispõe a alínea a) do nº 2 do artigo 25º do Código de Processo Administrativo Contencioso que “o direito de recurso de actos anuláveis caduca no prazo de 30 dias, quando o recorrente resida em Macau”.
Por sua vez, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, estatui-se que “à contagem dos prazos previstos no número anterior é aplicável o disposto no Código do Procedimento Administrativo”.
Ao abrigo do disposto no artigo 74º do Código do Procedimento Administrativo, prevê-se o seguinte:
“À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:
a) Não se inclui na contagem o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
b) O prazo é contínuo e começa a correr independentemente de quaisquer formalidades;
c) O termo do prazo que caia em dia em que o serviço não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.”
No caso vertente, o acto do Exmº Secretário para a Economia e Finanças foi praticado em 10.01.2014, tendo a carta para notificação sido enviada para o endereço indicado pela própria recorrente, bem como levantada e assinada em 11.02.2014.
Sendo assim, salta à vista que o prazo para recurso contencioso terminaria no dia 13.03.2014, daí que extemporâneo foi o recurso interposto pela recorrente.
E não se diga que a notificação não podia produzir quaisquer efeitos por que não foi recebida pela própria recorrente.
Pese embora a respectiva carta tenha sido recebida por pessoa diferente da destinatária, mas a verdade é que o endereço para onde foi remetida a carta foi indicado pela própria recorrente aquando da apresentação do pedido de autorização temporária junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (vide fls. 100 do processo administrativo).
Na verdade, este TSI já teve oportunidade de se pronunciar sobre semelhante questão, no Processo 792/2012, nos seguintes termos:
“A notificação por carta registada com aviso de recepção, comum nos procedimentos administrativos, considera-se perfeita desde que dirigida ao domicílio real do destinatário, ainda que o aviso não tenha sido assinado por este, e dá-se por consumada no dia em que foi assinado o aviso de recepção, mesmo que por pessoa diversa do notificando.”
Com todo e muito respeito, considerando que a notificação foi dirigida à morada indicada pela própria interessada ora recorrente, entendemos que a notificação foi devidamente efectuada, e sem nenhum reparo, devendo, por isso, a contagem do prazo para interposição de recurso contencioso iniciar-se a partir do dia seguinte ao de notificação.
E não se deve esquecer que o prazo para interposição de recurso contencioso tem natureza substantiva, razão pela qual não se aplicam as regras relativas aos prazos processuais, nomeadamente as normas previstas no artigo 199º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil.
Nesta conformidade, considerando que a recorrente foi notificada do acto administrativo em 11.02.2014, deveria o recurso ter sido apresentado até ao dia 13.03.2014, mas o mesmo só deu entrada neste TSI no dia 20.03.2014, isso significa que já havia decorrido o prazo para a sua interposição, daí que verificada a excepção de caducidade do direito de recurso, ao abrigo do disposto no artigo 46º, nº 2, alínea h) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar procedente a excepção de caducidade do direito de recurso invocada pela entidade recorrida, e em consequência, absolver a entidade recorrida da instância, nos termos do artigo 46º, nº 2, alínea h) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 U.C.
Registe e notifique.
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Macau, 18 de Setembro de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira



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