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Proc. nº 678/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 25 de Setembro de 2014
Descritores:
- Litispendência
- Sociedades
- Direito ao lucro
- Art. 11º do Código Civil
- Art. 184º do Código Civil
- Arts. 195º, 197º, 431º do Código Comercial
- Sucessão de leis no tempo
- Deliberação social
-“Venire contra factum proprium”

SUMÁRIO:

I - Para efeito da existência da excepção de litispendência, não deixa de haver identidade de sujeitos independentemente da posição jurídico-processual destes nos processos, pois o que importa é que o interesse substancial quanto à relação jurídica substantiva em causa seja o mesmo.

II - O lucro das sociedades é um fim associativo e não um fim pessoal dos sócios. Estes só têm direito concreto aos lucros depois que a sociedade delibere distribuí-los por eles.

III - Não é da simples existência objectiva da relação jurídica nascida do binómio sociedade-sócio/accionista que nasce o direito subjectivo à repartição do lucro. O direito não nasce com assento no art. 184º do CC. A mera existência da relação confere um “direito abstracto” ao lucro, uma expectativa jurídica, se se quiser, que decorre de um “estado-qualidade”, isto é, do “estado de sócio”; o direito concreto ao lucro, esse, depende da existência de resultados positivos, do cumprimento prévio das regras legais sobre reservas legais e do acatamento das regras estatutárias relativas à distribuição dos dividendos e das deliberações sociais.
Tudo isto também resulta da concatenação dos arts. 195º, 197º e 431º do Código Comercial.

IV - Pelo facto de se estar perante uma situação duradoura, haverá que respeitar o passado sob a égide da lei antiga, enquanto para futuro ela se regulará pela lei nova.

V - A deliberação é um conjunto de vontades individuais dos elementos que compõem o colégio, traduzido num acto jurídico a que por vezes a lei confere efeitos jurídicos.

VI - Se durante anos as deliberações sociais anuais repartiram os lucros da sociedade sem dar destino expresso a uma parte dos resultados obtidos (60%), daí não se retira que a sociedade tacitamente quis fazer sua (como bem social da empresa, como capital intocável pelos sócios) essa parte da receita não distribuída pelos sócios. Pode dizer-se que, quanto a essa parte, há uma incompletude deliberativa.

VII - Não se pode dizer que agiu em “venire contra factum proprium” o sócio que pede a condenação da sociedade na distribuição da quota-parte que lhe pertence naquela receita não distribuída, mesmo que sobre o assunto se tenha remetido ao silêncio nas votações em que participou ao longo dos anos para a distribuição dos respectivos lucros.










Proc. nº 678/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A “Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, SARL”, sociedade comercial com sede em Macau, devidamente identificada na petição inicial, intentou neste Tribunal Judicial de Base a presente acção ordinária contra A, residente de Macau, melhor identificada nos autos.
Nessa acção pediu a condenação da Ré no pagamento da quantia de HKD$1.000.000,00, que disse ter-lhe emprestado em Julho de 1999, acrescida de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento, custas e procuradoria.
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Citada pessoalmente, a R. ofereceu contestação, em que impugnou os factos articulados pela A., pugnando pela improcedência da acção e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido.
Mais deduziu a R. pedido reconvencional, alegando que a A. lhe deve várias quantias, a saber, MOP$62.471.094,21, a título de dedução indevida de parte da remuneração da R. com destino a terceiros, entre 1995 e 1998; MOP$16.815.774,49, a título de não pagamento integral da remuneração a que se julga com direito, entre 1999 e 2001; MOP$107.774.592,37, a título de dividendos em falta à R.; e um indeterminado montante a apurar em execução de sentença, correspondente à parte nos lucros da A. não distribuídos pelos sócios desde 1983.
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No despacho saneador (fls. 506-509), datado de 1/06/2005, o juiz julgou a A. absolvida da instância relativamente aos três primeiros pedidos reconvencionais formulados pela R., com fundamento na existência da excepção de litispendência, estando o último pedido para ser apreciado nos presentes autos.
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Contra esta decisão, recorreu jurisdicionalmente (1º recurso interlocutório) a ré A (fls. 513), concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
«I. A litispendência pressupõe a repetição de uma causa e, portanto, a verificação da tríplice identidade: identidade de sujeitos, de petitum e de causa petendi (nº 1 do artigo 417º do CPC).
II. Embora se verifique uma identidade de sujeitos, não se verifica, em bom rigor, uma identidade de pedidos.
III. A lei define “pedido” como o efeito jurídico que se pretende obter com a acção (nº 3 do artigo 417º do CPC).
IV. Por pedido, porém, tanto se pode entender a providência que se pretende obter com a acção (condenação, declaração, etc.), como a consequência jurídica material que se pede ao tribunal para ser reconhecida (anulação, restituição, etc.). O primeiro é o objecto imediato; o segundo é o objecto media to da acção, e para determinar o petitum concorrem ambos os aspectos (Prof. ANSELMO DE CASTRO, in Direito Processual Civil Declaratório).
V. Nos embargos de executado, pretende-se destruir os efeitos do título executivo, quer pela sua inexistência, quer pela sua inexegibilidade, quer ainda pela prescrição da obrigação exequenda ou pela sua compensação.
VI. Na reconvenção formulada nos presentes autos, pretende-se a declaração da extinção do crédito e, ainda, a subsequente condenação da reconvinda no pagamento de uma quantia pecuniária a apurar em execução de sentença mas não inferior a MOP$207.061.461,07.
VII. Não há, pois, uma identidade entre os objectos mediato e imediato de ambos os pedidos, conforme se exige para que se produza a identidade entre duas pretensões jurídicas - requisito incontornável da litispendência.
VIII. Pela própria natureza da ideia básica que serve de fundamento à excepção, é pacífico o entendimento de que não há litispendência se o objecto do primeiro processo constituir no segundo uma relação prejudicial ou a base de uma excepção ou de compensação (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora in Manual de Processo Civil, pág. 304, nota 4).
IX. Não há também uma coincidência total entre as causas de pedir que fundamentam a excepção da compensação invocada nos embargos de executado e a parte da reconvenção que não foi admitida.
X. Efectivamente, na reconvenção, a causa de pedir também abrange a hipótese da errónea aplicação do ratio de 1,03125 para cálculo dos dividendos a que a aí reconvinte tem direito, melhor exposta nos artigos 72º a 74º da contestação; nos embargos de executado, a invocada excepção da compensação não abrange aqueles factos.
XI. Ora, “(...) Quando a causa de pedir é constituída por vários factos concretos a fundamentarem o pedido, é necessária a coincidência de todos eles para que ocorra a dita identidade quanto à mencionada causa.” - Ac. STJ de 28.06.94, in www.dgsi.pt.
XII. Ao decidir pela inadmissibilidade parcial da reconvenção, o douto despacho saneador recorrido viola o princípio da economia processual e o disposto na primeira parte do nº 1 e nº 2 do artigo 416º do Código de Processo Civil, bem como, os nºs. 3 e 4 do artigo 417º do mesmo Código.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser revogado o despacho saneador na parte em que não admitiu parcialmente o pedido reconvencional formulado pela aqui recorrente, devendo todos os factos que o integram serem objecto de apreciação e respectiva inclusão ora nos Factos Assentes, ora na Base Instrutória, uma vez ordenada a sua reelaboração.».
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A STDM respondeu a este recurso, concluindo as suas alegações da seguinte maneira:
«I. Inconformada, veio a Recorrente pôr em crise a decisão do Meritíssimo Juiz a quo, que não admitiu parcialmente a reconvenção deduzida pela mesma.
II. Como fundamento da sua não admissão, fundamentou o Meritíssimo Juiz a sua decisão na verificação da excepção dilatória de litispendência quanto ao direito invocado pela então Ré, ora Recorrente, com um fim muito cristalino: poder deduzir (o que é inadmissível) a compensação dos mesmos créditos que estão ser deduzidos no outro pleito.
III. Nas suas doutas alegações de Recurso, veio a Recorrente reproduzir a posição de direito que tomou em sede de Tréplica, pelo que não pode a ora Recorrida deixar também de reproduzir a matéria de facto e de direito por si alegada em sede de Réplica.
IV. Uma vez que Recorrente visa, com o presente recurso a admissão da Reconvenção, de acordo com o princípio do contraditório cabe à Recorrida o direito de alegar e demonstrar todas as circunstâncias que, de acordo com os dados constantes do processo, conduzem à inevitável conclusão que a Reconvenção é de todo inadmissível a saber: (i) a efectiva verificação da excepção dilatória de litispendência quanto à reconvenção; (ii) a impossibilidade de operar a compensação, porquanto não se verificam os pressupostos legais deste instituto; (ii) o pedido reconvencional não resulta do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa (em manifesta violação do artigo 210º CPCM).
V. No processo executivo que corre termos no 4º Juízo do Tribunal Judicial de Base, sob o nº CEO-008-02-4, actual CV2-02-0053-CEO (Embargos de Executado) em que é Exequente a ora Recorrida e executada a ora Recorrente, esta, nesses autos - ao arguir o instituto da compensação como fundamento dos seus embargos -, invoca a mesmíssima matéria agora constante da sua douta reconvenção.
VI. Melhor dizendo, a Recorrente veio nestes autos, em sede de reconvenção, repetir a causa, com o pedido de reconhecimento do mesmo direito, estando uma anterior em curso com a verificação de todos os requisitos da litispendência.
VII. Nos referidos autos de embargos de executada, arguiu um pedido e uma causa de pedir rigorosamente idênticos aos que resultam dos factos articulados na reconvenção, sendo ainda evidente, repita-se, para o preenchimento dos requisitos do artigo 417º do Código de Processo Civil, a identidade dos sujeitos do pedido e respectiva causa de pedir.
VIII. Nos citados embargos - e a título de compensação - a ora Recorrente, veio arguir remunerações em falta com base numa distribuição emergente de um montante correspondente a 1% dos lucros anuais da STDM, concluindo que, a esse titulo, lhe são devidas pela Embargada - ora Recorrida - as quantias de MOP62.471.094,21 respeitantes aos anos de 1995 até 1998 e de MOP16.815.774,49 referente ao período de 1999 a 2001 (artigos 55º e 56º dos referidos embargos), num montante total de MOP79.286.868,70, o que corresponde na íntegra, ao pedido feito no artigo 50º da reconvenção a que se responde, exactamente ao abrigo do mesmíssimo alegado título, qual seja o de remunerações em falta com base na mesma percentagem de 1% dos lucros anuais da STDM.
IX. Ao quantificar esse seu pedido, a ora Recorrente, chega ao total de MOP62.471.094,21 referente aos anos de 1995 a 1998 e ao montante de MOP16.815.774,49 referente ao período de 1999 a 2001, reproduzindo, aliás, na íntegra, em sede de reconvenção, os mesmos quadros discriminativos que houvera utilizado nos referidos embargos.
X. O efeito jurídico que a ora Recorrente pretende atingir é rigorosamente o mesmo, ou seja, ver um alegado crédito contra a ora Recorrida reconhecido, como forma de justificar o não pagamento, ou de tentar a compensação, de débitos, justamente aqueles em cujo pagamento a ora Recorrida pede seja a Recorrente condenada.
XI. A existência de tais alegados créditos da ora Recorrente, foram veementemente repudiados pela Recorrida em sede de contestação aos embargos.
XII. Não podem restar dúvidas que estamos, quanto a esta matéria, perante um verdadeiro caso de litispendência e como tal, relativamente a esta parte da Reconvenção devendo, como decidiu o Meritíssimo Juiz a quo, a Recorrida ser absolvida da instância.
XIII. Não só quanto a esta matéria se deve invocar a litispendência, uma vez que, entrando no capítulo seguinte da douta reconvenção, sob a epígrafe “dividendos em falta”, de imediato nos deparamos com a mesma situação de litispendência.
XIV. Também nos referidos autos de embargos de executada, a ora Recorrente, veio arguir um pedido e uma causa de pedir rigorosamente idênticas as que resultam dos factos articulados na reconvenção, sendo evidente, repita-se, para o preenchimento dos requisitos do artigo 417º do Código de Processo Civil, a identidade dos sujeitos do pedido e respectiva causa de pedir.
Nos citados embargos - e também a título da referida compensação - a Embargante, ora Recorrente, veio invocar um crédito a titulo de dividendos não pagos pela embargada, ora Recorrida concluindo que, por esse título, lhe é devida pela Embargada - ora Recorrida - a quantia de, “pelo menos”, MOP107.774.592,37 respeitantes a dividendos devidos às 6.251 acções referidas e que não foram pago., o que corresponde, na íntegra, ao pedido feito no artigo 77º (quanto ao fundamento e quantia) da reconvenção a que se responde, exactamente ao abrigo do mesmíssimo título de “falta de pagamento integral dos dividendos...”.
XV. No artigo 78º da reconvenção a que ora se responde, a Recorrente invoca que a Recorrida lhe deve um montante total (resultante da adição do que reivindica a título de remunerações e dividendos por pagar) de MOP187.061.461,07, o que corresponde à mesma adição das duas invocadas dívidas nos referidos embargos ao totalizar, no artigo 63º desses doutos embargos exactamente a mesma quantia de MOP187.061.461,07.
XVI. Sob esta referida epígrafe de “dividendos em falta”, e seguintes da douta Reconvenção, o efeito jurídico que a ora Recorrente pretende atingir é rigorosamente o mesmo constante dos mencionados artigos dos autos de embargos, também já identificados, ou seja, ver reconhecido um crédito contra a ora Recorrida, como forma de justificar ou compensar, créditos de sentido inverso que, em cada uma das acções - uma executiva e esta declarativa - a Recorrida vem instar a Recorrente apagar.
XVII. Também quanto a esta matéria dos dividendos pretensamente não pagos, estamos perante uma verdadeira situação de litispendência e como tal, também quanto a esta parte da reconvenção, devendo sempre a Recorrida ser absolvida da instância.
XVIII. Não se poderá deixar passar em claro o evidente uso manifestamente reprovável do processo pela Recorrente, uma vez que a mesma não poderia deixar de ter a consciência de que, ao utilizar a matéria referida em reconvenção no que respeita à reclamação de pretensos créditos com bases em remuneração e dividendos não pagos, estava a procurar promover a repetição de julgados, o que deverá qualificar-se como litigância de má-fé.
XIX. Termos em que, no que respeita às matérias e pedidos constantes dos artigos 49º a 80º da douta reconvenção, os mesmos constituem um caso de litispendência devendo, por isso e sem mais considerações, ser a Recorrida absolvida da instância dessa parte do pedido reconvencional.
XX. A reconvenção nunca poderia ser admissível na medida em que a alegada compensação (o fim visado pela ora recorrente com o referido articulado), é legalmente impossível.
XXI. Para efeitos de compensação, um crédito só se toma exigível judicialmente quando está reconhecido. Só depois de comprovado e declarado por sentença é tal crédito exigível, mesmo que a obrigação retroaja o seu vencimento para data pretérita. Enquanto não estiver reconhecido, o crédito invocado é meramente hipotético.
XXII. Sem prejuízo da sua impossibilidade legal, é a própria Recorrente quem faz claudicar irremediavelmente a possibilidade de se efectivar a compensação, na medida em que não reconhece a existência de um crédito para, contra ele, invocar um contra-crédito.
XXIII. A reconvenção é ainda inadmissível face ao disposto na alínea a) do artigo 218º CPCM.
XXIV. No que se refere à primeira hipótese, cumpre dizer que a reconvenção deduzida extravasa manifestamente a causa de pedir invocada pela Recorrente na sua defesa.
XXV. A Recorrente apenas invocou que nenhum empréstimo solicitou ou contraiu junto da Recorrida, reportando-se antes a quantia em apreço ao pagamento de remunerações e dividendos a que tinha direito enquanto accionista e directora executiva da Recorrida.
XXVI. Trata-se de facto absolutamente diverso aos que posteriormente servem de fundamento à reconvenção, pois esta se funda já em questões) factos que não foram minimamente invocadas a título de defesa perante a acção, como seja a destinarão indevida de parte da sua remuneração/dividendos para terceiros (B e C) - cfr. arts. 49º a 61º da contestação -, a cessação de pagamento por parte da Recorrida de dividendos à Recorrente ao abrigo de uma deliberação de exoneração das suas funções de administradora da Recorrida - cfr. arts. 62º a 64º da mesma peça processual - e a distribuição errada e anti-estatutária de dividendos aos accionistas, nos quais se inclui a Recorrente cfr. arts. 65º e segs... da dita peça processual.
XXVII. Em suma, os factos jurídicos concretos que sustentam e servem de causa de pedir da reconvenção são absolutamente estranhos e distintos do único facto que sustenta a defesa da Recorrente, qual seja o de que não ocorreu qualquer empréstimo, antes pagamento de remunerações/ dividendos, sem nunca se discutir ou invocar, em termos de defesa perante a causa de pedir invocada pela Recorrida, a oportunidade, os critérios ou a legalidade da distribuição ou pagamento da remuneração ou dos dividendos que a Recorrente entende serem-lhe devidos. Consequentemente, não pode a reconvenção deduzida reconduzir-se à hipótese a que alude a alínea a) - do nº 2 do art. 218º do CPC Macau.
XXVIII. A reconvenção também não é admissível nos termos da alínea c) do número 2 do artigo 219º CPCM, porquanto o efeito jurídico pretendido pela Recorrente é manifestamente diverso do efeito jurídico pretendido pela Recorrida, ora Recorrida.
Termos em que conclui pedindo o não provimento do recurso interposto e a confirmação da decisão recorrida.».
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A fls. 514 a STDM requereu que se desse como não escrito o despacho saneador de fls. 506-509, face à apensação anterior ordenada no Proc. nº CV1-02-0018-CAO.
Tendo sido indeferida esta pretensão por despacho de fls. 525, dele a STDM interpôs recurso jurisdicional a fls. 656 (2º recurso interlocutório), em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso vem interposto da douta decisão proferida no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Base, a fls. 525, que decidiu indeferir o requerimento apresentado pela Recorrente de fls. 514 e 515, no qual se pediu que se desse por não escrito o despacho saneador proferido no processo CV1-02-0018-CAO (antigo CAO-028-02-4), e o seu desentranhamento dos autos, procedendo-se tão só, à apensação dos mesmos ao processo CV1-02-023-CAO.
II. A ora Recorrente, nos presentes autos, requereu a apensação dos presentes autos ao processo de acção ordinária sob o número CV1-02-0018-CAO (antigo CAO-028-02-4), tendo o Tribunal tomado conhecimento desta mesma questão no mesmo despacho saneador.
III. Em 21/04/2005, ou seja, em data anterior do despacho ora em crise, o Meritíssimo Juiz responsável pelo processo CV1-02-0018-CAO (antigo CAO-028-02-4) - do mesmo juízo -, proferiu despacho em que admitiu e ordenou a apensação, decisão essa que já transitou em julgado.
IV. A secretaria do Tribunal não foi, porém, lesta a dar execução à referida decisão, não tendo executado a apensação antes do de 01/06/2005, data em que foi proferido o despacho saneador em causa, facto que levou o Meritíssimo Juiz do processo n.º CV1-02-023-CAO a proferir um despacho saneador quando a jurisdição sobre o mesmo já havia cessado, não tendo tomado conhecimento da decisão que ordenou a apensação.
V. Existem, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 219º do CPCM dois momentos essenciais na apensação: (i) o requerimento da parte ou do interessado, e a (ii) decisão do Juiz competente para decidir sobre a apensação.
VI. Com o trânsito em julgado da decisão de apensação (ordem de apensação): o juiz que ordenou a apensação avocou para si a competência para decidir nos processos cuja apensação ordenou.
VII. Com a avocação da competência, cessou automaticamente a competência do Meritíssimo Juiz até então responsáveis pelos processos apensados.
VIII. A interpretação do Meritíssimo Juiz, ao considerar ainda competente o Juiz que proferiu o despacho saneador no processo apensado depois de ter transitado em julgado o despacho que admitiu a apensação é, pois, intrinsecamente contraditória nos seus termos e ilegal por contrária ao próprio instituto da apensação previsto no 219º CPCM. Na verdade,
IX. Como pode o Meritíssimo Juiz avocar para si a competência sobre os processos que decide apensar e, ao mesmo tempo, considerar competente outro juiz depois do trânsito em julgado da decisão que ordenou a apensação.
X. É também ilegal a interpretação segundo a qual o momento a partir do qual se deve determinar a incompetência dos juízes dos processos apensados é o da execução da ordem de apensação pela Secretaria do Tribunal.
XI. Essa interpretação é susceptível de atribuir à Secretaria uma actuação activa no resultado dos autos, quer voluntária, quer por inércia, em manifesta violação do princípio da separação de poderes.
XII. Tal interpretação é ainda contrária aos fins do próprio instituto da apensação com especial relevo para o fim último, que é o de evitar decisões contraditórias sobre os mesmos tipos de factos em relação às mesmas partes, prejudicando a Segurança e Confiança na Justiça.
XIII. A finalidade do instituto da apensação é ditada em razão da economia processual que resultará de uma instrução e apreciação conjuntas.
XIV. Estando em causa essencialmente os mesmos factos, a interpretação e aplicação das mesmas regras jurídicas, haverá uma evidente economia processual e garantir-se-á a uniformidade de julgamento
XV. A decisão em crise coloca desde logo em cheque todos os objectivos previstos pelo Legislador quando instituiu a figura da apensação.
XVI. Até à data em que foi ordenada a apensação das acções pelo Meritíssimo Juiz a quo, os processos encontravam-se na fase de articulados, não incidindo ainda sobre os mesmos uma apreciação judicial sobre os factos, a saber, a determinação dos factos que deveriam ser tidos por assentes e aqueles que deveriam constar da Base Instrutória.
XVII. Com o uso do instituto da apensação, pretendia-se atingir a celeridade processual, decorrente do facto de cada decisão judicial e cada acto processual se processar nos mesmos momentos processuais, a homogeneidade do processamento dos autos, e a consequente uniformidade das decisões judiciais, garantindo-se dessa forma os Fins de Justiça e de Paz Social, evitando-se a possibilidade de decisões contraditórias sobre os mesmos factos ou tipo de factos.
XVIII. Como resultado necessário da decisão ora em crise, os processos, que têm como base os mesmos factos ou tipo de factos, sobre as mesmas partes e com a mesma defesa, serão processados de forma heterogénea, inconsistente, e a vários tempos na medida em que permite a existência de dois despachos saneadores.
XIX. Ao contrário de se poder fazer prova sobre os mesmos factos (e diga-se que parte dos factos alegados são idênticos), da mesma forma nos vários processos, o Tribunal e as Partes ficam constrangidos a seguir uma forma desorganizada e disforme prejudicando-se os fins que estavam na base da apensação.
XX. Em óbvia e manifesta violação do artigo 219º, nos. 1, 2 e 3 CPCM».
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Em resposta a este recurso, a ré A concluiu as suas alegações como segue:
«I. Mente conscientemente a recorrente quando afirma ter requerido a apensação, já que quem requereu a apensação foi a ora recorrida, em 22 de Abril de 2003, nos artigos 26º a 29º da tréplica que nessa data apresentou, mais concretamente, pedindo a apensação dos processos então com os nos. CAO-27-02-1 (1º Juízo do Tribunal Judicial de Base), CAO-028-02-6 (6º Juízo), CAO-030-02-3 (3º Juízo), CAO-030-02-2 (2º Juízo) e CAO-031-02-2 (2º juízo), ao Proc. nº CAO-028-02-4 (4º Juízo), tendo junto as respectivas certidões das petições iniciais dos processos a apensar em 12/5/2003.
II. Por despacho de 21/04/2005 do Meritíssimo Juiz titular do Proc. nº CAO-028-02-4 (4º Juízo), actualmente com o nº CV1-02-0018-CAO (do 1º Juízo Cível) , foi deferida a apensação requerida pela recorrida e solicitados à secretaria os processos a apensar.
III. Em 1/7/2005, teve lugar o respectivo termo de apensação, sendo que, para além dos processos objecto do despacho de 21/4/2005, foi também apensado o Proc. nº CV3-02-0010-CAO (ex-processo nº CAO-010-03-3) - cfr. fls. 611 dos autos principais.
IV. Em 5/7/2005, o Meritíssimo Juiz titular dos autos principais proferiu despacho mantendo a apensação, apesar de no despacho saneador ora em crise se admitir parcialmente a reconvenção e nos despachos saneadores proferidos nos demais apensos e no processo principal não se admitir a reconvenção.
V. Por “razões de ordem prática e de compreensão do processado”, nesse mesmo despacho determinou o Meritíssimo Juiz que os vários apensos seguiriam uma tramitação autónoma (cfr. fls. 611 verso, dos autos principais).
VI. O citado despacho de fls. 611v transitou em julgado, ou seja, a recorrente conformou-se com a decisão daquele despacho.
VII. Sendo que tal decisão, ao aceitar a validade do despacho saneador em causa, incorpora-o no processo como um todo, à semelhança do que sucedeu com todas as decisões parciais constantes dos demais apensos.
VIII. E sendo a apensação uma figura contida na lei processual, o despacho que a ordena admite recurso e torna-se obrigatório se transitar em julgado (Ac. RC, de 1.6.1993: BMJ, 428º-686) - o que sucedeu no caso vertente.
IX. O pedido do presente recurso - desentranhamento dos autos de um despacho saneador - afigura-se, pois, de todo inócuo, devendo pura e simplesmente não ser admitido e, em consequência, também o respectivo recurso merece o mesmo tratamento.
X. De qualquer modo, os “fundamentos” do recurso não têm, em boa verdade, qualquer sentido.
XI. Desde logo, é por demais óbvio, que enquanto não se efectuar a apensação, o juiz titular do (s) processo (s) a apensar mantém intacta a sua competência, a sua jurisdição sobre o “seu” processo - que, note-se, ainda não é um apenso mas um processo autónomo, adstrito à respectiva distribuição primitiva.
XII. Assim, antes de efectuada a apensação de processos, cada processo permanece na jurisdição do respectivo juiz titular.
XIII. Sendo perfeitamente destituído de sentido manter que mal seja proferido o despacho que ordena a apensação, o juiz que os proferiu avoca para si as competências dos demais juízes.
XIV. Tal apenas ocorre com a efectuação da apensação.
XV. Do exposto, resulta claro que o despacho saneador em crise foi proferido (1/6/05) antes de efectuada a apensação (1/7/05) e, como tal, foi o mesmo proferido pelo Juiz competente.
XVI. Por outro lado, “em consequência da apensação, o processo passa a ser comum às várias acç6es, sem que estas percam a sua autonomia, não ficando reduzido a um só, continuando a ser vários (Ac. STJ, doc. Nº SJ199410190040524, in www.dgsi.pt).
XVII. E foi este o entendimento do Meritíssimo Juiz que ordenou a apensação de processos, plasmado no referido despacho de 11/7/2005, quando decidiu que as várias acções seguiriam uma tramitação autónoma - decisão com a qual, frise-se, se conformou a recorrente.
XVIII . Como no seu texto se sustenta, tal decisão mantém incólumes as vantagens e, consequentemente, os fins, do instituto da apensação, designadamente:
i) julgamento de facto por um único tribunal colectivo;
ii) decisão de direito por um único juiz;
iii) celeridade processual; e;
iv) compatibilidade das decisões.
XIX, Igualmente sem cabimento é a teoria de que a decisão recorrida confere à secretaria do tribunal “uma actuação activa no resultado dos autos” (sic).
XX. Tão inconcebível “argumento” não merece comentários, apenas dele sobressaindo o desespero da recorrente por não ter qualquer razão.
XXI. Pelo que esteve bem e em perfeita conformidade legal o despacho recorrido.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de v. Exas., não deve ser admitido o presente recurso ou, se assim se não entender, deverá ser mantida a douta decisão recorrida e negado provimento ao presente recurso, assim se fazendo serena JUSTIÇA».
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A fls. 1163, por despacho de 28/02/2011, por a autora STDM ter vindo informar ter já recebido a totalidade da dívida peticionada nos autos, foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide no que respeita à acção, prosseguindo os autos para o pedido reconvencional não abrangido pela absolvição da instância da Autora face à litispendência.
Dessa decisão recorre jurisdicionalmente a ré A, na parte em que o juiz a condena nas custas.
Nas suas alegações, apresentou as seguintes conclusões:
«I. A recorrida é uma sociedade comercial da qual a recorrente é sócia, tendo esta direito a receber uma parte dos dividendos anualmente distribuídos pela sociedade na proporção do capital social (neste caso, constituído por acções), de que é titular.
II. Durante os anos de 1999 a 2004, a recorrida deliberou ano a ano distribuir dividendos entre os sócios mas excluiu a recorrente dessa distribuição.
III. Em 22/07/2005 a recorrida decidiu pagar os dividendos em atraso que, de acordo com os seus cálculos, entendeu ser o que devia à recorrente.
IV. Quando efectuou o pagamento de dividendos supra descrito, a recorrida, arbitrariamente e sem haver auscultado a recorrente sob nenhuma forma, deduziu daquele montante, a quantia de HKD$1.000.000,00, correspondente ao pedido formulado na presente acção.
V. Com este acto, a recorrida tornou inútil a discussão da questão controvertida nos presentes autos.
VI. Subsequentemente, veio aos autos comunicar este seu feito, conforme melhor consta do requerimento e documentos em anexo de fls. 719 a 723 dos mesmos autos.
VII. Nesse requerimento pode ler-se logo no seu ponto nº 1, o seguinte: “A ora Autora procedeu, em 22 de Julho de 2005, à entrega do valor de dividendos que à Ré cabia enquanto sua accionista, procedendo ao abatimento, do valor de HKD$1.000.000,00 (Um milhão de dólares de Hong Kong), com expressa menção de que tal era feito, por compensação nomeadamente do valor cujo pagamento é reclamado nos presentes autos”.
VIII. Assim, não foi a recorrente quem liquidou a alegada dívida em discussão nos presentes autos e ficou por se saber se tal dívida existia.
IX. Nem foi um terceiro quem, com o consentimento da recorrente, liquidou a quantia de HKD$1.000.000,00, reclamada neste processo pela recorrida.
X. Deste requerimento resulta claro que foi um acto voluntário, unilateral e assumido pela recorrida que deu causa à inutilidade superveniente da lide.
XI. E tal acto foi praticado sem a concordância da recorrente, que foi colocada perante um facto consumado.
XII. Face ao exposto, a condenação da ora recorrente no pagamento das custas do processo afigura-se ser a antítese do que o legislador pretende salvaguardar no nº 1 do artigo 377º do Código de Processo Civil.
XIII. Com efeito, na primeira parte do nº 1 daquele normativo o legislador fixa a regra geral de que em caso de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, “as custas ficam a cargo do autor”.
XIV. A segunda parte deste mesmo nº 1 do art. 377º do CPC admite uma única excepção a esta regra, qual seja, precisamente, quando as custas “resultarem de facto imputável ao réu”.
XV. O legislador consagra um critério de causalidade adequada que, aplicado ao caso vertente, para que se pudesse concluir que a ora recorrente deu causa à inutilidade superveniente da lide seria necessário que lhe fosse imputável um acto que, sendo em abstracto adequado a dar causa a esse mesmo efeito, em concreto o houvesse efectivamente provocado.
XVI. Todavia, como vimos, é exclusivamente à recorrida que se pode imputar tal facto.
XVII. Dir-se-ia, pois, que não só se não encontra preenchida a situação de excepção prevista na parte final do nº 1 do art. 377º do CPC, como, a final, estamos perante uma situação concreta em que a regra geral de responsabilidade por custas prevista na primeira parte do mesmo preceito legal sai reforçada, podendo falar-se de uma dupla via de imputação de tal responsabilidade à recorrida.
XVIII. Pelo que, a decisão recorrida viola o disposto no nº 1 do artigo 377º do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos mais de direi to, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve, nos termos do nº 2 do artigo 617º do Código de Processo Civil, ser a decisão recorrida alvo de reparação pelo Meritíssimo Juiz que a proferiu ou, se por hipótese assim não suceder, ser a mesma decisão revogada por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância, antes se decidindo, em qualquer dos casos, pela condenação da recorrida enquanto responsável exclusiva pelo pagamento das custas do processo, deste modo se fazendo serena JUSTIÇA».
*
A STDM respondeu a este recurso nos seguintes termos conclusivos:
«1. Em 26 de Novembro de 2002, a ora Recorrida intentou uma acção declarativa de condenação contra a ora Recorrente na qual, reclamava a esta última o pagamento de uma quantia que lhe tinha sido mutuada a título pessoal;
2. No decorrer da referida acção a ora Recorrida veio comunicar ao processo que tinha entregue à ora Recorrente o montante de HK$112,790,837.07, a título de dividendos que lhe eram devidos enquanto accionista, procedendo desde logo, ao abatimento, do supra mencionado montante de HK$3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong), com a menção expressa de que tal era feito, a título de compensação, nomeadamente, do montante cujo pagamento é reclamado nos presentes autos
3. Por esse facto, mostrando-se satisfeita a pretensão deduzida nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 229.º alínea e) do Código de Processo Civil, o Tribunal julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide;
4. Tendo por acréscimo condenado a Ré no pagamento das custas judiciais, nos termos do artigo 377.º, parte final do Código de Processo Civil;
5. Notificada do conteúdo do supra referido despacho a Ré ora recorrente entendeu, em termos sumários, não ser sua a responsabilidade pela inutilidade superveniente da lide, uma vez que não foi ela que efectuou o pagamento da quantia em dívida, mas sim a Autora;
6. Porém, como acima se demonstrou, nenhuma razão lhe assiste, porquanto a Ré era não só devedora da quantia reclamada,
7. Como a Autora, ora Recorrida, passou a ter toda a legitimidade para efectuar a compensação desse mesmo crédito, a partir do momento em que deliberou distribuir os dividendos aos seus accionistas, entre os quais se conta a Ré, ora Recorrida;
8. Assim sendo, é notório que a dívida da ora Recorrente existia, e que, verificados os requisitos previstos do artigo 838.º do Código de Processo Civil, a Autora, ora Recorrida, tinha toda a legitimidade para efectuar a compensação do crédito que detinha sobre aquela;
9. É que, conforme facilmente se perceberá, a compensação do crédito em questão, não aproveitou somente à Recorrida, mas também à Recorrente, que com isso viu a sua dívida definitivamente paga, e bem assim, viu a contagem dos juros de ora devidos interrompida;
10. Por isso, existindo a obrigação da Recorrente para com a Recorrida e tendo esta última utilizado legitimamente o meio legal da compensação de créditos para por fim a essa obrigação, e apenas no momento em que o pode fazer, ou seja, em momento posterior à data da entrada da petição inicial nos presentes autos, andou bem o douto Tribunal a quo, ao condená-la no pagamento das custas judiciais devidas, nos termos do artigo 377.º, parte final do CPC.
10. Por outro lado, a recorrente “insurge-se” ainda contra a existência da dívida propriamente dita, uma vez que no seu entender essa dívida nunca existiu;
11. Sucede porém que a Recorrente não se insurgiu contra a existência da dívida quando notificada do conteúdo do requerimento da Autora, de 1 de Fevereiro de 2011, quando esta veio informar que a quantia peticionada nos autos já tinha sido liquidada;
12. Aceitando por esse facto, ainda que de forma tácita, a extinção da instância com fundamento no pagamento da quantia peticionada e por assim dizer, a existência da dívida para com a Autora, ora Recorrida,
13. A isto acresce ainda que o douto Tribunal a quo, também reconheceu a existência da dívida, porque assim não fosse, não teria admitido a compensação do crédito nos termos efectuados pela ora Recorrida.
14. Assim, decidiu bem o douto Tribunal ao decidir pela condenação da Ré, ora Recorrida no pagamento das custas judiciais devidas no âmbito do presente processo judicial;
15. Pelo que não se verifica in casu qualquer um dos vícios imputados à decisão recorrida.
Termos em que, o recurso interposto pelo Réu, ora Recorrente do conteúdo do despacho de folhas 949 e seguintes a terá, forçosamente, de ser julgado improcedente, por manifesta falta de fundamento legal, mantendo-se o despacho ora recorrido nos seus precisos termos, assim se fazendo, como é timbre deste Tribunal, JUSTIÇA!».
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Submetido o processo a julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a reconvenção deduzida pela ré A contra a STDM e a condenou, por litigância de má fé, a pagar a multa de 10 UC.
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A ré recorreu jurisdicionalmente desta sentença, e nas conclusões das alegações disse:
«1ª - O caso subjudice abarca um lapso de tempo que abrange os exercícios sociais da sociedade recorrida que vão desde 1982 a 2000, inclusive, havendo a registar ao longo deste período uma sucessão de leis, designadamente, o Código Comercial de 1888 (Ccom88), vigente até 31/10/1999 e o actual Código Comercial de Macau (Ccom), que entrou em vigor a partir desta data.
2a - Ressalvada diversa opinião, a douta sentença incorreu em claro erro de julgamento ao ter decidido pela aplicação exclusiva da nova lei comercial ao caso em apreço.
3a - Contrariamente ao entendimento plasmado na douta decisão recorrida, afigura-se que não é o nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 40/99/M, de 02/08/1999, que tem por função determinar a lei aplicável no tempo a este tipo de casos, mas antes o artigo 9º do mesmo diploma legal, o qual remete para o artigo 11º do Código Civil de Macau (CC).
4a - Acresce que o campo de aplicação do normativo invocado na sentença se limita ao direito adjectivo e o que está em causa são relações de direito substantivo.
5ª - Por força do artigo 11º do CC, a lei aplicável ao caso subjudice é a que estava em vigor ao tempo dos factos, pelo que, no mínimo, a aplicação do Ccom88 à matéria controvertida passível de localização em tempo anterior a 01/11/1999, parece-nos ser líquida.
6a - A douta sentença recorrida decidiu pela improcedência da reconvenção por considerar que o direito a dividendos ali reclamado, só existiria caso as deliberações de distribuição de lucros tomadas em assembleia-geral pela sociedade recorrida atinentes aos exercícios supra referidos, assim o dispusesse.
7a - Sustenta que sem tal deliberação, não nasce tal direito na esfera jurídica dos sócios, alicerçando-se nos artigos 199º, 216/d) e 431º do actual C.Com, que atribuem a competência para tal deliberação à assembleia-geral.
8ª - Sucede que não sendo aplicáveis aquelas disposições legais a factos passados mas sim o Ccom88, verifica-se que entre as competências atribuídas por este último Código à assembleia geral não figura a de deliberar sobre a distribuição de lucros, remetendo o legislador o estabelecimento de tais regras para o pacto social (artigos 114º/7º e 179º do C. Com88).
9ª - Pelo que, a douta sentença recorrida incorre num erro de julgamento ao sustentar a aplicação da lei nova, o qual ditou a improcedência da reconvenção.
10ª - Deste modo, ressalvada diversa opinião, a supra referida incorrecta interpretação da lei efectuada pela douta sentença recorrida, viola o nº 2 do artigo 2º e o artigo 9º do DL 40/99/M, bem como, por remissão, o artigo 11º do CC e, por inerência, os artigos 114º/7º e 179º do C. Com88.
11ª - Aplicando-se o Ccom88 e os estatutos da sociedade recorrida, procederia a mesma reconvenção, pelo menos, para a parte do pedido que abarca os exercícios sociais que vão desde 1982 a 1999, inclusive.
12a - Salvo melhor opinião, o mesmo sucede, por outra via, com o pedido reconvencional no que respeita aos dividendos decorrentes do exercício social de 2000.
13a - Efectivamente, o legislador do novo C. Com veio permitir, através do nº 1 do artigo 24º do supra referido Decreto-Lei, com as alterações introduzidas pela Lei nº 6/2000, de 26 de Abril, que as disposições do pacto social das sociedades constituídas antes da entrada em vigor do novo C. Com (caso da sociedade recorrida), permanecessem em vigor até ao momento em que aquelas procedessem à sua alteração.
14a - Considerando que a primeira revisão estatutária levada a efeito pela sociedade recorrida após a entrada em vigor do actual C. Com só teve lugar em 2005, resulta que até esta altura permaneceram validamente aplicáveis as disposições dos seus estatutos (no que toca à distribuição de lucros) introduzidas pela escritura de 14/07/1983.
15ª - Deste modo, a aplicabilidade do artigo 46º dos estatutos de 1983 da sociedade recorrida e que tem por objecto a fixação das regras de distribuição dos lucros societários é válida para todo o período a que se reporta o pedido reconvencional, não se verificando a sua derrogação pelo novo C. Com.
16a - Ressalvado distinto entendimento, ao decidir diferentemente a douta sentença recorrida incorre na violação do artigo 24º do DL 40/99/M.
17a - Se por mera hipótese se considerasse que o regime legal aplicável ao caso dos presentes autos seria o actual C. Com, ainda assim sucede que, salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida efectua uma incorrecta interpretação das disposições legais de que se socorre enquanto fundamentos de direito, nomeadamente, dos artigos 199º, 216º/d) e 431º do actual C. Com, quando delas extrai a conclusão de que a intenção do legislador foi a de conferir à deliberação social de distribuição de lucros um carácter constitutivo do direi to do sócio a esses mesmos lucros.
18a - Ressalvada diversa opinião, a redacção dos dois primeiros preceitos legais não permite concluir, como se conclui na decisão recorrida, que o legislador pretendeu que o sócio só adquirisse o direito ao lucro, ou sequer o direito ao dividendo, após deliberação nesse sentido.
19a - Antes nos parece o oposto: que a sua redacção pressupõe a previa existência daquele direito, para poder em seguida dispor de forma a prevenir a sua distribuição à revelia dos sócios por parte do órgão executivo da sociedade, a administração.
20a - A sua razão de ser é apenas assegurar que a distribuição de lucros não seja efectuada pela administração à revelia dos sócios.
21a - Como bem o diz Menezes Cordeiro (Manual de Direito das Sociedades, p.294), a deliberação social de distribuição de lucros não é obrigatória podendo ser dispensada pelo pacto social.
22a - Salvo melhor opinião, a atribuição de carácter constitutivo àquela deliberação apenas poderia ser equacionada nos casos em que o pacto social da sociedade é silente, parco ou obscuro a esse respeito, o que não é, manifestamente, o caso do pacto social da sociedade recorrida, onde o seu mencionado artigo 46º disciplina esta matéria de forma clara e minuciosa.
23a - O mesmo raciocínio é válido para o nº 1 do artigo 431 º do actual C. Com, cuja redacção é similar à da al. d) do artigo 216º do mesmo Código, com a diferença de ter por destinatárias as sociedades anónimas, como o é a sociedade recorrida.
24a - Acresce que quando estes três normativos atribuem aos sócios a competência para deliberar sobre o destino a dar aos lucros distribuíveis do exercício, referem-se a uma deliberação expressa, tendo por objecto a totalidade destes lucros, o que, como resulta provado, não foi o caso de nenhuma das deliberações da sociedade recorrida que respeitam ao pedido reconvencional.
25a - Se uma deliberação apenas versa expressamente sobre uma parte dos lucros distribuíveis, como é o caso, deixando a outra parte em suspenso, est´outra parte deverá ter o destino para ela previsto no pacto social.
26a - Assim sendo, salvo melhor opinião, a douta sentença incorre em claro erro de julgamento ao considerar que todos os lucros distribuíveis mas que não foram distribuídos aos sócios, mesmo que não tenham sido objecto de deliberação social, transformam-se automaticamente em património da sociedade.
27a - A douta sentença recorrida entra, ainda, em contradição consigo própria, quando, por um lado, afirma que a recorrente não tem direi to senão aos dividendos deliberados distribuir porque os que não foram objecto de deliberação nunca se constituíram como direito e, por outro lado, defende entendimento oposto para a sociedade quando, sem mais, afirma que aqueles mesmos dividendos que não foram objecto da deliberação passaram a pertencer automaticamente à sociedade.
28a - O nº 2 do artigo 431º do actual C. Com apenas poderá ser aplicável à sociedade recorrida quando esta proceder a uma revisão estatutária em conformidade com aquela disposição, o que não aconteceu até ao momento.
29a - Salvo diversa opinião, conclui-se que a douta sentença recorrida também efectua uma deficiente interpretação dos mencionados artigos 199º, 216º/d) e 431º do actual C.Com, incorrendo, pois, na sua violação.
30a - A doutrina é pacífica ao considerar, como por exemplo o diz Olavo Cunha (Direito das Sociedades Comerciais, p. 267), que as sociedades comerciais se constituem para distribuir todos os resultados que geram periodicamente.
31a - Após a aprovação do balanço, os sócios têm, face à sociedade, pessoa jurídica deles independente, um direito subjectivo sobre o montante do lucro apurado que restar (vg. António Pita, in “Direito aos Lucros”, págs. 101 e 102).
32a - Francesco Galgano (Tratatto di diritto commerciale e di diritto publico de'11 economia - págs. 347-349) considera igualmente que a simples aprovação das contas gera, nas esferas dos sócios, um crédito líquido e exigível, perante a sociedade, crédito esse que pode ser imediatamente accionado.
33a - A deliberação de aprovação das contas e a deliberação de aplicação de resultados são duas deliberações diversas e autónomas, sendo que em caso de a primeira estiver inquinada de qualquer vício este comunica-se à segunda, mas o inverso já não é verdade (vg. Olavo Cunha, Ob. cit., p.274).
34a - A autonomia das duas deliberações e a precedência da primeira em relação à segunda, resulta patente, ainda, quando atentamos no facto de que, no caso de aprovação de deliberação de distribuição de lucro em termos que violem o pacto ou a lei, os sócios podem requerer, ao tribunal, a execução específica da deliberação de aprovação de contas (p.270, mesmo autor e mesma obra).
35a - Salvo diversa opinião, a douta sentença recorrida labora em novo erro de julgamento quando funde as duas deliberações numa só - a de distribuição de lucros -, para assim poder chegar à conclusão de que o direito de crédito do sócio plasmado no direito ao lucro, só se constitui com aquela deliberação.
36a - O dividendo resulta do balanço devidamente aprovado; uma eventual deliberação social de distribuição do dividendo não é sequer obrigatória.
37a - De qualquer modo, as deliberações de distribuição de dividendos devem ser interpretadas conjugadamente com os estatutos.
38a - Ora, no caso subjudice, dos factos provados, resulta que para os lucros dos exercícios de 1983 a 2000, as deliberações em causa são omissas relativamente a cerca de 60% das receitas.
39a - E que, em 1982, o mesmo sucede relativamente ao montante do rendimento líquido que sobrou após deduzida a percentagem de 5% para reservas legais e a quantia de dois milhões de patacas que foi distribuída por todos os sócios.
40a - Como tal, pelo menos para os exercícios que vão desde 1982 a 2000, inclusive, parece indisputável que deve procurar-se nos próprios estatutos qual o destino a dar às receitas líquidas deixadas em suspenso na deliberação.
41a - E no caso vertente o artigo 46º dos Estatutos é extremamente claro: satisfeita a reserva legal e na falta de fundo especial, cabe a distribuição de lucros.
42a - Por outro lado, na parte em que não estatuam expressamente sobre aqueles 60% (exercícios de 1983 a 2000, inclusive) e sobre aquele montante (exercício de 1982) retidos, as mencionadas deliberações são incompletas, havendo que as integrar com recurso aos estatutos.
43a - Estes, por via do seu artigo 46º, permitem reconduzir aquelas quantias ao universo dos dividendos a receber pelos sócios.
44a - É igualmente esta, a insigne opinião do Professor António Menezes Cordeiro, no Parecer Jurídico que emitiu a propósito deste caso e que se encontra junto aos autos.
45a - Ressalvada diversa opinião, ao denegar a pretensão deduzida pela recorrente considerando que ela não detém qualquer direito de crédito adveniente da sua parte nos dividendos não distribuídos aos sócios pela sociedade recorrida, a decisão ora colocada em crise, viola o artigo 1190/1 do ccom88 e os artigos 195º/1/a) e 197º/1 do actual C. Com.
46a - O pedido reconvencional não carece de viabilidade prática porque a sociedade recorrida não teria dificuldades em efectuar o pagamento dos dividendos que a recorrente veio a juízo peticionar, não sendo, também, de prever que um outro sócio deduza idêntico pedido.
47a - Ressalvada diversa opinião, não é possível a condenação na litigância de má fé processual prevista na al. a) do nº 2 do artigo 385º do Código de Processo Civil, com base na figura do venire contra factum proprium porque a primeira se situa no campo das situações processuais e o segundo constitui uma das possíveis manifestações da figura do abuso de direito prevista no artigo 326º do CC, cujos efeitos pertencem ao campo do direi to substantivo (neste sentido, vg. Ac. STJ, de 14/11/2006).
48a - Por outro lado, a douta sentença recorrida é clara enquanto considera que a recorrente não detém qualquer direito aos dividendos que reclama e sem a existência de um direi to não pode haver abuso do direito, logo, não pode verificar-se o venire contra factum proprium.
49a - Uma vez que é na ocorrência do venire contra factum proprium que se baseia a condenação em litigância de má fé, falecendo o seu pressuposto, falece a condenação.
50ª - Quando concordou com as contas e votou favoravelmente as deliberações de distribuição de lucros, nunca a recorrente pensou estar a renunciar aos dividendos que reclama em reconvenção, nem tinha qualquer obrigação de o saber, sempre estando convicta, então como agora, de que mantinha todos os seus direitos a esses dividendos.
51ª - Tal obrigação apenas lhe poderia ser exigível se as deliberações que votou favoravelmente (exercícios de 1982 a 2000) houvessem expressamente dado algum destino à parcela dos lucros que não foram distribuídos, o que nunca sucedeu.
52a - Acresce que o caso subjudice gravita em torno de questões de direito, de diversas interpretações da lei, pelo que, também por esta via, nunca poderia haver lugar a condenação por litigância de má fé (Ac. TRP, de 11/12/93: BMJ, 424º-735).
53a - O Venire contra factum proprium é um tipo de abuso do direito que compreende comportamentos contraditórios e frustração de expectativas criadas, nas quais um terceiro haja legitimamente confiado.
54a - No caso vertente não há nenhum comportamento contraditório da recorrente: há um voto favorável a urna deliberação de distribuição de 40% dos lucros líquidos e um pedido reconvencional incidindo somente nos remanescentes 60%, relativamente aos quais nada foi deliberado.
55a - Por outro lado, posto que nem recorrente, nem recorrida, manifestaram qualquer indicação em como aqueles 60% passariam a ser considerados bens da sociedade pela sua mera não distribuição, é evidente que a conduta da primeira nunca poderá ter gerado na segunda uma situação objectiva de confiança em como aquela (a recorrente) renunciava aos direitos pelos quais pugna na sua reconvenção.
56a - Por mera cautela de patrocínio, resta acrescentar que se por hipótese remota assim se não entender, o valor dos honorários da contraparte se afigura excessivo e que, atenta a prática do foro de Macau, não deve ultrapassar o montante de MOP$500.000,00.
57a - Sal vo melhor opinião, a condenação da recorrente enquanto litigante de má-fé plasmada na douta sentença recorrida consubstancia novo e claro erro de julgamento em violação do artigo 326º do CC e do artigo 385º/2/a) do Código de Processo Civil, o qual urge rectificar, em demanda da mais elementar justiça.
Disposições violadas: Artigos 2º/2, 9º e 24º/1 do Decreto-Lei nº 40/99/M, de 2 de Agosto; Artigos 114º/7º, 119º/1 e 179º do Código Comercial de 1888; Artigos 195º/1/a), 197º/1, 199º, 216º/d) e 431º do Código Comercial de Macau; Artigos 11º e 326º do Código Civil de Macau; e, Artigo 385º/2/a) do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser revogada a douta sentença recorrida e ser concedido provimento ao presente recurso, proferindo-se nova decisão de sinal contrário, com a improcedência da condenação da recorrente enquanto litigante de má fé e declarando-se procedente o pedido reconvencional in totu; assim se repondo, de forma serena, a JUSTIÇA».
*
A STDM, na resposta ao recurso, concluiu as suas alegações da seguinte maneira:
«I. Veio o ora Recorrente A recorrer da sentença proferida pelo que julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pela ora recorrente e a condenou, ainda, enquanto litigante de má-fé, no pagamento de uma indemnização no valor de MOP$1.200.000,00 à reconvinda, acrescida de uma multa no valor de 10 U.C.
II. No douto despacho constante de fls. 506 a 507 dos autos, o Tribunal a quo admitiu a reconvenção mas apenas em relação ao pedido discriminado na alínea d) tendo-a indeferido em relação aos restantes (sob as alíneas a) a c)).
III. Destarte, o julgamento que se realizou nos presentes autos apenas teve como thema a avaliação do referido pedido condenação da Recorrida no pagamento de uma quantia a apurar em execução de sentença, título de parte nos lucros retidos e ainda não distribuídos aos sócios desde 1983.
IV. A Recorrente faz uma errada e intrinsecamente contraditória interpretação na aplicação da Lei já que ainda que fosse aplicável o Código Comercial de 1888, o direito concreto ao dividendo do accionista nasce com a aprovação das distribuições aprovadas em assembleia-geral
V. Os dividendos não distribuídos constituem, tanto no âmbito do Código Comercial de 1888, como no Código Comercial de 1999 resultados transitados da sociedade.
VI. O crédito reclamado, portanto, não existe, pretendendo a Recorrente fazer nos presentes autos uma impugnação imprópria, ilícita e extemporânea das deliberações sociais tomadas na sede da Recorrida, contra as leis em vigor (quer no âmbito do Comercial de 1888 como no Código Comercial de 1999).
VII. De acordo com a tese por si ora apresentada, a Recorrente pretende convencer que o Tribunal a quo fez uma interpretação errada da Lei no tempo ao considerar como aplicável o Código de 1999.
VIII. O Código Comercial de Macau não é apenas aplicável às acções que estejam pendentes nos tribunais no dia da sua entrada em vigor.
IX. A aplicação das disposições do Código Comercial a factos passados fica subordinada às regras do artigo 11.º do Código Civil, onde se estabelece que quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
X. Estando em discussão a existência ou não de um direito do aos lucros, é evidente que se trata de um conteúdo de uma relação jurídica já existente e que se abstrai do facto que lhe deu origem (a aquisição das respectivas acções).
XI. Ao contrário do alegado pela Recorrente, a aplicação de dois códigos ao caso “ concreto, ou a aplicação apenas da legislação pretérita para regular a relação entre accionista e a sociedade importaria sérias e injustas desvantagens e afectaria negativamente a segurança do comércio jurídico.
XII. Foi precisamente a intenção de evitar essa insegurança que o legislador de Macau consagrou um âmbito de aplicação máxima, fazendo depender essencialmente da existência ou não de uma acção pendente a aplicação da lei anterior, aplicando-se o novo Código Comercial aos demais casos artigo 2º do Decreto-Lei n.º 40/99/M.
XIII. As normas de direito comercial são elaboradas com o especial cuidado de preservar a segurança do comércio jurídico pelo que, a maior parte dos conflitos estavam, já na legislação antiga (como veremos no caso dos autos) sujeitos a prazos apertados de caducidade para a propositura da respectiva acção, pelo que a aplicação generalizada do novo Código à generalidade das relações jurídicas existentes e não trazidas a ainda a juízo não é susceptível de afectar quaisquer direitos pendentes.
XIV. A norma que estabelece o âmbito temporal do Código Comercial de Macau teve em consideração o facto de os eventuais conflitos decorrentes de situações anteriores já estarem resolvidos ou teriam já acções pendentes na medida em que a legislação comercial estabelece prazos curtos para a promoção das acções judiciais, como é o caso dos autos em que o objecto do pedido formulado pela Recorrente se prende essencialmente com deliberações sociais, que não foram impugnadas pela Recorrente no prazo de 20 dias (como dispunha a lei antiga... e a moderna).
XV. Termos em que deve o Código Comercial de 1999 ser considerado como a legislação fundamentalmente aplicável aos presentes autos, não merecendo qualquer censura a sentença proferida pelo Tribunal a quo.
XVI. Não tem razão a Recorrente quando afirma que, no âmbito do Código Comercial de 1888, não estaria dentro da competência da Assembleia a aprovação da distribuição dos dividendos.
XVII. O erro de interpretação da Recorrente recai desde logo por não atender integralmente à lei e ao teor dos estatutos que sempre conferiram à Assembleia o poder de não distribuir integralmente todo o lucro da sociedade.
XVIII No âmbito do Código Comercial de 1888, No fim de cada ano será apresentado ao Conselho Fiscal, entre outros documentos, a conta de Perdas e Lucros e a proposta de dividendo e de percentagem para a Reserva Legal (art. º 189.º, n.º 2.º e 4º, e § 1.º, do Código Comercial). Estes documentos, acompanhados do parecer que o Conselho Fiscal emitir, são enviados à assembleia-geral, juntamente com o balanço (art.º 189º, § 3º e 4.º).
XIX. Nos primeiros 3 meses de cada ano (Decreto n.º 16.731, de 13 de Abril de 1929, art.º 137.º) a assembleia-geral reunirá para discutir, aprovar ou modificar o balanço e o relatório do Conselho Fiscal (art.º 189.º, § 4.º, e 179.º, § único, n.º 1.0, do Código Comercial), ou seja, terá de haver anualmente proposta de dividendo, mas a assembleia pode alterá-la, bem como à percentagem para a Reserva, isto é, aumentá-la ou reduzi-la.
XX. Nos termos do artigo 46º dos Estatutos da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. dispõe-se que: “A Assembleia Geral PODE, contudo, após a dedução para o Fundo de Reserva Legal, afectar determinada importância do rendimento líquido à constituição de um fundo especial que se mostre indispensável”- Facto Assente C
XXI. Nos termos da versão original dos estatutos a assembleia tem o poder de não distribuir todos os lucros a título de dividendos, pelo que a decisão dos accionistas que aprovou o balanço e distribuiu os dividendos da forma como o fez, tem natureza constitutiva.
XXII. Aliás, o nascimento do direito concreto ao lucro com a deliberação social sempre foi pacífica na doutrina dominante. Como ensina o Prof. Assis Tavares: “Mas, quando se fala em direito ao dividendo é indispensável distinguir dois sentidos nesta expressão. Há, com efeito, um direito abstracto ao dividendo, isto é, um direito de participar em futuros lucros da sociedade, direito emergente da simples qualidade de sócio e mesmo do conceito de sociedade. Por outro lado, existe um direito concreto sabre os lucros de determinado exercício. Bem se compreende que este direito concreto ao dividendo dependerá, por um lado, da deliberação da assembleia geral no que se refere ao destino dos lucros e à formação, de reservas e, por outro, das regras estabelecidas sobre a balanço. Em definitivo, a determinação do dividendo concreto, ou seja, a quantia do dividendo, depende de que seja aprovado pela assembleia geral um balanço que apresente lucros e que a própria assembleia delibere a distribuição desses lucros sob a forma de dividendo. Por tal razão, e em matéria de direito ao dividendo, este está ligado à da formação de reservas voluntárias e ainda ao estudo das, normas da formação do balanço.”
XXIII. A concretização e determinação concreta do direito ao dividendo pela Assembleia Geral era já Doutrina dominante na época. Por todos, e pela sua relevância, referimo-nos aqui aos doutos ensinamentos de Georges Ripert e René Roblot: «É a decisão da assembleia-geral de distribuir no todo ou em parte dos benefícios sob a forma de dividendos que conferem a estes a existência jurídica. É preciso considerar cada accionista a partir desta decisão de distribuição como credor do dividendo. Até lá, o grupo dos sócios será titular dum crédito global correspondente ao passivo interno da sociedade para com os seus membros; a decisão de efectuar a distribuição individualiza o direito de cada um e torna-a exigível na data fixada, pelo montante fixado. O accionista, credor da sociedade pode então solicitar a reparação ou a liquidação judicial pela quantia do dividendo e pode, quando o dia de pagamento se vencer, procurar os interesses moratórios. RIPERT, ROBLOT, (dir. Michel GERMAIN), Traité de droit commercial, op. cit., p. 605. Cf., C'est la décision de l'assemblée générale de distribuer tout ou partie des bénéfices sous forme de dividendes qui confere à ceux-ci l'existence juridique. Il faut considérer chaque actionnaire à partir de cette décision de répartition, comme créancier du dividende. Jusque-lá, la collectivité des associés était titulaire d'une créance globale correspondant au passif interne dont la société est tênue envers sés membres; la décision de mise en distribution individualise le droit de chacun et le rend exigible à l'époque fixée, pour le montant fixe. L'actionnaire, créancier de la société, peut donc produire au redressement ou à la liquidation judiciaire pour le montant du dividende et Il peut, quand le jour de la mise en paiement est arrivé, faire courrir les intérêts moratoires.» RIPERT, ROBLOT, (dir. Michel GERMAIN), Traité de droit commercial, op. cit., p. 605. Cf.
XXIV. A doutrina já explicou a necessidade empresarial de não se distribuírem integralmente os lucros da sociedade. Por todos, reportamo-nos uma vez mais aos doutos ensinamentos do Prof. Assis Tavares: “Quando se fala em reservas nas sociedades anónimas costuma empregar-se esta palavra no seu sentido vulgar como conjunto efectivo de bens que se retiram duma divisão imediata entre os accionistas. O costume de constituir reservas é próprio de todo o administrador prudente e tem nas sociedades por acções grande justificação. Fundadas estas sociedades na base capitalista do dividendo, é natural que se queira assegurar a sua atribuição anual ao accionista, mesmo em anos desfavoráveis. O procedimento mais eficaz ao fim em vista consistirá em não se distribuírem integralmente os lucros dos anos favoráveis, acumulando ou reservando uma parte de tais lucros na previsão de futuros balanços deficitários. […] ” in Ob cit, pag 141.
XXV. Em cada uma das deliberações em causa nos presentes autos, a sociedade Recorrida sempre foi dando conta dos planos e investimentos futuros que a sociedade teria de fazer face, sempre se justificando, desse modo a não distribuição integral dos lucros.
XXVI. E porque a Recorrente invoca (de forma insuficiente) a lei pretérita no que concerne à distribuição de dividendos, importa também aferir o que a mesma lei dizia no que concerne às consequências de uma eventual violação (que não se concede).
XXVII. O Código Comercial de 1888 consagrava, no artigo 1460 um prazo de caducidade de 20 dias para a propositura da acção.
XXVIII. Como condição prévia de legitimidade, o accionista demandante teria de ter demonstrado a sua discordância mediante protesto proferido perante a Assembleia.
XXIX. A Recorrente, não só não protestou, como propôs as referidas deliberações, aprovou-as e, plúrimas vezes propôs e aprovou o voto de louvor à administração que as propôs...
XXX. A eventual aplicação do Código de 1988 não conduziria a um resultado diferente na apreciação da presente causa.
XXXI. Veio ainda a Recorrente suscitar dúvidas quanto à génese do direito do accionista no âmbito Código de 1999, sustentando que, nos termos dos artigos 199º e 431º do Código Comercial vigente, o accionista é sempre titular do direito sobre todo o lucro da sociedade na proporção das suas acções, qualificando a deliberação dos sócios como não sendo constitutiva.
XXXII. A interpretação trazida pela Recorrente suporta-se na importação errada de doutrina que se refere a textos legais diferentes, nomeadamente do disposto no n.º 1 do artigo 294.º do Código das Sociedades Comerciais de Portugal “salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada ar maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos accionistas metade do lucro de exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível.”
XXXIII. Mesmo no âmbito daquela legislação, havia desde logo que destacar a sua natureza supletiva, na medida em que o regime de obrigatoriedade de distribuição de pelo menos metade dos lucros de exercício poderia ser ultrapassado com deliberação tomada por maioria qualificada ou cláusula diversa dos estatutos.
XXXIV. O Código de Macau, precisamente mais esclarecedor, não deixa margem para estas construções, apenas aplicáveis perante a redacção da lei portuguesa, porquanto nos termos do Artigo 199º do Código Comercial 1. Nenhuma distribuição de lucros pode ser feita sem precedência de deliberação dos sócios nesse sentido. 2. A deliberação deve discriminar, de entre as quantias a distribuir, os lucros do exercício e as reservas livres. 3. O órgão de administração tem o dever de não executar qualquer deliberação de distribuição de lucros, sempre que a mesma ou a sua execução, atento o momento desta, viole o disposto no artigo anterior.
XXXV. Ao contrário da norma portuguesa, o artigo 431º do Código Comercial dispõe que os lucros distribuíveis do exercício têm o destino que for deliberado pelos sócios; e que os estatutos podem impor que uma percentagem, não superior a 25%, dos lucros distribuíveis do exercício seja obrigatoriamente distribuída aos sócios.
XXXVI. A lei de Macau não impõe, assim, nenhuma distribuição efectiva ou de princípio, da totalidade dos lucros aos accionistas.
XXXVII. O crédito do accionista aos lucros vence-se, nos termos do mesmo preceito, 30 dias após o registo da deliberação que aprovou as contas do exercício e da que dispôs sobre a aplicação dos resultados.
XXXVIII. Ou seja, a douta doutrina invocada pela Recorrente está desenquadrada da Lei de Macau.
XXXIX. Desde logo porque o mínimo obrigatoriamente distribuível não resulta da lei nem do contrato social no caso dos autos.
XL. As conclusões que a Recorrente retira do parecer que juntou do Professor Menezes Cordeiro, para além de desfasadas do artigo 4310 do Código Comercial são manifestamente contra legem.
XLI. Se o legislador estabeleceu que o destino dos lucros é o que for deliberado pelos sócios, são estes, em assembleia quem tem o poder de decidir sobre a sua distribuição, ou não; por outro lado, o carácter de obrigatoriedade da distribuição aos sócios de determinada percentagem dos lucros teria que ser expressa nos estatutos e sempre estaria limitada a um máximo de 25%; e o accionista não é titular de nenhum crédito exigível, sem que esse crédito decorra da deliberação que aprovou as contas do exercício e da que dispôs sobre a aplicação dos resultados, e que sobre esse registo decorressem 30 dias.
XLII. Nenhum dos condicionalismos se verifica no presente caso para aplicar doutrina decorrente de uma lei com teor manifestamente diverso.
XLIII. Ainda assim, e no âmbito da referida lei estranha ao nosso ordenamento, Pedro Pais de Vasconcelos afirma que, por estarem em causa apenas as relações interprivadas dos sócios, e não o interesse público, interesses de terceiros ou considerações de ordem pública, os sócios têm total liberdade para estipular o regime da distribuição de dividendos, sujeitando-se apenas ao limite da proibição do pacto comissório. A participação social nas Sociedades Comerciais, 2.a edição, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 99
XLIV. Em sentido semelhante, Paulo Tarso Domingues ensina que a competência dos sócios relativamente à distribuição dos lucros é balizada pelo instituto do abuso de direito. Afirma o autor “quando a deliberação sobre a retenção de lucros não seja justificada pelo interesse social, nomeadamente pelas necessidades de auto-financiamento da sociedade, e dela resultar um prejuízo para os sócios minoritários - que estiveram contra a maioria que aprovou a deliberação - ou para a sociedade, aquela deliberação será abusiva e, nessa medida, anulável”. Paulo Tarso Domingues, Variações sobre o Capital Social, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 270 e segs.
XLV. Nos termos do artigo 199º do Código Comercial, nenhuma distribuição de lucros pode ser feita sem precedência de deliberação dos sócios nesse sentido, pelo que a sociedade não pode pagar a nenhum accionista dividendos que não tiveram esse enquadramento por deliberação dos sócios.
XLVI. Da mesma forma, o número 3 do referido artigo 431º também não permite ao accionista exigir... um crédito dependente de estar atribuído a título de dividendos e devidamente registado... e depois decorrer 30 dias sobre esse registo.
XLVII. Da mesma forma, o legislador de Macau teve um cuidado especial em fazer depender o vencimento do direito do accionista do decurso do prazo de 30 dias.
XLVIII. Na eventualidade de um accionista não concordar com a deliberação que não atribuiu o direito aos dividendos em concreto, o mesmo sempre poderá da faculdade de propor a competente acção judicial ou mesmo requerer a suspensão da deliberação social no prazo de 10 dias (artigo 232º do Código Comercial), suspensão essa que está sempre dependente da propositura de uma acção de anulação nos termos do artigo 230º, n.02 do Código Comercial, a propor no prazo de 20 dias.
XLIX. Prazos sempre inferiores ao vencimento do crédito sobre os dividendos, e constituem elementos fundamentais de preservação do comércio jurídico e instituídos por forma a que os accionistas não venham, volvidas décadas sobre a tomada das deliberações, peticionar valores que sabem terem sido mantidos no seio da sociedade, e necessariamente utilizados pela mesma na prossecução do seu objecto comercial.
L. A Recorrente peticiona o pagamento, no montante proporcional à sua participação na sociedade Recorrida, dos montantes transitados para a conta de “resultados transitados” da Recorrida e que constituem património desta que, por deliberação dos accionistas - incluído a da própria Recorrente ao longo de muitos anos - não foram distribuídos como dividendos.
LI. Segundo a abstrusa interpretação formulada pela Recorrente ao artigo 46º dos estatutos da sociedade Reconvinda e que versa sobre a distribuição dos dividendos, dever-se-ia concluir que os lucros líquidos da sociedade, após a dedução para efeitos de reservas legais e estatutárias, pertence aos sócios e que a sua não integral distribuição gera, na esfera jurídica dos sócios, um crédito de valor sobre valor equivalente ao o lucro do(s) exercício(s) não distribuído como dividendos.
LII. A tese da Recorrente implica que, nos últimos 40 anos os accionistas não haviam cumprido o artigo 46º dos estatutos da sociedade, dizendo que, por virtude da sua interpretação, se impunha “a distribuição anual pelos sócios da totalidade do lucro do exercício...”.
LIII. Como forma de suportar o seu abstruso raciocínio, a Recorrente usa dos conceitos de “dividendos retidos” como forma de levantar a confusão sobre as decisões que deveras efectivamente os accionistas tomaram quanto à distribuição de dividendos, deliberações essas totais e definitivas no seu alcance.
LIV. A Recorrente pretende dar a entender perante o Tribunal que as deliberações de distribuição de lucros não representam uma distribuição completa dos lucros, sugerindo que os valores não distribuídos tivessem ficado retidos pela sociedade a aguardar posterior deliberação.
LV. Tal interpretação é deveras contraditória com os únicos documentos juntos aos autos, mormente quando às deliberações, afirmações, propostas e sentido das votações dos accionistas incluindo as da própria Recorrente, A.
LVI. Das deliberações, a pesar de se verificar alguma diferença de carácter casuístico, mormente as deliberações desde 1984 até 2004 a Assembleia Geral ordinária da Recorrida têm vindo a aprovar a distribuição de 15% do rendimento líquido do exercício social de cada ano, para todos os possuidores de acções preferenciais, e ainda 20% a título de dividendos a distribuir por todos os accionistas da sociedade tanto pelos possuidores de acções preferenciais como pelos titulares de acções ordinárias.
LVII. Resulta da resposta aos quesitos nos presentes autos que desde o exercício de 1983 até ao ano exercício de 2001, nada foi deliberado sobre a distribuição do rendimento líquido remanescente que corresponde a 60%.
LVIII. Esta redacção merece a cuidadosa atenção e interpretação que se impõem, não podendo resultar de tal resposta a abstrusa ideia que os accionistas não sabiam o que aconteceria aos respectivos dividendos que não foram distribuídos.
LIX. Tomando como exemplo a deliberação que a própria Recorrente, em sede de reclamação à decisão da matéria de facto pretendeu que se evidenciasse: a deliberação dos accionistas resultante da assembleia ordinária ocorrida em 31 de Março de 1983, nessa assembleia, o representante do Conselho de Administração propôs que: “ […] o senhor D, em nome do Conselho de Administração, propôs que, deduzida a percentagem para reserva legal, se distribuísse aos accionistas, a título de dividendos e na proporção das acções que possuem, a importância de dois milhões de patacas. “Bem desejaria o conselho de administração - acrescentou o Senhor D - propor importância mais elevada que melhor pudesse corresponder ao valor dos capitais investidos pelos accionistas, mas as enormes despesas que nos aguardam não aconselham.” Posta à votação esta proposta foi aprovada por unanimidade dos votos presentes.”
LX. Esta assembleia, como resulta da acta, refere-se a um ano em que a Sociedade Reconvinda apresentou lucros do valor significante de MOP$728,087,468.23.
LXI. Na perspectiva da Recorrente de acordo com a sua peregrina tese, a distribuição desses lucros remanescentes impunha-se e seria devida desde logo aos accionistas, quando das actas da assembleia resulta, de forma evidente, que, quando os accionistas deliberaram distribuir apenas parte dos lucros, fizeram-no com a intenção expressa e manifesta de que o valor remanescente teria de ser usado no interesse societário, face às consideráveis despesas e investimentos que a sociedade teria que custear.
LXII. Ao deliberarem aprovar as referidas propostas apresentadas pelo conselho de administração, os accionistas deliberaram necessariamente a aplicação dos referidos montantes, nomeadamente nos custos e nos investimentos elencados pelo representante do Conselho de Administração.
LXIII. A própria Recorrente, A, não foi alheia a esta postura tendo deliberado enquanto accionista favoravelmente a essa forma de distribuição.
LXIV. Resulta ainda da mesma acta que enquanto membro do Conselho Fiscal, não só votou favoravelmente à aprovação do relatório e contas do ano em questão como emitiu um voto de louvor ao Conselho de Administração, o mesmo que propôs aquela forma de distribuição.
LXV. Tal circunstancialismo multiplica-se em cada deliberação de distribuição de dividendos, tendo a própria Recorrente, já em 2004 na titularidade do cargo de Presidente do Conselho Fiscal, aprovado novo voto de louvor ao conselho de Administração.
LXVI. Os accionistas da Recorrida, como os accionistas de qualquer sociedade comercial da hoje Região Administrativa Especial de Macau, e em face da disciplina legal relevante quanto à matéria de que se trata, sendo titulares de um direito à participação nos lucros gerado pelo exercício colectivo (pelo grémio societário) do comércio, não são, genuinamente, titulares de um direito aos lucros para além dos limites definidos pelas deliberações do colectivo de sócios quanto a essa mesma matéria.
LXVII. Essa impossibilidade não é apenas teórica mas também prática, na medida em que, se os accionistas fossem obrigados a distribuir uma parte substancial dos lucros, a sociedade poderia incorrer em incumprimento de obrigações já assumidas,
LXVIII. É pois, aos accionistas quem compete determinar o montante do lucro distribuível, atendendo às necessidades práticas e financeiras da sociedade.
LXIX. Quer o direito aos lucros seja entendido como um “direito abstracto ao lucro”, quer como um “direito concreto ao lucro”, quer, ainda, numa formulação diversa justificada em outros ordenamentos jurídicos, como um “direito à distribuição de lucros”. a referida presunção da Recorrente, não só em termos legais e abstractos mas como específicos da Sociedade Recorrida, é profundamente errada,
LXX. Os accionistas não são genuinamente, titulares de um direito aos lucros que valha para além dos limites definidos pelas deliberações do colectivo de sócios quanto a essa mesma matéria.
LXXI. Dispõe a alínea a) do nº 1 do Artigo 195º do Código Comercial que todo o sócio tem direito, nos termos e com as limitações previstas na lei e sem prejuízo de outros direitos especialmente consagrados, a quinhoar nos lucros.
LXXII. Nos termos do disposto no Artigo 197º do mesmo Código, salvo disposição legal ou estatutária em contrário, os sócios quinhoam nos lucros e perdas da sociedade, segundo a proporção dos valores nominais das respectivas participações no capital.
LXXIII. Por outro lado, proíbe o nº 1 do Artigo 198º do Código Comercial (Lucros e limites à sua distribuição) a distribuição aos sócios de quaisquer bens da sociedade senão a título de lucros.
LXXIV. Os números 1 e 2 do Artigo 199º do mesmo Código estabelecem a obrigatoriedade de uma deliberação para que a sociedade possa distribuir os lucros.
LXXV. Com particular relevância para o recto e legalmente pautado juízo e decisão sobre esta mesma questão, dispõe ainda o Artigo 431º do mesmo Código, que os lucros do exercício têm o destino que for deliberado pelos sócios.
LXXVI. O lucro e a prossecução do mesmo constituem elementos indefectíveis do exercício da empresa colectiva, sendo que a participação em tal exercício se analisa, desde logo, num direito à participação nos lucros, em igualdade de circunstâncias (art. 194º) por parte dos membros do grémio societário; ou seja, em outros termos, mais rigorosos, a participação nos lucros e nas perdas constitui um elemento essencial da socialidade (ou participação social) (Artigos 195º e 197º);
LXXVII. A autonomização patrimonial - enquanto característica essencial da personalidade jurídica do grémio societário - e, bem assim, a protecção rigorosa dos interesses que o comércio mobiliza (nomeadamente a tutela de credores e de terceiros em geral) supõem que não possam, licitamente, ser distribuídos bens da sociedade por título diverso dos lucros (Art. 198º);
LXXVIII. A distribuição de lucros faz-se nos termos de deliberação tomada pelo colectivo de sócios, segundo qualquer das formas para tal admitidas (art. 199, nº 1);
LXXIX. A distribuição de lucros que exorbite dos termos da deliberação que quanto a essa matéria haja sido tomada (ou porque não tenha havido lugar a deliberação, ou porque os respectivos limites se mostrem concretamente incumpridos por excesso) constitui, por isso, uma distribuição ilícita de bens sociais (Arts. 198º e 199º);
LXXX. A existência de um condicionamento impositivo à distribuição de lucros - ou, em outros termos, de uma limitação ao âmbito de actuação soberana do colectivo de sócios no sentido de definir, nos limites do lucro distribuível apurado, qual o valor que deva ser efectivamente distribuído aos sócios como lucro (rectius, como dividendo) - depende de expressa previsão no pacto social, sendo que esta, ainda assim, tem de conter-se no limite percentual a que faz referência o artigo 431º, nº 2 do Código Comercial.
LXXXI. Fora da possibilidade a que é feita referência na alínea anterior, a deliberação social de distribuição assume a natureza de facto constitutivo ou causal do direito, do accionista, ao dividendo.
LXXXII. Em outros termos, e em síntese, o direito de crédito do accionista surge, na respectiva esfera jurídica, com a deliberação de distribuição e não antes dela; o que está em causa não é a exigibilidade do crédito do accionista ou, tão pouco, tão só, a respectiva liquidação através da operação de aprovação do balanço. Antes, diferentemente, dever-se-á entender que é a deliberação de distribuição, nos limites definidos pelo balanço do exercício, o facto constitutivo ou causal do crédito.
LXXXIII. Neste particular, o legislador do Código Comercial de Macau, divergindo sensivelmente do modelo a que foi dado acolhimento, por exemplo, no Código das Sociedades Comerciais de Portugal, optou por um sistema em que confere à assembleia geral a mais ampla soberania quanto à ponderação entre, por um lado, o interesse da sociedade em atender a exigências de auto-financiamento e, genericamente, de consolidação patrimonial e, por outro lado, o interesse dos accionistas na maximização do retomo do respectivo investimento em capital, mas que, de todo o modo, pode sofrer alguma auto-compressão ao nível do próprio contrato de sociedade.
LXXXIV. Estipula o corpo do próprio artigo 46º dos Estatutos da Recorrida - reproduzido pela Recorrente na sua douta contestação - que “o rendimento líquido... será distribuído de acordo com a deliberação da Assembleia Geral...”.
LXXXV. Quer em termos legais, quer em termos estatutários, é deixado à Assembleia Geral dos accionistas - beneficiários da sua deliberação que, por isso, normalmente se baseia numa proposta do Conselho de administração que tem por missão acautelar os interesses da própria sociedade bem como os dos accionistas - a deliberação sobre o montante que, dos lucros líquidos apurados e após feitas as reservas legais e provisões obrigatórias, deva ser distribuído aos accionistas a título de dividendos.
LXXXVI. O que não for deliberado distribuir aos accionistas a título de dividendos, passa a qualificar-se, salvo deliberação expressa no sentido de constituição de reserva, automaticamente, como “resultados transitados”, consolidando-se como bem próprio da sociedade, relativamente ao qual não existe qualquer crédito por parte dos accionistas.
LXXXVII. A necessidade da sociedade em deter esses resultados transitados prendeu-se, como expressamente foi explicado aos accionistas pelo representante do Conselho de Administração, com as consideráveis despesas e investimentos a que a sociedade teve de fazer face.
LXXXVIII. Os accionistas, incluindo a própria Recorrente, sempre aceitaram esses projectos, expressando a sua vontade com a aprovação do relatório e contas do ano em questão.
LXXXIX. Após o corpo do referido artigo 46º dos estatutos da Recorrida que, indiscutivelmente consagra o princípio -segundo o qual o rendimento líquido será distribuído de acordo com as deliberações a esses respeito tomadas pelos sócios, vem, nas suas alíneas a), b) e c), regular a forma de distribuição, entre os accionistas titulares de diferentes tipos de acções, desses mesmos dividendos que resultarem da deliberação dos accionistas, depois de salvaguardar a necessidade, aliás imperativa nos termos legais, de preencher a reserva legal.,
XC. Nos termos da alínea a) desse mesmo artigo dos estatutos da Recorrida, se deve segregar 5% até integral preenchimento da reserva legal,
XCI. Nos termos da alínea b) 15% devem ser distribuídos aos accionistas titulares de acções preferenciais e,
XCII. Nos termos da alínea c), o remanescente, do que houver sido deliberado distribuir como dividendos,
XCIII. Finalizando a análise do artigo 46º em apreço, o parágrafo 2º do mesmo, é reiterada, caso dúvidas restassem, que não é obrigatória - como não poderia ser - a distribuição da totalidade do rendimento liquido de cada exercício social, deixando tal critério à assembleia-geral,
XCIV. Consagraram, assim, os Estatutos da sociedade o princípio da soberania exclusiva, e constitutiva, dos accionistas no que respeita à deliberação sobre a aplicação dos resultados da empresa, maxime, à deliberação sobre o montante a ser distribuído aos accionistas como dividendo, não só tendo em conta o interesse dos accionistas mas, também, o interesse da sociedade.
XCV. Por todas as referidas razões não podem deixar de se considerar como válidas e legais todas as deliberações tomadas pela assembleia-geral da Recorrida no que respeita à aplicação de resultados - e consequentemente à distribuição de dividendos.
XCVI. Não existe um qualquer direito ou crédito específico, em favor da Recorrente, no que respeita a esses mesmos resultados transitados.
XCVII. Das próprias actas das assembleias-gerais nas quais a Recorrente sempre tomou parte votando favoravelmente a proposta e consequente deliberação sobre a aplicação de resultados - resultam claros os montantes que, ano após ano, os accionistas deliberaram distribuir como dividendos, e, bem assim, aqueles outros que, por força das mesmas deliberações, foram contabilizados como resultados transitados.
XCVIII. Legal, estatutária e comercialmente, não só não existe, por parte da Recorrida, qualquer obrigação de distribuir ou pagar lucros, tendo em conta que, tal obrigação só nasce, a partir do momento em que os accionistas, - e não a sociedade - aprovem os resultados anuais e deliberem sobre a aplicação de resultados e o montante exacto a distribuir como dividendos (cf. artigos 199º nº l e 431º nº 1 ambos do Código Comercial).
XCIX. É ainda estranha a utilização da expressão “dividendos retidos” que só pode resultar de uma tradução imprecisa da expressão inglesa “retained earnings” e que mais não significa do que, lucros não distribuídos e como tal transitados, sendo que os mesmos podem assumir diversas formas jurídicas e contabilistas como, entre outras, “reservas legais”, “reservas estatutárias”, “reservas livres”, “provisões”, “amortizações” ou, simplesmente, “resultados transitados”.
C. Dividendos, por definição geral e abstracta, subsiste na remuneração auferida pelas, e devida às, acções numa sociedade comercial, sendo, em termos mais restritos, a parte do lucro de uma sociedade a ser distribuído pelos accionistas (nos termos já sobejamente referidos).
CI. É totalmente desprovida de qualquer fundamentação jurídica a conclusão da Recorrente no artigo 97º da sua douta contestação de que os rendimentos líquidos não distribuídos constituem “dividendos retidos”, uma vez que isso equivaleria a dizer que, dos lucros a serem distribuídos aos accionistas - que passam a ser “dividendos” - não teriam sido pagos aos accionistas.
CII. A sociedade ora Recorrida, sempre pagou integralmente os dividendos, ou seja, os lucros que, no seguimento das deliberações das assembleias-gerais, devessem ser distribuídos por esse mesmo (único admissível) título.
CIII. O remanescente desses lucros, não é para ser distribuído aos accionistas, ou seja, nunca chegam a ser “dividendos”, mas sim resultados a transitar, não existindo por isso, quaisquer “dividendos retidos”.
CIV. O entendimento aqui sustentado, se é absolutamente claro em face da disciplina instituída pelo actual Código Comercial de Macau, constituía já o entendimento largamento dominante na doutrina portuguesa em face da essencial lacuna de previsão que resultava do velho Código Veiga Beirão.
CV. A gestão ajuizada de qualquer sociedade comercial, recomenda, precisamente, que não seja distribuída aos accionistas a totalidade do lucro líquido apurado, sob pena da sociedade poder não ter fundos para novos investimentos ou, genericamente, para enfrentar obrigações patrimoniais sem ter de recorrer ao financiamento externo (ou, pelo menos, sem que esse financiamento externo não tenha de fazer-se em condições substancialmente mais onerosas para a sociedade).
CVI. É do conhecimento público o trajecto da sociedade ora Recorrida, não só a sua evolução enquanto foi concessionária exclusiva dos jogos de fortuna ou azar na hoje RAEM, mas também nos investimentos feitos em áreas exorbitando dessa concessão.
CVII. No que respeita à área especifica que foi a sua concessão mantida durante 40 anos, até ao 31 de Março de 2002, não teria a sociedade evoluído para a qualidade e numero de locais onde operava a exploração desses jogos de fortuna ou azar, caso, ao longo desses 40 anos, sob proposta da administração e com o voto unânime ano após ano - dos seus accionistas, não tivesse seguido uma política prudente de distribuição de dividendos bem como de resultados transitados, que lhe permitiram investir nessa mesma qualidade de forma a que, a concessão, sistematicamente lhe foi sendo renovada.
CVIII. Resulta do teor das actas constantes dos autos que a Recorrente, entre 1980 e 1989, na sua qualidade de membro e presidente do Conselho Fiscal da Sociedade Recorrida, supervisionou a legalidade geral e estatutária de todos os procedimentos da sociedade e em especial emitiu e parecer favorável sobre a regularidade das contas, a actividade da administração e os próprios resultados da sociedade que traduzem também a aplicação dos resultados.
CIX. A Recorrente, desde 1989 e até 2002, na sua qualidade de administradora da sociedade Recorrida, aprovou as contas anuais e propôs à Assembleia Geral, ano após ano, a aplicação de resultados e a consequente distribuição de dividendos.
CX. Aplicação de resultados e consequente deliberação sobre pagamento de dividendos esses que, hoje, a Recorrente, depois de ter supervisionado, proposto e aprovado, vem por em crise.
CXI. A atitude da Recorrente que sempre supervisionou e votou no sentido que ora deveras põe em causa constitui juridicamente um abuso de direito, sendo uma mais do que evidente manifestação de venire contra factum proprium.
CXII. O pedido reconvencional em causa constitui, não uma mas antes múltiplas acções de anulação de deliberações sociais efectuadas de forma encapotada, e traduz-se numa discordância com a forma como os accionistas deliberaram.
CXIII. Como é sabido, a impugnação das deliberações sociais está sujeita a prazos de caducidade estritos de conhecimento oficioso.
CXIV. Se a Recorrente pretendesse impugnar as referidas deliberações (o que sempre estaria impedida na medida em que nelas participou e votou favoravelmente), teria de intentar as referidas acções de anulação em sede própria e no prazo legal (de 20 dias nos termos do artigo 146º, § único do Código Comercial de 1888, e artigo 2300, nº 2 do Código Comercial em vigor).
CXV. Todos esses prazos encontram-se manifestamente ultrapassados e os respectivos direito de acção precludidos por referência a cada uma das assembleias, e se assim não fosse, chegar-se-ia sempre ao ridículo de um accionista se lembrar, a qualquer momento de procurar e encontrar no baú da sociedade uma “não distribuição integral dos dividendos” ocorrida há décadas e, desta forma ficar legitimado a perturbar o regular funcionamento da sociedade.
CXVI. A Recorrente deduziu uma pretensão - a compensação - contra a Reconvinda cuja a falta de fundamento aquela não devia ignorar, falta de fundamento esse, ainda por cima patente no seu próprio articulado, ao referir que são da responsabilidade da Reconvinda vultuosas obrigações patrimoniais que sobre esta não impendem, já por força da Lei, já nos termos da respectiva disciplina estatutária.
CXVII. Veio, outrossim, arguir compensação sem que se tenha minimamente preocupado em preencher os requisitos básicos deste instituto ou, sem ter um fundamento sério, sendo sua intenção manifesta a de protelar a acção da justiça e sobretudo, a de causar prejuízo patrimonial relevante á sociedade, procurando, por expediente processual não admitido sob o ponto de vista do direito substantivo, a emissão do tribunal na esfera de competência dos sócios, de um lado, e, de outro, a grave delapidação dos bens próprios da sociedade tentando uma distribuição forçada dos mesmos para além do que foi determinado pela vontade unânime dos sócios,
CXVIII. E, para tal, não deixando de procurar disputar a legitimidade de deliberações sociais em cuja formação e/ou fiscalização e aprovação efectivamente participou com o exacto sentido em que as mesmas vieram a ser aprovadas - em patente e intencional venire contra factum proprium.
CXIX. Bem andou o Tribunal a quo, pois, ao condenar a Recorrente como litigante de má fé, tendo, por despacho de fls... 1384 e segs. condenado a Ré, ora Recorrente a pagar suportar os honorários no valor de MOP$1.200.000 ao abrigo do disposto no artigo 376º, n.º 4 do Código de Processo Civil de Macau.
CXX. A Recorrida apresentou por isso, uma nota de honorários dos seus mandatários devidamente descriminada e elaborada de acordo com os critérios constantes do artigo 20 do Regulamento de Laudos aprovado pela Associação dos Advogados de Macau, ou seja, com moderação e atendendo ao tempo gasto, à dificuldade do assunto, à importância dos serviços prestados, às posses dos interessados, aos resultados obtidos e à praxe e estilo do foro.
CXXI. A Recorrente não pode invocar por carecer de ilegitimidade, do valor excessivo ou não da referida nota de honorários.
CXXII. O valor da indemnização em que a Recorrente foi condenada a suportar, correspondente ao valor dos honorários devidos pela Recorrida, em consequência da litigância de má-fé da Recorrente é, por isso justa e adequada, pelo que deverá improceder o recurso interposto também neste particular.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. certamente suprirão, deverá o recurso apresentado pela Recorrente julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida. Só assim se fazendo a costumada Justiça!».
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
«A A. é uma sociedade anónima de responsabilidade limitada, com o capital social de MOP$85.250.000,00 (oitenta e cinco milhões duzentas e cinquenta mil patacas) (cfr. doc. 1 junto com a p.i.). (A)
A R. desempenhou funções de gestão junto da A. até 5 de Fevereiro de 2002. (B)
Nos termos do artigo 46º dos Estatutos da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., cuja redacção em vigor foi introduzida por escritura constitutiva de 14/07/1983, prevê-se o seguinte:
“1. O rendimento líquido do exercício social, conforme o balanço aprovado, será distribuído de acordo com a deliberação da Assembleia Geral, do seguinte modo:
a) Cinco por cento para o Fundo de Reserva legal, até que atinja a quinta parte do capital social e, sempre que necessário, reintegrá-lo até àquele limite;
b) Quinze por cento, a título de dividendo, pelos possuidores de acções preferenciais;
c) O remanescente, também a título de dividendo, por todos os accionistas da sociedade, tanto os possuidores de acções preferenciais como os titulares de acções ordinárias.
2. A Assembleia Geral pode, contudo, após a dedução para o Fundo de Reserva legal, afectar determinada importância do rendimento líquido à constituição de um fundo especial que se mostre indispensável.” (cfr. doc. 15 junto com a contestação) (C)
O contrato social inicial previa, no seu art.º 40º, o seguinte:
“Artigo 40º - Os lucros líquidos, conforme o balanço aprovado, terão, a seguinte aplicação, sem prejuízo das obrigações assumidas para com o Governo da Província de Macau: cinco por cento para o fundo de reserva legal e o restante para dividendo aos accionistas.
Parágrafo único: A assembleia geral ordinária a que seja apresentado o respectivo balanço, poderá retirar dos lucros líquidos determinada importância ou percentagem para qualquer fundo especial, mas sempre sem prejuízo das obrigações assumidas com o Governo da Província de Macau.” (cfr. doc. 16 junto com a contestação) (D)
O cheque n.º 028131 foi depositado no dia 3 de Julho de 1999, na conta nº 01/28959/060, junto do Banque National de Paris em Hong Kong de que a R. é titular. (E)
Em 1983, foi deliberada a distribuição de dois milhões de patacas por todos os accionistas, a título de dividendos, referente ao exercício de 1982, e desde 1984 até 2004 a Assembleia Geral ordinária da A. tem vindo a aprovar a distribuição de 15% do rendimento líquido do exercício social de cada ano, para todos os Possuidores de acções preferenciais, e ainda 20% a título de dividendos a distribuir por todos os accionistas da sociedade tanto pelos Possuidores de acções preferenciais como pelos titulares de acções ordinárias. (11º)
Pelo menos até 2003, nas respectivas convocatórias nunca se fez menção expressa à alteração do referido artigo 46º dos estatutos, ou do artigo 40º aquando da sua vigência, bem como à distribuição do rendimento remanescente. (12º e 13º)
A maior parte dos avisos convocatórias mencionados na ordem do dia de cada uma das Assembleias Gerais diziam somente: discussão e aprovação do balanço, contas e relatório do Conselho de Administração da Sociedade, referentes ao exercício findo, bem como do respectivo parecer do Conselho Fiscal. (14º)
Desde o exercício de 1983 até ao ano exercício de 2001, nada foi deliberado sobre a distribuição do rendimento líquido remanescente que corresponde a 60%. (15º)
Os rendimentos líquidos não distribuídos foram retidos pela A. (17º)
É deixado à Assembleia Geral dos accionistas, normalmente baseada numa proposta do Conselho de Administração, a deliberação sobre o montante que, dos lucros líquidos apurados e após feitas as reservas legais e provisões obrigatórias de cada exercício social, deva ser distribuído aos accionistas a título de dividendos. (18º)».
Acrescenta-se ainda o seguinte, em resultado dos documentos existentes nos autos:
a) - A deliberação a que se alude na resposta ao art. 11º da PI refere que a distribuição dos dois milhões seria feita na proporção das acções que cada accionista possuía, após a dedução da reserva legal (acta nº 26: doc. fls. 844 dos autos, Vol. IV).
b) - Nessa assembleia-geral foi explicado, tanto pelo Presidente do Conselho de Administração, Sr. D, como pelo Administrador Delegado, E que, apesar do lucro do exercício, não era possível fazer maior distribuição por causa dos encargos tidos nesse ano e das “enormes realizações e despesas…” (loc. cit.).
c) - Essa proposta foi aprovada por unanimidade, tendo estado presente a ora recorrente (loc. cit.).
d) - As deliberações sobre distribuição dos dividendos pela forma descrita na resposta ao art. 11º da PI faziam ainda referência à dedução para a “reserva legal” sem discriminação de percentagem (docs. vol. IV e V).
e) - Com referência aos exercícios de 2001 e sgs. as deliberações respectivas (2002 e sgs.) passaram a aludir expressamente ao “remanescente”, a ser afectado à gestão corrente da sociedade e à realização de despesas e investimento (fls. 1036, 1064 dos autos: Vol. V) ou a “resultados transitados” (fls. 1054 dos autos: Vol. V).
f) - O nº2 do art. 46º dos Estatutos viria a sofrer uma alteração por revisão do pacto em 2005, passando a dispor: «2. A Assembleia Geral pode, contudo, após a dedução para o Fundo de Reserva legal, afectar determinada importância do rendimento líquido à constituição de um fundo especial que se mostre indispensável ou, ainda, fixar um montante ou percentagem do rendimento líquido como resultados a transitar para o exercício seguinte».
g) - A STDM moveu acção executiva no TJB a que coube o nº CEO-008-02-4 contra a A (fls. 1698-1703).
h) – A executada deduziu embargos, a que coube o nº CV2-008-02-4-A, posteriormente mudado para CV2-02-0053-CEO-A, vindo a execução a extinguir-se por desistência do pedido da exequente/embargada, com custas a seu cargo (cfr. fls. 1704-1706 vº).
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III – O Direito
1 – Nota prévia
São quatro os recursos interpostos:
O primeiro (interlocutório) pela ré A, contra a decisão tomada no saneador, de julgar a autora absolvida da instância reconvencional relativamente aos três pedidos da reconvinte;
O segundo (interlocutório) pela autora STDM, por o tribunal não ter dado satisfação ao seu pedido no sentido de dar sem efeito o despacho saneador proferido nos autos, uma vez que noutro processo tinha sido ordenada a apensação destes àquele;
O terceiro (interlocutório) pela ré A, por ter sido condenada em custas no despacho que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide da acção (não da reconvenção);
O quarto (final) pela ré A contra a sentença final que julgou improcedente a reconvenção e a condenou por litigância de má fé.
Ora, tendo em conta o disposto no art. 628º, nº2, do CPC, apenas apreciaremos o recurso da autora STDM (2º recurso interlocutório) se a sentença não vier a ser confirmada.
Quanto aos outros dois recursos interlocutórios, impor-se-á o seu conhecimento pela ordem da sua interposição.
*
2 – Do 1º recurso interlocutório
2.1 Está em causa o despacho saneador que, com fundamento em litispendência, julgou a autora absolvida da instância reconvencional relativamente a três pedidos formulados pela ré/reconvinte, que tinham em vista a condenação daquela em determinadas importâncias em dinheiro.
Vejamos.
Nos presentes autos, a autora pedia a restituição de um milhão de dólares de Hong Kong que dizia ter emprestado à ré em 22/07/1999. A ré nega que tivesse pedido dinheiro emprestado à autora e diz que, em vez disso, o que houve foi (como seria prática habitual, segundo refere) um adiantamento daquela importância por conta dos lucros distribuíveis da autora e da remuneração da ré, sua directora executiva.
E foi, aliás, por isso mesmo que acabou por, em reconvenção, pedir o pagamento pela autora de quantias de que se diz credora àquele mesmo título (dividendos e remunerações em falta).
São, para além de outros, cuja cifra relega para liquidação em execução de sentença (ver alínea d) do art. 102º da contestação), os seguintes valores de que a ré se acha credora e cujo pagamento pede sob a égide da compensação:
a) - Mop$ 62.471.094,21, a título de dedução indevida de parte da sua remuneração e que fora destinada a terceiros, entre 1995 e 1998;
b) - Mop$ 16.815.774,49, a título de não pagamento integral da remuneração a que diz ter direito reportada ao período entre 1999 e 2001;
c) - Mop$ 107.774.592,37, a título de dividendos em falta, em função da não aplicação da “sharing ratio” correcta.
Ora, acontece que nos autos de execução intentados pela STDM contra a ré A (Proc. nº CEO-008-02-4) esta deduziu embargos e, também à luz da compensação que ali invocou, suscitou o crédito das mesmas importâncias acima referidas, num exercício justificativo exactamente igual ao aqui praticado.
Portanto, nos embargos de executado, clamou por uma compensação que opôs à STDM, reclamando os mesmos valores aludidos em a), b) e c) e com base nas mesmas causas (remunerações em falta e dividendos).
Poderá esta invocação, exactamente com os mesmos fundamentos e contra a mesma parte (STDM), nos presentes autos, preencher a noção de litispendência?
*
2.2 - O conceito de litispendência vem plasmado nos arts. 416º e 417º do CPC.
A litispendência pressupõe a repetição de uma causa (art. 416º, nº1, 1ª parte) quando a anterior ainda esteja em curso (art. 416º, nº1, 2º parte).
A repetição da causa ocorre “…quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir” (art. 417º, nº1). A identidade de sujeitos existe “quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (art. 417º, nº2). Há identidade do pedido “quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” (art. 417º, nº3). E verifica-se identidade de causa de pedir “quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico…” (art. 417º, nº4).
O que disse o despacho saneador a este respeito?
Apenas isto:
“Considerando que os factos e pedidos no processo de oposição à execução são parcialmente idênticos aos da reconvenção em apreço, incluindo os três pedidos no valor de ……e os respectivos factos.
Sendo assim, face às razões invocadas, para evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior sobre o mesmo objecto em dois processos distintos, a lei determina, nesta circunstância, a litispendência e consequentemente, a absolvição da instância da pessoa contra quem foi deduzido o pedido.
Assim, o signatário decide absolver a reconvinda da instância dos três primeiros pedidos da reconvinte, nos termos dos arts. 416º, 417º e 412º, nº2, do Código de Processo Civil ”.
Ora, o pedido que motivou a compensação nos embargos foi igual ao da reconvenção formulada nos presentes autos no que concerne à sua dimensão quantitativa e baseou-se nos mesmos factos jurídicos.
Não interessa que sejam dois processos distintos na sua qualificação e tampouco importa que num caso a impetrante seja executada e noutro seja ré/reconvinte. Na verdade, não deixa de haver identidade de sujeitos independentemente da posição jurídico-processual nos processos (neste sentido, José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil anotado, Vol. II, pág. 319).
Portanto, ao caso não releva a circunstância de ser diversa a posição jurídica processual, se as partes são portadoras do mesmo interesse substancial quanto à relação jurídica substantiva em causa (Ac. STJ, de 14/03/2006, in CJ/STJ, 2006, 1º, pág. 132).
Assim é que, mesmo que uma acção seja declarativa e outra executiva nada impede que se verifique a litispendência (Ac. STJ, de 6/06/2000, Sumários do STJ, 42º, pág. 10). Por conseguinte, não se exige identidade formal entre as acções (Calvão da Silva, Estudos de Direito Civil e Processo Civil, 1996, pág. 234 citado por Abílio Neto, in CPC anotado, 22ª ed., pág. 730).
O que se pretende é evitar que o órgão jurisdicional, por duas vezes chamado a pronunciar-se sobre idêntico objecto processual, contrarie em decisão posterior o sentido de decisão anterior.
Ora, no caso concreto as partes são as mesmas, ainda que além a pretensão de uma delas se situe no âmbito de uma execução (via embargos) e aqui no âmbito de uma acção declarativa de condenação (via reconvenção).
A causa de pedir também procede substancialmente dos mesmos factos e em ambas as acções o fundamento jurídico é, aliás, igual (compensação).
Quanto ao pedido é que talvez se coloquem dúvidas. Na verdade, enquanto nos embargos o pedido é de procedência destes com a inerente destruição dos efeitos do título e a consequente extinção da execução, nos autos em que nos encontramos a reconvenção tinha por objectivo o pedido de condenação da autora no pagamento de tais quantias. Pareceria, assim, que os pedidos são diferentes.
Cremos, porém, que o que verdadeiramente conta é o efeito jurídico substancial de cada um. Num caso e noutro, o que pretendia a embargante/reconvinte era ver-se livre de um crédito reclamado pela STDM, contra quem ela mesmo opôs um crédito seu. Logo, o efeito jurídico é o mesmo do ponto de vista substantivo. Conseguisse ela vingar a compensação suscitada nos embargos, o crédito que ela invocava sobre a STDM ficaria satisfeito com a compensação coroada de êxito e, nesse caso, não poderia na reconvenção obter aquilo a que se propôs nos embargos.
O pedido era, portanto, em ambos os casos substancialmente o mesmo.
Sendo assim, não cremos que o despacho saneador de 1/06/2005, à data em que foi proferido, merecesse qualquer censura (lembremos que a execução findou em 22/02/2006, por homologação da desistência do pedido executivo e com ela findaram também os embargos).
O recurso é, pois, de improceder.
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3 – Do 2º recurso interlocutório
O segundo recurso foi apresentado pela STDM (fls. 656).
Todavia, de acordo com o disposto no art. 628º, nº2, do CPC, apenas o apreciaremos se a sentença não vier a ser confirmada.
Por prematuro, pois, nada adiantaremos neste momento.
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4 – Do 3º recurso interlocutório
4.1 - Foi o recurso apresentado pela Ré A por discordar da sua condenação em custas na decisão que pôs termo à acção por extinção da instância da acção (não da reconvenção) com base em inutilidade superveniente da lide (cfr. fls. 1163).
A ré A, nos termos das conclusões alegatórias acima transcritas, não aceita que seja sua a responsabilidade das custas pela extinção pela instância decretada com o referido fundamento.
Em sua opinião, o art. 377º do CPC, na parte em que prevê que deva ser o réu a pagar as custas da acção por causa da extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, só seria aplicável se elas resultassem de facto que a si fosse imputável. Ora, segundo diz, nada fez para que a lide da acção fosse extinta, pois não partiu de sua iniciativa o pagamento do valor peticionado pela autora. O que a autora fez foi, de motu próprio, um abatimento daquele montante reclamado ao valor dos dividendos que distribuiu à ré relativos aos anos de 1999 a 2004 e que ainda não tinham sido pagos.
Vejamos.
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4.2 - O que motivou a decisão de extinção da instância?
Foi o facto de a autora da acção, STDM, ter vindo ao processo informar ter já recebido a totalidade da quantia peticionada nos autos (fls. 1155).
Repare-se, agora, nisto: a ré, face ao anúncio feito pela STDM a fls. 1155, de ter recebido já o valor peticionado na p.i., e notificada para se pronunciar sobre o assunto, veio declarar que não prescindia do prazo de 10 dias para analisar e responder ao requerimento da STDM (cfr. fls. 1157).
Tendo analisado, então, o requerimento, veio aos autos dizer que a dívida foi “liquidada” (sic) de motu próprio pela autora, abatendo o valor de um milhão de dólares de Hong Kong ao montante dos dividendos que a ré/reconvinte tinha direito a receber a título de dividendos relativos ao período de 1999 a 2004 (cfr. fls. 1162).
E diz: “…verifica-se a existência de um facto extintivo do direito invocado pela Autora nos presentes autos. (…) requer-se… se digne decretar a absolvição da Ré/Reconvinte do pedido formulado pela Autora nos presentes autos”.
Este alegado “abatimento” já tinha sido, aliás, reportado aos autos (com documentação anexa) pela própria STDM (fls. 719 e 720), sem que na altura tivesse tido o desenvolvimento que agora mereceu.
Ora, a ré A, como se viu, na resposta à STDM, não negou a dívida, embora pudesse tê-lo feito. Quer dizer, ela aceitou tacitamente que devia aquela importância à STDM e, por isso, é que deu por boa a existência de um facto extintivo do direito da autora com aquele abatimento. Ou seja, mesmo não tendo sido um pagamento voluntário, digamos assim, ela aceitou que a dedução era relevante e que desse modo “A dívida reclamada pela Autora nos presentes autos encontra-se efectivamente liquidada” (ponto 1 de fls. 1162 dos autos). Ora, isto representa, parece-nos, o reconhecimento nos autos de uma dívida sua perante a sua credora STDM.
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4.3 - A questão que se põe é se esse abatimento, que diz ser forçado, e sem o seu consentimento, tem algum reflexo em sede de custas na decisão que extinguiu a instância. Foi um facto da ré que levou à extinção da instância?
Em boa verdade, não sabemos se o abatimento, dedução ou compensação, como se quiser, teve origem numa negociação prévia, num acerto consensual de contas, ou se foi antes uma atitude unilateral por parte da autora STDM. Os autos não nos fornecem esses dados.
Mas, como hipótese, vamos admitir que essa dedução foi unilateral. Mudará isso o curso das coisas em termos puramente tributários (custas)?
Em nossa opinião, não. A ré A podia opor-se a que a acção tivesse aquele epílogo, dizendo que não aceitava a extinção com aquele fundamento. E podia até requerer que, por não ter autorizado a compensação, os autos fossem levados até ao fim, onde se discutiria se, na realidade, houve ou não empréstimo feito pela STDM a si e se ela já teria ou não restituído a quantia mutuada.
Mas não. Em vez disso, pediu prazo para se poder pronunciar (fls. 1157) e, tendo-o feito, limitou-se a reconhecer que a “dívida” se encontrava “efectivamente liquidada” (fls. 1162).
Mesmo sem falar na causa, a ré A admitiu a “dívida” e admitiu a compensação, seguramente!
Aliás, é bom não esquecer que, como diz Antunes Varela, “logo que verificados determinados requisitos, a lei prescinde do acordo de ambos os interessados para admitir a extinção das dívidas, compensáveis, por simples imposição de um deles ao outro. Diz-se, quando assim, é que as dívidas (ou os créditos) se extinguem por compensação legal (unilateral)”1. Também por isso se afirma que “A Lei não faz depender a compensação do facto desse crédito estar já judicialmente reconhecido, ou seja, previamente reconhecido em Tribunal”2. De resto, a compensação unilateral3 configura o exercício de um direito potestativo mediante a declaração de vontade receptícia (art. 216º, nº1, do CC) de uma das partes à outra (art. 839º, nº1, do CC).
E assim sendo, mesmo que a compensação não tivesse sido negociada ou concertada (e seria nesse caso compensação convencional), a verdade é que ela (aceite já no âmbito do processo) teve por resultado não mais se justificar a pendência da acção: na medida em que a ré aceitou a satisfação da pretensão da autora, o resultado que esta pretendia nos autos foi conseguido no seu núcleo fundamental (não se cura aqui dos juros).
Ora, se a ré aceitou que a STDM pudesse efectuar a dedução, se não se lhe opôs previamente, nem dirigiu contra a sentença de extinção da instância nenhuma censura substantiva através de recurso jurisdicional (apenas o fez contra as custas), porque razão haveria ela de escapar à responsabilidade pelas custas se a “dívida” era dela e de mais ninguém? Essa é uma situação que não pode ser diferente daquela que existiria se o processo tivesse prosseguido até ao seu termo normal e, a final, viesse a ser proferida uma sentença que condenasse a ré A a pagar à autora STDM, porque lha devia, a peticionada quantia. Seria ela responsável pela parte correspondente das custas, obviamente. Aqui também não pode ser outra a solução.
Predomina neste caso, portanto, o princípio da causalidade: a acção foi intentada por causa de uma imputada dívida da ré à autora; o termo da acção deve-se à compensação efectuada pela autora e que a ré aceitou.
Eis, pois, a razão pela qual o recurso da recorrente A não pode ser provido.
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5 – Recurso da sentença
5.1- Excluídos os três primeiros pedidos de quantias liquidadas pela reconvinte, em função da decisão de absolvição da instância da autora por ocorrência de litispendência (acima confirmada), a reconvenção prosseguiu para julgamento do 4º pedido em que a ré/reconvinte A pedia a condenação da autora no pagamento do que viesse a ser liquidado em execução de sentença relativamente “…à parte nos lucros da A. não distribuídos pelos sócios desde 1983”.
São várias as questões que urge decidir:
1ª - Qual a lei aplicável? O Código Comercial de 1988 ou o Código Comercial de 1999?
2ª - Qual o papel das disposições dos estatutos da STDM?
3ª - Onde, e em que momento, é constituído o direito aos lucros da sociedade por cada um dos sócios?
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5.2 – Em primeiro lugar, impõe que se apure qual a lei aplicável ao caso, se a lei nova ou a antiga, vale dizer, o Código Comercial de 1999 ou o Código de 1888 (Veiga Beirão).
O art. 11º do C. Civil dispõe:
“1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
O nº1 constitui a regra geral em matéria de aplicação de leis que se sucedem no tempo: “tempus regit factum”. É o princípio consabido da irretroactividade das leis.
O nº2, por seu lado, apresenta duas partes distintas.
Na primeira delas, o legislador contemplou duas hipóteses:
1ª hipótese: quando a lei dispuser sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos;
2ª hipótese: quando a lei dispuser sobre os efeitos de quaisquer factos;
E a estatuição para ambas foi a seguinte: Em caso de dúvida, aplica-se a lei (nova) apenas aos factos novos.
Esta parte, porém, não parece que se adeqúe ao caso vertente. Ninguém pôs em dúvida a questão da validade (formal ou substancial) de certos factos, nem a eficácia (efeitos) de determinados factos.
Temos que avançar, portanto, para a segunda parte da norma. Disporá o CC de 1999 sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem?
Ouçamos Inocêncio Galvão Telles4:
“O enunciado do artigo 12º (leia-se, entre nós, art. 11º) não é por si suficiente. Quando se deverá dizer que a lei dispõe directamente sobre o conteúdo das relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem? Como discriminar as hipóteses em que os efeitos pendentes ou futuros são vistos em ligação com os factos, sua causa, e aquelas outras em que são olhados em si, no seu próprio conteúdo? O artigo 12º não fornece a resposta, não apresenta um critério orientador. Esse critério tem de ser determinado doutrinariamente. Penso que o critério exacto é dado pela distinção atrás formulada entre situações jurídicas instantâneas e situações jurídicas duradouras. São as segundas que se traduzem num exercício continuado ou periódico, as visadas afinal na 2º parte do nº 2 do artigo 12º. Pela sua permanência maior ou menor, elas escapam, quanto ao futuro, à lei antiga, entrando na órbita da lei nova. É a lei nova que define a partir da sua vigência o conteúdo dos poderes do proprietário ou do tutor ou do cabeça de casal, etc.” (destaque a negro nosso)
E conclui o autor:
“…as situações instantâneas tendem a desaparecer e as duradouras a perdurar, resolvendo-se aquelas em actos periódicos ou permanentes. A execução de umas é momentânea, a das outras é sucessiva ou continuada. Representam por ex. situações instantâneas o direito à restituição do capital mutuado ou o direito à anulação de um acto jurídico; situações duradouras, a posição de funcionário público, a de senhorio ou inquilino, proprietário, a de cônjuge. A lei antiga rege os factos e os efeitos pretéritos, os já executados. Quanto aos outros efeitos, ainda não executados ou nem sequer nascidos, há que ver se integram situações instantâneas ou duradouras. Se integram situações instantâneas, também se lhes aplica a lei antiga [v. g. as obrigações ligadas ao cumprimento do contrato deferido no tempo]. Se integram situações duradouras, respeita-se o seu passado sob a égide da lei antiga, mas para o futuro ficam sob o domínio da lei nova, que pode v.g. mudar os poderes do proprietário ou do cônjuge.”
No que respeita aos contratos, por exemplo, não falta quem defenda, em termos gerais, a aplicação da lei antiga, em homenagem ao princípio da autonomia da vontade5. Todavia, mesmo aí, casos há em que se justifica a aplicação da lei nova, por exemplo, como modo de protecção da parte socialmente mais fraca de uma relação contratual6 ou quando a nova lei traz novos dispositivos de carácter imperativo ou proibitivo respeitantes à violação de um contrato, ou quando em causa está, v.g., a violação de um contrato promessa ocorrida sob a égide da lei nova7.
Mas, voltemos ao segmento “quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas…”.
Pires de Lima e Antunes Varela, a propósito, esclarecem: “Se, porém, tratando-se do conteúdo do direito, for indiferente o facto que lhe deu origem, a nova lei é aplicável. Assim, para fixar o conteúdo do direito de propriedade, ou de qualquer outro direito real, é aplicável a lei nova e não a lei da data da sua constituição. Não interessa, na verdade, saber qual foi o título constitutivo, nem qual foi, por consequência, a data da formação do direito (…). O mesmo acontece, geralmente, com os direitos de natureza perpétua, como os relativos ao estado de casado, de filho, de adopção, etc”.8
E prosseguem os mesmos autores: “O que pode acontecer é que o conteúdo do direito esteja em parte dominado pelo facto que lhe deu origem. Por exemplo, o direito de superfície ou uma servidão podem ter efeitos fixados contratualmente, que devem ser respeitados. Prevalece, nestes casos, o regime novo somente no que não estiver sob o domínio do contrato, como geralmente acontece quanto à determinação do lugar de pagamento do cânone superficiário (…), às condições do exercício da servidão, etc.”.
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5.3 - O art. 2º do DL nº 40/99/M, que aprovou o novo Código Comercial de Macau preceitua o seguinte:
“1 – O presente diploma e o Código Comercial por ele aprovado entram em vigor no dia 1 de Novembro de 1999.
2 – O Código não é, porém, aplicável às acções que estejam pendentes nos tribunais no dia da sua entrada em vigor.”
Decorre da sua leitura que ele, o novo Código, só não é aplicável aos casos judiciais pendentes à data da sua entrada em vigor. As situações restantes que não estejam em escrutínio nos tribunais já podem ser submetidas à sua disciplina.
Mas, todas as restantes? Todas, não. O art. 9º desse DL nº 40/99/M estatuiu que: “A aplicação das disposições do Código Comercial a factos passados fica subordinada às regras do artigo 11º do Código Civil, com as modificações e os esclarecimentos constantes dos artigos seguintes”.
Por conseguinte, o Código Comercial de 1999 admite a sua aplicabilidade a factos anteriores, porém, no respeito pelo art. 11º do Código Civil.
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5.4 - Então, regressemos ao art. 11º do CC, para nos questionarmos: Estaremos nós perante normas do novo Cod. Com. que disponham directamente sobre o conteúdo da relação jurídica abstraindo dos factos que lhe deram origem?
Se se entender que o que importa é a relação jurídica em si mesma e que o direito ao lucro nasce com a mera qualidade de sócio, então pareceria que a expressão do art. 11º do CC em causa caberia aqui perfeitamente: pouco importaria saber se essa qualidade nasceu de uma transmissão na bolsa ou fora da bolsa, se foi por acto entre vivos ou mortis causa, se foi por compra e venda, troca, doação9. E então, o Cod. Comercial de 1999, segundo o art. 11º, 2ª parte, seria aplicável.
Todavia, como veremos, pensamos que o que está em causa no conteúdo dessa relação é o direito concreto aos lucros (não o direito abstracto). E nesse caso, já importa atentar no facto concreto que origina esse direito.
Mas, vejamos.
A relação jurídica é, obviamente, a estabelecida entre a recorrente e a recorrida no âmbito da titularidade pela primeira da qualidade de accionista da segunda.
Ora, se atentarmos na definição de sociedade, logo se verá que o seu escopo será a repartição de lucros resultantes da respectiva actividade ou a obtenção de uma economia.
Os lucros e/ou a economia são parte do objectivo da sociedade; são fundamento e fim, simultaneamente. Mas, como é evidente, isso não quer dizer que o sócio ou o accionista, pelo facto de o ser, tem desde logo um direito aos lucros. Os lucros pertencem, em primeiro lugar, à sociedade e só depois é que serão repartidos pelos membros do grémio. Como assinala J. M. Coutinho de Abreu «… o lucro … é um ganho traduzível num incremento do património da sociedade. Tal ganho, por ser um valor patrimonial distribuível, há-de formar-se no património social (daí será depois transferido para o património dos sócios)»10. Na esteira de Filipe Cassiano dos Santos, o fim lucrativo é um fim associativo e não um fim pessoal dos sócios11. O lucro é da sociedade; posteriormente ela é que o destina.
A repartição dos lucros será, vistas as coisas desta maneira, uma meta a atingir, o resultado de um percurso lógico subjacente ao espírito da criação do ente. Mas nada disso é ontológico em relação ao accionista. Ou seja, não será por estarmos perante uma finalística objectiva que integra a própria noção de sociedade, que o direito aos lucros é, desde logo, um direito subjectivo dos membros desta. A sociedade é um ente jurídico de substrato pessoal, como se sabe (ao contrário da fundação, por exemplo, apenas económico). Se em determinado exercício não se registarem lucros líquidos, parece claro que não haverá sequer possibilidade de repartição. E mesmo havendo-os, os estatutos ou os membros da sociedade, em deliberação própria, podem determinar que eles sejam distribuídos de uma determinada maneira ou sejam reservados a um fundo de maneio, a uma provisão, a amortização, a reserva livre de investimentos futuros, a reservas estatutárias, a resultados transitados, etc.
O direito de participação nos lucros tem a mesma força que o dever de participar nas perdas. Mas este princípio universal das sociedades não é de ordem pública12 e, por isso, é livremente derrogável pelos sócios. Portanto, não é imutável o direito abstracto aos lucros na proporção das participações no capital. Por outro lado, embora o direito subjectivo ao lucro seja um dos essentialia elementa do conceito de sociedade, tal não equivale a dizer que cada um dos sócios tenha, a se, direito de exigir a distribuição do lucro de balanço ou o lucro total. «Cabe à colectividade dos sócios livremente decidir …se, quando e como se procederá à sua repartição. I.2, a titularidade deste direito (que se pode designar como direito abstracto) ao lucro não permite ao sócio exigir da sociedade a distribuição da riqueza por ela criada (…). Dito de outro modo, o sócio não é titular de um direito concreto sobre o lucro (…). Ou seja, só com a deliberação social de distribuição é que o lucro se torna dividendo, é que o direito do sócio ao lucro se determina e materializa (…). Trata-se, pois, de um direito que apenas nasce com aquela deliberação e, portanto, só existe a partir dela»13.
O que queremos dizer com isto? Queremos dizer que não é da simples existência objectiva da relação jurídica nascida do binómio sociedade-sócio/accionista que advém o direito subjectivo à repartição do lucro. O direito não nasce com assento no art. 184º do CC. A mera existência da relação confere um “direito abstracto” ao lucro14, uma expectativa jurídica15, se se quiser, que decorre de um “estado-qualidade”, isto é, do “estado de sócio”16; o direito concreto ao lucro, esse, depende da existência de resultados positivos, do cumprimento prévio das regras legais sobre reservas legais e do acatamento das regras estatutárias relativas à distribuição dos dividendos17 e das deliberações sociais.
Isto significa que o novo Código (a nova lei, leia-se) não é independente, não se desliga, não é indiferente, não se abstrai dos factos que deram origem ao conteúdo da relação jurídica. Quer dizer, se o que está simplesmente em causa não é o direito abstracto aos lucros, mas sim o conteúdo concreto da relação jurídica que une (no caso, parece desunir) a STDM à accionista A, isto é, a parcela dessa relação jurídica traduzida pelo direito concreto desta aos lucros daquela, então cremos que à nova lei não são indiferentes os factos em que este direito (concreto) aos lucros se funda. Os factos jurídicos podem estar nas deliberações ou podem estar nos estatutos ou até em ambos os casos, mas é deles, seguramente, que arranca o direito subjectivo concreto à parcela individual do membro e é neles que pode assentar eventual diferença da dimensão substantiva e concreta desse direito de ano para ano.
Neste sentido, o direito concreto só por estes meios é constituído, não pela mera relação jurídica.
E basta ver o que dispõem:
O artigo 195º (direitos dos sócios):
«1. Todo o sócio tem direito, nos termos e com as limitações previstas na lei e sem prejuízo de outros direitos especialmente consagrados, a:
a) quinhoar nos lucros; (…)» (destaque a negro nosso).
O artigo 197º:
«1. Salvo disposição legal ou estatutária em contrário, os sócios quinhoam nos lucros e perdas da sociedade segundo a proporção dos valores nominais das respectivas participações no capital, 2. (…)».
O artigo 431º:
«1. Os lucros distribuíveis do exercício têm o destino que for deliberado pelos sócios. 2. Os estatutos podem impor que uma percentagem, não superior a 25%, dos lucros distribuíveis do exercício seja obrigatoriamente distribuída aos sócios. 3. O crédito do accionista aos lucros vence-se 30 dias após o registo da deliberação que aprovou as contas do exercício e da que dispôs sobre a aplicação dos resultados».
Nós cremos, sinceramente, que estas normas do novo Código Comercial, afinal de contas, no que concerne ao conteúdo patrimonial da relação entre os sócios e a sociedade (Capitulo I, Secção III, do Livro II: arts. 194º e sgs.) e especificamente aos lucros das sociedades anónimas (art. 393º e sgs.), concedem um peso específico aos estatutos e aos próprios sócios reunidos em assembleia e, portanto, às deliberações sociais que a esse propósito dispuserem.
Tudo isto não é senão a concretização da ideia inicial manifestada por Inocêncio Galvão Telles, de que, pelo facto de se estar perante uma situação duradoura, haverá que respeitar o passado sob a égide da lei antiga enquanto para futuro ela se regulará pela lei nova18. Não faria sentido que, por não ter accionado os mecanismos de protecção do direito nascido sob o império da lei antiga, o titular perdesse as virtudes ou as imperfeições dele.
Este é, de resto, o sentido da jurisprudência local sobre esta matéria de sucessão de leis no tempo, de que destacamos, por exemplo, os Acs. do TUI, de 5/12/2008, Proc. nº 10/2006 (em matéria de contratos), do TSI, de 23/01/2003, Proc. nº 200/2002 (em matéria de transmissão de acções), de 9/02/2012, Proc. nº 985/2010 (em matéria de usucapião) e de 14/04/2011, Proc. nº 602/2008 (em matéria de preferência), entre outros.
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5.5 - O que está em causa é a distribuição de dividendos, recorde-se, referentes aos exercícios de 1982 a 2000.
Face ao que se disse, temos, portanto, que em relação ao exercício de 1982, na deliberação de 31/03/1983 (fls. 840 do vol. IV dos autos) houve clara e expressa intenção de apenas distribuir 2 milhões de patacas pelos accionistas. Todavia, não parece que essa deliberação seja menos incompleta que as restantes, só porque fez uma afectação concreta de um determinado valor pelos accionistas. Na realidade, nada foi dito sobre a parte restante dos lucros e, por isso, sofre do mesmo pecado que as posteriores.
Quanto aos exercícios de 1983 a 1998 aplica-se o Código Comercial de 1888, como vimos, e a solução já foi adiantada nos parágrafos que antecedem.
O exercício de 1999 foi abrangido pelo Código Comercial de 1888 até à entrada em vigor do Cod. Comercial de 1999, ou seja, até 31/10/199919; depois de 1/11 passou a ficar abrangido por este. Sendo assim, e ao abrigo do art. 11º do Código Civil, nº2, 2ª parte, a aprovação do balanço e contas do exercício efectuado em 23/03/2000 (cfr. fls. 1001 a 1005: Volume V dos autos) e, consequentemente, a deliberação sobre a formação de Reservas e distribuição de dividendos ficará sujeita ao novo Código.
E se isto o dizemos relativamente ao exercício desse ano de 1999, por maioria de razão teremos que dizer do exercício de 2000, cuja deliberação foi tomada em 28/03/2001 (fls. 2007 a 2013) 20.
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5.6 - O que dizia o Cod. Comercial de 1888?
Vale a pena transcrever as normas capazes de acudirem ao caso (o destaque a negro será da nossa lavra).
Assim:
No art. 114º prescrevia:
«O Título constitutivo das sociedades especificará:

7 – Os poderes das assembleias-gerais, as condições necessárias à sua constituição e funcionamento e ao exercício do direito de voto, e a forma por que os sócios se poderão fazer representar».
No art. 118º estatuía:
«Todo o sócio é obrigado:

2 – A quinhoar nas perdas na proporção convencionada e, na falta de convenção, na da sua entrada».
E no art. 119º assegurava:
«Todo o sócio tem direito:
1 – A haver parte no dividendo dos lucros, nos termos estabelecidos no nº2 do artigo antecedente».
No art. 146º dispunha:
«Todo o sócio ou accionista que tiver protestado em reunião ou assembleia geral dos sócios contra qualquer deliberação nela tomada em oposição às disposições expressas na lei ou no contrato social, pode, no prazo de 20 dias, levar o seu protesto com as provas que tiver ao tribunal de comércio respectivo, e pedir que se julgue nula a deliberação, ouvida a sociedade».
No art. 189º afirmava:
«No fim de cada ano a direcção apresentará ao conselho fiscal:
1 - …; 2 – Conta de ganhos e perdas; 3- …; 4 – Proposta de dividendo e da percentagem destinada a constituir o fundo de reserva…. §4º- Só depois de findos os prazos fixados neste artigo e seus parágrafos e de satisfeitos os termos neles prescritos, serão os mesmos documentos submetidos à deliberação da assembleia-geral».
No art. 191º estabelecia:
«Dos lucros líquidos da sociedade uma percentagem não inferior à vigésima parte deles é destinada à formação de um fundo de reserva, até que este represente, pelo menos a quinta parte do capital social.
§ único. O fundo de reserva será reintegrado todas as vezes que por qualquer razão se achar reduzido».
O art. 192º rezava assim:
«É expressamente proibido que nos estatutos se estipulem juros certos e determinados para as acções, as quais só dão direito à parte proporcional que lhes caiba nos lucros líquidos que efectivamente resultem das operações da sociedade, comprovados pelos balanços».
Por aqui se vê que o Código Comercial de 1888 (Veiga Beirão) não era exaustivo no que a esta temática concerne, ainda que, incipientemente, lá fosse deixando aqui e ali algumas normas sobre os valores mínimos dos fundos de reserva e sobre a distribuição dos lucros em função da proporção na participação dos sócios no capital da empresa. Era pouco, é verdade. De qualquer maneira, no seu articulado, nomeadamente nas normas acima transcritas, para além do conteúdo mínimo que não deveria deixar de ser respeitado (reservas) e de um limite máximo na repartição dos dividendos (proporcional às entradas), já nele podemos entrever um espírito subjacente: a deliberação da assembleia-geral tinha a decisiva palavra sobre a quantificação do lucro líquido a distribuir efectivamente!
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5.7 - Mas encaremos, agora, a questão na perspectiva estatutária.
O art. 46º dos Estatutos da STDM, na redacção que lhe foi dada pela escritura constitutiva de 14/07/1983, dizia que:
“1. O rendimento líquido do exercício social, conforme o balanço aprovado, será distribuído de acordo com a deliberação da Assembleia Geral, do seguinte modo:
a) Cinco por cento para o Fundo de Reserva legal, até que atinja a quinta parte do capital social e, sempre que necessário, reintegrá-lo até àquele limite;
b) Quinze por cento, a título de dividendo, pelos possuidores de acções preferenciais;
c) O remanescente, também a título de dividendo, por todos os accionistas da sociedade, tanto os possuidores de acções preferenciais como os titulares de acções ordinárias.
2. A Assembleia Geral pode, contudo, após a dedução para o Fundo de Reserva legal, afectar determinada importância do rendimento líquido à constituição de um fundo especial que se mostre indispensável.” (cfr. doc. 15 junto com a contestação e alínea C dos factos assentes)21
Os estatutos - que reproduzem a vontade dos diversos membros do contrato social - são claros: uma vez apurado o lucro líquido, conforme balanço aprovado, ele deve ser destinado:
1º - Obrigatoriamente, em 5% para o fundo de “reserva legal”;
2º - Obrigatoriamente, em 15% para os accionistas detentores de acções preferenciais;
3º - O remanescente, para todos os accionistas, sejam ou não titulares de acções preferenciais.
Qual é o valor deste remanescente? O sobrante da destinação que a assembleia tiver eventualmente dado ao lucro líquido com vista à constituição de um fundo especial indispensável.
E o que aconteceu na realidade?
Em 1983, respeitante ao exercício de 1982, foi deliberada a distribuição de dois milhões de patacas por todos os accionistas a título de dividendos referente ao exercício de 1982 (resposta ao art. 11º da BI), na proporção das acções possuídas por cada um (ver doc. fls. 844, Vol. IV).
E desde 1984 até 2004 «…a Assembleia Geral ordinária da A. tem vindo a aprovar a distribuição de 15% do rendimento líquido do exercício social de cada ano, para todos os Possuidores de acções preferenciais, e ainda 20% a título de dividendos a distribuir por todos os accionistas da sociedade tanto pelos Possuidores de acções preferenciais como pelos titulares de acções ordinárias» (resposta ao art. 11º da BI).
Como se pode ver, a STDM, salvo em 1983, respeitou o quantum a destinar à reserva legal (5%) e aos dividendos pelos sócios detentores de acções preferenciais (15%).
Quanto à parte restante (80%) é que se notou um desvio. É que desde então até 2002 (neste caso, referente ao exercício de 2001), deliberou retirar 5% para reserva legal, 15% para os detentores de acções preferenciais e mais 20% para todos os accionistas (preferenciais ou não).
Só relativamente aos exercícios de 2001 e seguintes é que as deliberações passaram a aludir expressamente ao “remanescente”, que passaram a afectar à gestão corrente da sociedade, à realização de despesas e investimento (fls. 1036, 1064 dos autos: Vol. V) ou a “resultados transitados” (fls. 1054 dos autos: Vol. V).
Ou seja, até 2001, dos 80% que excediam a retirada de 5% para a reserva mais a de 15% para os titulares de acções preferenciais, acabou por retirar 20%. Ficaram de sobra 60%.
É neste ponto que a reconvinte esgrime a sua desavença litigiosa. Achando ela que deveriam ter sido distribuídos inicialmente 80%, ao ter sido feita a distribuição de 20%, entende que a sociedade lhe deve o proporcional às suas acções na parte restante de 60%.
Este raciocínio não parece falhar na lógica e na aritmética. Será que não peca por outra via?
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5.8 - Pois bem. Tanto quanto nos é dado ver (e nem sequer nos ateremos a eventuais operações contabilísticas que, na escrita organizada da STDM, poderiam remeter aquele excedente não deliberado para uma rubrica que tivesse a ver com, por exemplo, “resultados transitados”, ”outras reservas” ou, então, pelo lado passivo, “provisões”, “outras contas a pagar”, etc., etc.), a verdade é que nenhuma deliberação social dentro daquele período deu destino a 60% do resultado líquido ao longo de vários anos. Não se questiona isso.
Não se duvide, porém, de outra coisa também: o sócio não tem direito ao lucro da sociedade, porque só ela é soberana sobre o se e sobre o quanto a destinar aos membros do grémio. O direito (concreto) ao quinhão (concreto) só a pessoa colectiva o pode definir, através do órgão próprio, no quadro da sua soberania social. É isso o que o art. 46º do Estatutos confirma ao textuar que “o rendimento líquido do exercício social, conforme o balanço aprovado, será distribuído de acordo com a deliberação da Assembleia Geral…”.
Ora, as referidas deliberações foram-se sucedendo ao longo dos anos e nenhum dos accionistas contra elas moveu, que saibamos, qualquer impugnação judicial (acção anulatória), nem sequer emitiu o protesto previsto no art. 146º do Cod. Comercial de 1888. Se a recorrente ou outro accionista tivesse julgado que aquela deliberação ofendia a referida norma estatutária, então poderia lavrar protesto e socorrer-se da via anulatória. Ninguém fez isso, porém. Em vez disso, a reconvinte, enquanto membro do Presidente do Conselho Fiscal da STDM sempre concordou com a deliberação em que participou e sempre propôs um voto de louvor pela “notável actividade” exercida no decurso do exercício findo.
Portanto, se ela fez alguma impugnação anulatória com esse fundamento, cremos que só a sentença definitiva (transitada) pode dar cobertura à sua pretensão. Se o não fez, não nos parece que a presente via processual possa garantir-lhe exactamente a mesma solução.
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5.9 - Voltemo-nos agora para os pareceres juntos aos autos.
O parecer de A. Menezes Cordeiro apresenta a seguinte posição:
- No art. 46º dos Estatutos da STDM está previsto um direito abstracto ao dividendo, que só se concretiza com a deliberação da Assembleia Geral;
- A forma de distribuição pela Assembleia Geral deve obedecer ao art. 46º, pois só ele resolve o tema do destino das receitas líquidas;
- A interpretação das deliberações é esta: Não foi criado o fundo especial, permitido pelo nº2, do art. 46º; logo, não há explicação para que não se tenha dado destino a 60% dos lucros líquidos.
- Não são inválidas tais deliberações; são, sim, incompletas no que respeita aos 60% dos lucros líquidos obtidos;
Por seu turno, Filipe Cassiano dos Santos sintetiza assim a sua posição no seu parecer que a recorrente A juntou aos autos:
- O direito concreto aos lucros dos sócios não advém da deliberação que aprova a sua distribuição pelos sócios;
- O art. 46º, de acordo com uma interpretação objectivista, estabelece o modo como os lucros hão-de ser distribuídos pelos sócios da STDM;
- As deliberações no quadro da soberania dos sócios, revelam a intenção de distribuição nos termos do art. 46º dos Estatutos;
- E ao longo dos anos elas não decidiram sobre a totalidade dos lucros, sendo que, apesar disso, a omissão verificada não gera invalidade das deliberações;
- O facto de aquela percentagem de 60% de lucros não ter tido destino não a converte em capital social, não se transformou em património da sociedade;
- Na falta de deliberação dos sócios sobre aquela fatia de lucros (60%) vale a regra de distribuição prevista nos Estatutos, sem necessidade de recurso a outro meio que não seja a acção declarativa tendente a obter o pagamento;
- Por tais deliberações não terem violado os estatutos, nem decidido sobre a totalidade dos lucros, a circunstância de a recorrente as ter votado favoravelmente enquanto membro dos órgãos sociais e ter proposto a sua aprovação, não a inibe de exigir agora o seu pagamento.
Teixeira Garcia, pela sua parte, é de opinião que:
- A melhor interpretação do art. 46º dos Estatutos deve seguir o critério tradicional de interpretação do negócio jurídico, não o critério objectivista; quando muito, este critério será aceitável apenas no âmbito de um certo desvio e somente para enquadrar a tutela dos interesses de terceiros, sejam eles futuros sócios ou credores sociais.
- Assim, deve atender-se ao sentimento dos sócios fundadores e actuais, em especial numa sociedade anónima fechada, como é a STDM, marcada fortemente por raízes familiares a partir do seu patriarca E, e que, portanto, resiste à entrada de novos sócios através de mecanismos estatutários de preferência na transmissão de títulos;
- Deve prevalecer o sentimento fundacional e a prática ocorrida na vigência do primitivo art. 40º dos Estatutos e que se prolongou entre 1983 e 2000, já sob a égide do art. 46º de atribuir à Assembleia Geral a competência sobre o se e sobre o quantum de lucros a distribuir.
- E, assim, nada tendo as deliberações dito quanto àqueles 60%, a intenção foi a de, como sempre até então aconteceu, implicitamente fazer aquela receita ficar a pertencer à Sociedade, algo com que a recorrente sempre se conformou nas aprovações em que participou (e que, agora, com a sua atitude em contrário, pode representar a concretização de um venire contra factum proprium).
- Tais deliberações não são, pois, incompletas; revelam antes a intenção dos sócios deliberantes sobre aqueles 60% de receita líquida;
- A admitir-se a interpretação das deliberações de uma maneira objectivista, como qualificá-las entre 1983 e 2000 se for de entender que não observaram a disposição do art. 46º dos Estatutos?
- A entender que são inválidas, há muito se esgotou o prazo para a sua arguição. Mas se as considerarmos intencionalmente concludentes, ou seja, com o sentido de que pretenderam modificar ad hoc os estatutos, então seriam válidas, mas os seus efeitos apenas se reflectiriam para o passado, e não para o futuro. Contudo, acha que não houve alteração pontual e “concludente” dos estatutos e, por isso, a questão só pode ser resolvida à luz da interpretação dos estatutos;
- Em sua opinião, aqueles lucros sobre os quais não houve deliberação passaram a lucros transitados (conta 59 do POC, do DL 34/83/M, de 9/07), em relação aos quais se aplicaria a lei nova (por ser a lei existente no momento da sua distribuição) e, nesse caso, o tecto máximo seria de 25% ao abrigo do art. 431º do Cod. Comercial de 1999;
- Portanto, deixaram de ser “resultados de exercício”, para serem “resultados transitados acumulados” (logo, “lucro de balanço”), carecendo de uma deliberação, a todo o tempo, da Assembleia Geral, porque assim o obriga o art. 46º dos Estatutos.
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5.10 - Em nossa opinião, os pareceres juntos apresentam pontos de contacto e a nossa tarefa jurisprudencial não é fazer a análise crítica de cada um, nem sobrelevar individualmente os pontos que merecem o nosso aplauso. Vamos, por isso, como nos compete, decidir o caso, expondo o nosso ponto de vista, que com eles pode ser coincidente ou dissemelhante.
O art. 40º dos Estatutos da STDM (versão de 1962) dispunha:
«Os lucros líquidos, conforme o balanço aprovado, terão a seguinte aplicação, sem prejuízo das obrigações assumidas para com o Governo da Província de Macau:
Cinco por cento para o fundo de reserva legal e o restante para dividendo aos accionistas.
Parágrafo único – A Assembleia Geral ordinária a que seja apresentado o respectivo balanço, poderá retirar dos lucros líquidos determinada importância ou percentagem para qualquer fundo especial, mas sempre sem prejuízo das obrigações assumidas com o Governo da Província de Macau».
O art. 46º (Estatutos de 1983: 14/07/1983), no que à distribuição dos lucros concerne, passou a estatuir o seguinte (já acima o pudemos visitar, mas repetimos aqui o seu texto para facilidade na compreensão do thema):
«Um: O rendimento líquido do exercício social, conforme o balanço aprovado, será distribuído de acordo com a deliberação da Assembleia Geral, do seguinte modo:
a) Cinco por cento para o Fundo de Reserva Legal, até que atinja a quinta parte do capital social e, sempre que seja necessário, reintegrá-lo até àquele limite;
b) Quinze por cento, a título de dividendo, pelos possuidores de acções preferenciais;
c) O remanescente, também a título de dividendo, por todos os accionistas de acções da sociedade, tanto os possuidores de acções preferenciais, como os titulares de acções ordinárias.
Dois: A Assembleia Geral pode, contudo, após a dedução para o Fundo de Reserva Legal, afectar determinada importância do rendimento liquido à constituição de um Fundo de Reserva Especial que se mostre indispensável».
Façamos o confronto destas disposições.
No art. 40º estabelecia-se a seguinte ordem de retirada dos lucros de cada exercício:
Em primeiro lugar, atender-se-ia ao que estivesse assumido obrigacionalmente com o Governo (de cariz social, assistencial, tributária, etc., não importa o que fosse, porque isso não está em causa neste momento). Uma parte dos lucros iria obrigatoriamente (vinculadamente) para satisfazer essas obrigações.
Em segundo lugar, a Assembleia poderia (discricionariamente) retirar uma “determinada importância” ou “percentagem” (o que significa que não podia ser a totalidade da parte sobrante) para um “Fundo Especial”. Podia; não estava vinculada a fazê-lo.
Em terceiro lugar, tinha (vinculadamente) que retirar 5% para o “Fundo de Reserva Legal”.
Por último, a parte restante seria distribuída (vinculadamente) por todos os accionistas sem distinção de classe (cremos que nessa altura ainda não tinham sido instituídas as acções preferenciais, criadas em favor dos fundadores).
Significa, portanto, que depois da verba necessária destinada ao Governo, da parte sobrante a Assembleia podia retirar uma “determinada importância ou percentagem” que podia ir até 95%, para o “Fundo Especial”. E porquê esse limite de 95%? Porque 5% teria que ir necessariamente para o “Fundo de Reserva Legal”. No caso de não ser atribuída qualquer verba para o Fundo Especial, então, daquela parte sobrante, 5% iriam para a Reserva Legal e os 95% excedentes iriam para todos os sócios. Neste período, por conseguinte, os sócios podiam não chegar a ter direito concreto a qualquer dividendo, bastando que o Fundo Especial fosse dotado da parte dos lucros líquidos que sobrasse depois da retirada para o cumprimento prévio das obrigações com o Governo e para os 5% para a Reserva Legal.
O art. 46º não anda muito longe disto.
Também ele prescreveu que 5% seriam obrigatoriamente destinados ao “Fundo de Reserva Legal” (1-a)), 15% para os sócios portadores de acções preferenciais (1-b)) e o remanescente para todos os restantes accionistas, possuidores tanto de acções preferenciais, como ordinárias.
Todavia, tal como no período anterior, ao abrigo do citado art. 40º, também aqui há retiradas que são vinculadas, enquanto outras são discricionárias. É que, após a dedução para o Fundo de Reserva Legal (5%), a Assembleia Geral podia afectar “determinada importância” para o “Fundo Especial” que se mostrasse “indispensável”. Nada estipula sobre qual o montante a afectar a este Fundo. Logo, desde que a importância fosse imprescindível à indispensabilidade do Fundo Especial, ela podia subir até ao limite de 95% dos lucros líquidos. Assim, desses lucros líquidos, 5% iriam necessariamente para o “Fundo de Reserva Legal” e os restantes 95% poderiam ir para o indispensável “Fundo Especial”, caso em que nenhuma fatia dos lucros seria convertida em dividendos. Os accionistas, nem preferenciais, nem ordinários, não participariam nos lucros nessa hipótese. A sua participação concreta neles estava dependente, pois, da verificação da condição (negativa)22 de a Assembleia não deliberar atribuir todo o excedente após a retirada para a Reserva Legal. Se desse excedente apenas uma parte fosse atribuída ao Fundo Especial, então já os accionistas deveriam participar nos lucros pela forma prevista nas alíneas b) e c) do nº1.
Ou seja, tal como no período da vigência do art. 40º na redacção acima transcrita, também sob a égide do art. 46º (introduzida em 1983) a ordem poderia ser a mesma: 1º - Fundo de Reserva Legal (necessariamente); 2º- Fundo Especial (facultativamente); 3ª - Distribuição de dividendos (vinculadamente, caso os houvesse, após a destinação ao Fundo Especial).
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5.11 - O que dizer das deliberações?
A de 1983 (tomada em 31/03/1983, e, portanto, anterior à alteração dos Estatutos), reportada ao exercício de 1982, determinou a distribuição de dois milhões de patacas por todos os accionistas, após a dedução de 5% para a “Reserva Legal”, justificando a razão para não contemplar um montante superior de dividendos (necessidade de cobrir despesas e realizar investimentos, etc.). Pensa-se que aquela forma de fundamentar a distribuição corresponde ao desejo explícito, embora omitindo qualquer referência a “Reserva Especial”, de dotar a Sociedade de um Fundo, de uma Reserva com vista a acudir a certas responsabilidades atinentes à realização dos objectivos da sociedade. Portanto, até podemos entrever aí a indispensabilidade da criação dessa “almofada” financeira para prevenir situações futuras menos favoráveis. Foi assim referido pelo criador E e todos aceitaram a ideia, aprovando-a.
Quanto às restantes (até 2004), o que foi deliberado consistiu numa distribuição assim graduada: 1º - 5% para a “Reserva Legal”; 2º- 15% para os donos de acções preferenciais; 3º- 20% para os donos de todas restantes acções (preferenciais ou não).
Podia a Assembleia Geral atribuir qualquer “importância determinada”, qualquer “percentagem” para o “Fundo Especial” logo a seguir à retirada para a “Reserva Legal”, porque assim o permitia o nº2 do art. 46º, mas assim não o deliberaram os accionistas da Assembleia. Nada disseram sobre o “excedente” de 40% dos lucros líquidos.
A partir de 2005 as coisas mudaram. Os Estatutos foram mais uma vez alterados: a Reserva legal passou de 5% para 10% (para se obter a conformidade com o novo Código Comercial (art. 432º) e acrescentou-se à parte final do anterior texto do nº2, do art. 46º que a Assembleia Geral também podia optar por “…fixar um montante ou percentagem do rendimento líquido como resultados a transitar para o exercício seguinte”.
Repare-se, contudo, que esta possibilidade aberta pela alteração de 2005 continuava subordinada à oração principal. Isto é, a Assembleia podia afectar determinada importância do rendimento líquido ao “Fundo Especial” ou, ainda, fixar um “montante” ou “percentagem” da receita líquida como “resultados a transitar para o exercício seguinte”, mas sempre e apenas “…após a dedução para o Fundo de Reserva Legal”. Isto significa que a partir de 2005 a ordem das retiradas podia ser: 1 – Reserva Legal; 2º - Fundo Especial e/ou “Resultados transitados”; 3º - dividendos (15%) para os donos de acções preferenciais; 4º - dividendos pelos todos os accionistas (restante).
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5.12 - Qual o significado a atribuir ao silêncio do grémio deliberante entre 1984 e sgs. até 2005 a respeito do lucro líquido que haveria de ser distribuído pelos accionistas sem distinção de classe?
Uma vez que do excedente só atribuíram 20% para os sócios em geral, ainda restavam 60% por distribuir. Então, poderemos nós pensar que as deliberações, pela sua prática repetida ao longo dos anos, constituíram um modo (“inferente”) de resolver as coisas no sentido da não atribuição dessa fatia restante dos lucros líquidos (que no caso era de 60%)? Nada dizer sobre o assunto legitimará a conclusão de que a STDM não quis distribuir e que, em vez disso, quis transformar os lucros dos sócios em património intangível da sociedade? Será essa uma boa maneira (“concludente”) de colher a interpretação autêntica do pensamento dos deliberantes?
Sinceramente, não nos parece.
O que é a deliberação? Pode ela ser substituída (ou suprida) por outro tipo de materialização da vontade da sociedade?
Há várias teorias em torno da natureza da deliberação social: teoria do contrato, teoria do acordo, da pluralidade de negócios de voto, teoria do acto jurídico não negocial, teoria do negócio jurídico teoria de acto plurilateral, teoria de acto colectivo ou complexo, de negócio jurídico unilateral plural heterogéneo, teoria de acto simples colegial23.
Todavia, a posição dominante é a que considera a deliberação um acto simples (ou unitário) complexo. É a manifestação da vontade do órgão da pessoa colectiva24. É claro que nem sempre as deliberações traduzem uma manifestação de vontade, pois frequentemente se limitam a simples declarações de ciência ou manifestações de sentimento25. Mas, no caso que nos ocupa, estamos a tratar de deliberações decisórias, portanto, de evidentes e claríssimas declaração de vontade.
Nesta ordem de ideias, a deliberação que aqui importa sobressair é, portanto, o conjunto das vontades individuais dos elementos que compõem um colégio e que se materializa através de um acto oral ou outro, conforme os casos (v.g., voto escrito, braço no ar, etc.) e que, por seu turno, será depois reproduzido em acta por palavras escritas, que funcionará como documento ou como formalidade “ad probationem”26.
Mas, a deliberação não é apenas isso. É também um acto jurídico a que, tantas vezes, a lei confere efeitos jurídicos. E este, que aqui nos ocupa, é um bom exemplo disso, pois por ela se criam efeitos jurídicos patrimoniais (divisão de lucros) na esfera dos interessados.
É claro que, para alguma doutrina, por criar efeitos jurídicos, pode ser ela mesma, em certos casos, um negócio jurídico plurilateral ou uma simples declaração negocial27.
Mas, ainda na esteira do autor citado, a deliberação social não é nunca um contrato, ainda que verse sobre alterações ao contrato de sociedade, ou mesmo que incida sobre os efeitos de uma relação jurídica de algum dos seus membros, visto que este implica um consenso entre partes, enquanto a deliberação é unilateral. Pinto Furtado diz mesmo que a deliberação, no ordenamento interno da sociedade, é algo de comparável no direito público ao acto legislativo, ao acto administrativo, às deliberações de pessoas colectivas de direito público e, no direito privado, ao negócio jurídico; Nunca, porém, um negócio em si mesmo28.
Isto é, se a deliberação não é contrato, nada podia suprir a sua falta.
Por outro lado, poderíamos dizer que a falta de deliberação não equivale a dizer falta de comprovação da deliberação. Podia haver uma deliberação, sem que o respectivo teor deliberativo tivesse sido transcrito e vazado para a acta. Seria, aí, apenas um problema de falta de prova e, eventualmente, de eficácia de efeitos.
Contudo, essa questão não existe e não foi tampouco equacionada nos autos. Portanto, não nos alonguemos mais sobre o assunto.
Regressando ao tema central, o direito à distribuição dos lucros só se constitui através de uma decisão colegial, que é a deliberação. É necessário que essa vontade seja concretizada, densificada, materializada, através de uma deliberação. A materialização do direito abstractamente previsto na lei só é adquirido para a esfera do interessado mediante essa deliberação.
Uma deliberação é sempre, pois, e em princípio um acto expresso.
Eis-nos agora perante um problema interessante, que nos remete para o campo das deliberações “implícitas” ou “tácitas”. A declaração negocial é expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro modo directo de manifestação de vontade; é tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade se deduz (art. 209º, CC). Acresce que o silêncio só vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção (art. 210º).
Assim, enquanto as expressas (orais, escritas ou por gestos que tenham o mesmo valor29) revelam directa e imediatamente a vontade, as tácitas e implícitas só mediata ou indirectamente a exibem.
É claro que, geralmente, a manifestação expressa num dado sentido pode permitir a dedução de uma outra vontade em sentido diferente. Assim, perante a possibilidade de escolha entre a solução A e a solução B, a opção expressa pela primeira permite deduzir com toda a segurança a rejeição pela solução B. Estamos em casos como este perante facta concludentia, isto é, factos que indiciam conclusões, que permitem inferir claramente uma vontade não especificamente manifestada. É a isto que se chama declaração tácita, que no nosso direito opera através de uma «presunção», ou seja, da ilação que se retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 342º do CC).
É, aliás, a própria lei que, frequentemente, estabelece presunções, que umas vezes são juris et de jure, quando não admitem prova em contrário, outras juris tantum, se puderem ser ilididas. O silêncio tem muitas vezes eficácia declarativa negocial (declaração implícita) quando tal valor lhe seja atribuído por lei ou por convenção (art. 210º, CC)30.
O problema das deliberações sociais tácitas, retius implícitas, foi tratado por Vasco Lobo Xavier, para concluir que o emprego de deliberações tácitas só por comodidade de linguagem podia ser feito, dando para elas o sentido de uma regulamentação de interesses que seja possível extrair da aprovação de uma deliberação expressa31. Isto é, a deliberação tácita (um pouco diferente, seria o “voto tácito”32) extrair-se-ia do conteúdo da própria deliberação expressa: os termos desta seriam facta concludentia em que a tácita pudesse assentar. De acordo com esta posição, haveria, portanto, a possibilidade de conferir efeitos àquilo que se aceitaria ser uma deliberação tácita, a partir dos termos de uma deliberação expressa.
Este interessante assunto mereceu também a atenção de Pinto Furtado, que, na obra citada, aceitou a existência de deliberações tácitas, como sendo aquelas que, não tendo sido formalmente emitidas, se restrinjam ao mero conteúdo que se deduz do constante de uma deliberação formalmente adoptada, que com a toda a probabilidade o revele33. Ou seja, para este autor, a deliberação tácita pode colher-se ou deduzir-se, tal como num processo de enxertia, da estrutura de uma deliberação expressa, nunca de um silêncio (a menos que, nalgum caso pontual, a lei lhe conferisse algum valor declarativo tácito). Dito de outra maneira, até mesmo para o caso previsto no art. 236º, nº2, do Cod. Com. de Macau34 (onde pela única vez em todo o articulado legal se fala em deliberação tácita), apenas se pode admitir a atribuição de efeitos a uma “deliberação implícita” inferível a partir do conteúdo de uma deliberação expressa e, mesmo assim, desde que estejam reunidos os necessários requisitos de validade desta35.
Ora, nada disto sucedeu na configuração do caso em mãos. Isto é, não teve lugar qualquer deliberação expressa de onde fosse possível extrair, concluir, deduzir ou inferir qualquer outra implícita determinação em matéria de atribuição remuneratória. Quer dizer, nunca o problema foi colocado (a não ser na deliberação de 1983, como se viu) de tal forma expressa sobre a distribuição de lucros pelos restantes sócios “preferenciais e ordinários” que se pudesse inferir com toda a segurança, calma e tranquilidade que a intenção foi a de, implicitamente, se negar a divisão da parte restante do lucro obtido para além do já distribuído.
Aliás, se pudéssemos inferir que a sociedade não quis (implicitamente) distribuir 60% dos lucros, qual a razão para negar a possibilidade de que a ela implicitamente quis estabelecer um fundo especial?! Se não temos bons motivos para aceitar uma deliberação tácita neste sentido, como havemos de os eleger para admitir uma deliberação com essas características em sentido diferente?
A nossa opinião é esta: não temos razões para pensar que, implicitamente, a STDM quis guardar para si aqueles 60% dos lucros, assim como as não temos para admitir que os quisesse afectar a um fundo especial. Se os lucros deveriam ser distribuídos tal como manda o art. 46º de acordo com a deliberação da Assembleia Geral, e se nunca foi posta à consideração dos accionistas presentes a possibilidade de escolha entre uma solução (dividir os 80% excedentes por todos os sócios) e outra (guardar para a sociedade uma parte desse excedente), dificilmente a deliberação tomada de dividir 20% pode ter por significado (implícito) a opção de fazer seus – da sociedade; logo, bem social – os restantes 60%.
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5.13 - Temos assim que não foi dado destino expresso a 60% de lucros líquidos da sociedade entre o exercício de 1983 e o de 2004.
É claro que desta maneira não avistamos qualquer invalidade das deliberações; elas não atentaram contra a estipulação normativa que emerge do art. 46º dos Estatutos, simplesmente ficaram aquém do que eles permitiam.
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5. 14 - Mas, se isto o podemos concluir, será que podemos enveredar pelo caminho de conferir àquela importância dos lucros (ano após ano não destinados) lucros ou resultados transitados?
O que são resultados transitados?
Rubrica para onde é transferido o Resultado Líquido de determinado exercício económico, quando a empresa após a aprovação de resultados, não lhe atribui qualquer aplicação. A rubrica resultados transitados inclui “todos os resultados, lucros ou prejuízos que vão sendo acumulados ao longo dos exercícios. No que respeita aos lucros, acumula aqueles que não foram distribuídos aos accionistas ou sócios, podendo, contudo, virem ainda a ser distribuídos”36.
E vindo a ser, sucessivamente, adiada a distribuição desses resultados, diz-se que se forma um lucro de balanço. Este representa o acréscimo patrimonial gerado e acumulado pela sociedade desde o início da sua actividade até determinada data. “Corresponde, pois, à, diferença positiva entre o activo líquido (activo menos passivo) e o capital social acrescido das reservas indisponíveis (legais e estatutárias). Desta forma, o lucro de balanço será igual ao lucro de exercício menos as perdas transitadas e as reservas obrigatórias, acrescido dos lucros transitados e das reservas disponíveis”37. “A Assembleia Geral de uma sociedade pode deliberar distribuir lucros superiores ao resultado do período, inclusivamente no caso de este último ser negativo (prejuízo). Para o efeito, é suficiente que existam “lucros de balanço” acumulados na sequência da obtenção de resultados positivos passados (não distribuídos à data)”38.
Talvez seja essa a solução. Todavia, no âmbito do presente aresto, não nos cumpre estabelecer conceitos que escapam ao nosso objecto de análise. Saber se aquelas importâncias da STDM configuram neste momento “lucros acumulados” que geraram, porque não distribuídos no momento oportuno, “lucros de balanço”, parece ser, de momento, coisa de somenos importância.
Sabemos é que o caso é de incompletude deliberativa39: as deliberações (no que respeita àqueles 60%) foram ao longo dos anos incompletas (não se confunda com “imperfeitas”), por nada terem determinado sobre o seu destino. Incompletas, entenda-se, no sentido de se terem remetido ao silêncio quanto ao caso que nos ocupa, não no sentido da sua imperfeição.
E, porque incompletas, a intenção é pedir ao tribunal que obrigue a sociedade a distribuir os lucros pela forma alegadamente prevista nos estatutos.
Só que, como se disse, este tribunal não o pode fazer assim. O tribunal não se pode substituir à sociedade decidindo por ela, e em vez dela, a repartição dos lucros, como se estivéssemos num pedido constitutivo reconvencional que tivesse por fim exigir a prestação pressupondo a violação de um direito concreto.
Ora, o direito que a reconvinte invocou era um direito à sua quota-parte nos lucros. Não os lucros abstractos, mas sim os lucros concretos de todos aqueles exercícios e, esses, só a sociedade pode distribuí-los dentro do seus exclusivos e intangíveis poderes estatutários, como se viu. O tribunal não os pode reconhecer, nem nesta acção, nem a quantificação dos dividendos pode ser relegada para execução de sentença, como era sua pretensão, na medida em que isso sempre atentaria contra a soberania constitutiva dos poderes deliberativos da sociedade nesta matéria. Basta pensar na possibilidade de a Assembleia Geral ter podido decidir sobre a criação ou sobre a dotação de uma importância determinada ou percentagem para o Fundo Especial para logo se perceber que os dividendos só nasceriam (só se constituiriam na esfera dos interessados) após a respectiva deliberação. Quando muito, o tribunal apenas pode obrigar a sociedade a deliberar o destino sobre o excedente de 60%. Todavia, nem sequer isso o podia fazer nos presentes autos, em virtude de tal pedido não ter sido formulado, nem estar conforme a causa de pedir da reconvenção. Só uma acção com esse fim poderá ter eventual sucesso e, mesmo assim, cremos que uma hipótese dessas sempre carecerá de uma interpelação prévia nesse sentido por parte de algum interessado.
Aliás, nem sequer podemos afastar a possibilidade de a sociedade tampouco decidir expressamente distribuí-los, pois que, segundo o nº2 do art. 46º dos Estatutos, pode afectar determinada importância do rendimento líquido à constituição de um fundo especial que se mostre indispensável. Ou seja, se as deliberações foram incompletas, talvez se possa dizer que a incompletude, afinal de contas, também é extensível à possibilidade de formação do fundo especial. E se a sociedade não o decidiu na altura, poderão não existir obstáculos que a impeçam de fazer agora, da mesma maneira que neste momento ainda pode decidir proceder à distribuição dos lucros em causa (“lucro de balanço”).
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5. 15 - Neste sentido, embora possamos aderir, em tese, à ideia da STDM no sentido de que os sócios têm liberdade total para estipular o regime de distribuição dos dividendos, por estarem em causa apenas relações inter-privadas dos sócios e não o interesse público, de terceiros ou considerações de ordem pública, a verdade é que aquela incompletude não pode perdurar eternamente. Na verdade, mesmo sendo lucros de balanço, não há dúvidas que eles (60% lucros excedentários) não transitaram por deliberação expressa dos sócios (cremos, até, que o não podiam fazer com essa intencionalidade). Portanto, haverá que dar-lhes o destino que o art. 46º permite ser dado.
As afirmações que Pedro Pais de Vasconcelos40 faz, e que serviram de suporte à tese da recorrida, só se compreendem num quadro legal ou estatutário em que é deixada à sociedade, através da deliberação adequada, a decisão sobre o destino a dar aos dividendos. A soberania de tal deliberação há-de ser situada, portanto, nesse contexto. Compreendemos, no entanto, a invocação dessa doutrina pela recorrida, porém, no quadro da aplicação do Código Comercial novo (mas já vimos que ele não se aplica).
Quer dizer, de acordo com as normas do Código Comercial antigo acima transcritas e do art. 46º dos Estatutos da STDM parece que não existe margem para outra distribuição dos lucros líquidos senão a que delas decorre. Fora a previsão do nº1 e das suas alíneas, a Assembleia Geral pode “…após a dedução para o Fundo de Reserva legal, afectar determinada importância do rendimento líquido à constituição de um fundo especial que se mostre indispensável”(nº2).
Ou seja, cremos que as balizas estão definidas e não é possível ver na normação algo que dela não flui expressamente. Dito de outro modo, se as deliberações apenas deram destino a 40% do lucro, do silêncio sobre a parte excedente não podemos nós inferir (implícita e automaticamente) que ela seria utilizada como coisa sua, como bem social da empresa, como capital próprio intocável pelos sócios. A soberania conferida pelos textos legais e estatutários só se exerce num contexto de afirmação expressa de vontade e nunca pela via da tacitude, da inferência ou dedução, salvo nos casos mais acima adiantados, mas que aqui não estão presentes.
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5.16 - Do venire contra factum proprium
Fará ainda sentido apelar ao instituto do abuso de direito na vertente do venire contra factum proprium? O caso agora é de boa fé.
A STDM ensaiou na sua réplica (cfr. arts. 224 e sgs.) e nas alegações de resposta ao recurso da reconvinte algo semelhante a uma invocação do abuso do direito, sem nunca, porém, convocar o instituto de forma expressa, a não ser na parte da abordagem à litigância de má fé que imputou à ré/recorrente no âmbito daquilo a que designou venire contra factum proprium. De qualquer maneira, o tema, que até pode ser conhecido oficiosamente41, é candente e foi mesmo motivo para pronúncia no parecer do Prof. A. Menezes Cordeiro junto aos autos (fls.113).
Temos, porém, algumas dúvidas que se possa tranquilamente falar de abuso do direito na situação sub judice. Com efeito, segundo o art. 326º do CC, o abuso de direito radica em vários requisitos: Preciso é que, para fundar o abuso, se esteja perante uma situação de confiança, uma justificação para a confiança, um investimento na confiança e a imputação da confiança ao responsável que irá, depois, arcar com as consequências42.
Pedir o pagamento destes dividendos depois de longos anos de participar nas deliberações e de aceitar o seu teor (as deliberações foram tomada por unanimidade), acabando mesmo por propor um voto de louvor pelo desempenho dos administradores no exercício anterior, como fez repetidamente a recorrente, representará um intolerável exercício de uma posição jurídica ou mesmo do direito ao lucro?
Algumas razões de ordem ética, decência e respeito pela parte contrária, talvez não facilitem a compreensão da sua atitude judicial. Mas já temos dúvidas que estejam aí factores de grave injustiça e de atropelo aos mais sãos princípios da confiança.
O art. 326º do Código Civil assegura que é “ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económica desse direito”. Isto significa que o exercício de um direito é abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou, o mesmo é dizer, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante43. Trata-se da emanação do vulgarmente denominado de princípio da confiança, segundo o qual “as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros”44
Venire contra factum proprium, é, deste ponto de vista, um exemplo típico de exercício inadmissível de direito45, algo que consiste numa prática por alguma das partes que contrariaria a boa-fé, na medida em que, a par de indícios objectivos, tenha dado a entender que esse direito não seria mais exercido46. Como se disse em Ac. STJ de 21/01/2003, Proc. 02A2970 (relator Azevedo Ramos) “A proibição da chamada conduta contraditória exige a conjugação de vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança. Esta variante do abuso do direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprobabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa fé. A proibição de comportamentos contraditórios é de aceitar quando o venire contra factum proprium atinja proporções juridicamente intoleráveis, traduzido em chocante contradição com o comportamento anteriormente adoptado pelo titular do direito”.
Quer dizer, o abuso do direito manifestado no “venire contra factum proprium”, assenta numa estrutura que pressupõe duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, ainda que assumidas em momentos distintos e distanciadas no tempo, em que a primeira (o “factum proprium”) é contraditada pela segunda (o “venire contra”). É essa relação de oposição entre as duas que justifica a invocação do abuso do direito47. Nessa hipótese, assiste-se a uma violação do honeste agere, a um exercício inadmissível “tu quoque” legitimando a exceptio doli (reacção contra a má fé de quem abusa do direito) e que, pela sua torpeza corresponde ao brocardo “nemo auditur turpitudinem suam allegans” que impede a invocação e o aproveitamento de ilicitude própria48.
Fazer parte de uma assembleia deliberativa, aprovar continuadamente as propostas de distribuição de dividendos em cada ano (em que não estava exposta a possibilidade de distribuição de cerca de 60% de lucros), pode a uma primeira impressão atentar contra a confiança que o silêncio da recorrente possa ter criado na esfera do colectivo. Todavia, nem por isso essa confiança é tutelável, uma vez que também as próprias deliberações se remeteram ao silêncio sobre o que fazer àquela percentagem dos resultados líquidos: a distribuição daquela grossa fatia dos lucros nunca foi thema deliberandum (id quod este deliberandum). Portanto, a eles não foi dado literal e expressamente nenhum destino específico, e se desse silêncio deliberativo não pode extrair-se mais do que uma simples omissão sem qualquer eficácia resolutória, mal se poderia aceitar que a mesma Assembleia pudesse vir agora clamar por uma confiança para, sob o seu amparo, defender terem sido tácita ou implicitamente destinados a outro fim qualquer, uma vez que nada na lei ou nos estatutos permite estabelecer vinculadamente uma tal conexão cominatória.
Mas, por outro lado, também não é possível sufragar a tese da reconvinte de que o silêncio das deliberações do grémio sobre o assunto signifique uma distribuição dos lucros tal como ela propõe ao tribunal, sob pena de contradição nos seus próprios termos. Isto é, se o silêncio não vale como recusa distributiva (solução que favoreceria a STDM), do mesmo modo não pode valer como autorização distributiva (solução que favoreceria a reconvinte/recorrente). O silêncio há-de ter o mesmo valor para ambas as posições.
E, como vimos e agora reiteramos, desse silêncio não se extrai qualquer efeito, porque o caso não encaixa na previsão do art. 210º, do CC. O que apenas sabemos neste momento é que a STDM nada disse sobre o assunto em cada uma das deliberações. E, portanto, nem podemos concluir que daquele silêncio se extrai que aqueles excedentes líquidos são necessária e automaticamente dos accionistas, como “resultados transitados” ou “dividendos retidos”. Sabemos, apenas, que são parte de receita líquida a que a Sociedade não deu destino concreto, havendo que dá-lo definitivamente.
Ora, isto é o mesmo que dizer que a STDM não incumpriu a sua obrigação em relação aos “restantes” accionistas (“preferenciais” e “ordinários”), neles incluída a recorrente, nem se podendo falar em mora. Quer dizer, a recorrida não pode ser condenada a pagar o que foi reclamado, porque o direito dos dividendos só se constituirá na esfera da recorrente no momento da deliberação e nos moldes em que ela concretamente o fizer, dentro das margens desenhadas pelo art. 46º dos Estatutos (sem excluir o nº2, segundo nos parece).
Igualmente não pode condenar-se a STDM a deliberar sobre o destino a dar àqueles lucros, porque esse não é o objectivo petitório da reconvenção, nem a causa de pedir foi arquitectada nessa base pretensiva.
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5.17 – O que está em causa é a distribuição de dividendos, recorde-se, referentes aos exercícios de 1982 a 2000.
Em relação aos exercícios que vão de 1982 a 1998 já tudo ficou dito, segundo nos parece.
E quanto aos exercícios de 1999 e 2000?
Haverá que alterar alguma coisa às conclusões que já atingimos? Cremos que não.
Vale aqui a posição exposta e que com pertinência é possível transplantar para aqui. Realmente, se entrevimos no Código antigo e nos arts 40º (primeiramente) e no art. 46º (posteriormente) dos Estatutos da STDM uma necessidade inultrapassável de uma deliberação societária respeitante à divisão dos lucros líquidos, agora essa necessidade ainda é mais nítida a partir da literalidade do art. 199º, nº1, que se apresenta assim redigida: “Nenhuma distribuição de lucros pode ser feita sem precedência de deliberação dos sócios nesse sentido”.
E o reforço da ideia vem traduzida, como o disse a sentença no art. 216º, nº1, al. d): “…compete aos sócios deliberar sobre …aplicação dos resultados do exercício…” ou no art. 431º do mesmo Código, especificamente aplicável às sociedades anónimas: “1 - Os lucros distribuíveis do exercício têm o destino que for deliberado pelos sócios.”
Melhor sinal no sentido da concretização do lucro abstractamente previsto no art. 46º dos Estatutos e no art. 197º do Código Comercial não pode haver: ele só se constitui na esfera dos sócios através da manifestação prévia da sua vontade por deliberação adequada a esse fim.
Neste caso, a distribuição há-de ter presente o que dispõe o art. 46º dos Estatutos em conjugação com o que dispõe o citado art. 431º, sempre sem prejuízo de que a “Reserva Legal” deva ser formada por uma percentagem mínima de 10% (art. 432º, nº1).
Por conseguinte, e sem mais considerandos, também deste ponto de vista, haverá que dar destino aos lucros que temos vindo a considerar.
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6 – Da má fé
A sentença condenou a reconvinte/recorrente como litigante de má fé em 10 UC e no pagamento de uma indemnização a favor da autora da acção no valor de Mop$ 1.200.000,00. Fê-lo por considerar que a recorrente sempre esteve de acordo com a distribuição dos lucros pela forma como foi feita até 2002, sem nunca ter posto em causa a validade das respectivas deliberações. Na sua perspectiva, ao pedir agora os lucros alegadamente retidos pela STDM, estaria a “venire contra factum proprium”, deduzindo uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, agindo, por conseguinte, de má fé.
É bem certo que a recorrente sempre concordou com os balanços, relatórios e contas, submetidos a deliberação, acabando por aprová-los. Mas, o que se pode dizer é que essa aprovação se limitou àquilo que expressamente lhe foi posto à consideração. Logo, a aprovação não se pode estender para além daquilo que fazia parte da convocatória e da ordem de trabalhos, o que equivale a dizer que só haveria que conferir eficácia à expressão de vontade concretamente dirigida ao objecto daqueles documentos. O problema é, pois, de (im)possibilidade de extracção de efeitos tácitos resultantes das deliberações nos termos a que acima nos referimos e não tem que ver com atitude posterior (“venire”) que contradiga uma anterior (“factum proprium”).
Sucede que este entendimento seguido para a litigância de má fé (processual), e que em parte se aproxima da figura do abuso do direito (substancial), não foi acolhido por nós, como atrás vimos. E se não se pode falar em abuso de direito, em virtude de se ter que considerar que àquela percentagem de 60% de lucros ainda não foi dado destino, então cremos que também não pode deixar de ser legítimo e lícito que a reconvinte, enquanto accionista, os pudesse pedir49. Saber se os pode ter no âmbito da presente acção era, como já se viu, algo que tinha que ver com o fundo ou mérito da pretensão. Por outro lado, tinha ela a convicção que o seu objectivo poderia ser alcançado por esta via; que o seu uso lhe viria a dar razão. Mas, não é por lha ser negada que se pode dizer que deduziu um pedido cuja falta de fundamento não podia ignorar ou que tenha feito do processo um uso manifestamente reprovável O mesmo é dizer que essa, salvo melhor opinião, também não é razão para se falar em má fé processual, face ao disposto no art. 385º, nº2, als. a) e d), do CPC.
Tudo visto, significa que o recurso jurisdicional tem que improceder, embora pelas razões algo diversas, quanto à decisão sobre o pedido reconvencional, embora proceda já quanto à condenação em má fé.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 – Quanto aos recursos interlocutórios
a) Negar provimento aos 1º e 3º recursos interlocutórios interpostos pela ré/reconvinte A.
Custas pela recorrente.
b) Não tomar conhecimento do 2º recurso interlocutório, este interposto pela STDM, nos termos do art. 628º, nº2, do CPC, face à decisão do recurso sobre a sentença, como se verá de imediato em 2- a).
Sem custas.
2 - Quanto ao recurso da sentença
a) Negar provimento ao recurso da sentença interposto pela ré/reconvinte quanto à improcedência do pedido reconvencional, confirmando-se nessa parte a sentença recorrida;
Custas pela reconvinte.
b) Conceder provimento ao recurso interposto pela mesma ré/reconvinte no que respeita à condenação por litigância de má fé, revogando-se, nessa parte, a sentença recorrida, quer no tocante à multa, quer na parte da indemnização.
Custas do incidente em ambas as instâncias pela STDM, por o ter suscitado na réplica.
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TSI, 25 de Setembro de 2014
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Das Obrigações em Geral, Vl. II, 7ª ed., pág. 197.
2 No direito comparado, Ac. RP, de 14/02/2008, Proc. nº 0736864
3 Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., pág. 1031 e 1035.
4 Direito das Sucessões, 1996, 6ª ed., pág. 325.
5 J. Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, Casos de Aplicação Imediata, Critérios Fundamentais, Coimbra, Livraria Almedina, 1968, p. 103 e segs.
6 Fernando José Bronze, Lições de Introdução ao Direito, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, pag. 778, nota 61.
7 Antunes Varela, anotação em Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 128.º, p. 142 e 143; também ano 120º, pag. 151. Neste sentido, ver acórdão do TUI, de 5/12/2008, Proc. nº 41/2008.
8 Código Civil anotado, I, 4ª ed., pág. 61.
9 Sobre a transmissão de acções, ver Luis Brito Correia, Direito Comercial – Sociedades Comerciais, Vol. II, 3ª tiragem, 1997, pág. 378 e sgs.
10 Código Das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, Almedina, 2010, pág. 36.
11 O direito aos lucros no Código das Sociedades Comerciais, Almedina/IDET, 2001, separata da obra “Problemas do Direito das Sociedades”, pág. 186-187; também, autor citado, in “Estrutura associativa e participação societária capitalística”, pág 245 a 254.
12 Paulo de Tarso Domingues, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário cit., Vol. I, pág. 366 (se bem que estas posições e das notas seguintes estejam reportadas a disposições do CCS e não ao Cod. Com. antigo)
13 Autor e ob. cit., pág. 496. Ver ainda Osório de Castro/Andrade e Castro, A distribuição de lucros a trabalhadores de uma sociedade anónima, por deliberação da assembleia geral, OD, 2005, pág. 61 e sgs.; Cassiano dos Santos, A posição do accionista face aos lucros de balanço. O direito do accionista ao dividendo no código das sociedades comerciais, “Studia Juridica, 16, Coimbra Editora, 1996, pág.20 e sgs e Jorge Costa Santos, Direitos inerentes aos valores imobiliários, “Direitos dos Valores Mobiliários”, Lisboa, 1997, pág. 61 e sgs., todos citados por Paulo de Tarso Domingues, ob. cit., pág. 497.
14 Neste sentido, também Filipe Cassiano Santos, Parecer junto aos autos, pág. 28; Também, A. Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais anotado, cit., pág. 136, Margarida Costa Andrade, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, Almedina, 2010, pág. 354.
15 Luis Brito Coreia, Direito Comercial, Sociedades Comerciais, Vol. II, 1997, pág. 312.
16 Menezes Cordeiro, Parecer junto aos autos, págs. 24-29, 34.
17 Menezes Cordeiro, Parecer, pág. 101-104.
18 Além da obra citada, ver também Introdução ao Estudo do Direito, 11ª ed., Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 279 e sgs. No mesmo sentido de que a lei nova não se aplica a factos constitutivos (modificativos ou extintivos) verificados antes do seu início de vigência, embora já nada impeça a sua aplicação aos factos constitutivos derivados da mesma relação jurídica que venham a ocorrer já sob o seu domínio, ver Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1955, pág. 235.
19 A sua entrada em vigor esta inicialmente prevista para 1/10/1999, mas por força do art. 2º do DL nº 48/99/M, de 27/09 a entrada em vigor foi adiada para 1/11/1999.
20 É neste sentido também para que se encaminha o Parecer juntos aos autos da autoria do Prof. Filipe Cassiano Santos (pág. 23).
21 Na revisão do pacto em 2005, foi decido acrescentar ao nº2, logo após o termo «indispensável» “…ou, ainda, fixar um montante ou percentagem do rendimento líquido como resultados a transitar para o exercício seguinte”.
22 Só não se pode falar em condição propriamente dita porque não é negocial e antes decorre dos requisitos legais de um certo efeito jurídico. Será uma “condição imprópria”, segundo Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., pág. 607.
23 Sobre o assunto, ver Luis Brito Correia, Direito Comercial Deliberações dos Sócios, Vol. III, 3ª tiragem, pág.98 e sgs.
24 Autor e ob. cit., pág. 108; cfr. tb. Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 276a propósito das deliberações dos órgãos administrativos.
25 Pinto Furtado, Deliberações dos sócios, Almedina, 1993, pág. 52.
26 Freitas do Amaral e outros, CPA anotado, 4ª ed., pág.77.
27 Luis Brito Correia, ob. cit., pág. 112.
28 Ob. cit., pág. 54.
29 Pinto Furtado, ob. cit., pág. 160.
30 Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, 1960, II, pág. 129-140; Mota Pinto, Teoria Geraldo Direito Civil, III, pág. 424-429. Não é, contudo o caso concreto, visto que nem a lei, nem convenção entre as partes dão ao silêncio qualquer valor específico.
31 Anulação de deliberação social e deliberações conexas, 1976, pág. 467.
32 Ob. cit., 467-468.
33 Ob. cit., pág. 165.
34 Cfr. art. 260º, nº2, do Cod. Com. Português.
35 Autor e ob. cits. pág. 166. Ver ainda, Ac. TSI, de 20/02/2014, Proc. nº 693/2013.
36 Ver http://www.otoc.pt/downloads/files/1213978435_32e33_contabilidade.pdf
37 Luis Miranda Da Rocha, A distribuição de resultados no Contexto do Sistema de Normalização Contabilística: a Relação com o Direito das Sociedades, em http://www.fep.up.pt/docentes/lrocha/A%20distribuicao%20de%20resultados%20no%20contexto%20do%20SNC.pdf
38 Autor e ob. cit.
39 De incompletude também fala o Prof. A. Menezes Cordeiro no seu parecer junto aos autos (ver fls. 114).
40 A participação social nas Sociedades Comerciais, 2ª ed., Almedina, pág. 2006, pág. 99.
41 Ac. do TSI, de 29/05/2014, Proc. nº 98/2014.
42 A. Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil, 3ª reimpressão, pág. 311.
43 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª ed., p. 299).
44 Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, 1983, pág. 55.
45 Ac. STJ de 4.4.2002, Proc. 524/02, da 7ª secção.
46 Menezes Cordeiro, “Da Boa Fé no Direito Civil”, Almedina (2ª Reimpressão), 2001, pág. 810-811.
47 Ac. STJ, de 16/11/2011, Proc. nº 203/2008
48 Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., pág.267, 268, 272 a 274.
49 Saber se esta acção tinha potencialidade para satisfazer a tutela da interessada, isso já é outra coisa diferente. O facto de a acção ter sido improcedente e este TSI se encaminhar para a confirmação da decisão da 1ª instância, ainda que por fundamentos não coincidentes, não significa que a reconvinte abusou do direito, uma vez que se acaba de reconhecer que ela tem pelo menos o direito a que a assembleia geral da STDM decida o que fazer com as importâncias de lucros acumulados ao longo dos anos sem se definir a que título.
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678/2013 1