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Proc. nº 442/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Setembro de 2014
Descritores:
-Resolução do contrato de trabalho
-Justa causa
-Danos morais

SUMÁRIO:

I - A justa causa de resolução de contrato de trabalho, nos termos do art. 68º da Lei das Relações de Trabalho (Lei nº 7/2008) desenvolve-se em torno de duas condições: Por um lado, o facto/circunstância deve ser grave; Por outro lado, deverá tornar praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

II - Não basta, pois, que o facto/circunstância seja inadequado e ilícito.

III - Não sendo grave a ofensa (nem em si mesma, nem nas suas consequências), fica pouco ou nenhum espaço para a densificação da segunda condição: a insubsistência da relação laboral.

IV - O despedimento sem justa causa pode provocar danos não patrimoniais, que serão indemnizáveis desde que mereçam a tutela do direito.

Proc. Nº 442/2014

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, de nacionalidade chinesa, titular de HKIC nº XXX, com domicílio na Rua de Nam Keng, Bloco 4, Edif. “XXX”, XX andar “A”, na Taipa, moveu no TJB acção laboral com processo ordinário (CV3-11-0009-LAC) contra “B Macau S.A.”, sua ex-entidade patronal, pedindo a condenação desta no pagamento da indemnização de Mop$ 22.050.000,00 e juros respectivos pelos danos sofridos em consequência de um despedimento de que disse ter sido vítima sem justa causa.
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Na oportunidade, foi proferida sentença naquele tribunal, que julgou a acção parcialmente provada e procedente e, em consequência disso, condenou a ré a pagar ao autor a indemnização global de Mop$ 368.666,66 e juros legais.
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Irresignada, a ré recorreu jurisdicionalmente para este TSI, que, por acórdão de 21/11/2013, revogou a sentença e ordenou a remessa dos autos à 1ª instância para prosseguimento com ampliação da matéria de facto (fls. 338-349).
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Foi, então, que, renumerados os autos (LB1-11-0008-LAC), por sentença de 25/04/2014, foi a acção julgada parcialmente procedente e a ré condenada a pagar ao autor a quantia de Mop$ 550.000,00 e juros respectivos (fls. 390-400).
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A ré, uma vez mais, apresentou recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1.ª A Sentença agora posta em crise viola as disposições do artigo 68º n.º 2 da Lei das Relações de Trabalho e do artigo 489º do Código Civil.
2.ª A conduta do Autor, consubstanciada nos factos dados como provados, traduziu-se numa actuação ilícita e culposa, desleal e desonesta em si mesma, relevante no quadro da justa causa.
3.ª Tal conduta acarretou graves consequências não só ao nível da autoridade da Recorrente e na quebra de confiança na relação laboral, mas também ao nível da organização empresarial e operacional da Recorrente.
4.ª O comportamento do Recorrido violou, grave e culposamente, o dever de lealdade previsto no artigo 11º, n.º 1, al. 5) da LRT, sendo contrário aos regulamentos aprovados pela Recorrente e posto em vigor ao abrigo do poder de direcção desta, conforme dispõe o artigo 5º da LRT.
5.ª O Autor deve obediência a tais regulamentos e, em particular, na situação sub judice, ao “Team Member Parking at B Macau-Resort-Hotel”, por força do disposto no artigo 11º, n.º 1, als. 4) e 9) da LRT.
6.ª Os deveres do trabalhador estão listados no artigo 11 º da LRT.
7.ª O incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo do trabalhador tanto pode proceder do desrespeito dos deveres principais, de deveres secundários ou de deveres acessórios de conduta, deduzidos do princípio geral da boa-fé no cumprimento das obrigações acolhido no n.º 2 do artigo 752º do Código Civil e reiterado no artigo 7º da LRT.
8.ª Entre tais deveres figura o dever de guardar lealdade ao empregador.
9.ª A conduta do Autor, ao permitir o estacionamento de forma gratuita no local destinado ao público privou a Recorrente do benefício que adviria da ocupação de tais lugares por clientes do complexo turístico, quer directamente através do pagamento da ocupação do lugar ou do negócio efectuado na área de jogo, quer indirectamente através do aumento do volume de negócios no centro comercial.
10.ª A gravidade do comportamento do Autor é acentuada devido ao cargo de Director Executivo do Departamento de Compras que ocupava na estrutura empresarial da Recorrente.
11.ª Tal posição obrigava o Autor a uma honestidade e probidade acima de qualquer suspeita, não bastando apenas ser honesto, probo e diligente para poder afirmar-se que desempenhava as funções que lhe haviam sido cometidas pelo Recorrente; devia sê-lo acima de qualquer suspeita.
12.ª O requisito da impossibilidade da subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade para a outra parte de manutenção do contrato.
13.ª Existe impossibilidade prática de subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre trabalhador e empregador, que seja susceptível de criar no espírito desta dúvida sobre a idoneidade da conduta futura daquele.
14.ª Violados que foram os referidos deveres de obediência e lealdade, a conduta do Autor gerou no Recorrente fundadas dúvidas sobre a idoneidade da sua prestação futura e sobre a sua capacidade para continuar a liderar uma equipa de um sector tão estratégico e sensível como o é o das compras, inquinando fatalmente o suporte psicológico em que assentava a relação fiduciária de emprego, não sendo, pois, ao empregador exigível a manutenção do vínculo laboral.
15.ª No caso em discussão nos presentes autos verificou-se uma quebra de confiança e os factos são de tal modo graves que tornaram impossível a subsistência da relação de trabalho, verificando-se, pois, a existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho nos termos do artigo 68º da LRT.
16.ª A sentença recorrida considerou os factos pertinentes ao forte abalo psicológico sofrido pelo Autor com o despedimento, o seu trajecto profissional na Recorrente e a actuação desta para com o Autor para determinar a quantia a arbitrar a título de danos não patrimoniais.
17.ª O conceito de “forte abalo psicológico” é uma conclusão sem qualquer suporte factual e revela-se muito limitado para se determinar a atribuição de uma qualquer quantia indemnizatória.
18.ª Do mesmo modo, o trajecto profissional do autor no seio empresarial da Recorrente e a actuação desta para com aquele não relevam para qualquer dano indemnizável a título moral ou qualquer outro, sobretudo quando, na comunicação de despedimento, a Recorrente não invocou um único facto que não correspondesse à verdade.
19.ª Nos termos do artigo 70º da LRT, é consagrado à Ré a possibilidade de resolver o contrato de trabalho independentemente de justa causa, e tendo sido a possibilidade de exercício desse direito acautelado pelo Autor na altura da negociação contratual, é lógica a conclusão que o Autor já teria feito a paz consigo mesmo quanto à possibilidade de ver o seu contrato de trabalho com a Ré resolvido por esta independentemente do seu percurso laboral.
20.ª Por outro lado, o Recorrido tinha, por imposição legal, um contrato de trabalho a termo, fadado a caducar mais cedo ou mais tarde.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. certamente suprirão, deve presente recurso ser julgado procedente:
a) Considerando-se que existiu justa causa na resolução do contrato e absolvendo-se a Recorrente de todos os pedidos; ou, caso assim não se entenda,
b) Considerando-se que nenhuma quantia deve ser atribuída a título de danos morais».
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Respondeu o autor, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
«I - Os depoimentos prestados quer pelas testemunhas da Ré, ora recorrente, quer pelas testemunhas do Autor, ora recorrido, não conseguiram evidenciar qualquer facto do qual pudesse resultar provada que, resultante da conduta do Autor, a autoridade e política da empresa foram minadas e a sua imagem ficou afectada perante os respectivos trabalhadores.
II - Foi esta, de resto, a convicção formada pelo julgador, no âmbito da liberdade de apreciação das provas que a lei lhe faculta (art.º 558º, nº 1, do C.P.C.).
III - Ademais, o recorrente não deu satisfação ao requisito constante da alínea b) do nº 1 do artº 599ºdo C.P.C., nem ao requisito consignado no nº2 do mesmo comando legal.
IV - Nos termos estatuídos no nº 2 do art.º 599º do C.P.C., deverá o recurso apresentado pelo ora recorrente ser rejeitado, com todas as legais consequências.
Nestes termos,
Nos mais de Direito, mas sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, não merece o presente recurso provimento, devendo confirmar-se a douta sentença sub judice.
Assim decidindo, estarão Vossas Excelências fazendo, Senhores Juízes, para além de boa interpretação e aplicação do Direito, a administração de sã Justiça, como é apanágio desse Venerando Tribunal».
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«1. O Autor foi admitido na empresa Ré em 26/09/2006, com a categoria de director do sector de compras - Cotai (Director of Regional Procurement - Cotai), auferindo um salário mensal de MOP$75,000.00 (setenta e cinco mil patacas), conforme o teor da cópia do documento que se dá, para todos os devidos e legais efeitos, por integralmente reproduzido (doc. 1). (A)
2. Em 01 de Julho de 2007, foi o Autor promovido a director executivo do sector de compras (Executive Director of Regional Procurement), com um vencimento mensal de MOP$100,000.00 (cem mil patacas), conforme o teor da cópia da carta da empresa Ré enviada ao Autor em 30 de Julho de 2007, e que se dá, para todos os devidos e legais efeitos, por integralmente reproduzido. (doc. 2) (B)
3. Em meados de Junho de 2007, foi endereçado um convite ao Autor pela empresa Ré, para integrar um programa especial de incentivo profissional, equivalente a 6 meses de salário correspondente ao vencimento que auferisse em 30 de Junho de 2010, pagável em Julho de 2010, conforme o teor da cópia da carta da empresa Ré enviada ao Autor em 16 de Junho de 2007, e cujo teor se dá, para todos os devidos e legais efeitos, por integralmente reproduzido. (doc. 3) (C)
4. A empresa Ré decidiu terminar o contrato de trabalho com o Autor, conforme o teor da cópia da carta de despedimento da empresa Ré com data de 11 de Julho de 2009, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nesta carta, diz-se que o Autor permitiu que os seus subordinados utilizassem o cartão que havia sido emitido para o seu uso exclusivo, assim fugindo ao pagamento do parque de estacionamento, bem sabendo que aqueles não o poderiam fazer. (2º e 35º)
5. O ora Autor tinha também, à data da sua relação laboral com a empresa Ré, domicílio em Hong Kong, onde costumava passar os fins-de-semana (3º)
6. O Autor decidiu adquirir, juntamente com um amigo, e seu colega de trabalho, C, uma viatura automóvel marca Toyota, modelo Corolla, com a chapa de matrícula MK-82-XX, cuja propriedade ficou registada em nome, do C. (4º)
7. Tinha sido atribuído pela empresa Ré, ao ora Autor, dado o cargo por este exercido e a categoria profissional que exibia, e de acordo com o regulamento da empresa sobre esta matéria, cuja teor se dá, por integralmente reproduzido, um lugar de estacionamento para uma viatura automóvel, na zona para esse efeito destinada no complexo do B Resort Hotel, lugar esse que ficou registado em nome do Autor, e em cujo pavimento foi pintado o número de matrícula MK-82-XX. (5º)
8. Durante a semana (de Segunda a Sexta-feira), o Autor e o seu amigo, C, usavam o carro MK-82-XX nas suas deslocações para o seu local de trabalho (6º)
9. Em Janeiro de 2009, foi trocada correspondência, por via electrónica, entre o referido Philip Chio, a directora para o Planeamento Estratégico e Projectos Especiais, Linda Neeson, e o Autor, conforme o teor de cópia da mesma e aqui se dá, por integralmente reproduzido (doc.6). (8º).
10. A Ré não procedeu ao aviso prévio antes do despedimento do Autor. (12º)
11. Nos termos da cláusula 9.2. do contrato de trabalho celebrado entre as partes (doc.1):
9.2 Resolução sem Justa Causa por iniciativa da Sociedade. No caso de a Sociedade resolver sem justa causa o contrato de trabalho do Empregado, este terá consequentemente direito ao seguinte:
a) Continuação do pagamento do Vencimento Base durante um período de 3 (três) meses completos.
b) Reembolso as despesas de representação de valor razoável realizadas no decurso da actividad~, mas que ainda não tenham sido liquidadas antes da resolução do contrato, desde que, para o efeito, a Sociedade receba os respectivos documentos justificativos e em conformidade com as políticas e procedimentos da Sociedade relativos ao reembolso e despesas de representação. (13.º)
12. O Autor era bem considerado no meio da empresa. (17º)
13. Respeitado por superiores, colegas e subordinados. (18º)
14. O despedimento provocou-lhe um forte abalo psicológico. (20º)
15. Atenta a sua categoria (B 1 desde 1 de Julho de 2007), o Autor tinha direito a usar gratuitamente o parque estacionamento público, onde lhe foi atribuído um lugar reservado. (22º)
16. O acesso ao parque de estacionamento do público é feito através do uso de um cartão, tendo ao Autor sido atribuído o cartão nº 3178, ao qual foi associado o veículo com a matrícula MK-82-XX. (23º)
17. Na sequência da investigação foram apurados os seguintes factos:
No dia 8 de Junho de 2009:
12:00 um Toyota bronze Com a matricula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
19:07 um BMW ciano com a matricula MN-51-XX saiu do parque de estacionamento com o cartão nº 3178, tendo o condutor entregue posteriormente o cartão a um terceiro;
19:10 um Mazda preto com a matricula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento com o cartão nº 3178, tendo o condutor entregue posteriormente o cartão a um terceiro;
19:45 o Toyota bronze com a matricula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente. (24º)
18. No dia 9 de Junho de 2009:
08:31 um Toyota bronze com a matricula MK-82-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
08:37 um Toyota bronze com a matricula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
12:44 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
17:31 um BMW ciano com a matricula MN-51-XX saiu do parque de estacionamento. Um terceiro apareceu, abriu a porta com o cartão nº 3178 e foi-se embora;
19:06 um Nissan branco com a matricula MM-70-XX saiu do parque de estacionamento. Um terceiro apareceu, abriu a porta com o cartão nº 3178 e foi-se embora;
19:40 um Mazda preto com a matrícula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178;
20:44 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente. (25º)
19. No dia 10 de Junho de 2009:
08:14 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX entrou no parque estacionamento, tendo o condutor usado cartão nº 3178 normalmente;
08:19 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
12:58 um BMW ciano com a matrícula MN-51-XX saiu do parque de estacionamento usado o cartão nº 3178. De seguida, deixou o cartão que foi usado pelo condutor do carro seguinte;
12:58 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 que lhe foi deixado pelo condutor anterior;
18:14 um Nissan branco com a matrícula MM-70-XX saiu do parque de estacionamento. Um terceiro apareceu, abriu a porta com o cartão nº 3178 e foi-se embora;
22:15 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178, entregando-o depois a um terceiro. (26º)
20. No dia 11 de Junho de 2009:
00:31 um Mazda preto com a matricula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178;
08:37 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
08:50 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
19:04 um Nissan branco com a matrícula MM-70-XX saiu do parque de estacionamento usando o cartão nº 3178, tendo depois entregue o mesmo a um terceiro;
19:14 um BMW ciano com a matrícula MN-51-XX saiu do parque de estacionamento. Um terceiro usou o cartão nº 3178 para que ele pudesse sair e foi -se embora;
19:39 um Mazda preto com a matrícula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178;
19:58 um Toyota bronze com a matricula MK82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente. (27º)
21. No dia 12 de Junho de 2009:
08:26 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
08:31 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
12:28 um Mazda preto com a matrícula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178. De seguida deixou o cartão para que o próximo condutor o pudesse usar;
12:28 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 que lhe foi deixado pelo anterior condutor;
13:23 um Toyota bronze com a matrícula MK -82-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
18: 17 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor deixado o cartão nº 3178 para que o próximo condutor o pudesse usar;
18:17 um Mazda preto com a matrícula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 deixado pelo anterior condutor. (28º)
22. No dia 15 de Junho de 2009:
08:27 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX entrou no de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
08:34 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
12:03 um Mazda preto com a matrícula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 que entregou depois a um terceiro;
13: 14 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
17:25 um BMW ciano com a matrícula MN-51-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 que entregou a um terceiro. (29º)
23. O veículo MN-51-XX era usado por D, que detinha o cargo de “Procurement Associate Director”; o veículo MM-92-XX era usado por E, “Gerente de Aquisições”; o veículo MM-70-XX era usado por F, “Funcionária Sénior de Aquisições”. (30º)
24. D, E e F eram subordinados do Autor. (31º)
25. Nos termos do “Team Member Parking at the B Macao-Resort-Hotel”, o nº 9, “Por forma a não prejudicar a capacidade de estacionamento disponibilizada ao público, os funcionários não elegíveis não podem estacionar no parque de estacionamento público quando estão de serviço.”. (32º)
26. Os referidos subordinados do Autor não eram elegíveis, atenta a sua categoria, a um lugar no parque de estacionamento público e usaram-no durante o horário de serviços. (33º)
27. O Autor permitiu que vários dos seus subordinados utilizassem gratuitamente o parque de estacionamento público, ao facultar-lhes o uso do cartão nº 3178 que lhe havia sido entregue pela Ré para seu uso pessoal e exclusivo (34º)
28. O Autor estava em ciente da política da Ré, no que respeita à utilização do parque de estacionamento de público. (36º)
29. Quando a Ré entregou o cartão para acesso gratuito ao parque de estacionamento ao Autor, fê-lo para seu uso exclusivo, em virtude do cargo que ocupava. (37º)
30. O Autor ficou bem ciente de que não deveria permitir o seu uso por parte de terceiros, fossem eles seus subordinados ou não. (38º)».
***
III – O Direito
1 - O caso
Procurou o autor da acção ilustrar no TJB o injusto despedimento de que disse ter sido vítima, apenas pelo simples facto de ter permitido a seus subordinados, com o seu cartão, que estacionassem os seus carros no parque de estacionamento público do centro comercial durante o horário de serviço.
Face à prova produzida, a primitiva sentença proferida naquele tribunal em 29/05/2013, concedeu que o autor, tendo embora direito de usar o parque de estacionamento público da Ré, usando para o efeito de um cartão especial, permitiu a terceiros, seus subordinados, que o usassem para o mesmo efeito.
Todavia, não tomou essa conduta por suficientemente dotada de gravidade para tornar praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho e, portanto, para o despedimento do autor. Por tal motivo, entendeu não haver justa causa na resolução do contrato e condenou a ré no pagamento de uma determinada quantia indemnizatória a favor do autor por causa do despedimento de que foi vítima com aquele fundamento.
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O Tribunal de Segunda Instância, contudo, em recurso para si interposto, achou, na esteira da posição da recorrente, quanto a parte da matéria de facto, que não havia sido levada à Base Instrutória, que os autos ainda não estavam dotados de um elemento importante que pela Ré havia sido invocado, concernente à afectação da sua autoridade e imagem perante os seus próprios empregados. Esta matéria factual foi tida como importante para preencher a ideia de “gravidade” da conduta do autor e, portanto, ao mesmo tempo permitir uma tranquila subsunção da factualidade apurada à noção de “insubsistência da relação contratual”. E, nesse pressuposto, ordenou a baixa dos autos à 1ª instância para apuramento dessa matéria.
Mas o quesito aditado (39º) não foi provado.
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Na sequência desse julgamento de facto, de novo veio a ser proferida sentença reiterando a inexistência de justa causa para o despedimento e, em consequência, condenou a ré no pagamento da indemnização global de Mop$ 550.000,00 (incluindo o valor de 200.000,00 a título de danos morais, de 50.000,00 por falta de aviso prévio, e de 300.000,00, a título de indemnização pelo despedimento sem justa causa).
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2 - Do recurso
Padecerá de alguma falha a sentença? Terá incorrido ela em algum erro de julgamento?
A ré/recorrente acha que sim, centrando a sua atenção, em primeiro lugar, na gravidade da conduta do autor, tanto que a entendeu incompatível com a manutenção da relação laboral, e em segundo lugar, e subsidiariamente, no valor da indemnização pelos danos morais.
Vejamos, então.
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3 - Da resolução do contrato
3.1 - Recordemos que o autor foi admitido na empresa recorrente como director do sector de compras, vindo depois a ser promovido a director executivo desse mesmo sector de compras, passando a auferir o salário mensal de Mop$ 100.000,00.
Todavia, permitiu que os seus subordinados utilizassem o cartão de acesso ao parque de estacionamento que havia sido emitido para seu uso exclusivo e gratuito com o nº 3178.
E foi por esta razão que a “B” pôs termo à relação laboral.
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3.2 - Compreenderão agora as partes que, por comodidade e economia de tempo, sigamos os passos de recente acórdão proferido neste TSI a propósito deste caso, então envolvendo um dos subordinados do aqui autor/recorrido, igualmente despedido por ter feito uso do parque de estacionamento destinado ao público sob a autorização do seu chefe A, mas sem autorização da empresa e contra o regulamento interno que o proibia desse uso.
Por a matéria de facto ter os correspondentes pontos, de contacto e a de direito ser praticamente a mesma, é então com a devida vénia que passamos a transcrever parte do referido aresto datado de 29/05/2014, no Proc. nº 137/2014:
«Como se sabe, segundo a Lei nº 7/2008, de 18/08/2008 (Lei das Relações de Trabalho), uma das formas de cessação do contrato de trabalho é a resolução (art. 66º, al. 2)).
Sendo certo que a resolução põe termo ao contrato, haja ou não lugar a justa causa (art. 68º, nº1), entende o diploma citado, por outro lado, que “Constitui, em geral, justa causa para a resolução do contrato qualquer facto ou circunstância grave que torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Dito isto, a “justa causa” desenvolve-se em torno de duas condições:
a) Antes de mais, o facto/circunstância (acção ou omissão) deve ser grave;
b) Depois, deverá tornar praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Evidentemente, a gravidade pode ter várias nuances. Pode ser a gravidade da conduta em si mesma, pode ser a gravidade das consequências, ou ambas as coisas. Só o caso concreto haverá de denunciá-la. E, por outro lado, nem só a gravidade economicamente quantificável deve ser o critério aferidor1. Outros factores influenciam a gestação do conceito. Como este TSI afirmou no acórdão anterior destes autos2, “…não é tanto a dimensão do dano que serve de refúgio e fundamento à decisão, mas outros valores podem estar em causa, tais como a noção de “perda de face”, a ideia de quebra de autoridade da entidade patronal perante todos os seus empregados, a consciência de ela ter nas suas fileiras alguém muito competente, mas insubmisso às regras regulamentares internas. No limite, a concessão de uma desculpabilização que ela pudesse ter para com a atitude do seu empregado podia, inclusive, ser vista pela maioria dos restantes empregados como uma cedência discriminatória (discriminação positiva) do patrão em relação a uma pessoa em particular, o que também não seria frutuoso para a paz social no interior da empresa”. Isso também é gravidade. Gravidade que todo o mundo entende, por ser objectiva; gravidade, que a lesada sofre, por lhe dizer directamente respeito.
E era já por isso que dizíamos no referido aresto que “…a uma luz objectivista sobre o modo como deve o tribunal fazer o exercício do preenchimento do conceito de justa causa…o entendimento é o de poder ser grave o desrespeito cometido pelo trabalhador no incumprimento das regras de disciplina comportamental estabelecidas pela entidade patronal no que concerne ao estacionamento dos seus empregados nos moldes acima vistos… Objectivamente, ele pode ser grave, não pelo valor da pecúnia que deixou de entrar nos cofres da empresa, mas pelo desvalor do comportamento infiel traduzido na violação plúrima e às escondidas de um dos deveres contratuais do empregado. Não está em causa um dever principal de bem trabalhar, de bem prestar o serviço, de ser eficiente, etc, etc. Mas já pode estar em causa um dever secundário de respeitar as ordens internas da entidade patronal vertidas em regulamento próprio - que era do conhecimento do trabalhador – sobre o modo como devia utilizar o seu direito ao aparcamento automóvel3. Aliás, entenda-se, se até os deveres acessórios ligados ao comportamento privado do trabalhador nem sempre podem ser arredados do nexo laboral4, conduzindo a sua violação culposa e grave à insubsistência do vínculo5, maior razão parece existir no caso presente para tal, pois o que se discute é uma atitude do trabalhador reflectida no espaço da unidade onde está instalado o seu local de trabalho, uma atitude que funciona exactamente contra os ditames do “bem servir” o patrão, conferindo à expressão destacada entre aspas a ideia de obediência às necessidades de organização da empresa, de cumprimento das regras internas de disciplina e de funcionamento e ocupação dos seus espaços. A situação pode, assim, cair sem esforço sob a alçada da previsão do art. 11º, nº1, als. 4) e 9), da lei citada. Circunstância agravada pelo facto de o recorrido ser director associado do sector de compras e abastecimentos desde 1 de Março de 20096. Mesmo secundário este dever, ele não deixa de ter importante reflexo na relação laboral”.
Por conseguinte, segundo um juízo objectivo dominado pela noção do “bonus pater familiae”, poderíamos à partida não estar liminarmente na presença de uma atitude desculpável e de culpa moderada do autor. E, por isso, concluíramos, que a actuação deste era inadequada e ilícita, na medida em que contrariava um Regulamento interno da empresa sobre o aparcamento automóvel dos seus empregados, o que ele bem sabia. Houve por parte do autor indisciplina, desobediência e desrespeito de regras, mesmo secundárias que fossem. Sem dúvida.
Mas, para além dessa inadequação e ilicitude, ainda faltaria encontrar o núcleo factual de onde irradiasse com toda a clareza a gravidade do facto. Era preciso ir à procura do desvalor maior que a actuação repetida do autor pudesse representar. A ré não poderia permitir ter entre as fileiras dos seus empregados alguém que pusesse em causa a sua posição contratual. Por isso, argumentava ela, a actuação do autor minou a autoridade da empresa e afectou a sua imagem perante os restantes trabalhadores. Esta invocação, parecendo ser conclusiva, era, apesar de tudo, factual e demonstrável. E uma vez demonstrada, aí residiria a grande prova da gravidade do facto. Foi a tese do acórdão.
Todavia, a ré não conseguiu fazer prova de ter perdido essa autoridade, nem ter visto afectada a sua imagem perante os outros trabalhadores.
Sendo assim, ficou apenas uma actuação inadequada, inapropriada, eticamente censurável, e ilícita, sem dúvida, mas, objectivamente sem aquela dose de gravidade que o senso comum pode imediatamente apreender e detectar: nem económica (os prejuízos não serão significativos), nem de violação profunda de valores e deveres fundamentais da essência da relação laboral (a violação deu-se nos deveres acessórios dessa relação, como o aresto mencionado argumentou e que ora nos escusamos de repetir).
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3.2 - Mas, então, se não era grave a ofensa, fica pouco ou nenhum espaço para a densificação da segunda condição: a insubsistência da relação laboral.
O que haveria de levar a B a despedir o seu trabalhador (…) perante este deslize comportamental? Onde reside essa crise insuperável nas relações de confiança entre empregador e empregado? Com que base se poderia fazer um juízo de prognose tão negativo acerca do comportamento futuro deste empregado a ponto de justificar a ruptura neste momento? Onde estão os factos que pudessem permitir um juízo de infidelidade latente e duradouro neste trabalhador, que levassem a sua entidade patronal a não mais confiar nele?
Procurou ela indagar junto do trabalhador as causas directas da sua actuação inapropriada? Colheu dele a garantia de que não mais a repetiria? Por que não o tentou ela? Tivesse ela feito uso dessa indagação directa e talvez a “teoria da segunda oportunidade” viesse a gerar ainda um melhor funcionário (…), mais frutuoso, porventura mais produtivo, numa relação pacificada de que ambos sairiam muito provavelmente a ganhar.
Os factos são agora curtos. Objectivamente, não temos elementos para densificar a referida insubsistência e, do ponto de vista subjectivo e psicológico por parte da empresa, também não vemos que motivos pudesse ela invocar em favor da referida prognose negativa que a levasse a pôr um termo abrupto nesta relação, se o facto se não mostrou grave (nem em si mesmo, nem nas suas consequências).
Probidade, honestidade, fidelidade, sim, são valores vitais em qualquer relação. Mas, nada em contrário de cada uma dessas virtudes se passou no espaço fulcral do exercício da função, e se alguma quebra de lisura e licitude existiu por parte deste empregado/director foi apenas no âmbito de um dever acessório, que simplesmente o impedia de estacionar num sítio que não lhe era destinado.
É por isso que pensamos neste momento, sempre com a maior consideração por opinião contrária, que não havia, neste caso, causa justa para a resolução do contrato.
Neste ponto, portanto, não achamos que a sentença mereça censura».
Sem mais formalidades, fazemos nosso o teor do trecho transcrito.
E por ser assim, não vemos razão para qualquer censura à sentença sindicada. Consequentemente, em nada ficará beliscada quanto à indemnização correspondente a três meses de salário (Mop$300.000,00), bem como quanto à referente à falta de aviso prévio (Mop$ 50.000,00) tal como ali decidido, o que, no recurso, nem sequer foi posto em crise.
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4 - Dos danos morais.
A recorrente, isso sim, insurge-se contra a atribuição de uma indemnização concernente aos danos morais sofridos pelo autor, que a sentença computou em dois meses de salário. A insurgência radica na circunstância de, na sua opinião, a matéria dos arts. 17º a 20º da BI ser insuficiente para o preenchimento da noção do dano não patrimonial invocado, em especial devido à não prova dos quesitos 19º e 21º da BI.
Não nos parece que tenha andado mal. E para a justificação deste nosso juízo é com reverência que pedimos às partes, em particular à recorrente, que de novo voltemos a citar a fundamentação que sobre o assunto exarámos no aludido Proc. do TSI nº 137/2014 (Ac. de 29/05/2014), onde esta mesma situação foi tratada com os mesmos contornos fácticos, e que, por essa razão, aqui fazemos nossa:
«O facto com base no qual se concedeu indemnização pelos danos morais é o de que “O despedimento provocou ao A. um forte abalo psicológico”. Certo é que a sua imagem perante todos não teria sido afectada com o despedimento (resposta negativa ao quesito…) e, por outro lado, o despedimento não teria constituído uma nódoa na sua reputação profissional (resposta negativa ao quesito …).
Que haja lugar a indemnização por despedimento sem justa causa, já o afirmou este Tribunal7.
E na jurisprudência comparada também o disse já o STJ em acórdão de que transcrevemos o seguinte trecho8:
«E a obrigação de indemnizar é extensível aos danos não patrimoniais, pois estabelece o art. 496º/1 do CC, que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo que o n.º 3 do mesmo preceito, reportando-se à mesma indemnização, acrescenta que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso as circunstâncias referidas no art. 494º...” ou seja, ou grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Como refere Galvão Telles, os danos não patrimoniais são aqueles «prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património não é afectado; nem passa a valer menos nem deixa de valer mais. Há a ofensa de bens de carácter imaterial — desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a vida, a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra, a reputação. A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral» [In Direito das Obrigações, 7.ª edição, pg. 378].
No mesmo sentido alvitra Menezes Cordeiro que há dano moral quando a situação vantajosa prejudicada tenha simplesmente natureza espiritual [Direito das Obrigações, 1980, 2.º, pg. 285].
Dentro desta concepção, o ressarcimento por danos não patrimoniais não tem a natureza de uma verdadeira indemnização, dado não ser uma exacta contrapartida pelo dano, representando antes uma compensação a atribuir ao lesado por prejuízos por este sofridos, que não têm reparação directa através de satisfações de natureza pecuniária. Deste modo, se justifica que, no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração [vd. Vaz Serra in R.L.J., Ano 113º, pág. 104].
Com a reparação por danos não patrimoniais tem-se em vista compensar de alguma forma o lesado, proporcionando-lhe os meios económicos que constituam, de certo modo, um refrigério para as mágoas e adversidades que sofrera e que, porventura, continue a suportar.
E estes princípios respeitantes aos danos de natureza não patrimonial carecem de ser observados no âmbito do direito laboral por este nada de específico conter nesta matéria.
Deste modo, em direito laboral, para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável.
No que concerne ao despedimento promovido pelo empregador que se venha a caracterizar de ilícito, para se aferir se o mesmo justifica, ou não, a condenação daquele por danos não patrimoniais é necessário tomar em consideração, antes de mais, que é inerente à cessação da relação laboral, indesejada pelo trabalhador, que esta cessação comporte para o mesmo trabalhador a lesão de bens de natureza não patrimonial, traduzida em sofrimento, inquietação, angústia, preocupação pelo futuro, etc. E isto independentemente, da licitude ou ilicitude do despedimento e de a entidade empregadora ter usado de maior ou menor precaução para obviar à lesão destes bens do trabalhador.
Note-se que, independentemente da lesão destes bens da natureza espiritual, assiste direito à entidade empregadora de fazer cessar a relação laboral com um seu trabalhador, quando levada a efeito dentro do condicionalismo imposto pela lei, sendo que em tal situação dificilmente poderá ter cabimento uma indemnização por danos morais, a menos que se use, sem necessidade, de procedimento lesivo daqueles bens.
Acresce que mesmo no caso de a entidade empregadora promover um despedimento ilícito do trabalhador, que, numa relação de adequada causalidade, produza danos não patrimoniais ao mesmo trabalhador, sempre haverá que indagar se, pelo grau de culpabilidade do empregador e pelo valor ou relevância dos danos, estes são dignos da tutela do direito.
É que pode suceder que apesar de a entidade empregadora ter promovido um despedimento ilícito não patenteie um comportamento gravemente culposo, consideradas as circunstâncias envolventes desse despedimento.
Por outro lado, sempre será necessário atentar em que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita.
Assim, se se verificar que esses danos não patrimoniais não tenham especial relevo por se traduzirem nos que, comummente, se verificam em idênticas situações, como os do desgosto, da angústia e da injustiça, não se legitima a tutela do direito justificadora da condenação por danos não patrimoniais».
Pois bem. Um “abalo psicológico”, embora algo conclusivo, ainda assim consegue transmitir uma realidade no mundo dos factos. Isto é, chega para fazer entender o significado e a repercussão emocional que o facto (despedimento) possa desencadear na vida da pessoa atingida. E se esse abalo ainda por cima for “forte”, então ainda mais se compreenderá o estado emocional em que o autor ficou. Neste sentido, a falta de prova daqueles outros dois factos pouco desvalor confere à situação.
Claro, o art. 489º do CC apenas reconhece indemnização pelos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, em qualquer caso, atendendo às circunstâncias referidas no art. 487º.
Ora, a verdade é que a ilicitude foi confinada a um dever secundário, o grau de culpa do autor não terá sido assim tão grande, a repercussão económica para a ré terá sido incipiente. Atendível será, depois, a circunstância de o autor ser director da empresa e de não haver para a ré nenhuma perda de autoridade e de imagem perante os restantes elementos da empresa. Então, este despedimento acabou por ser penoso (e não expectável) para o autor e, daí, o “forte abalo psicológico” que sofreu. Merece, pois, a tutela do direito.
A 1ª sentença lavrada nos autos (revogada pelo acórdão de fls. 271 e sgs.) tinha fixado a indemnização no valor de Mop$ 30.000,00 (menos de um mês de salário); a lavrada a fls. 324 e sgs. elevou-a para Mop$ 123.200,00 (dois meses de salário). Pela nossa parte, por tudo quanto se disse, afigura-se-nos sensato e prudente o valor indemnizatório correspondente a dois meses de salário, tal como foi decidido; (…).
Improcede, pois, o recurso também nesta parte».
Pensamos que dois meses de salário a este título indemnizatório satisfazem a necessidade de tutela relativamente ao dano moral sofrido.
Dito isto, o recurso jurisdicional não pode ser provido.
***
IV - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas nesta instância pela recorrente.
TSI, 18 de Setembro de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Júlio Gomes, Direito de Trabalho, Vol. I, “Relações Individuais de Trabalho”, Coimbra Editora, 2007, pág. 951.
2 Ac. dE 6/06/2013, Proc. nº 243/2013.
3 Neste sentido, e com exemplos vários retirados da jurisprudência, ver Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4ª ed., pág. 987.
4 A vida pessoal, as suas escolhas, as suas preferências, as suas atitudes fora da relação laboral apenas a ele dizem respeito e não podem ser causa de despedimento. Todavia, já não se pode, absolutamente, dizer que transpostos os portões da fábrica o trabalhador pode fazer o que bem quiser, se de algum modo o seu comportamento for indissociável da sua própria profissão, isto é, se a sua acção estiver relacionada com o contrato de trabalho (Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, cit., pág. 971-975).
5 Pedro Romano Martinez, ob. cit., pag. 992.
6 Se é certo que o trabalhador deve, em princípio, abster-se de qualquer acção contrária aos interesses do empregador, “Nos cargos de direcção a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador” (Monteiro Fernandes, ob. cit., pag. 241).
7 Ac. TSI, de 3/05/2007, Proc. nº 201/2007.
8 Ac. STJ, de 25/01/2012, Proc. nº 4212/07.8TTLSB.L1.S1. No sentido de que, na atribuição da indemnização se deve atender ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso, ver Ac. do STJ, de 10/04/2014, Proc. nº 55/08.
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442/2014 25