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Processo nº 739/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 10 de Julho de 2014

ASSUNTO
- Representação com procuração falsa
- Ineficácia

SUMÁRIO
- A declaração da falsidade da procuração não implica a nulidade dos negócios celebrados, mas sim a sua ineficácia em relação ao suposto representado.
- O regime de ineficácia em relação ao falso representante justifica-se este não estar a actuar em nome próprio; a imputação do acto à sua autoria e à esfera jurídica seria violentamente contrária à autonomia privada.
O Relator,

  Ho Wai Neng





Processo nº 739/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 10 de Julho de 2014
Recorrentes: B e C (Autores)
Recorridos: A Sociedade Comercial D Estate Inc., F, G, H e I (1ª a 5º Réus)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 18/03/2009 decidiu-se rejeitar o pedido dos Autores, na parte em que pedia que fosse ordenado que o 1º Réu apresentasse documentos constituitvos da empresa.
Dessa decisão vêm recorrer os Autores, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. 上訴之標的為卷宗664頁之批示,尊敬的法官閣下在批示中裁定異議之理由不成立,從而不命令第一被告提交有關公司組成文件,登記資料等文件。
2. 原告是於起訴狀結尾部分已要求第一被告提交相關文件,而並不是於審判聽證前。
3. 在第一被告提交之答辯狀中,其從未提出其不持有上述文件,反而爭辯法律上其沒有義務提交相關文件,而只於2009年02月09日才提出不持有相關文件。
4. 從上述事實,可以得知第一被告是持有相關之文件,或者可以說其已依照民法典第345條之規定,自認了持有文件之事實。
5. 故原審法院不可接受第一被告於2009年02月09日聲明沒有該等文件之聲明。
6. 第一被告為一間正運作之公司,根本不可能沒有公司設立文件,股東資料及行政管理機關成員資料等文件,因為缺乏這些文件公司根本無法運作。
7. 公司持有本身之設立文件、股東及行政管理機關成員資料等事實,為明顯之事實,就如一個自然人必須持有身份證明文件一樣。
8. 由於原告認為第一被告已過了提出聲明其不持有文件之期限及該事實為明顯事實,故以法律之角度對該聲明提出爭執,亦符合民事訴訟法典第457條第1款之規定。
9. 原審法院並未就該等法律問題加以分析提出之法律問題,明顯違反了該文之規定。
10. 綜上所述,由於第一被告已錯過聲明不持有文件之日期,故其已被視為承認了持有相關文件及持有該等文件為明顯事實,故原審法院認為原告之異議不成立,明顯違反了民事訴訟法典第455條及457條之規定,應予廢止及應命令第一被告提交相關文件。
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A 1ª Ré respondeu à motivação do recurso interlocutório dos Autores, nos termos constantes a fls. 933 a 936 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Por sentença de 23/04/2010, julgou-se improcedente a acção e, em consequência, absolveu-se os Réus dos pedidos.
Dessa decisão vêm recorrer os Autores, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. A douta sentença recorrida negou provimento à acção com fundamento em que as procurações de 19 de Maio de 2003 e de 07 de Janeiro de 2004 não se mostram viciadas, não sendo nulas ou ineficazes nem, por via disso, inválidas as vendas e que não se mostra verificada simulação nas vendas objecto da acção com o intuito de desviar bens do património de J a fim de beneficiar os 2.ºs a 4.° RR e prejudicar os AA., porque não deu como provada a falsidade da procuração outorgada em 19/05/2003 nem a ineficácia da procuração de 07/0112004, não havendo reconhecido, outrossim, qualquer outro vício que tenha permitido invalidar os mesmos negócios jurídicos.
2. Nos autos existia, porém, prova documental que, por si, era bastante para concluir pela falsidade da primeira das procurações identificadas, uma vez que atestam com segurança que J, em 19 de Maio de 2003, não podia ter-se deslocado ao Consulado Geral de Portugal em Hong Kong, uma vez que estava internado no Hong Kong Sanatorium & Hospital e não teve qualquer saída.
3. A falsidade da mencionada procuração importa, por arrastamento, que se coloque em causa a validade de outras procurações utilizadas pelo referido procurador, o 5.° R, I, na venda de quaisquer bens do património do falecido J e mulher (2.ª R) e, consequentemente, dos contratos de compra e venda feitos com uso de tais instrumentos notariais.
4. Por requerimento apresentado em 7 de Janeiro de 2009, a fls. 491, os AA requereram a suspensão da instância com fundamento na pendência de processo crime que tinha por objecto a suspeita de falsidade da procuração de 19/05/2003, o qual veio a ser indeferido por despacho de 8/01/2008, com o entendimento de que, nomeadamente, a suspensão, se decretada, prejudicaria os interesses das partes.
5. Entretanto, já após a prolacção de tal despacho e do julgamento da causa em 1.ª instância, no âmbito do processo de inquérito-crime número 4686/2006, desencadeado por participação dos AA, veio o Ministério Público, a deduzir, em 21/05/2009, acusação contra F, 2.ª Ré nestes autos e I, 5.° Réu nestes autos, a quem - em relação à procuração de 19 de Maio de 2003, imputou a prática de dois crimes, o de falsificação de documento de especial valor e o de uso de documento falso de especial valor, por ter considerado a existência, nos autos, de indícios sérios de probabilidade da falsificação da aludida procuração, concluindo no sentido de que a assinatura nela aposta não terá sido feita pelo punho do falecido J, com base em perícia realizada na Polícia Judiciária de Macau.
6. O art.º 446.º do CPC dispõe que «os documentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte», valendo, pelo menos, como princípio de prova, e tendo um valor probatório elevadamente relevante, caso o juízo de probabilidade da prática do crime - isto é, da falsificação da aludida procuração - vier a ser comprovado em julgamento com trânsito em julgado.
7. Sendo embora certo que sobre a questão da requerida suspensão da instância se pronunciou já o juiz da causa, entende-se não estar precludida a possibilidade de, com base nos novos elementos de prova entretanto surgidos, se recolocar a questão perante esse Venerando Tribunal, por inexistir caso julgado, por serem agora diferentes os elementos de prova e os actos jurídicos que justificam o mesmo pedido.
8. A sentença que vier a ser proferida na acção criminal pode modificar uma situação jurídica que é objecto destes autos, afigurando-se que na acção criminal se discute em via principal uma questão que é essencial para a decisão desta outra e que constitui um dos seus principais fundamentos.
9. Com o recurso interposto da decisão final, de que ora se oferecem as respectivas alegações, deve ser conhecido o recurso antes interposto pelos AA, a fls. 709, do douto despacho de fls. 664, admitido com subida diferida e relativamente ao qual os AA apresentaram a respectiva alegação a fls. 722, despacho através do qual o Mm.º Juiz recorrido deu por justificada a não apresentação pela 1.ª Ré, uma sociedade opaca com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, de documentos comprovativos de quem são os seus sócios e administradores.
10. O tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao considerar improcedentes os pedidos dos AA.
11. A decisão recorrida violou, nomeadamente, a norma do art.° 442.° do C.P.Civil.
*
Os Réus responderam à motivação do recurso da sentença final dos Autores, nos termos constantes a fls. 892 a 895 e fls. 898 a 906 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Por despacho do Relator proferido a fls. 1168 dos autos, foi ordenada a notificação dos Autores para esclarecerem o alcance do pedido constante do ponto nº 1 da motivação do recurso, tendo os mesmos respondido pela forma seguinte:
“BB e C C, recorrentes nos autos, notificados do douto despacho de fls. 1168, através do qual ordena Vossa Excelência que seja prestado um esclarecimento sobre o alcance do pedido formulado no n.º 1 da motivação do recurso, nomeadamente, especificando se tal pedido abrange todas as consequências legais resultantes da eventual modificação da decisão de facto a quo, vêm, pedida a devida vénia, dizer:
   No ponto 1 da motivação do recurso pediram que fosse revogada a decisão recorrida com fundamento em erro de julgamento ao não ter julgado falsa a procuração de 19 de Maio de 2003, com base nos documentos clínicos que deram o mandante J como sujeito a internamento hospitalar no mencionado dia.
   Acontece, desde logo, que, por força dos documentos cuja junção fora requerida aos autos posteriormente, já em fase de recurso, e admitidos por douto despacho do Exm.º Relator, nomeadamente pelo requerimento de 10/04/2013 e, mais concretamente, pelo relatório de exame dos peritos forenses da Polícia Judiciária que concluíu que a assinatura aposta na referida procuração "não foi feita pelo punho de J", se imporia que fosse examinado o referido instrumento notarial (também) à luz deste outro fundamento de validade, causa de nulidade resultante de venda de coisa alheia, pelo "desaparecimento do vendedor" inerente à falsidade do instrumento notarial, com a consequente declaração de nulidade dos negócios efectuados pelo mandatário que utilizou o documento falso.
   No mais, pretendem que o pedido ali formulado abranja todas as consequências legais resultantes da eventual modificação da decisão de facto, extraindo-se as devidas ilacções pela ordem dos vícios genericamente indicados na petição inicial e nas alegações do seu recurso para essa instância superior (nomeadamente a simulação, com a inerente declaração de nulidade dos negócios efectuados), sempre com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, admitindo, ainda, que a falsidade da mencionada procuração de 19 de Maio de 2003 possa implicar, por arrastamento, a (in)validade de outras procurações utilizadas pelo mesmo procurador na venda de outros bens do património de J, nomeadamente a procuração de 7 de Janeiro de 2004, identifiçada nos autos, feita em papel vulgar e posteriormente levada a um Notário Público para reconhecimento da assinatura de J.
   É quanto, respeitosamente, se lhes oferece dizer.
   Requerem a junção deste aos autos.”
A 1ª Ré, D Estate Inc., em contraditório da supra resposta, pronunciou-se pela forma seguinte:
“D ESTATE INC., recorrida nos autos à margem referenciados, notificada da resposta de fls. 1171-1172 ao despacho de fls. 1168, vem expor e requerer, a final, o seguinte:
   DO EXCESSO DA RESPOSTA
1. Notificados apenas para esclarecerem se o pedido formulado no ponto 1 da sua motivação do recurso de fls. 836 abrange todas as consequências legais resultantes da eventual modificação da decisão de facto do tribunal a quo, vieram os AA.:
2. Primeiro, alargar a fundamentação do pedido de revogação da sentença recorrida por erro de julgamento formulado no ponto 1 da sua motivação do recurso ao "relatório de exame dos peritos forenses da Polícia Judiciária"
3. Segundo, esclarecer que pretendem que o pedido formulado no ponto 1 da sua motivação do recurso abrange todas as consequências legais resultantes da eventual modificação da decisão de facto.
4. Terceiro, pedir a invalidade da procuração de 7/01/2004 por arrastamento da falsidade da procuração de 19/05/2003.
5. Afigura-se, pois, que não podiam os AA. ter aproveitado o despacho de fls. 1168 para alargar a fundamentação do pedido de revogação da sentença formulado no ponto 1 da sua motivação do recurso, nem para formular um pedido novo de invalidade da procuração de 7/01/2004 (fls. 129-132) que nada tem a ver com a alegada falsidade da procuração de 19/05/2003.
6. Isto por os elementos em que se baseou o julgamento em primeira instância se deverem, em princípio, manter inalterados, dado que «No Direito de Macau, no que toca aos recursos ordinários o modelo seguido foi o do recurso de revisão ou de reponderação»
7. Também na jurisprudência comparada é dominante o entendimento de que «a bondade da decisão recorrida aprecia-se tendo em conta o direito aplicável ao caso e tendo em conta, também, os elementos existentes nos autos aquando da sua prolação.
8. Ao tribunal de recurso não compete proferir decisões novas sobre a causa, mas sim analisar as decisões proferidas e aferir da sua conformidade com a prova e com a lei e nesta análise terá ele que se circunscrever aos elementos a que o tribunal recorrido teve acesso. Daí que estes devam manter-se inalteráveis.
9. Daí que a regra de que o tribunal de recurso deve aplicar a lei vigente ao tempo da decisão e cingir-se aos factos sobre que esta incidiu, sofra apenas duas atenuações:
«- A parte pode apresentar ao TSI documentos supervenientes [art 629, n.º 1, alínea c)]
- As partes podem alterar em segunda instância, o pedido de comum acordo (216.º).
10. Sendo que da conjugação dos art.ºs 629.°, n.º 1, alínea c) e 616.° Cód. Proc. Civil resulta que os documentos a que se reporta o art.º 629.°, n.º 1, alínea c), são os documentos supervenientes referidos no art.º 616.°, n.º 2, primeira parte, e não outros.
11. No mesmo sentido, por exemplo, JOÃO ESPÍRITO SANTO, in "O Documento Superveniente Para Efeitos de Recurso Ordinário e Extraordinário", Almedina, 2001, pág. 53/54, segundo o qual «Pensamos, pois, que os documentos a que se reporta o art.º 712.º n.º 1, alínea c), são os documentos supervenientes referidos no art.º 706.º n.º 2, primeira parte, e não outros.»
12. Significa isto que os documentos previstos no art.º 629.°, n.º 1, alínea c), do Cód. Proc. Civil, i.e., de que os AA. se podem prevalecer contra a ora recorrida na actual fase de recurso são apenas os documentos novos relativos a factos anteriormente alegados que, por si só, sejam suficientes para destruir a prova em que a decisão recorrida assentou.
13. Ora, nenhum dos documentos a que se referem os AA. no requerimento de fls. 1171-1172 destrói a prova em que a decisão assentou ou faz a ''prova do contrário" dos factos revestidos de força probatória plena cuja ocorrência o Cônsul-Geral de Portugal atestou terem sido objecto da sua percepção na procuração de 19/0512003 de fls. 126-128 lavrada por instrumento público no consulado geral de Portugal em Hong Kong (art.º 340, ex vi do art.º 365/1 do Código Civil).
14. Designadamente tais documentos não fazem a prova do contrário:
A - que em 19/05/2003, o J e sua mulher F, compareceram como outorgantes no Consulado-Geral de Portugal em Hong Kong perante o Cônsul-Geral O como para assinarem a procuraçao.
B - que o Cônsul-Geral verificou as identidades dos outorgantes J e sua mulher F e
C - que pelos outorgantes foi dito que constituíam procurador I a quem conferiram os poderes enunciados na procuração.
D - que a procuração foi lida aos outorgantes em voz alta e explicado o seu conteúdo, na presença simultânea de ambos.
15. E não fazem a prova do contrário porque, inter aliás, os autores do exame á assinatura do J, como é lógico, não se pronunciaram sobre a veracidade dos factos objecto da percepção do Cônsul-Geral de Portugal na procuração de 19/05/2003, nem o podiam ter feito por não se tratar de matéria da sua competência, mas da competência do tribunal de julgamento.
16. O que o autores do exame fizeram foi exprimir uma opinião com referência a uma escala de probabilidade, no sentido de a assinatura em causa não pertencer ao J, se e quando comparada com o conjunto limitado dos espécimes da sua assinatura que foi possível recolher para o efeito, vários anos após a sua morte.
17. Sendo todos eles - à excepção de dois apostos em documentos datados de Novembro de 2001, muitíssimo anteriores à data em que a procuração em causa foi lavrada por instrumento público no Consulado geral de Portugal em Hong Kong.
18. São, de resto, os próprios AA. que na sua motivação de recurso (4.° parágrafo de fls. 825 vêm alegar que, no período em causa, o seu pai tinha problemas motores também ao nível dos membros superiores, o que, a ser verdade, destrói por completo a utilidade de qualquer exame póstumo à assinatura do J aposta na procuração de 19/05/2003.
19. Assim, mesmo que por hipótese se estivesse perante um exame pericial ordenado e realizado nos termos do disposto no artigo 497.° e ss. do CPC, o que não sucede no caso ora em apreço, sempre lhe faltariam os elementos de facto objectivamente adequados à formulação de uma opinião que pudesse por minimamente em causa a autoria da assinatura aposta na procuração em causa.
20. Isto por se desconhecer como é que o J assinava ou conseguia assinar nessa altura, dado não ter sido possível usar como termo de comparação nenhuma assinatura autógrafa, por se tratar de um exame póstumo, nem quaisquer espécimes da assinatura do J da mesma altura ou período em que foi assinada a procuração de 19/05/2003 (fls. 126-128) no consulado geral de Portugal em Hong Kong.
21. Por outro lado, não tendo a ora recorrida participado no inquérito, já arquivado, donde foi extraída a certidão com que os AA. instruíram o seu requerimento de 10/04/2013, não foi observado o princípio da "audiência contraditória", nos termos caracterizados pelo artigo 438/2 do CPC, nem se verificam os pressupostos especificados no artigo 446/1 do CPC, pelo que a eficácia extraprocessual desse meio de prova na presente acção está excluída.
22. Por outro lado, quando alguém outorga um instrumento público perante um oficial público, a autoria da assinatura aposta nesse instrumento não resulta da sua maior ou menor conformidade com autógrafos anteriores, mas da atestação que é feita pelo oficial público que o outorgante compareceu perante ele.
23. Pelo que ainda que por qualquer razão, a assinatura produzida não fosse igual a outras assinaturas suas, nem por isso a assinatura que foi aposta na procuração de 19/05/2003 perante o cônsul geral de Portugal seria menos autêntica face à atestação de que foi objecto.
24. Isto porque o único requisito que a versão do Código do Notariado vigente em Portugal à data da outorga das procurações em causa quanto à assinaturas dos outorgantes é que sejam apostas em seguida ao contexto (art.º 46/1, alínea n) do Código do Notariado).
25. O que significa que qualquer outorgante que assine um instrumento perante o notário (neste caso perante o cônsul), pode assinar da forma que conseguir ou lhe der mais jeito naquele momento, não sendo obrigatório reproduzir ou imitar a assinatura que consta do seu documento de identificação ou de qualquer outro documento por si anteriormente assinado.
26. Assim, o facto dos autores de um exame (requisitado e realizado à margem das regras próprias do oferecimento e da produção da prova pericial previstas no 497.° e ss. do CPC) sem a intervenção de nenhuma das partes interessadas, serem de opinião que a assinatura aposta na procuração de 19/03/2003 não pertence ao J por tal assinatura não ser igual à dos autógrafos ou espécimes que, em concreto, foi possível usar como termo de comparação, não configura a "prova do contrário" dos factos revestidos de força probatória plena cuja ocorrência o Cônsul-Geral de Portugal atestou terem sido objecto da sua percepção no dia 19/05/2003 (art.º 340, ex vi do art.º 365/1 do Código Civil).
27. Isto por se tratar de factos cobertos pela força probatória plena do instrumento público nos termos do artigo 365/1 do Código Civil, sendo que tal prova plena só pode ser destruída com a prova do facto oposto ou prova do contrário (artigo 340 do Código Civil), sendo proibida prova testemunhal contra a realidade dos factos que estejam plenamente provados por documento autêntico (artigo 387/2 do CCM), como sucede no caso ora em apreço.
28. Por conseguinte, o facto de ter sido junta aos autos meio de prova constituenda requisita a e rea iza a noutro processo, logo, sem eficácia extraprocessual, no sentido de se achar que a assinatura aposta na procuração ora em causa não foi assinada pelo J por o autógrafo nela aposto não coincidir com os autógrafos de que foi possível dispor como termo de comparação, não é suficiente para derrogar a força probatória plena do instrumento público de 19/05/2003 quanto à realidade dos factos objecto da percepção do Cônsul-Geral de Portugal, designadamente, o facto de, em 19/05/2003, o J ter comparecido perante ele no consulado geral de Portugal em Hong Kong juntamente com a sua mulher F e de aí ambos terem outorgado a procuração em causa.
29. Sendo evidente que na sua resposta de fls. 1171-1172 ao despacho de fls. 1168, o que os AA. pretendem é a alteração da decisão sobre a matéria de facto à margem do quadro legal do recurso extraordinário de revisão previsto no artigo 653, alínea c) do CPC, com recurso a elementos indisponíveis no processo à data da pro1ação da decisão, mas que, só por si, são de todo insusceptíveis de modificar a decisão recorrida em sentido mais favorável à parte vencida.
DA LITISPENDÊNCIA
30. Por outro lado, compulsados presentes os autos no confronto com os da acção CV1-05-0066-CAO, verifica-se que a pretensão ora manifestada pelos AA. a fls. 1171-1172 a pretexto da resposta ao despacho de fls, 1168 se mostra inviável.
31. É que em 29/05/2005, os AA. requereram contra a ora recorrente e outros, 20 o procedimento cautelar comum CV1-05-0066-CAO-A (Doc. 2), a que se refere o acórdão do V. nd TUI proferido em 2/05/2007 no processo 15/2007.
32. Tendo, depois, em 17/11/2005, proposto contra a ora recorrente (e os mesmos requeridos) a acção declarativa de condenação na forma ordinária distribuída sob o n.º CV1-05-0066-CAO (Doc. 3), cujo pedido se transcreve:
«III - DO PEDIDO
NESTES TERMOS, e contando com o douto suprimento de V Ex.ª, requerem seja considerada provada a presente acção e, em consequência:
a) Anulados por dolo ou declarados nulos por simulação os contratos de compra e venda celebrados através das escrituras de 11 de Novembro de 2002; de 29 de Maio de 2003; de 22 de Outubro de 2003; de 14 de Janeiro de 2004; de 30 de Março de 2004;
b) O cancelamento do registo efectuado em favor das 1.ª e 2.ª RR, restituindo-se, assim, as fracções autónomas (sua propriedade ou o respectivo direito de aquisição) ao acervo hereditário deixado por J;
c) Declarada a falsidade da procuração outorgada no dia 19 de Maio de 2003, no Consulado Geral de Portugal em Hong Kong,»
33. Sucede que:
- a alínea (i) do PEDIDO formulado na petição inicial dos autos CV1-06-0029-CAO está já contida na alínea c) do PEDIDO formulado na petição inicial dos autos do CV1-05-0066-CAO;
- as alíneas (ii) e (vii) do PEDIDO formulado na petição inicial dos autos CV1-06-0029-CAO estão já contidas na alínea a) do PEDIDO formulado na petição inicial dos autos do CV1-05-0066-CAO.
- a alínea (iv) do PEDIDO formulado na petição inicial dos autos CV1-06-0029-CAO está já contida na alínea b) do PEDIDO formulado na petição inicial dos autos do CV1-05-0066-CAO;
- as alíneas (iii), (v) e (vi) do PEDIDO formulado na petição inicial dos autos CV1-06-0029-CAO configuram pedidos complementares do pedido principal (a declaração de nulidade dos contratos de compra e venda) formulado nas alíneas (ii) e (vii), de que são mera consequência.
34. Estamos assim perante a repetição parcial da acção dos autos CV1-05-0066-CAO, dado que a presente acção CV1-06-0029-CAO foi proposta em segundo lugar e é idêntica à dos autos CV1-05-0066-CAO quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir.
35. Com efeito, os RR. D Estate Inc., F, G e H, foram sucessivamente demandados nos autos CV1-05-0066-CAO, em 17/05/2005, e CV1-06-0029-CAO, em 16/05/2006, pelos mesmos AA. (B e C), pelo que existe identidade de sujeitos nas duas acções do ponto de vista da sua qualidade jurídica.
36. Por outro lado, a causa de pedir de que emerge a pretensão formulada na presente acção procede do mesmo facto jurídico de que emerge o direito dos AA. nos autos CV1-05-0066-CAO, pelo que existe identidade de causa de pedir nas duas acções.
37. E, por último, os pedidos formulados numa e outra acção, destinam-se à obtenção do mesmo efeito jurídico, ou seja, a declaração da falsidade do instrumento público outorgado em 19/05/2003 no consulado geral de Portugal em Hong Kong e da nulidade da venda das fracções em causa.
38. Importa, pois, prevenir a prevenir a hipótese de contradição de julgados, dado que o acórdão do processo CV1-05-0066-CAO a proferir sobre a mesma matéria de facto que ora se discute no presente recurso se encontra marcado para a próxima segunda-feira (Doc. 4).
TERMOS EM que, sem prejuízo do disposto no artigo 625/1 do CPC, se requer, ao abrigo do disposto nos artigos 414 e 415 ex vi do artigo 416/1, primeira parte, todos do CPC, a absolvição da Ré da instância em relação aos pedidos em que se verifica litispendência, com as legais consequências.”
*
Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foi considerada como assente e provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
- J1, aliás J, faleceu em 12 de Junho de 2004, em Hong Kong (cfr. Doc. n.º 1 junto com o requerimento inicial da providência cautelar), no estado de casado com F aliás F1 (aqui 2ª Ré), casamento que foi contraído, em primeiras núpcias de ambos, no regime da comunhão de adquiridos e do qual resultaram 4 filhos: os aqui Autores e os seus irmãos G e H (aqui, 3ª e 4º Réus, respectivamente) (alínea A) dos factos assentes).
- J morreu intestado, deixando a viúva e os filhos como os seus únicos e universais herdeiros (alínea B) dos factos assentes).
- J, em 1998, foi raptado, tendo, para além do sofrimento moral, ficado com sequelas físicas nomeadamente com ferimentos numa perna que, por ser portador de uma doença crónica – diabetes mellitus, não se curaram, aliadas a tal doença, outras complicações surgiram, tais como, problemas coronários graves, que determinaram duas intervenções cirúrgicas (angioplastia com aplicação de stent), entre Maio e Dezembro de 2002 e problemas renais, que o obrigaram a fazer hemodiálise, no HK Sanatorium & Hospital, desde Novembro de 2002 até ao dia 10 de Junho de 2004, isto é, até à antevéspera do dia em que veio a falecer com dificuldades respiratórias e, ainda, problemas de visão e de movimentação (alínea C) dos factos assentes).
- Por escritura pública de 3 de Agosto de 2004, exarada de fls. 9 a 10 verso do livro de notas para escrituras diversas número 7L do 2º Cartório Notarial Público de Macau, foi feita a habilitação da qualidade de herdeiros. (cfr. Doc. n.º 2 junto nos autos da providência cautelar) (alínea D) dos factos assentes).
- Com base na certidão da referida escritura da habilitação de herdeiros, foi apresentado, em 2 de Fevereiro de 2005, pedido para registo da aquisição pelos herdeiros, em comum e sem determinação de parte, dos seguintes imóveis:
i. cinco fracções autónomas designadas por “B8”, “C8”, “E8”, “D8” e “F8”, todas para escritório, do prédio sito na Rua de ......, n.º ..., freguesia ....., em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXXX, a fls. 15 do livro B31K, constituído em propriedade horizontal; (cfr. Doc. n.º 3 junto nos autos da providência cautelar)
ii. o prédio urbano, sito na Avenida ......, freguesia de ...... (Taipa), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXXX, a fls. 164, do livro B27K, formado por dois lotes (R1 e R2), sendo que consta que a finalidade do edifício com 5 pisos construído no Lote R2, se destina a Indústria, Armazéns e Serviços e no lote R1 é afectado a uma fábrica de estacas de betão e de outros produtos de construção civil; (cfr. Doc. n.º 4 junto nos autos da providência cautelar)
iii. em 10 de Setembro de 2004, o pedido de registo de aquisição pelos herdeiros, sem determinação de parte ou direito, da quota (transmissão por sucessão) que o seu falecido pai detinha na sociedade comercial por quotas denominada “Sociedade de Construção e Fomento Predial K, Limitada”, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 2XXX; (cfr. Doc. n.º 5 junto nos autos da providência cautelar)
iv. o pedido de registo de aquisição pelos herdeiros, sem determinação de parte ou direito da quota que o seu falecido pai dos Requerentes detinha na sociedade comercial por quotas denominada “L-Comércio e Fomento Predial, Limitada”, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 6XXX. (cfr. Doc. n.º 6 junto nos autos da providência cautelar (alínea E) dos factos assentes).
- Nas escrituras públicas de compra e venda efectuadas no dia 29 de Maio de 2003, lavrada a fls. 34 do livro 19-A e no dia 14 de Janeiro de 2004, lavrada a fls. 9 do livro 47-A, ambos do Cartório do Notário Privado Dr. M, nas quais, outorgou o 5º Réu I, na qualidade de procurador de J (pai dos Autores ora 2ª Ré) e sua mulher F (mãe dos Autores), como vendedores, das fracções autónomas a seguir identificadas (alínea F) dos factos assentes):
- A fracção autónoma designada por “C-5” do 5º andar “C”, para indústria, do prédio sito em Macau na Rua da...... n.ºs ...-... e ... e Avenida ...... n.ºs ... a ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 6XXX a fls. 64 do Livro B24, com o regime de propriedade horizontal inscrito sob o n.º 2XXXX a fls. 79v do Livro F37, registada em nome da 1ª Ré conforme inscrição n.º 6XXXXG (cfr. Doc. n.º 7 junto com o requerimento inicial da providência cautelar), inscrito na matriz predial da freguesia de ...... sob o artigo 71057(cfr. Doc. n.º 8) (alínea G) dos factos assentes).
- À data da venda, o valor matricial era de MOP$1,428,660, mas o preço da transmissão foi fixado pelas partes no valor de MOP$800,000 (alínea H) dos factos assentes).
- A fracção autónoma designada por “D-5” do 5º andar “D”, para indústria, do prédio sito em Macau na Rua da...... n.ºs ...-... e ... e Avenida ...... n.ºs ... a ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 6XXX a fls. 64 do Livro B24, com o regime de propriedade horizontal inscrito sob o n.º 2XXXX a fls. 79v do Livro F37, registada em nome da 1ª Ré conforme inscrição n.º 6XXXXG (cfr. Doc. n.º 7 ), inscrito na matriz predial da freguesia de ...... sob o artigo 71057 (cfr. Doc. n.º 9 (alínea I) dos factos assentes).
- À data da venda, o valor matricial era de MOP$984,380, mas o preço da transmissão foi fixado pelas partes no valor de MOP$550,000 (alínea J) dos factos assentes).
- A fracção autónoma designada por “B1CC1R/C” do rés-do-chão “B1CC1”, com sobreloja, para comércio, do prédio sito em Macau na Rua de ......, n.ºs ... a ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 5XXX a fls. 136 do Livro B23, com o regime de propriedade horizontal inscrito sob o n.º 9XXX a fls. 122 do Livro F10, registada em nome da 1ª Ré conforme inscrição n.º 7XXXXG (cfr. Doc. n.º 10 junto com o requerimento inicial da providência cautelar), inscrito na matriz predial da freguesia de ...... sob o artigo 37296. (cfr. Doc. n.º 12) (alínea K) dos factos assentes).
- A fracção autónoma designada por “AC/V” da cave “A”, para armazém, do prédio sito em Macau na Rua de ......, n.ºs ... a ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 5XXX a fls. 136 do Livro B23, com o regime de propriedade horizontal inscrito sob o n.º 9XXX a fls. 122 do Livro F10, registada em nome da 1ª Ré conforme inscrição n.º 7XXXXG (cfr. Doc. n.º 10), inscrito na matriz predial da freguesia de ...... sob o artigo 37296. (cfr. Doc. n.º 11 junto com o requerimento inicial da providência cautelar) (alínea L) dos factos assentes).
- O 5º Réu I, para proceder à venda das 4 fracções supra identificadas, teve que fazer uso de duas procurações diferentes (alínea M) dos factos assentes).
- Na verdade, para vender as duas fracções autónomas, para indústria, designadas por C-5 e D-5, respectivamente, a que correspondem as letras C e D do 5º andar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 6XXX a fls. 64 do Livro B24 e a fracção “B1CC1R/C” do rés-do-chão “B1CC1”, com sobreloja, para comércio, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 5XXX a fls. 136 do Livro B23, o 5º Réu I fez uso da procuração que foi outorgada no dia 19 de Maio de 2003, no Consulado Geral de Portugal em Hong Kong (alínea N) dos factos assentes).
- Para vender a fracção autónoma designada por “AC/V” da CAVE “A”, para armazém, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 5XXX a fls. 136 do Livro B23, fez uso da procuração feita em Hong Kong e aí autenticada pelo notário Público N, no dia 7 de Janeiro de 2004 (alínea O) dos factos assentes).
- Conforme a procuração de 19 de Maio de 2003, pode ler-se: “Aos dezanove dias do mês de Maio do ano de dois mil e três, neste Consulado-Geral de Portugal em Hong Kong, perante mim, O, Cônsul-Geral, compareceram como outorgantes: J e sua mulher F ...” (alínea P) dos factos assentes).
- Uma das assinaturas que se vêm apostas na procuração do dia 7 de Janeiro de 2004, é a do J (alínea Q) dos factos assentes).
- O falecido J era titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- Na altura da venda da fracções identificadas nas alíneas G), I), K) e L) da matéria de facto assente, o falecido J encontrava-se muito debilitado fisicamente, por via da sua doença progressiva (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Em 2003, o mercado imobiliário de Macau estava muito baixo (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- As fracções autónomas para indústria há pouca procura (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
- Por outro lado, perante a situação de má economia de Macau nos anos 2002 e 2003 e o problema de doença SARS em 2003, não se registava grande movimento de transacção das fracções autónomas quer para habitação, quer para comércio ou indústria (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- É também do conhecimento geral que quer na época em que há grande movimento de negócio de investimento predial, quer na altura em que não há procura de fracção autónoma, o valor matricial não coincide com o valor de mercado (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- O 1º Autor sabia que o seu pai estava no uso das suas faculdades mentais, aceitando as instruções dadas por aquele, para vender a si próprio uma fracção autónoma, em Abril de 2004 (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
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III – Fundamentação:
Questão Prévia:
1. Da junção dos documentos de fls. 1145-1146 e 1149-1150 dos autos:
Por despacho de 14/05/2013, proferido a fls. 1083 dos autos, foi autorizada a junção pelos Autores, ora recorrentes, duma série de documentos, dos quais consta um contrato de arrendamento entre a Sociedade Comercial P International Inc. e Q-Enterprises Limited, no qual se estipula que as rendas devem ser pagas na conta bancária do Banco da China nº 01-11-10-XXXXXX.
Posteriormente, os Autores requereram a junção de mais dois documentos (fls. 1145-1146 e 1149-1150) com vista a provar que o titular da referida conta bancária é uma empresa denominada R Property Management Co. e que o titular desta empresa é H (4º Réu).
D Estate Inc., 1ª Ré e ora Recorrida, opôs-se à requerida junção, por entender não ser legalmente admissível, uma vez que os documentos não se inscrevem em nenhuma das hipóteses do artº 616º do CPCM.
Cumpre agora decidir.
Como são documentos complementares daqueles que já foram autorizados juntar aos autos por despacho transitado em julgado, não se vê razão para a sua não admissão.
Nesta conformidade, é de admitir a junção dos documentos em causa.
Custas do incidente pela oponente.
Notifique e D.N.
2. Da junção dos documentos de fls. 1216 a 1243, 1247 a 1263:
Os documentos ora em causa dizem respeito ao resultado do julgamento da matéria de facto duma outra acção conexa (Proc. nº CV1-05-0066-CAO), em que as partes são algo semelhantes.
Os apresentantes desses documentos, ora Recorrentes, não justificaram a necessidade da junção dos mesmos.
Assim e sem necessidade de demais considerações mais profundadas, decidimos não admitir a junção dos mesmos, ordenando, em consequência, o respectivo desentranhamento e a sua restituição à respectiva parte.
Custas do desentranhamento com 2UC de taxa de justiça, a suportar pelos ora Recorrentes.
Notifique e D.N.
*
Do recurso interlocutório:
Quer na petição inicial, quer por requerimento de fls. 633, os Autores requereram que fosse ordenada à 1ª Ré para apresentar documento comprovativo da sua constituição, com a indicação dos seus sócios, administradores ou quaisquer outros detentores de posição societária.
Devidamente notificada, a 1ª Ré veio dizer que o documento pretendido pelos Autores não constitui um “documento em poder da parte contrária para efeitos do disposto no artº 455º do CPCM, porque o acto constitutivo da empresa, bem como os seus estatutos se encontram depositados junto à conservatória competente”.
Em resposta, vêm dizer os Autores que não era crível que uma sociedade comercial em pleno funcionamento não possuía o próprio documento constitutivo da sociedade e a informação dos seus administradores.
Por despacho de 18/03/2009, proferido a fls. 664 dos autos, foi indeferido o pedido dos Autores por se entender que a 1ª Ré tinha declarado não possuir o documento em causa e os Autores não lograram provar que aquela declaração não correspondia à verdade.
Inconformados com essa decisão, dela, recorreram os Autores.
Na óptica dos Autores, a referida decisão a quo errou ao considerar que não foi provada a inveracidade da declaração da 1ª Ré.
Quid iuris?
Em bom rigor, não se nos afigura que a 1ª Ré tivesse declarado não possuir os documentos em causa.
O que ela disse foi simplesmente que os documentos em causa não se podem considerar como sendo documentos “em poder da parte contrária para efeitos do disposto no artº 455º do CPCM, porque o acto constitutivo da empresa, bem como os seus estatutos se encontram depositados junto à conservatória competente”.
Não negou, portanto, que ela própria possuía os documentos em causa, só que no seu entender, não tinha obrigação de os apresentar ao abrigo do artº 455º do CPCM, uma vez que os Autores podiam obtê-los junto da conservatória competente.
Neste contexto e salvo o devido respeito, cremos que o Tribunal a quo não deveria indeferir o pedido dos Autores com fundamento na falta da prova da inveracidade da declaração da 1ª Ré sem ter previamente apreciado a questão de que os documentos em causa constituiam ou não documentos em poder da 1ª Ré para efeitos do disposto no artº 455º do CPCM.
De qualquer modo, independentemente de saber se a 1ª Ré tinha ou não obrigação de apresentar os documentos em causa, não nos parece que os mesmos sejam essenciais e necessários para o caso sub justice.
Vejamos a sua razão de ser.
Em primeiro lugar, os Autores ao requererem a apresentação daqueles documentos pela 1ª Ré ao abrigo do artº 455º CPCM, não especificaram os factos que pretendiam provar com aqueles documentos, violando assim o disposto na parte final do nº 1 do citado artº 455º do CPCM.
Em segundo lugar, não foi perguntado qualquer facto sobre a composição da 1ª Ré no sentido de se apurar quem seriam os seus sócios, administradores ou quaisquer outros detentores de posição societária.
O único quesito seleccionado para a Base Instrutória com vista a apurar a existência ou não da simulação dos negócios foi o quesito 10º, com o seguinte teor:
10º
   A 1ª Ré não pretendia adquirir para si a propriedade das fracções autónomas identificadas nas alíneas G), I), K) e L) da matéria de facto assente, não pagou qualquer preço por ela e apenas procedeu a tal compra para beneficiar os 2ª, 3ª e 4° RR e com o intuito de prejudicar os Autores?
Realizado o julgamento, o quesito foi considerado como não provado.
Os Autores impugnaram esta decisão da matéria de facto no recurso final, sem no entanto especificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida.
Nesta conformidade, ainda que fosse ordenada a apresentação dos documentos em causa, não se nos afigura que seja susceptível modificar a decisão de facto que recaiu sobre o quesito 10º, já que mesmo que um dos Réus (2ª a 5º) ou todos eles seja/sejam sócios e/ou administradores da 1ª Ré, não significa que a 1ª Ré não tinha a intenção de adquirir para si a propriedade das fracções autónomas em referência, bem como não pagou qualquer preço.
Pelo exposto, não se deixará de negar provimento ao recurso interlocutório, mantendo a decisão recorrida com fundamentos algo diversos.
*
Do recurso final:
Vêm os Autores impugnar a decisão da matéria de facto quanto aos quesitos 6º, 7º, 8º e 10º, a saber:

   J não se deslocou, no dia 19 de Maio de 2003, ao Consulado Geral de Portugal em Hong Kong, para o acto de outorga da procuração?

   Nem, tão-pouco, rubricou e assinou a referida procuração, tendo sido a sua assinatura falsificada por alguém?

   No dia 19 de Maio de 2003, J não saíu do Hospital onde estava internado?
10º
   A 1ª Ré não pretendia adquirir para si a propriedade das fracções autónomas identificadas nas alíneas G), I), K) e L) da matéria de facto assente, não pagou qualquer preço por ela e apenas procedeu a tal compra para beneficiar os 2a, 3a e 4° RR e com o intuito de prejudicar os Autores?
Antes de mais, cumpre-nos realçar que em relação à decisão da matéria de facto constante do quesito 10º, os Autores não cumpriram o ónus de impugnação específica previsto no nº 1 do artº 599º do CPCM, isto é, não indicaram os meios probatórios concretos que impunham uma decisão diversa, pelo que é de rejeitar o recurso nesta parte.
No que respeita aos restantes quesitos, na óptica dos Autores, o Tribunal a quo ao considerá-los como não provados, andou mal no exame dos elementos probatórios e das circunstâncias de facto, não ponderando de forma correcta os factos de que:
- o pai dos Autores, à data da procuração de 19/05/2003, encontrava-se internado no Hospital Hong Kong Sanatorium; e
- o médico certificou por escrito que o mesmo não beneficiou de qualquer saída.
Para reforçar a sua posição, socorreram ainda ao exame pericial das assinaturas feito pelo Laboratório da PJ da RAEM no âmbito do processo crime nº CR1-09-0203-PCC (fls. 1038 a 1045, com tradução a fls. 1116 a 1122), onde se conclui, sem qualquer margem de dúvida, que a assinatura de J constante da procuração de 19/05/2003 não é punho do mesmo.
Na óptica da 1ª Ré, o referido exame pericial não pode servir como elemento de prova nos presentes autos para a alteração da matéria de facto pretendida pelos Autores, por entender que o Tribunal de recurso deve analisar as decisões proferidas e aferir da sua conformidade com a prova e com a lei e nesta análise terá que se circunscrever aos elementos a que o Tribunal a quo teve acesso, salvo os casos de documentos supervenientes e de modificação do pedido por acordo das partes.
Para ela, o mencionado exame pericial não constitui um documento superveniente nos termos da al c) do nº 1 do artº 629º do CPCM.
Quid iuris?
Aquando do requerimento da junção do mencionado relatório pericial por parte dos Autores, a 1ª Ré já manifestou a sua oposição com o fundamento, entre outros, de que o mesmo não era um documento superveniente (fls. 1069 a 1078).
No entanto, por despacho do então Relator proferido a fls. 1083, foi decidido que se tratava de um documento previsto no nº 2 do artº 451º do CPCM, pelo que podia ser junto aos autos em qualquer estado do processo.
Em consequência, foi deferida a junção e condenada a 1ª Ré nas custas do incidente pela oposição.
Decisão essa que não foi objecto de impugnação, pelo que já transitou em julgado.
Nesta conformidade e por força do caso julgado, temos de considerar o documento em causa como um elemento probatório já integrante do processo, susceptível de avaliação por parte do Tribunal.
Dispõe o nº 1 do artº 629º do CPCM que:
1. A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599.º, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
No caso em apreço, fazendo-se uma análise global de todos os elementos probatórios existentes, nomeadamente o certificado do médico do Hospital de Hong Kong Sanatorium e o resultado do exame pericial acima em referência, cremos que está comprovada a factualidade constante dos quesitos 6º a 8º.
Com o presente recurso final, os Autores formularam os seguintes pedidos:
1. Ser revogada a decisão recorrida com fundamento em erro de julgamento ao não ter julgado falsa a procuração de 19 de Maio de 2003 com base nos documentos clínicos que deram o mandante J como sujeito a internamento hospitalar no mencionado dia; ou
2. Ser anulado o processo desde a prolacção do despacho que julgou justificada a não apresentação pela 1.ª Ré de documentos comprovativos de quem são os seus sócios e administradores; ou
3. Ser determinada a suspensão da instância nos presentes autos até ser proferida decisão final no processo crime que se deixou identificado, no qual os 2.ª e 5.º Réus foram acusados de crimes de falsificação e de uso de documento falso de especial valor relativamente à mencionada procuração.
Em relação ao pedido da suspensão, o mesmo é manifestamente improcedente, visto que tal pedido já foi objecto de indeferimento pelo Tribunal a quo, cuja decisão já transitou em julgado.
Nesta conformidade, não podem os Autores voltar a formular o mesmo pedido com a mesma causa de pedir em sede do presente recurso, sob pena de violar o caso julgado.
Quanto ao pedido da anulação do processado desde o indeferimento do requerimento da apresentação de documentos, é também improcedente na medida da confirmação, por este Tribunal de recurso, da decisão do indeferimento no recurso interlocutório.
Resta assim apreciar o pedido constante do ponto nº 1.
A convite do Relator, os Autores esclareceram o alcance do pedido do ponto nº 1, que é no sentido de abranger todas as consequências legais resultantes da eventual modificação da decisão de facto.
Além disso, pretendem ainda que a eventual modificação da decisão de facto implica, por arrastamento, a invalidade de outras procurações utilizadas pelo mesmo procurador, nomeadamente a procuração de 07/01/2004.
Em relação a esta última pretensão dos Autores, a 1ª Ré entende que está fora do âmbito do esclarecimento, mas sim de um novo pedido do recurso.
Quid iuris?
Face aos factos ora considerados como provados, não resta qualquer margem de dúvida de que está comprovada a falsidade da procuração de 19/05/2003.
Procede assim o pedido da declaração da falsidade do documento.
Quais serão as consequências legais dessa declaração da falsidade?
Na óptica dos Autores, essa declaração da falsidade conduz à nulidade dos negócios celebrados através da procuração falsa, ou seja, à nulidade da venda das seguintes fracções autónomas:
Para indústria:
- “C-5” e “D-5”, a que correspondem, respectivamente, as letras C e D do 5º andar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 6XXX a fls. 64 do Livro B24.
Para comércio:
- “B1CC1R/C” do rés-do-chão “B1CC1”, com sobreloja, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 5XXX a fls. 136 do Livro B23.
Salvo o devido respeito, não nos parece que a declaração da falsidade do documento implica a nulidade dos negócios celebrados, mas sim a sua ineficácia em relação ao suposto representado.
Para o Prof. Pedro Pais de Vasconcelos1, “O regime de ineficácia em relação ao falso representante justifica-se este não estar a actuar em nome próprio; a imputação do acto à sua autoria e à esfera jurídica seria violentamente contrária à autonomia privada.”
   “A ineficácia em relação ao suposto representado impõe-se por falta de legitimidade do falso representante para agir sobre a esfera jurídica daquele, em virtude da inexistência dos invocados poderes de representação.”
   “O suposto representado pode ratificar a actuação do falso representante. Se assim fizer, a eficácia dos actos praticados produz-se na sua esfera jurídica, como se os poderes de representação existissem. A ratificação tem efeito retroactivo «sem prejuízo dos direitos de terceiro» e está sujeita à forma exigida para a procuração.”
   “Na representação sem poderes não existe uma relação jurídica entre o falso representante e o suposto representado, mas pode existir um relacionamento que tem relevância jurídica. A actuação do falso procurador é ineficaz em relação ao suposto representado. Este tem o poder potestativo de ratificar a actuação do falso procurador e assumir, assim, os actos que este praticou em seu nome. Mas não é obrigado a fazê-lo. No relacionamento externo, aqueles perante quem os falsos poderes de representação foram invocados também nenhum poder têm contra o suposto representado. Este fica assim eficazmente protegido contra o falso representante e em relação a terceiros.
   No relacionamento externo, entre o falso representante e aquele perante quem age, é este que fica protegido. Enquanto não houver ratificação pelo suposto representado, o terceiro pode revogar ou rejeitar o acto ou negócio celebrado e pode ainda fixar um prazo para que o falso representante obtenha a ratificação, passado o qual se considera que foi recusada. Não havendo poderes de representação, não pode, sem a ratificação, ser imputada à autoria e à esfera jurídica do suposto representado a actuação do falso representante.”
Num processo análogo (Ac. do TSI, de 09/02/2012, proferido no Proc. nº 616/2007), este Tribunal tem entendido que:
   “Se o negócio observado teve por objecto a venda de determinados prédios, venda feita com uma procuração falsa, podemos admitir que mesmo sem poderes de representação essa venda fosse até querida e ratificada pelo dono dos mesmos. Perante essa situação, ainda que pouco comum, não deixa de se poder configurar como possível e importa distinguir o crime que foi praticado pelo meio do negócio prosseguido do próprio negócio celebrado, donde não se poder ter essa venda, em si, sem mais, por criminosa.”2
Por ora, não vemos razão para alterar a jurisprudência já fixada.
Dispõe o artº 261º do CCM que:
1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.
2. Contudo, o negócio celebrado por representante sem poderes é eficaz em relação ao representado, independentemente de ratificação, se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justificassem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do representante, desde que o representado tenha conscientemente contribuído para fundar a confiança do terceiro.
3. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de terceiro.
4. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito.
5. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante.
No caso em apreço, não resulta dos factos assentes/provados a boa-fé do adquirente (1ª Ré).
Aliás, tratando-se da matéria exceptiva, incumbe à 1ª Ré o ónus de alegar e provar, o que não foi feito nos autos.
Assim, se conclui pela ineficácia das vendas em causa.
Quanto ao pedido da declaração da falsidade/nulidade, por arrastamento, de outras procurações utilizadas pelo mesmo procurador, nomeadamente a procuração de 07/01/2004, entendemos que tal pedido não pode proceder, já que a declaração de falsidade da procuração de 19/05/2003 não implica necessariamente a falsidade/nulidade de outras, não obstante o procurador e o suposto representado serem as mesmas pessoas.
No que respeita aos demais pedidos formulados na petição inicial, a saber:
“...
iii. declarados nulos e de nenhum efeito todos os actos subsequentes às escrituras públicas e delas emergentes;
iv. ordenado o cancelamento de todos os actos, nomeadamente de registo predial, subsequentes às escrituras públicas;
v. declarados a 2.ª Ré e seu falecido marido J únicos e legítimos proprietários dos seguintes imóveis: (1) a fracção autónoma designada por "C-5" do 5.º andar "C", para indústria, do prédio sito em Macau na Rua da ...... nºs ...-... e ... e Avenida ...... n.ºs ... a ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 6XXX a fls. 64 do Livro B24, com o regime de propriedade horizontal inscrito sob o n.º 2XXXX a fls, 79v do Livro F37, registada em nome da 1.ª Requerida conforme inscrição n.º 6XXXXG; (2) a fracção autónoma designada por "D-5" do 5.º andar "C", para indústria, do prédio sito em Macau na Rua da...... n.ºs ...-... e ... e Avenida ...... n.ºs ... a ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 6XXX a fls. 64 do Livro B24, com o regime de propriedade horizontal inscrito sob o n.º 2XXXX a fls. 79v do Livro F37, registada em nome da 1.ª Requerida conforme inscrição n.º 6XXXXG; (3) a fracção autónoma designada por "AC/V" da CAVE "A", para armazém, do prédio sito em Macau na Rua de ......, n.ºs ... a ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 5XXX a fls. 136 do Livro B23, com o regime de propriedade horizontal inscrito sob o n.° 9XXX a fls. 122 do Livro F10, registada em nome da 1.ª Requerida conforme inscrição n.º 7XXXXG (4) a fracção autónoma designada por "B1CC1R/C" do rés-do-chão "B1CC1", com sobreloja, para comércio, do prédio sito em Macau na Rua de ......, n.ºs ... a ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 5XXX a fls.136 do Livro B23, com o regime de propriedade horizontal inscrito sob o n.º 9XXX a fls. 122 do Livro F10, registada em nome da 1.ª Requerida conforme inscrição n.° 7XXXXG
vi. declaradas insubsistentes, ilegais e de má fé, a posse pela 1.ª Ré relativamente aos imóveis identificados, devendo a mesma ser condenada a reconhecer a 2.ª Ré e o seu marido J como únicos proprietários, ficando as referidas fracções autónomas na situação jurídica em que se encontravam, respectivamente, nos dias 29 de Maio de 2003 e 14 de Janeiro de 2004, de tal fonua que possam ser integradas no acervo da herança deixada por J e, consequentemente, possam ser tomados em consideração no preenchimento do quinhão de cada um dos herdeiros do falecido que devem, necessariamente, ser iguais, porquanto este não deixou expresso que pretendia beneficiar qualquer deles dispondo, para tal, da sua quota disponível.
vii. Finalmente, requerem que, de qualquer forma, sejam declaradas nulas as identificadas transmissões por terem sido simulados os negócios que lhes estão subjacentes, com todas as consequências legais resultante dessa nulidade.”
Cumpre-nos dizer que os mesmos são improcedentes, não obstante a procedência da declaração da falsidade da procuração de 19/05/2003 e a consequente declaração da ineficácia das vendas das fracções autónomas celebradas através do uso do tal documento falso.
Pois, não se pode raciocinar tendo como adquirido que, tendo lugar a ineficácia do primitivo acto, ficariam necessariamente inquinados os posteriores, porque abrangidos por essa mesma ineficácia.
Como é sabido, a ineficácia pode ser latus sensu ou stricto sensu.
A ineficácia em sentido amplo compreende todas as situações em que, por causas intrínsecas ou extrínsecas, o negócio não produz os efeitos a que tendia, abrangendo portanto as situações de invalidade.
No entanto, a ineficácia em sentido estrito apenas compreende as situações em que o negócio não produz os efeitos a que tendia não por circunstância intrínseca, mas sim extrínseca.
Por sua vez, no seio da ineficácia em sentido estrito, distingue-se ainda a ineficácia absoluta e relativa.
É absoluta quando actua erga omnes, podendo ser invocada por qualquer interessado3.
É relativa se se verificar apenas em relação a certas pessoas, que é o caso dos autos.
Nas palavras do Prof. Mota Pinto4, “Os negócios feridos de ineficácia relativa produzem, pois, efeitos, mas não estão dotados de eficácia relativamente a certas pessoas.”
“A ineficácia relativa surge-nos em situações caracterizadas pela existência de um direito, de uma expectativa ou de um interesse legítimo de um terceiro, que seriam prejudicados pelo negócio de disposição ou de vinculação em causa. O negócio é relativamente ineficaz, por força do impedimento, resultante daquela posição legítima do terceiro acerca do conteúdo do acto. Esta posição legítima do terceiro pode consistir numa pretensão fundada de aquisição ou execução dos bens alienados ou onerados pelo negócio. É necessário proteger o terceiro na medida apropriada à não frustração do seu direito, mas não se deve limitar o poder de disposição (ou a legitimidade para agir) do titular mais do que for necessário a essa protecção. Logo, o negócio só é ineficaz em face do terceiro, mas não o é entre as partes ou em face de outras pessoas.”
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
1. julgar improcedente o recurso interlocutório, mantendo a decisão recorrida;
2. julgar parcialmente procedente o recurso final, e, consequentemente:
2.1 modificar a decisão da matéria de facto, considerando como provados os quesitos 6º a 8º da Base Instrutória;
2.2 declarar a falsidade da procuração de 19/05/2003, outorgada no Consulado Geral de Portugal de Hong Kong;
2.3 declarar a ineficácia relativa, nos termos acima consignados, da venda das seguintes fracções autónomas:
- “C-5” e “D-5”, ambas para indústria, a que correspondem, respectivamente, as letras C e D do 5º andar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 6XXX a fls. 64 do Livro B24.
- “B1CC1R/C” do rés-do-chão “B1CC1”, com sobreloja, para comércio, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 5XXX a fls. 136 do Livro B23.
3. manter a sentença recorrida nas partes que não colidam com os supra decididos.
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Custas em ambas as instâncias pelas partes na proporção do decaimento.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 10 de Julho de 2014.

Relator
Ho Wai Neng


Primeiro Juiz-Adjunto
José Cândido de Pinho


Segundo Juiz-Adjunto
Lai Kin Hong
(Subscrevo o Acórdão com a observação de que, julgada procedente o pedido da declaração da nulidade da procuração de 19MAIO2003 e declarada a ineficácia da venda das fracções especificadas no ponto 2.3 do dispositivo do presente Acórdão, que na minha óptica, para além de ser ineficaz, enferma da nulidade por se tratar materialmente da venda das coisas alheias, portanto nada impede que seja atendido o pedido formulado pelos Autores ao abrigo do artº 279º do CC da declaração da nulidade dessa venda que nunca foi ratificada por eles.)
1 Pedro Pais de Vasconcelos, TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL, 7ª edição, Almedina, pág. 292 a 295.

2 No mesmo sentido e a título comparativo, vide o Ac. do TSJ de Portugal, de 03/10/2013, proferido no Proc. nº 6690/07.6TBALM.L1.S1, in www.dgsi.pt
3 Carlos Alberto da Mota Pinto, TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 615 a 617.

4 Obra supra citada.
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739/2010