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Processo nº 322/2014
(Autos de recurso civil)

Data: 18/Setembro/2014

Assunto: Sentença proferida antes do decurso do prazo para apresentação de alegações de direito

SUMÁRIO
- Há irregularidade na prolação da sentença se esta for proferida antes do decurso do prazo para apresentação de alegações de direito.
- Ao ordenar pelo Tribunal recorrido a rectificação da acta, passando nela a constar que a Autora não prescindiu do prazo para apresentação de alegações, a sentença proferida antes de ter terminado o prazo para as partes apresentarem as alegações de direito teria que ficar sem efeito.
- Na sequência da correcção da acta a Autora não passou a dispor de novo prazo para alegações de direito, uma vez que a nulidade processual reporta-se unicamente à própria sentença a qual foi proferida antes do decurso do prazo para apresentação de alegações de direito, e não a outros actos anteriores os quais não padeciam de qualquer irregularidade.
- Razão pela qual a Autora teria que apresentar as suas alegações ainda dentro do prazo de 10 dias a contar da data em que foi fixada a matéria de facto provada, e não a partir da notificação da correcção da acta, sob pena de ficar beneficiada de alongamento injustificado do prazo.
       
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 322/2014
(Autos de recurso civil)

Data: 18/Setembro/2014

Recorrente:
- A (Autora)

Recorrida:
- B (Ré)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A intentou acção de despejo contra a Ré B, junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM, pedindo a declaração de cessação do contrato de arrendamento celebrado com a última para o termo do prazo, por denúncia unilateral, e a condenação desta mesma Ré a entregar à Autora o imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, bem como o pagamento de rendas que deixou de auferir.
Realizou-se a audiência de julgamento.
Dois dias após a decisão de fixação da matéria de facto provada foi proferida sentença, tendo a Ré sido absolvida do pedido.
Na sequência dessa notificação, informou o Sr. Advogado da Autora à respectiva secretaria judicial que, contrariamente ao que constava da acta, aquando da leitura da matéria de facto provada, a mandatária da Autora não abdicou do prazo para alegações de direito.
Aberta a conclusão ao Sr. Presidente do Tribunal Colectivo, foi autorizada a rectificação da acta e a respectiva notificação às partes.
Notificada a Autora, veio a mesma apresentar as alegações de direito, cuja junção não foi admitida.
Inconformada com a decisão, dela vem a Autora interpor recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a fls. 105 a 107 dos autos, pelo qual o Tribunal a quo considerou proferida e transitada em julgado a sentença previamente ao decurso do prazo para apresentação das alegações de direito da Recorrente.
B. Contrariamente ao entendimento sufragado na decisão recorrida, a irregularidade na prolação da sentença, previamente ao decurso do prazo para apresentação das alegações de direito, foi devidamente suscitada logo no dia 2 de Dezembro de 2013, mal a Recorrente foi notificada da sentença, e motivou a conclusão de fls. 97 dos autos.
C. Em acto subsequente foi imediatamente proferido despacho onde resulta que: “face à informação supra julga-se relevada a falta e uma vez que o funcionário que elaborou a acta reconhece a inexactidão procede-se à rectificação e após notifique-se às partes”.
D. A conclusão de fls. 97, onde foi reportada a irregularidade, foi motivada pela prolacção da sentença previamente ao decurso do prazo para apresentação de alegações de direito, tendo sido conhecida e imediatamente decidida pelo Tribunal a quo, nos termos do despacho de fls. 97 dos autos e, segundo acreditou a Recorrente ao abrigo do art. 151º, 2 do CPC.
E. Acresce que, do despacho de que ora se recorre resulta de forma clara que: “… na sequência da correcção da acta a Autora passou a dispor de prazo para alegações de direito.”
F. Se o Tribunal a quo, depois de ordenar a rectificação, concedeu à Recorrente prazo para apresentar alegações de direito, é porque, ainda que tacitamente, aceitou que teriam de ficar sem efeito os actos processuais subsequentes, ou seja, a prolação da sentença.
G. Se estava em prazo para apresentação de alegações de direito, e sabendo que estas antecedem naturalmente a prolacção da sentença, não faz qualquer sentido vir arguir a nulidade da sentença. Trata-se de uma subversão processual.
H. Por outro lado, entende a Recorrente que não devia ser penalizada por um lapso da secretaria devidamente reportado e reconhecido nos autos, facto aliás devidamente proibido nos termos do art. 111º, n.º 6 do CPC.
I. Tanto mais – e releve-se a presunção – que a Recorrente acreditava e acredita que as suas alegações de direito eram susceptíveis de trazer uma mais valia e provavelmente um diferente desfecho ao processo.
J. Pelas razões expostas, entende a Recorrente que a decisão recorrida viola o disposto no art. 8º, n.º 1 e 111º, n.º 6 do Código de Processo Civil de Macau, bem como, ao não ter considerado ter sido suscitada a irregularidade da prolacção da sentença antes do decurso do prazo para apresentação de alegações de direito, o disposto nos arts. 88º, n.º 1, 147º e 151º, n.º 2 do mesmo diploma legal.
K. Pelo que deverão ser declaradas admitidas as alegações de direito apresentadas pela Recorrente, declarando-se expressamente nula a sentença de fls. 91 a 94 proferida antes de apresentado tal prazo.
Conclui, pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por despacho que se declare admitidas as alegações de direito apresentadas pela Autora e expressamente nula a sentença proferida antes de decorrido tal prazo.
*
Notificada a Ré ora recorrida, não apresentou resposta.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS
Está em causa a seguinte decisão da primeira instância:
“Compulsados os autos verifica-se que:
- Em 18 e 25 de Novembro de 2013 procedeu-se a julgamento tendo sido proferida decisão a fixar a matéria de facto – cf. fls. 87/90;
- Inicialmente fez-se constar na acta da última sessão de julgamento que ambas as partes haviam prescindido do prazo para alegações de direito – cf. fls. 91/94;
- A sentença foi notificada ao Ministério Público em 28.11.2013 sendo que na mesma data foi expedida carta registada para notificação da Autora – cf. fls. 95/96;
- Em 02.12.2013 foi aberta conclusão nos autos com o seguinte teor: «Conclusão. Aos 2 de Dezembro de 2013, com a informação a V.a Exa. de que, nesta data, fomos contactados telefonicamente pelo Exm.º Dr. Rodrigo Mendia de Castro, colega de escritório de Exm.a Dr.a Sofia Mendes Martins, ilustre mandatária da Autora, informando que esta, aquando da leitura de matéria de facto provada, instada sob a mesma declarou não ter reclamações a apresentar, mas, não abdicando do prazo para alegações de direito, facto que foi comprovado pelo ora exponente, consultando os apontamentos do colega que secretariou tal leitura. Dest’arte, configura-se ter havido manifesto lapso na redacção da respectiva acta, induzindo em erro V.a Ex.a no momento próprio para elaboração da sentença. Assim, rogando a V.a Ex.a a relevação da falta e a fim de se dignar decidir e ordenar o que tiver por conveniente, faço Cls.»
- Na sequência daquela conclusão foi proferido despacho datado de 02.12.2013 com o seguinte teor: «Face à informação supra julga-se relevada a falta e uma vez que o funcionário que elaborou a acta reconhece a inexactidão procede à rectificação da acta e após notifique às partes.»
- O despacho supra referido foi notificado ao Ministério Público e à Autora em 03.12.2013 – cf. fls. 97/98;
- Em 16.12.2013 a Autora alegando ter sido notificada da acta rectificada e nos termos do artº 560º do CPC vem apresentar alegações de direito – cf. fls. 99.
Vejamos então.
É certo que na sequência da correcção da acta a Autora passou a dispor de prazo para alegações de direito.
Mas também é certo que quando a correcção da acta é ordenada já havia sido proferida sentença e esta já havia sido notificada.
Ou seja, ainda que involuntariamente e motivado por um erro que vem a ser corrigido, o certo é que a sentença foi proferida antes de ter terminado o prazo para as partes apresentarem as alegações de direito.
Nem o Ministério Público nem a Autora vieram invocar ter sido preterida formalidade ou a anulabilidade ou nulidade da sentença por ter sido proferida antes de decorrido o prazo para as alegações de direito, nem tão pouco dela foi interposto recurso.
Nos termos do artº 147º do CPC o facto da sentença ser proferida antes de decorrido o prazo para apresentar as alegações de direito, ainda que possa configurar uma irregularidade que possa influir na decisão da causa e como tal, nos termos da parte final do n.º 1 deste preceito, determinar a anulação de todo o processado a partir do momento em que foi proferida a sentença antes de decorrido o mencionado prazo (para as alegações de direito) o certo é que, tal irregularidade não é nulidade de conhecimento oficioso nos termos do artº 148º do CPC, pelo que, havia de ser invocada pelas partes.
Destarte, não tendo a Autora nem o Ministério Público invocado irregularidade ou nulidade alguma, tendo a sentença de folhas 91/94 sido notificada ao Ministério Público em 28.11.2013 e sendo na mesma data expedida carta registada para notificação do Autora, verifica-se que a sentença proferida nos autos transitou em julgado em 12.12.2013.
Assim sendo, esgotado que está o poder jurisdicional nos termos do artº 569º, n.º 1 do CPC, nada mais há a ordenar.
Notifique.”
*
Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
*
A única questão que se coloca no presente recurso é saber se deve ser admitida a junção das alegações de direito apresentadas pela Autora ora recorrente.
E a situação é a seguinte:
A audiência de julgamento foi realizada em 18.11.2013, tendo sido fixada a matéria de facto provada em 25.11.2013.
Por ter considerado (erradamente) que a Autora teria prescindido do prazo para alegações de direito, o Sr. Presidente do Tribunal Colectivo proferiu a sentença dois dias depois, ou seja, em 27.11.2013.
Notificada da sentença por carta registada, o mandatário da Autora avisou, em 2.12.2013, à respectiva secretaria judicial e esta, por sua vez, abriu conclusão ao Sr. Presidente do Tribunal Colectivo, informando que foi comprovada a existência de manifesto lapso na redacção da respectiva acta, uma vez que, na realidade, aquando da leitura da matéria de facto provada, a mandatária da Autora não abdicou do prazo para alegações de direito, e em consequência, o funcionário judicial induziu em erro o Sr. Presidente do Tribunal Colectivo no momento próprio para elaboração da sentença.
Por despacho datado do mesmo dia, foi ordenada a rectificação da acta e a consequente notificação às partes.
Notificada por carta registada de 3.12.2013, a Autora apresentou em 16.12.2013 as alegações de direito.
Entretanto, o Tribunal recorrido entendeu que a sentença proferida nos autos já transitou em julgado em 12.12.2013, considerando que a irregularidade na prolação da sentença não foi devidamente suscitada pela Autora.
Salvo o devido respeito, entendemos assistir razão à Autora quando vem afirmar que a irregularidade foi suscitada logo no dia 2.12.2013, mal a Autora ora recorrente foi notificada da sentença.
Em boa verdade, logo notificada da sentença, a Autora logrou chamar atenção à secretaria de que houve irregularidade na prolação da sentença, uma vez que ainda não decorreu o prazo para apresentação das alegações de direito.
Em consequência, foi aberta conclusão ao Sr. Presidente do Tribunal Colectivo, e foi imediatamente proferido despacho onde resulta que: “Face à informação supra julga-se relevada a falta e uma vez que o funcionário que elaborou a acta reconhece a inexactidão procede-se à rectificação e após notifique-se às partes.”
Com todo o respeito por melhor opinião, entendemos que a irregularidade foi suscitada pelo Sr. Advogado da Autora junto do Tribunal a quo, precisamente por ter informado à secretaria judicial a falta de consideração do decurso do prazo para apresentação das alegações de direito, e em consequência, motivou a abertura de conclusão ao Juiz, onde foi reportada a tal irregularidade, tendo a questão suscitada pelo mandatário sido imediatamente decidida pelo Tribunal a quo.
Nestes termos, entendemos que, ao ordenar a rectificação da acta, passando nela a constar que a Autora não prescindiu do prazo para apresentação de alegações, a sentença proferida em 27.11.2013 teria que ficar sem efeito por ter sido proferida prematuramente, devendo a “nova” sentença ser proferida após o decurso do prazo para alegações de direito.
Entretanto, as alegações da Autora foram apresentadas no dia 16.12.2013.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que as referidas alegações foram apresentadas fora do prazo.
Dispõe o artigo 560º do Código de Processo Civil que “se as partes não prescindirem da discussão por escrito do aspecto jurídico da causa, a secretaria, uma vez concluído o julgamento da matéria de facto, faculta o processo para exame ao advogado do autor e depois ao do réu, pelo prazo de 10 dias a cada um deles, a fim de alegarem, interpretando e aplicando a lei aos factos que tiverem ficado assentes.”
Por sua vez, prevê o nº 2 do artigo 147º do mesmo Código que “quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os actos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam dependentes.”
Em boa verdade, não podemos ignorar que na sequência da correcção da acta a Autora não passou a dispor de novo prazo para alegações de direito, uma vez que a nulidade processual reporta-se unicamente à própria sentença a qual foi proferida antes do decurso do prazo para apresentação de alegações de direito, e não a outros actos anteriores os quais não padeciam de qualquer irregularidade, isso significa que a Autora teria que apresentar as suas alegações ainda dentro do prazo de 10 dias a contar da data em que foi fixada a matéria de facto provada, e não a partir da notificação da correcção da acta, sob pena de ficar beneficiada de alongamento injustificado do prazo.
Ora bem, no vertente caso, a leitura da matéria de facto provada foi efectuada no dia 25.11.2013, isso significa que o prazo para alegações de direito terminaria no dia 5.12.2013, e mesmo que tivesse em conta a possibilidade de apresentação nos primeiros três dias úteis seguintes ao termo do prazo, também já terminaria no dia 11.12.2013, pelo que as alegações apresentadas em 16.12.2013 não devem ser admitidas, não pelo fundamento consignado na decisão recorrida, mas sim por terem sido apresentadas fora do prazo.
Nesta conformidade, temos que julgar improcedente o recurso, devendo as alegações de direito apresentadas pela Autora ora recorrente serem desentranhadas dos autos, e consequentemente, ser proferida “nova” sentença.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela Autora ora recorrente A, determinando que o Tribunal a quo, após desentranhadas as alegações de direito apresentadas pela Autora ora recorrente, profira a respectiva sentença.
Custas pela recorrente
Registe e notifique.
***
Macau, 18 de Setembro de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
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