打印全文
Processo nº 390/2014 Data: 24.07.2014
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “usura para jogo” e “sequestro”.
Pena.
Atenuação especial.



SUMÁRIO

1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

2. A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

3. Tendo o arguido sido detido em flagrante delito, pouco valor atenuativo tem a sua “confissão”.


O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 390/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. B (B), arguido com os sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor da prática em concurso real de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão e proibição de entrada nas salas de jogo por 3 anos, e 1 outro de “sequestro”, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, onde se cumulou também uma outra pena ao arguido aplicada no âmbito do Processo CR1-13-0134-PCS, foi o mesmo condenado na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, e na referida pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 3 anos; (cfr., fls. 564 a 573 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, a final, e em sede das suas conclusões de recurso alegar que excessivas eram as penas aplicadas e que devia beneficiar de uma atenuação especial por ter “confessado integralmente e sem reservas os factos”; (cfr., fls. 582 a 597).

*

Em Resposta pugna o Exmo. Representante do Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 599 a 601).

*

Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.582 a 597 dos autos, o recorrente que era o 2° arguido assacou ao douto Acórdão recorrido a violação do disposto nos arts.45° e 65° a 67° do Código Penal, por não lhe ser dado a atenuação especial e a suspensão da execução da pena acessória, alegando a confissão espontânea e sem reserva, a manutenção da boa conduta durante muito tempo sobre a prática do crime, o pesado encargo familiar, o baixo nível de instrução e ser novo imigrante.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.599 a 601 verso), no sentido de não provimento do presente recurso na sua totalidade. E, com efeito, nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
*
Nos factos provados n.° 5 e n.° 6 do aresto recorrido (cfr. fls.556 verso dos autos), refere-se que o recorrente/2°arguido chamou um suspeito desconhecido que entregaria à ofendida fichas de jogo equivalentes ao montante de HKD$250.000,00 e, depois, chamou o 5° arguido e outro suspeito desconhecido, encarregando-lhe tarefa de vigiarem a ofendida enquanto esta procedia à apostas.
Sucede que o recorrente/2° arguido nunca revelou a identidade dos dois suspeitos desconhecidos. Daqui flui necessariamente que é apenas parcial e não integral tal confissão espontânea e sem reserva. Quer dizer ele não confessou todos os factos imputados.
De outro lado, afigura-se que a dita confissão espontânea e sem reserva não mostra relevante para a descoberta da verdade dos factos, visto que a P.J. já sabia a sua identidade e o interceptou, e também conhecia do decurso e estado do crime de sequestro.
Por sua vez, o período de 2 anos e 4 meses e tal decorrido desde a data em que a recorrente tinha sido libertada do sequestro até à do Acórdão recorrido, respectivamente em 20/12/2011 e 30/04/2014, não chega a ser considerado «muito tempo» para efeito previsto na alínea d) do n.° 1 do art.66° do CP.
De qualquer modo, a análise reflectiva dos dois factores invocados pelo recorrente/2° arguido para fundamentar a atenuação especial imbui-nos o espírito de nenhum deles ser virtuoso para atenuar, por forma acentuada, a ilicitude do facto ou a culpa dele.
Tudo isto faz-nos descortinar que não é sustentável a pretensão da atenuação especial. E atendendo às molduras penais correspondentes ao crime de usura para jogo bem como ao sequestro, p.p. pelos respectivamente arts.13° n.° 1 da Lei n.°8/96/M ex vi 219° n.° 1 do CP e art.152° n.° 1 do CP, temos por inatacável a graduação do Tribunal a quo, não se verificando a arguida violação do disposto nos arts.65° a 67° do CP.
Procedendo a cúmulo jurídico, o Tribunal a quo acordou, e bem, em suspender a execução da pena principal de dois anos de prisão, e em executar efectivamente a pena acessória de interditar o recorrente/2° arguido de entrar nos casinos por período de três anos.
Não é difícil prever que aquela suspensão, só por si, lhe permitiria suficientemente ganhar meios económicos para toda a sua família e tomar conta da sua idosa mãe e do seu filho de 11 anos de idade. Por sua vez, a execução efectiva da dita pena acessória é medida estritamente necessária para alcançar a finalidade de prevenção especial.
Nesta linha de vista, afigura-se-nos inatacável e equilibrado o douto Acórdão do Tribunal a quo, e, assim, necessariamente inviável o pedido de redução e suspensão da execução da aludida pena acessória, por o qual frustrar a prevenção especial.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 620 a 621).

*

Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 566 a 568, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o (2°) arguido dos autos recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor da prática em concurso real de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão e proibição de entrada nas salas de jogo por 3 anos, e 1 outro de “sequestro”, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, com uma outra pena ao arguido aplicada no âmbito do Processo CR1-13-0134-PCS, na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, e na referida pena acessória.

Entende que excessivas são as penas que lhe foram decretadas, afirmando também que devia beneficiar de uma atenuação especial por integral confissão dos factos.

Não discutindo a decisão da matéria de facto assim como a sua qualificação jurídico-penal, que de qualquer forma não se mostra de alterar, e constituindo assim a única questão a apreciar no presente recurso a da “adequação das penas” ao arguido ora recorrente impostas, vejamos se tem o mesmo razão.

Ao crime de “usura para jogo” cabe a pena de “prisão até 3 anos”, e, ao de “sequestro” (simples), a de “1 a 5 anos de prisão”; (cfr., art. 219° e 152°, n.° 1 do C.P.M.).

Em sede de determinação da medida da pena importa atentar no estatuído no art. 40° do C.P.M., onde se prescreve que:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Da mesma forma, e sobre a matéria preceitua o art. 65° do mesmo Código que:

“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.

Abordando idêntica questão tem este T.S.I. considerado que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 03.04.2014, Proc. n° 178/2014).

E, por sua vez, no que toca à pretendida “atenuação especial” tem sido entendimento firme que “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 22.05.2014, Proc. n° 284/2014).

No caso, diz o recorrente que “confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais estava acusado”.

Ora, é verdade que assim sucedeu, pois que, efectivamente, assim consta da acta de julgamento, (cfr., fls. 560-v), e da fundamentação do Acórdão ora recorrido, (cfr., fls. 568).

Porém, será tal “circunstância” suficiente para se proceder a uma atenuação especial da(s) pena(s)?

No caso dos autos, cremos que a resposta terá que ser de sentido negativo.

Com efeito, o arguido foi “detido em flagrante delito”, e, nesta conformidade, (como temos vindo a entender), menor valor atenuativo tem a dita confissão dos factos.

Por sua vez, não se pode igualmente olvidar que com o crime de “sequestro” se tutela o valor da “liberdade individual das pessoas”, que o arguido agiu com dolo directo e intenso, sendo também acentuado o grau de ilicitude da sua conduta e que sofreu outras condenações, pois que para além do Proc. n.° CR1-13-0134-PCS, (cuja pena foi objecto de cúmulo jurídico), teve 1 outro, o Proc. n.° CR1-121-0270-PCS, no âmbito do qual, em 19.10.2012, foi condenado na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano; (cfr., fls. 533).

E, nesta conformidade, há pois que dizer que as fortes necessidades de prevenção (especial e geral) impedem que se avance para uma atenuação especial da pena.

Aqui chegados, que dizer das penas parcelares.

Ora, também aqui cremos que o recurso terá que improceder.

Na verdade, as penas aplicadas situam-se junto dos seus limites mínimos, (o que não deixa de reflectir que o Tribunal a quo ponderou em todas as circunstâncias apuradas), e tal como se deixou dito, fortes sendo as necessidades de prevenção, inviável se nos apresenta qualquer redução.

Consigna-se ainda que a “comparação” pelo recorrente efectuada com as penas aplicadas a outros co-arguidos também não constitui argumento que se possa acolher, pois que há que ter em conta o estatuído no art. 28° do C.P.M., certo sendo igualmente que correcto não é que 1 arguido beneficie do (eventual) lapso ocorrido em relação a um seu co-arguido.

Nesta conformidade, sendo de se manter as penas parcelares, resta ver do cúmulo jurídico operado.

Sendo que no Proc. n.° CR1-13-0134-PCS foi o arguido condenado com uma pena de 8 meses de prisão, (cfr., fls. 535), e, atento o estatuído no art. 71° do C.P.M., em causa está uma moldura penal com o mínimo de 1 ano e 6 meses e o máximo de 2 anos e 11 meses de prisão.

Tendo-se fixado como pena única a de 2 anos e 3 meses de prisão, afigura-se-nos pois que excessiva também não está tal pena única, apresentando-se em harmonia com os critérios para a determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico de penas e das necessidades de prevenção, (não sendo de olvidar que foi suspensa na sua execução).

Por fim, estando a pena acessória a meio da sua moldura, não se mostra a mesma excessiva, sendo assim igualmente de manter.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos que se deixaram expendidos, em conferência acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$2.000,00.

Macau, aos 24 de Julho de 2014

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 390/2014 Pág. 16

Proc. 390/2014 Pág. 1