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Processo nº 928/2012
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa)

Data: 25/Setembro/2014

Assunto: Acto sancionatório
      Exame crítico da prova
      Executoriedade do acto administrativo
      “Execução imediata da decisão” – alínea g) do artigo 14º do Decreto-Lei nº 52/99/M
Censurabilidade da conduta imputada

SUMÁRIO
- Estatui o artigo 76º do Código de Processo Administrativo Contencioso que “a sentença e o acórdão devem mencionar o recorrente, a entidade recorrida e os contra-interessados, resumir com clareza e precisão os fundamentos e conclusões úteis da petição e das contestações, ou das alegações, especificar os factos provados e concluir pela decisão final, devidamente fundamentada”.
- Com efeito, basta discriminar os factos provados com relevância para a decisão da causa, e não necessariamente os factos não provados porque a tal não era obrigado.
- A fundamentação ou o exame crítico da prova destina-se a facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o auto-controlo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional.
- Uma vez que o Tribunal a quo fundamentou a decisão da matéria de facto relevante para o julgamento da causa unicamente com base na prova documental constante dos autos, mais precisamente, para cada facto provado foi indicado o respectivo documento que foi decisivo para a convicção do tribunal, parece evidente que o Tribunal a quo procedeu efectivamente ao exame crítico necessário.
- A falta de indicação no acto sancionatório de todos os elementos previstos no artigo 14º do DL nº 52/99/M (Regime Geral das Infracções Administrativas) é causa de nulidade do respectivo acto.
- Estatui-se na alínea g) do artigo 14º do DL nº 52/99/M que “a decisão sancionatória deve conter, sob pena de nulidade(…) a indicação de que há lugar à execução imediata da decisão caso esta não seja impugnada”.
- A executoriedade do acto administrativo consiste na possibilidade de execução coerciva imediata do acto administrativo independentemente de sentença judicial.
- A expressão “execução imediata” referida na alínea g) do artigo 14º do DL nº 52/99/M tem exactamente o sentido da executoriedade, na medida em que é usada para designar o poder da Administração de executar coerciva e imediatamente o acto administrativo (acto executório) caso este não seja acatado pelo seu destinatário.
- Tendo sido aplicada ao recorrente a multa cuja execução ficou suspensa por um período de dois anos, independentemente de haver impugnação ou não do acto, não há possibilidade de execução coerciva e imediata da decisão em virtude da suspensão da sua execução, daí que não faz sentido proceder a advertência aludida na alínea g) do artigo 14º.
- Sendo o recorrente uma instituição de crédito a exercer actividades bancárias na RAEM, tem a obrigação de analisar com cuidado todos os requisitos e imposições legais a que está sujeito, de modo a assegurar o cumprimento de todas as obrigações legais para com o sistema financeiro da RAEM.
- Uma vez que o recorrente, não obstante ter condições para tal, não teve cuidado de consultar as versões oficiais da legislação devidamente publicadas no Boletim Oficial, de modo a evitar a prática de infracções referentes à sua actividade, o seu comportamento negligente não deixa de ser censurável, por o erro não ser desculpável.
   
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 928/2012
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa)

Data: 25/Setembro/2014

Recorrente:
- Banco A SARL

Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Banco A SARL, melhor identificado nos autos, recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo do despacho do Exmº Secretário para a Economia e Finanças, de 23.07.2008, que recaiu sobre a Deliberação nº 405/CA de 26.06.2008 do Conselho de Administração da Autoridade Monetária de Macau, o qual lhe havia aplicado uma multa de $100.000,00, com a suspensão de execução por dois anos, por violação do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 122º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro e no nº 1 do artigo 61º do Decreto-Lei nº 83/99/M.
Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, foi julgado improcedente o recurso.
Inconformado com a decisão, vem o Banco A SARL interpor o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
A. Omissão de Pronúncia
1. Ao não conhecer da questão da prescrição da infracção, suscitada pelo MP e, nas alegações facultativas, pelo Recorrente a Sentença padece de vício de omissão de pronúncia, por violação dos arts. 61º/1, 62º/2, 63º e 74º/1 do CPAC e art. 563º/2 e 3 do CPC, aplicável via art. 1º do CPAC, devendo ser declarada nula nos termos do art. 571º/1-d) do CPC.
2. Tal dever resulta não só da lei, como do Acórdão do TSI proferido nestes autos, o qual, não só analisou a questão da prescrição fornecendo o quadro normativo que melhor abilitaria o tribunal recorrido a conhecer da questão, como remeteu os autos ao TA para “para conhecimento dos vícios ainda não conhecidos”, tendo referido a final “salvo se alguma coisa a tanto obstar”, numa alusão implícita (designadamente) à prescrição.
B. Prescrição
3. Independentemente da data em que a prescrição terá efectivamente ocorrido, todos os envolvidos neste processo expressaram-se sobre a questão no sentido inequívoco de que, à data em que a Sentença recorrida foi proferida, dia 31-07-2012, já a alegada infracção havia prescrito.
4. O Recorrente defendeu que a prescrição ocorreu em 02-09-2006, entendendo agora, após análise do Acórdão do TSI que afinal ocorreu um ano depois, em 02-09-2007; o Ministério Público e o Tribunal Administrativo (primeira Sentença) entenderam que a infracção prescreveu antes de 27-10-2007; o Recorrido defendeu primeiro que prescreveria no dia 03-09-2010 tendo passado a defender um prazo mais longo, não especificado, mas que nunca poderia terminar depois de 02/03/2012; o mesmo referiu o Tribunal de Segunda Instância que, não tendo, como instância de recurso, tomado posição sobre a data de efectiva prescrição, concluiu que terminaria “necessariamente” em 02-03-2012.
5. O prazo de prescrição da alegada infracção objecto dos autos é de 3 anos (art. 136º do RJSF: DL n.º 32/93/M).
6. O Tribunal Administrativo, o Tribunal de Segunda Instância, o Ministério Público e o Recorrido entendem que o prazo de prescrição iniciou a sua contagem no dia 02/09/2004 relativamente a todos os factos.
7. O Recorrente entende que, não havendo lugar à aplicação subsidiária do art. 111º/2-b) do CP (regime da infracção continuada: art. 29º/2 do CP), nem tendo a sanção recorrida qualificado a conduta como constituindo uma infracção continuada, o prazo de prescrição iniciou-se, relativamente à quase totalidade dos factos, antes desta data.
8. Todavia, há concordância de todos os intervenientes no sentido de que o decurso do prazo de prescrição não se iniciou após 02/09/2004.
9. A AMCM nunca chegou a proferir acusação, pois nem o auto de infracção, nem o relatório do instrutor constituem uma acusação, entre outras razões aduzidas nestas alegações, dado que o art. 131º/2 do RJSF estabelece que a acusação é proferida após concluída a instrução, pelo que, sendo a alegada “acusação” de 2004 e tendo a instrução se concluído em 2007, a acusação só poderia ter sido proferida após 2007, o que não sucedeu: se já houvesse sido proferida acusação não seria necessário proceder a uma instrução para decidir se deveria ou não ser deduzida a acusação já proferida 3 anos antes.
10. A inexistência de acusação releva para efeitos de inexistência de causa de suspensão da prescrição (art. 112º do CP).
11. O MP e o TA (1ª sentença) entenderam que o processo de infracção esteve suspenso durante 44 dias, mais precisamente, de 13-09-2004 até 27-10-2004, período em que se terão praticado actos de instrução do processo de infracção.
12. O Recorrente entende que o prazo de prescrição não se suspendeu, dado que não está preenchido nenhum dos critérios previstos no art. 12º do CP. Mas, caso tenha havido suspensão, terá sido durante 44 dias.
13. Contrariamente ao que o Recorrido alegou nas suas alegações de recurso da 1ª sentença, não foram praticados quaisquer outros actos de instrução, actos que o Recorrido não identificou (e que, por isso, não alegou) e que não provou, ónus que sobre si recaía. Assim, tais alegados actos (cuja prática tudo indica não corresponder à verdade), deverão ser desconsiderados nestes autos.
14. Não se verificou qualquer das causas de interrupção do prazo de prescrição previstas no art. 113º/1 do CP, pois: a) nenhum dos administradores ou representantes do arguido foi interrogado (arts. 235º/1 e 236º/1, do Cód. Comercial, e art. 53º/1 do CPC); b) não foi aplicada medida de coação; c) não foi proferido despacho de pronúncia ou decisão judicial equivalente; d) não se trata de um processo de ausentes.
15. Quem alegar a interrupção do prazo de prescrição terá, no mínimo, de: (1) citar a alínea do nº 1 do art. 113º do CP aplicável; (2) identificar o acto gerador do efeito interruptivo; (3) referir a data em que terá ocorrido a interrupção – não basta simplesmente alegar que ocorreu a interrupção do prazo de prescrição em abstracto e logo pelo período máximo, sem nada especificar.
16. O TSI decidiu, por Acórdão proferido nestes autos, que não cabe aplicação do regime de suspensão previsto no CPA.
17. Relativamente à data efectiva de prescrição:
a) Sendo prazo de prescrição de 3 anos, não havendo suspensão ou interrupção do prazo, e tendo-se este iniciado aquando da prática dos respectivos factos, as alegadas infracções ocorreram 3 anos após a prática de cada um dos actos de venda de fundos, entre 2005 e 2-Setembro-2007, consoante os factos.
b) Caso se entenda que o prazo de prescrição começa a correr, quanto a todos os factos, em 02/09/2004, uma vez que não houve nem interrupção, nem suspensão do prazo, a prescrição ocorreu em 2-Setembro-2007.
c) Caso se entenda que houve suspensão do prazo durante 44 dias (como defenderam o MP e ao TA), mas não interrupção, tendo o prazo iniciado o seu decurso em 02/09/2007, a prescrição terá ocorrido em 16-Outubro-2007.
d) Caso se entenda que houve suspensão do prazo durante 44 dias e (por razões que não se vislumbram quais possam ser) haver interrupção durante 1 ano e meio (art. 113º/3 do CP), tendo o prazo iniciado o seu decurso em 02/09/2007, a prescrição terá ocorrido em 16-Abril-2008.
e) No pior cenário possível para o Recorrente, isto é, entendendo-se que o prazo de prescrição se iniciou, quanto a todos os factos, em 02/09/2004, e que que houve suspensão pelo prazo máximo de 3 anos e interrupção pelo prazo máximo de 1 ano e meio, a prescrição teria ocorrido em 3 anos (prazo normal) mais 3 anos (prazo de suspensão) mais um ano e meio (prazo de interrupção), isto é, em 7 anos e meio, ou seja, em 2-Março-2012.
18. De facto, o cenário aplicável ao caso dos autos é o da al. a) supra destas conclusões, pelo que a prescrição dos factos objecto dos autos ocorreu entre 2005 e 2-Setmebro-2007.
19. A prescrição deveria, e deverá, ser conhecida, pois foi suscitada pelo MP e pelo Recorrente (arts. 61º/1, 62º/1, 63º e 74º/1 do CPAC e art. 563º/2 e 3 do CPC, via art. 1º do CPAC). De resto, tendo sido conhecida na primeira Sentença, teria de o ser na segunda Sentença, uma vez que a primeira foi revogada.
20. Por outro lado, o dever de conhecer da matéria de prescrição resulta do Acórdão do TSI, que (i) não só a analisou, fazendo o enquadramento legal e factual detalhado que melhor abilitando a decisão a tomar pelo TA, (ii) como remeter os autos ao TA para “para conhecimento dos vícios ainda não conhecidos, salvo se alguma coisa a tanto obstar”.
21. De qualquer modo, a “verificação da prescrição é de conhecimento oficioso e pode ter lugar a todo o tempo, pois que é causa de extinção do procedimento criminal” (Ac. STJ nº 07P2604, de 06/02/2008).
22. Por fim, a prescrição ocorreu de qualquer modo na data destas alegações, suscitando-se aqui a questão por a mesma ter ocorrido já em Outubro de 2012, o que lhe é permitido por ser de conhecimento oficioso e em vista do disposto no corpo do art. 110º/1 do CP.
C. Fundamentação: não discriminação dos factos provados
23. A Sentença é nula por violação dos arts. 76º do CPAC e 562º/2 do CPC, nos termos do art. 571º/1-b), uma vez que não discriminou quais os factos provados e não provados.
24. A lista de factos a fls. 3 e 4 da Sentença retratam somente a marcha do processo, constituindo uma lista de factos processuais e não de factos relevantes para o mérito da causa, não respeitando aos factos alegados pelas partes e sobre os quais incidiu a prova produzida nos autos, pelo que, em rigor, não foram discriminados os factos a que se refere o art. 562º CPC.
D. Fundamentação: exame crítico das provas
25. A Sentença é ainda nula por falta de fundamentação da matéria de facto, na medida em que não deu cumprimento ao disposto no art. 562º/3 do CPC, via art. 1º do CPAC, ao não ter procedido ao exame crítico das provas, o que gera nulidade, nos termos do art. 571º/1-b) do CPC.
E. Fundo da causa: inexistência de infracção
26. Devem ser dados por provados e não provados os factos discriminados nestas alegações.
27. Em primeiro lugar, a decisão sancionatória dever ser anulada por violar o art. 14º/g) do DL n.º 52/99/M, uma vez que não refere que, na falta de impugnação da decisão, há lugar à execução da decisão condenatória, norma que é aplicável aos casos de suspensão da multa porque o período de suspensão e, logo, a execução da decisão se inicia em momentos diferentes consoantes haja ou não impugnação: uma pena suspensa é, como qualquer outra pena, exequível.
28. Em segundo lugar, a decisão sancionatória dever ser anulada por contradição insanável da matéria dada como provada, na medida em que se dá como provado um facto e o facto contrário por um lado deu-se como provado que o arguido promove a publicitação, por outro lado deu-se como provado que o arguido não publicitou.
29. Em terceiro lugar, a decisão sancionatória dever ser anulada porque imputa ao arguido conduta negligente (1º parágrafo de fls. 4 da Deliberação), mas pune-o com sanções aplicáveis à conduta dolosa previstas nos arts. 122º/2-a) e 128º do RJSF (“por violação do disposto no n.º 1 do artigo 61º do Decreto-Lei n.º 83/99/M, de 23 de Novembro, devidamente conjugado com a alínea a) do n.º 2 do artigo 122º do RJSF…”), o que constitui, por um lado, vício de errónea aplicação da lei e, por outro, contradição insanável entre a fundamentação de facto e de direito.
30. Em quarto lugar, a decisão sancionatória dever ser anulada por erro nos pressupostos de direito, pois alega que a ignorância da lei não aproveita ao interessado, numa alusão explícita ao teor do art. 5º do Cód. Civil, mas não é aplicável a condutas subsumíveis em normas punitivas, mas somente no âmbito civil (e no âmbito administrativo não sancionatório).
31. A norma aplicável a condutas subsumíveis em normas punitivas aplicável é a do art. 16º do CP, como resulta do art. 3º, n.º 3, do DL n.º 52/99/M, e de jurisprudência inequívoca para qualquer ramo de direito punitivo, sendo que o teor normativo destas duas normas é precisamente o contrário: enquanto o art. 5º do Cód. Civil determina que a “ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”, o art. 16º do CP determina que a ignorância da lei (a falta de consciência da ilicitude do acto) isenta as pessoas das sanções previstas na lei, pois, face à lei, essas pessoas agem sem culpa.
32. Ademais, ao não aplicar a norma do art. 16º do CP, para além de aplicar uma norma que não regula o caso, o decisor abdicou de um dever imperativo: analisar, com atenção normativa, o regime do art. 16º do CP e decidir o caso face aos critérios nele estabelecidos, que constitui por si só causa de anulação da decisão.
33. Em quinto e último lugar, a decisão sancionatória dever ser anulada por não ser censurável ao arguido o facto de ter aplicado correctamente a versão publicitada em língua inglesa da lei e não ter aplicado a versão, distinta, da lei tal como publicitada numa das línguas oficiais.
34. A versão em língua inglesa da lei foi da autoria da AMCM, foi mandada publicar pela AMCM, tendo sido publicitada no site oficial da AMCM, sendo sabido que a actividade da AMCM e das instituições de crédito da RAEM é na sua quase totalidade levada a cabo em língua inglesa.
35. O que é censurável, estamos respeitosamente em crer, é o comportamento da MACM, de ter elaborado e mandado publicar – no seu site oficial – uma versão da lei que induz os operadores em erro: o autor do erro, em vez de se penitenciar pelo erro cometido, pune quem age de acordo e com base na confiança suscitada na versão da lei que a AMCM publicitou.
36. O Recorrente limitou-se a cumprir aquilo que a AMCM (erradamente) divulgou ser lei na RAEM.
37. Como resulta do conceito de “estado de direito”, as leis são publicitadas para permitirem que as pessoas (individuais ou colectivas) orientem a sua conduta de acordo com a previsão da norma divulgada, prática conhecida desde tempos imemoriais, mesmo em regimes que não seguem todos os requisitos de um estado de direito.
38. Se a finalidade da divulgação da lei em versão inglesa era a de que os operadores agissem nos termos prescritos na lei (não poderia ser outra a finalidade da divulgação no site da AMCM em língua inglesa), não pode ser punido quem agiu nos termos prescritos naquela versão da lei.
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao recurso, e, em consequência, revogando a sentença recorrida.
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Contra-alegou a entidade recorrida, pugnando pela improcedência do recurso e a consequente confirmação da sentença recorrida.
*
Aberta vista ao Ministério Público, foi dado o seguinte parecer:
“Nas alegações do recurso jurisdicional em apreço (cfr. fls. 478 a 519 dos autos), a recorrente «Banco A, SARL» assacou seis (6) vícios à douta sentença em crise, quais são: omissão de pronúncia, prescrição do procedimento, falta de fundamentação por não discriminação dos factos provados, falta de fundamentação por não se ter procedido ao exame crítico das provas e, afinal, inexistência da infracção.
Sem prejuízo do respeito pelo entendimento diferente, afigura-se-nos descabidos todos os vícios invocados pela recorrente.
Ora bem, o douto Acórdão de fls. 509 a 621 verso faz caso julgado material de que não se verificou a prescrição procedimental à data em que a decisão sancionatória foi praticada (em 23/07/2008). Eis a razão que determinou a revogação da douta sentença de fls. 437 a 442 dos autos.
Com efeito, a douta sentença de fls. 466 a 472 veio a ser decretada em cumprimento do dever de acatamento daquele caso julgado, pelo que a Mema. Juiz a quo ficou vedada de, na qual, voltar a discutir a prescrição do procedimento sancionatório.
Assim, não há dúvida alguma de que a sentença recorrida não fere da omissão de pronúncia que, prevista no art. 571º, do n.º 1-d) do CPC, só se verifica quando o tribunal ignora pura e simplesmente qualquer questão que devesse ser apreciada por essencial ao resultado ou desfecho da causa (Acórdão do TSI, no Processo n.º 867/2010).
Repita-se que o douto Acórdão de fls. 509 a 621 é peremptório no sentido de que ainda não surgir a prescrição procedimental à data em que foi praticada (em 23/07/2008) a decisão sancionatória contenciosamente impugnada no TA.
O que torna absolutamente inviável o pedido b) formulado pela recorrente: Dever ser revogada a Sentença e substituída por outra que anule a decisão administrativa sancionatória por ter sido proferida quando a infracção já havia prescrito.
O procedimento sancionatório concluiu-se com a prolação do despacho contenciosamente recorrido, pelo qual foi aplicada à recorrente a multa de MOP$100.000,00 com a suspensão da execução por 2 anos. E a partir daí se iniciou a contagem da prescrição da sanção.
Pois, em harmonia com a lógica do sistema, a decisão final emanada do procedimento sancionatório é simultaneamente o terminus ad quem da prescrição procedimental e o terminus a quo da prescrição para execução da sanção.
Nestes termos, não pode deixar de ser desprovido de qualquer razão o pedido c) da recorrente: Dever ser revogada a Sentença e substituída por outra que declare o processo extinto por prescrição da infracção à data da prolação da sentença, bem como à data destas alegações.
Na douta sentença em questão, a Mema Juiz a quo consignou propositadamente: Dos autos e do P.A. anexo resultam provados os seguintes factos com interesse para o mérito da causa. A seguir, especificou 12 factos dados por provados.
A própria sentença recorrida revela que ao cada facto provado que se serve de fundamento da mesma, a Mema Juiz a quo indicou, de forma minuciosa e com precisão, o correspondente meio de prova. O que representa, na nossa óptica, que a Mema Juiz a quo teve procedido ao exame crítico das provas.
Deste modo, e em consonância com a jurisprudência consolidada de que só a falta absoluta de fundamentação da sentença, de facto ou de direito, constitui a nulidade a que se refere a alínea b) do n.º 2 do art. 571º do CPC (vide. por exemplo Acórdão do TUI no Processo n.º 1/2012), propendemos pela inexistência da falta de fundamentação.
A título de «Fundo da causa: inexistência da infracção», a recorrente assacou ao acto objecto do recurso contencioso a violação do arts. 14º/g) do D.L. n.º 52/99/M, a contradição insanável da matéria dada como provada, a errónea aplicação da lei e simultaneamente contradição insanável entre a fundamentação de facto e de direito, o erro nos pressupostos de direito e, finalmente, a não censurabilidade da conduta imputada.
Importa realçar que todos tais argumentos da recorrente se encontram deliberada e cabalmente apreciadas e criticadas pela Exma. colega no PARECER de fls. 463 a 465 dos autos, bem como pela Mema. Juiz na sentença recorrida.
Subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações desenvolvidas naquele PARECER e na douta sentença em causa. O que nos leva a não divisar nenhum dos vícios invocados pela recorrente como fundamento do recurso em apreço.
Por todo o expendido, opinamos que se deverão negar provimento a todas as excepções, ordenando o prosseguimento deste processo nos seus ulteriores termos.”
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte matéria de facto:
1. Aos 19 de Julho de 2004, o recorrente, em resposta ao ofício n.º 3577/2004-AMCM-DSB, datados de 15/07/2004, apresentou junto da Autoridade Monetária de Macau (AMCM), um pedido de desculpas pela venda de fundos sem autorização (fls. 446 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2. Aos 31 de Agosto de 2004, o Conselho de Administração da AMCM deliberou no sentido de (i) se proceder à instauração de um processo de infracção contra o recorrente, devido à existência de indícios de violação do disposto do n.º 1 do art.º 61 do D.L. n.º 83/99/M de 22 de Novembro; (ii) proibição de comercialização dos fundos em causa e ainda (iii) a nomeação dos respectivos instrutores (folhas 404 a 407 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3. Aos 2 de Setembro de 2004, a AMCM emitiu o Auto de Transgressão n.º 4/2004 (folhas 395 a 396 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4. Aos 14 de Setembro de 2004, o recorrente foi notificado do referido Autor de Transgressão através do ofício n.º 4640/2004-AMCM-CA(GAJ), datado de 13/09/2004 (folhas 397 a 398 do P.A.).
5. Aos 24 de Setembro de 2004, o recorrente apresentou a sua defesa junto do Presidente do Conselho de Administração da AMCM (folhas 385 a 392 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6. Aos 5 de Novembro de 2004, o instrutor do processo de infracção n.º 4/2004 emitiu o relatório final, o qual é da opinião de que o recorrente dever ser punido com pena de multa e que esta pode ser suspensa (folhas 224 a 230 do P.A.).
7. Aos 16 de Agosto de 2005, o recorrente, através do ofício n.º 4171/05-AMCM-GAJ, datados de 12/08/05, foi notificado do relatório final do referido processo de infracção e, para no prazo de 10 dias, se pronunciar (folhas 160 a 161 do P.A.).
8. Aos 31 de Agosto de 2005, o recorrente pronunciou sobre o relatório final junto do Presidente do Conselho de Administração da AMCM (folhas 146 a 148 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
9. Aos 26 de Junho de 2008, o Conselho de Administração da AMCM deliberou no sentido de concordar com o entendimento expresso no referido relatório final e propor ao Secretário para a Economia e Finanças a aplicação de uma multa ao recorrente no valor de MOP$100.000,00, com a suspensão de execução por dois anos (folhas 60 a 71 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
10. Aos 23 de Julho de 2008, o Secretário para a Economia e Finanças exarou o despacho de concordância da proposta da referida deliberação (folhas 60 do P.A.).
11. Aos 4 de Agosto de 2008, através do ofício n.º 4420/08-AMCM-GAJ, datados de 04/08/08, foi o recorrente notificado da sanção ora aplicada e dos respectivos meios de impugnação (folhas 72 a 73 do P.A.).
12. Aos 4 de Setembro de 2008, o recorrente apresentou junto deste Tribunal, através da via telecópia (fax), o petitório dos presentes autos de recurso contencioso (vide fls. 2 dos autos).
Mais se prova por documentos que, no âmbito dos presentes autos, por decisão proferida pelo Tribunal Administrativo, em 30.09.2010, foi julgada procedente a excepção peremptória de prescrição, mas por decisão proferida por este TSI, em 02.02.2012, em sede de recurso jurisdicional, decidiu conceder provimento ao recurso, revogando a sentença e declarando a improcedência da excepção peremptória de prescrição que ali se levantou.
*
O caso
Por despacho do Exmº Secretário para a Economia e Finanças, de 23.07.2008, que recaiu sobre a Deliberação nº 405/CA, de 26.06.2008, do Conselho de Administração da Autoridade Monetária de Macau, foi aplicada ao recorrente uma multa de $100.000,00, com a suspensão de execução por dois anos, por se concluir que este ter vendido fundos de investimento geridos por sociedades com sede no exterior sem a devida autorização por parte da Autoridade Monetária de Macau.
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Questões a resolver
1) Da omissão de pronúncia quanto à questão da prescrição do procedimento administrativo
2) Da não discriminação dos factos provados e falta de fundamentação da matéria de facto (exame crítico das provas)
3) Da nulidade por violação do artigo 14º, alínea g) do Decreto-Lei nº 52/99/M
4) Da contradição insanável da matéria de facto dada como provada
5) Da errónea aplicação da lei/contradição insanável da fundamentação
6) Do erro nos pressupostos de direito
7) Da não censurabilidade da conduta imputada
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Da omissão de pronúncia quanto à questão da prescrição do procedimento administrativo
O recorrente começa por referir que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre a questão da prescrição do procedimento administrativo.
Salvo o devido respeito, entendemos não assistir razão ao recorrente.
Em nossa opinião, a questão da prescrição do procedimento administrativo já foi definitivamente decidida pelo TSI no recurso jurisdicional interposto em 24.11.2010, daí que não podia voltar a ser apreciada pelo Tribunal a quo, sob pena de violação do caso julgado material.
De facto, de acordo com o estatuído naquele douto aresto, no que à questão da prescrição respeita, decidiu no sentido de que “no pressuposto de que a notificação de fls. 397/398 traduzida a fls. 400 e 401 constitui a notificação da acusação (assim o admitiu o próprio Banco, recorrente contencioso, ao não invocar no elenco dos vícios este que haveria de corresponder à falta de acusação e ao responder no procedimento administrativo àquela que entendeu ser matéria da acusação, apresentando contra ela a sua “defesa” (fls. 385 e seguintes do p.a.). Não sendo vício de conhecimento oficioso, não o podemos relevar em sede de conhecimento no âmbito do recurso jurisdicional, limitado que está à censura que é dirigida contra a decisão da 1ª instância), então ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição quando, em 23 de Junho de 2008, ao recorrente foi aplicada a referida multa” – sublinhado nosso.
Nestes termos, sem necessidade de delongas considerações, por que o TSI já se pronunciou sobre a questão da prescrição, não pode agora tanto na primeira instância como nesta voltar a pronunciar-se sobre a mesma questão.
Razão pela qual se julga improcedente o recurso quanto a esta parte.
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Da não discriminação dos factos provados e falta de fundamentação da matéria de facto (exame crítico das provas)
Alega o recorrente que a sentença recorrida não discriminou quais os factos provados e não provados, limitando-se a apresentar uma lista de actos processuais, o que seria, no seu entender, nula a sentença por violação dos artigos 76º do Código do Processo Administrativo Contencioso e 562º, nº 2 do Código do Processo Civil.
Alega ainda o recorrente que a sentença seria nula por falta de fundamentação da matéria de facto, na medida em que não deu cumprimento ao disposto no artigo 562º, nº 3 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 1º do CPAC.
Vejamos.
Em primeiro lugar, no que concerne à questão de discriminação da matéria de facto, reza o artigo 76º do CPAC que “a sentença e o acórdão devem mencionar o recorrente, a entidade recorrida e os contra-interessados, resumir com clareza e precisão os fundamentos e conclusões úteis da petição e das contestações, ou das alegações, especificar os factos provados e concluir pela decisão final, devidamente fundamentada.” – sublinhado nosso
Efectivamente, de acordo com a referida disposição legal, é fácil de concluir que basta apenas discriminar os factos provados com relevância para a decisão da causa, e não necessariamente os factos não provados porque a tal não era obrigado.
In casu, não restam dúvidas de que o Tribunal a quo consignou devidamente na própria sentença recorrida, de acordo com a lei, a matéria de facto provada que considerava pertinente para a decisão da causa.
Já quanto ao exame crítico das provas, podemos verificar que o Tribunal a quo fundamentou a decisão da matéria de facto relevante para o julgamento da causa unicamente com base na prova documental constante dos autos, mais precisamente, para cada facto provado foi indicado o respectivo documento que foi decisivo para a convicção do tribunal.
Uma vez que a fundamentação ou o exame crítico da prova se destina a “facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o auto-controlo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional”1, e relativamente à situação dos autos, os factos com relevância para a decisão da causa foram provados exclusivamente por documentos, parece evidente que o Tribunal a quo procedeu efectivamente ao exame crítico necessário ao ter indicado especificamente os documentos que sejam decisivos para a convicção do Tribunal.
Mesmo que se considerasse insuficiente a fundamentação do julgamento da matéria de facto com uma mera indicação de documentos, também não deixaria de ser verdade que, como se refere no Acórdão do Venerando TUI proferido no âmbito dum recurso cível, Processo 39/2012, “…a utilização do mecanismo do n.º 5 do artigo 629.º do Código de Processo Civil (remessa do processo à 1.ª instância para fundamentar a decisão de facto) pressupõe que a falta de fundamentação da decisão de facto respeite a facto essencial. Se o facto não for relevante, também não é relevante a insuficiente fundamentação do respectivo julgamento. É o que resulta, logo, da letra do preceito. E é no mesmo sentido que apontam os princípios da economia e da celeridade processuais”.
Com efeito, para que seja procedente a nulidade por falta de motivação, entendemos que o recorrente deveria indicar os factos concretos que considerava essenciais para a decisão da causa e que não tivessem sido devidamente fundamentados.
In casu, o recorrente limitou-se a afirmar que a sentença recorrida teria que ser considerada nula, por estar deficientemente fundamentada, sem que, no entanto, tivesse invocado quais os factos concretos que entendia serem essenciais para a decisão da causa e cuja apreciação não teria sido devidamente fundamentada.
Nesta conformidade, salvo o devido respeito por melhor opinião, julgamos não assistir razão ao recorrente quanto à invocação de nulidade.
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Da nulidade por violação do artigo 14º, alínea g) do Decreto-Lei nº 52/99/M
Alega o recorrente que o acto sancionatório seria nulo por violar o artigo 14º, alínea g) do Decreto-Lei nº 52/99/M, uma vez que não continha “a indicação de que há lugar à execução imediata da decisão caso esta não seja impugnada”.
Vejamos.
Estatui a alínea g) daquele artigo 14º o seguinte:
“A decisão sancionatória deve conter, sob pena de nulidade:

g) A indicação de que há lugar à execução imediata da decisão caso esta não seja impugnada.”
No vertente caso, ao recorrente foi aplicada uma multa de MOP$100.000,00, cuja execução foi suspensa pelo período de dois anos, ao abrigo do disposto no artigo 134º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 32/93/M, de 5 de Julho.
Defende o recorrente que a decisão condenatória deveria necessariamente informar que, na falta de impugnação, a decisão de suspensão da multa seria imediatamente exequível, cuja falta de menção acarretaria a nulidade da respectiva decisão sancionatória.
Pelo contrário, entende a entidade recorrida que, atenta a suspensão da execução da sanção determinada na decisão, será suspensa a eficácia do acto administrativo, e a sua execução só se verificará no momento em que o infractor haja cometido infracção de idêntica natureza durante o decurso do período de suspensão, altura em que o acto se converterá num acto executório.
No que concerne à questão de nulidade do acto sancionatório por falta de menção de elementos, decidiu-se no Acórdão deste TSI proferido no âmbito do Processo 216/2013 o seguinte:
“Explicitando melhor: ainda que alguns dos elementos ali previstos (leia-se artigo 14º do DL 52/99/M) possam ter um carácter concomitantemente informativo – e, por isso mesmo, marcados preferencialmente para um conteúdo notificatório (é o caso das alíneas f) e g)) – a verdade é que a sua falta não afecta somente a sua eficácia externa. É que, podendo eles ter que ver mais com a sua dinâmica, com a sua externação, com a sua projecção perante os destinatários, a sua importância não pode deixar de ser a mesma que o legislador lhes pretendeu conferir. Eles têm o mesmo valor que os restantes, na medida em que o preceito legal não estabeleceu nenhuma hierarquia entre si, antes os colocou no mesmo plano de importância. Pode-se não concordar com esta forma de legislar, mas não se pode fazer de conta que o legislador não se declarou da melhor maneira ou que não soube expressar o seu pensamento em termos adequados (cfr. art. 8º do CC).”
Em nossa opinião, entendemos ser essa a melhor solução, que aqui fazemos a nossa, no sentido de que a falta de indicação no acto sancionatório de todos os elementos previstos no artigo 14º do DL nº 52/99/M (Regime Geral das Infracções Administrativas) é causa de nulidade do respectivo acto.
No presente caso, está assente que nem o acto administrativo da entidade recorrida, nem a Deliberação do Conselho de Administração da Autoridade Monetária de Macau nº 405/CA, nem o Relatório Final do instrutor contêm “a indicação de que há lugar à execução imediata da decisão caso esta não seja impugnada”.
Contudo, a questão que agora se coloca é saber se é necessária essa menção.
Segundo o recorrente, a decisão condenatória deveria informar que, na falta de impugnação, a decisão de suspensão da multa seria imediatamente exequível, ou seja, iniciar-se-ia a contagem do período de dois anos de suspensão, o que não sucederia se a decisão sancionatória tivesse sido impugnada.
Pelo contrário, entende a entidade recorrida que, não sendo a sanção aplicada – multa cuja execução foi suspensa por dois anos – imediatamente executória, não faria sentido que a decisão sancionatória mencionasse a indicação da execução imediata da decisão caso esta não fosse impugnada.
Para resolver a questão, temos que procurar saber qual será o sentido da expressão “execução imediata”.
Dispõe o artigo 136º do Código do Procedimento Administrativo que “os actos administrativos são executórios logo que eficazes”.
Trata-se aqui da chamada executoriedade do acto administrativo, em que consiste na possibilidade de execução coerciva e imediata do acto administrativo independentemente de sentença judicial.
Escrevem Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho o seguinte:
“A concepção tradicional, defendida por Marcello Caetano e Freitas do Amaral, entende a executoriedade como um atributo dos actos administrativos que obrigam por si e são passíveis de execução coerciva por via administrativa. Trata-se dum conceito amplo que compreende simultaneamente duas características: a obrigatoriedade e a possibilidade de execução administrativas. Neste conceito, o acto executório define-se como o acto administrativo que obriga por si e cuja execução coerciva imediata a lei permite independentemente de sentença judicial.
Noutra concepção mais actual, defendida por Rogério Soares e Sérvulo Correia, a executoriedade exprime apenas a possibilidade de execução coactiva pelos próprios órgãos da Administração. É que para esta doutrina, obrigatoriedade ou imperatividade é um elemento essencial de todo o acto administrativo e não apenas uma característica de alguns deles. Se a imperatividade falta não nos encontramos perante um acto administrativo, mas sim perante um acto opinativo. Da obrigatoriedade do acto decorre que o seu destinatário deve cumprir as obrigações que ele estatui. Se as acata, há observância do acto. Se não as acata, então é necessário recorrer à execução forçada. É para descrever o poder de execução coerciva que o artigo 128º utiliza o conceito de executoriedade.
Não se deve confundir executoriedade com execução: enquanto aquele é o poder que a lei confere à Administração de recorrer à força para executar o acto, esta é um acontecimento da vida real, é o facto que realiza os imperativos do acto. Um acto pode ser (de direito) executório e não estar (de facto) a ser executado; ou pode ser (de facto) executado sem ser (de direito) executório.
Também não se deve confundir executoriedade com eficácia. Apesar dos actos serem executórios logo que eficazes, existem actos eficazes, sem que se possa falar, em relação a eles, de possibilidade de execução coerciva por parte da Administração. Tradicionalmente a executoriedade aparecia como uma das características do acto administrativo recorrível…”2 – sublinhado nosso
Salvo melhor entendimento, afigura-se-nos que a expressão “execução imediata” referida na alínea g) do artigo 14º do DL nº 52/99/M tem exactamente esse sentido da executoriedade, na medida em que é usada para designar o poder da Administração de executar coerciva e imediatamente o acto administrativo (acto executório) caso este não seja acatado pelo seu destinatário.
No presente caso, ao recorrente foi aplicada a multa cuja execução ficou suspensa pelo período de dois anos, isto significa que, independentemente de haver impugnação ou não do acto, não há possibilidade de execução coerciva e imediata da decisão em virtude da suspensão da sua execução, ou seja, o acto só se converterá em acto executório quando se verificar que o infractor haja cometido nova infracção durante o período de suspensão.
Sendo assim, somos a entender que era incoerente advertir o recorrente nos termos da alínea g) do dito artigo, se a decisão de suspensão da multa não é imediatamente exequível.
Razão pela qual julgamos não assistir razão ao recorrente quanto à invocação da alegada nulidade.
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Da contradição insanável da matéria de facto dada como provada
Entende o recorrente que existe contradição insanável da matéria de facto dada como provada, na medida em que, por um lado, se dá como provado que “o arguido promove, habitualmente, em Macau, a publicitação e comercialização de fundos de investimentos geridos por sociedades com sede no exterior (documento constante a fls. 244 a 249)”, e por outro, provado ainda que “o arguido não publicitou, nem desenvolveu quaisquer práticas de marketing relativamente aos fundos objecto dos autos, limitando-se a vendê-los, em quantidades reduzidas”.
Sem necessidade de delongas considerações, entendemos não assistir razão ao recorrente, por não se verificar a alegada contradição da matéria de facto dada como provada.
Em boa verdade, analisando o teor daqueles dois factos, bem podemos concluir que são factos bem distintos.
Uma coisa é dizer que o recorrente exercia habitualmente actividades de publicação e comercialização de fundos de investimento, outra é afirmar que, no caso concreto, relativamente aos fundos de investimento referidos nos autos, o recorrente não publicitou nem desenvolver actividades de marketing.
Por outras palavras, refere-se naquele primeiro facto, em termos gerais, que o recorrente costumava de proceder a publicitação e comercialização de fundos de investimento enquanto instituição de crédito, enquanto no segundo frisa-se em particular que o recorrente não publicitou nem desenvolveu actividades de marketing relativamente aos fundos de investimento objecto dos autos, limitando-se a vendê-los em quantidades reduzidas.
No fundo, dizer que as coisas normalmente se passavam assim, não significa necessariamente que as coisas se passaram exactamente assim.
Nestes termos, dúvidas de maior não restam de que não se descortina a apontada contradição insanável da matéria de facto dada como provada.
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Da errónea aplicação da lei/contradição insanável da fundamentação
Alega o recorrente que lhe foi imputada conduta negligente, mas ficou punido com a norma aplicável à conduta dolosa, daí que entende existir errónea aplicação da lei e contradição insanável entre a fundamentação de facto e de direito.
Salvo melhor opinião, entendemos mais uma vez não assistir razão ao recorrente porquanto não existe a alegada aplicação errónea da lei nem contradição insanável na fundamentação.
Embora na Deliberação nº 405/CA esteja referido que a conduta do recorrente é punível com multa “entre 10 mil e 5 milhões de patacas”, a qual parece corresponder a qualificação da conduta como dolosa, mas não podemos ignorar as próprias considerações tecidas no Relatório Final o qual faz parte integrante daquela mesma Deliberação.
De facto, é afirmado no Relatório Final o qual faz parte integrante da Deliberação do Conselho de Administração da Autoridade Monetária de Macau nº 405/CA, e que, por sua vez, serviu de base ao despacho recorrido, que “o arguido deve ser punido com uma pena de multa dentro dos limites referidos, sem prejuízo no disposto no artº 129º do RJSF” (artigo 34º do Relatório Final), e que “o arguido foi negligente, pelo que nos termos do artigo 129º do RJSF os limites mínimo e máximo da multa devem ser reduzidos a metade” (último ponto do artigo 35.1 do Relatório Final).
Estatui o nº 1 do artigo 115º do Código do Procedimento Administrativo que “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto”.
Por isso, dúvidas de maior não existem de que na determinação da pena de multa aplicada ao recorrente foram devidamente tidas em consideração as reduções à moldura sancionatória fixada por lei.
Ademais, também se retira da própria Deliberação nº 405/CA a conclusão de que ao recorrente foi, de facto, imputada a prática de uma conduta negligente, sobretudo quando se refere no segundo parágrafo da Deliberação nº 405/CA que “atendendo a que se trata de uma primeira infracção deste tipo, ao comportamento negligente do banco arguido…” – sublinhado nosso
Nesta conformidade, ao contrário do que entende o recorrente, entendemos não existir qualquer erro na aplicação de lei nem a alegada contradição insanável de fundamentação.
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Do erro nos pressupostos de direito
Invoca o recorrente que o acto administrativo é inválido por erro nos pressupostos de direito, uma vez que, no seu entender, o artigo 5º do Código Civil não é aplicável a condutas subsumíveis em normas punitivas, só se releva, no concernente à questão de relevância ou irrelevância do conhecimento ou ignorância de normas sancionatórias, o disposto no artigo 16º do Código Penal.
Sem necessidade de delongas considerações, temos que julgar improcedente o vício apontado pelo recorrente, simplesmente por que o recorrente não foi sancionado por desconhecimento de lei com base no artigo 5º do Código Civil, mas sim por violação do disposto no nº 1 do artigo 61º do DL nº 83/99/M, que constitui infracção de especial gravidade nos termos do nº 2 do artigo 122º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, aplicável por remissão feita no artigo 102º.
Ademais, na medida em que foi atribuído carácter negligente ao comportamento do infractor, ao abrigo do disposto no artigo 129º do RJSF, seria irrelevante tanto a referência ao artigo 5º do Código Civil como a referência ao artigo 16º do Código Penal.
Nesta conformidade, por inexistir o vício apontado, temos que julgar improcedente o recurso quanto a esta parte.
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Da não censurabilidade da conduta imputada
Por último, insiste o recorrente na não censurabilidade da sua conduta no facto de ter aplicado correctamente a versão inglesa do DL nº 83/99/M, mandada elaborar pela Autoridade Monetária de Macau e publicada no seu website oficial.
Mais alega o recorrente que a responsabilidade pelo erro é da Autoridade Monetária de Macau, por ter esta mandado publicar no seu website oficial uma lei errada em versão inglesa.
Vejamos.
Sendo o recorrente uma instituição de crédito a exercer actividades bancárias na RAEM, tem a obrigação de analisar com cuidado todos os requisitos e imposições legais a que está sujeito, de modo a assegurar o cumprimento de todas as obrigações legais para com o sistema financeiro da RAEM, pois, recai sobre ele um dever especial de respeito pelos diplomas legais aplicáveis à sua actividade.
E mesmo que se admita serem as actividades bancárias processadas habitualmente em inglês, também não se deve ignorar que a legislação aplicável na RAEM só é válida se for publicada no Boletim Oficial nas duas línguas oficiais, chinesa e portuguesa, isto significa que só estas têm carácter obrigatório.
Razão pela qual não bastaria o recorrente limitar-se a consultar uma versão inglesa da lei num website, mesmo que este seja o website oficial da Autoridade Monetária de Macau, antes deveria actuar com maior prudência profissional, nomeadamente confrontando as versões oficiais da respectiva legislação publicada no Boletim Oficial da RAEM, ou procurando esclarecer as questões junto de advogados do Banco ou da RAEM de modo a obter uma melhor compreensão do sistema legal da Região.
Não obstante que a publicação da versão não oficial da lei no website se destina a dar a conhecer esse mesmo diploma aos seus operadores, mas a verdade é que tal não deixaria de ser um mero elemento de consulta.
Por outro lado, sendo o recorrente uma instituição de crédito autorizada a operar actividades bancárias na RAEM, dispõe de recursos técnicos, humanos e financeiros, bem assim experiências adequadas ao normal e cabal desempenho das suas actividades, não se pode bastar com a consulta de um website para basear toda a sua actividade comercial.
Uma vez que o recorrente, não obstante ter condições para tal, não teve cuidado de consultar as versões oficiais da legislação devidamente publicadas no Boletim Oficial, de modo a evitar a prática de infracções referentes à sua actividade, somos a entender que o seu comportamento negligente é censurável, por o erro não ser desculpável.
Pelos fundamentos acima expostos, temos que negar provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 8 U.C.
Registe e notifique.
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Macau, aos 25 de Setembro de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Fui presente
Mai Man Ieng
1 José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, página 628
2 Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo de Macau, Fundação Macau e SAFP, página 785
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Processo 928/2012 Página 36