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Processo nº 607/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. – e no que toca ao pedido civil enxertado nos autos – decidiu-se condenar a demandada COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A.R.L. (A保險有限公司), a pagar à demandante B, a quantia total de MOP$715.093,00; (cfr., fls. 530 a 539-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada com o assim decidido, a demandada seguradora recorreu.
Motivou para apresentar as seguintes conclusões:

“1.° Não tendo a Demandante requerido a ampliação do pedido que formulou na alínea VI I) i) da petição de indemnização civil, o valor do pedido desta respeitante a “despesas das operações, internamento, médica, tratamento para recuperação e medicamentos” encontra-se necessariamente balizado pelo valor por esta indicado na petição de indemnização cível, i.e., a MOP$62,616.00.
2.° Nos termos do disposto no art. 564.° do cód. Proc. civ., não pode o Tribunal condenar em quantidade superior ao valor que é efectivamente pedido pelas partes, pelo que ao determinar um valor indemnizatório de MOP$145,093.00, o Tribunal a quo violou do princípio “ne eat iudex ultra petita partium aut breviter ne ultra petita”, sendo o Acórdão recorrido nulo, nos termos do disposto na al. e) do n.° 1 do art. 571.° do cód. Proc. civ..
3.° Ademais, uma vez que não resultou provado nos autos que a Demandante não tivesse recuperado das suas lesões, não podia o Tribunal a quo condenar os Demandados no pagamento de uma quantia adicional de MOP$82,477.00, a título de despesas médicas posteriores relativas a tratamentos médicos.
4.° Efectivamente, a necessidade de se submeter a fisioterapia implica inevitavelmente que a Demandante ainda não tenha recuperado das suas lesões, pelo que estão em contradição os fundamentos e a decisão proferida pelo Tribunal a quo, na medida em que este condenou os Demandados no pagamento de uma quantia que não aparenta ter nexo de causalidade com o acidente em causa, nem se justifica atenta a factualidade provada.
5.° O Acórdão ora recorrido é, por isso, nulo nos termos do disposto na al. c) do n.° 1 do art. 571.° do cód. proc. civ., por contradição entre os fundamentos e a decisão.
6.° De acordo com o relatório a fls. 2 dos autos, na data do acidente, a Demandante apresentava uma taxa de alcoolemia de “pelo menos 0.13 g/l”, a qual, pese embora abaixo do limite legal, não deixaria de ser susceptível de afectar a capacidade de reacção da Demandante.
7.° Andou, por isso, mal o Tribunal a quo por não ter tido em consideração tal facto para efeitos de determinação da culpa no acidente.
8.° Acresce que o Tribunal a quo não valorou suficientemente o facto de o acidente em causa ter ocorrido numa altura em que decorria a edição do Grande Prémio de Macau de 2009, em virtude do qual a saída do parque de estacionamento do Edifício “XXX” estava rodeada de barreiras de protecção e apenas na saída propriamente dita não havia vedação, o que, desde logo, implicava visibilidade limitada, por circunstâncias alheias à Arguida.
9.° Decorre da prova constante dos autos, nomeadamente das fotografias a fls. 3 e 22 e da descrição do acidente de fls. 2v, que só uma pequena parte do veículo MM-93-XX saiu para fora da via pública e não havia rastos de travagem brusca, pelo que é patente que a Arguida, que o conduzia, procurou com cuidado e dentro das limitações que tinha, obter a melhor visibilidade possível antes de sair do parque de estacionamento do Edifício “XXX”.
10.° O Tribunal a quo não tomou em consideração as limitações, condicionantes e circunstancialismo do acidente em causa nos autos, as quais, conforme resulta da fundamentação do Acórdão recorrido, não foram tomadas em devida conta para efeitos de apreciação da culpabilidade da Arguida.
11.° Não resulta nem dos documentos juntos aos autos nem dos depoimentos das testemunhas que, em virtude do acidente, a Demandante precisasse ainda de se submeter a operações plásticas ao rosto do corpo.
12.° Efectivamente, se é certo que resulta dos autos, nomeadamente dos relatórios médicos, que a Demandante necessitou de ser intervencionada, por diversas vezes, para pôr e retirar parafusos e corrigir fracturas, em momento algum se menciona a necessidade de realizar operações plásticas ou estéticas, pelo que andou mal o Tribunal a quo ao entendê-las necessárias.
13.° Atenta a prova produzida nos autos, é manifesto que o comportamento da Demandante de conduzir sob o efeito de álcool, ainda que em taxa inferior à legalmente proibida, contribuiu também para a ocorrência do acidente, devendo esta ser considerada, pelo menos, parcialmente responsável pelo mesmo.
14.° Devia, por isso, o Tribunal a quo ter reduzido a indemnização a ser paga à Demandante, estabelecendo uma divisão da culpa entre Demandante e Arguida numa proporção nunca superior a 50-50, tando andado mal ao atribui a culpa do acidente exclusivamente à Arguida sem atender ao disposto no n.° 1 do art. 564.° do cód. civ..
15.° Dispõe o art. 489.° do cód. civ. que na fixação de indemnização por danos não patrimoniais se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o respectivo montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias da indemnização quando se verificar uma situação de negligência.
16.° O valor considerado como ajustado pelo Tribunal a quo não se encontra em linha com a corrente jurisprudencial que, a este respeito, se tem vindo a estabelecer na RAEM, razão pelo qual deve o montante indemnizatório ser equitativamente reduzido, por desproporcional e excessivo face aos valores normalmente atribuídos pelos Tribunais da RAEM, assim se cumprindo o disposto no art. 489° do cód. civ..
17.° Na medida em que não resulta dos autos que a Demandante necessita de se submeter a operações plásticas à cara e ao corpo, não encontram preenchidos os requisitos legais para a indemnização atribuída à Recorrida tendo andado mal o Tribunal a quo na aplicação do disposto nos arts. 477.° e 556.° e ss. do Código Civil”; (cfr., fls. 567 a 585).

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Em Resposta, pugna a ofendida/demandante pela integral confirmação do decidido; (cfr., fls. 599 a 603).

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Remetidos os autos a este T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Encontrando-se, no presente recurso, fundamentalmente em causa matéria de índole meramente cível, cinge-se a nossa curta pronúncia exclusivamente ao segmento penal, atinente, no caso, à valoração da prova.
Apenas para referir afigurar-se-nos não assistir qualquer razão à recorrente a tal propósito.
O facto de se ter detectado a existência de 0,13g/l de álcool no sistema da ofendida não implica, até pelo seu reduzido valor, muito abaixo do legalmente permitido, que tal circunstância tivesse, de alguma forma, contribuído para a produção do acidente por, eventualmente, ter afectado a capacidade de reacção e controle daquela, sendo certo que, de todo o modo, nenhuma prova válida se mostra produzida nesse sentido, pelo que se não vê que tal circunstância precisa houvesse que ser valorada, por influir "necessariamente" na determinação de culpa a atribuir-lhe, conforme pretendido pela recorrente.
Por outra banda, aceitando-se ter o embate ocorrido enquanto decorria a edição do Grande Prémio de Macau e que nessa altura os circunstancialismos precisos de visibilidade e capacidade de manobra dos condutores se encontrem algo limitados devido às barreiras de protecção colocadas nas vias, tal só releva da necessidade de a arguida dever ter adaptado a tais condicionalismos a sua condução, rodeando-se de maior precaução e cautela, de forma a evitar o embate, que não para atribuir, por tal motivo, qualquer grau de responsabilidade à ofendida.
Tudo razões, pois, por que se entende não proceder, neste segmento específico, o presente recurso”; (cfr., fls. 619 a 620).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos como tal elencados a fls. 532 a 534-v e aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Em causa no presente recurso está o segmento decisório que apreciou o pedido civil pela demandante (ora recorrida) enxertado nos autos.

Com o decidido foi a demandada seguradora (ora recorrente) condenada no pagamento de uma indemnização no valor total de MOP$715.093,00.

Deste quantum, MOP$570.000,00 constitui a indemnização pelos “danos não patrimoniais” pela demandante sofridos, tendo-se atribuído os restantes MOP$145.093,00 a título de indemnização dos seus “danos patrimoniais”.

Da leitura à motivação e conclusões do presente recurso, verifica-se que – pelo menos, directamente – coloca a ora recorrente as questões seguintes:
- “excesso de condenação”; (violação do art. 571° do C.P.C.M.) (cfr., concl. 1ª a 5ª, 13ª e 14ª);
- “erro na determinação da culpa do acidente”; (cfr., concl. 6ª a 10ª);
- “excesso do quantum da indemnização por danos não patrimoniais”.

Pois bem, certo sendo que a questão da (percentagem) de culpa na origem de qualquer acidente não deixa de ter reflexos a nível do quantum indemnizatório a fixar, e não estando o Tribunal vinculado a apreciar as questões pelo recorrente colocadas na mesma ordem em que este as apresenta, começa-se pela alegada “culpa no acidente”.

Vejamos.

–– Colhe-se da matéria de facto dada como provada que a colisão do veículo automóvel conduzido pela arguida dos autos, (segurada pela ora recorrente), e o motociclo da ofendida se deveu ao facto de aquela se ter introduzido na Estrada das Cacilhas, saindo de um parque de estacionamento, sem ter respeitado a obrigatoriedade de cedência de prioridade aos veículos que circulavam naquela via (pela direita), e por não ter regulado a velocidade do seu veículo de forma a poder confirmar se podia fazer a manobra em segurança, sem perigo para os veículos que circulavam na via (e que vinham da sua direita).

Ora, perante isto, e certo sendo que foi considerada “única culpada” pelo acidente, vem agora alegar que não se teve em (devida) conta a “taxa de álcool no sangue da ofendida”, e que não se ponderou igualmente nas “específicas circunstâncias da via”, em consequência das medidas adoptadas por ocasião do “Grande Prémio”.

Porém, e sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, não se mostra de acolher o ponto de vista da recorrente, censura não merecendo a decisão na parte em questão.

Como – bem – nota o Ilustre Procurador Adjunto no seu Parecer, não se pode, pelo menos, sem mais, concluir que “a taxa de 0,13 g/l de álcool no sangue da ofendida pudesse ter tido qualquer influência no acidente”.

Podia ter tido, (admite-se), mas, também, pode não ter tido.

Face às circunstâncias do acidente, e não se tendo provado em audiência de julgamento que a dita “taxa” influenciou (negativamente) a condução da ofendida, mais não vale a pena dizer sobre a questão, (pois que na apreciação e decisão de tal matéria, (“influência”), é livre o Tribunal, não estando vinculado a decidir num ou noutro sentido.

Quanto às “circunstâncias da via”, a mesma é a solução, valendo, também aqui, a clara e cabal posição do Ilustre Procurador Adjunto, para a qual, por uma questão de economia processual nos remetemos e se dá aqui como reproduzida.

Aqui chegados, passemos agora para o acerto dos montantes fixados a título de indemnização.

–– Quanto aos “danos patrimoniais”, diz a ora recorrente que o Tribunal foi além do peticionado, (“excesso de condenação”), e que motivos não havia para fixar a indemnização em MOP$145.093,00.

Ora, é verdade que o art. 571° do C.P.C.M. prescreve que:

“1. É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
2. A omissão prevista na alínea a) do número anterior pode ser suprida oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, declarando o juiz no processo a data em que apôs a assinatura; a nulidade pode ser sempre arguida no tribunal que proferiu a sentença.
3. As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; no caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades”; (sub. nosso).

E, referindo-se expressamente à al. e) (do n.° 1), pede a recorrente a nulidade do decidido.

Eis o que se nos oferece dizer.

O acidente dos autos ocorreu em 10.11.2009.

Após um primeiro julgamento (em 1ª Instância) em 07.12.2002, e, em sede de recurso para este T.S.I., em 26.07.2013 decidiu-se ordenar o reenvio dos autos para novo julgamento, o que veio a ter lugar em 28.04.2014.

Porém, o certo é que em 01.04.2014, juntou a recorrente um expediente, dizendo que as despesas que teve a título de “tratamento médico” em virtude do acidente totalizavam, (no momento), MOP$145.093,00, juntando documentos para a sua prova; (cfr., fls. 499 a 514).

Certo sendo que logo no dia 02.04.2014 foram todos os intervenientes do processo do mesmo expediente notificados, (cfr., fls. 515 a 516-v), e “provadas” que vieram a ser tais despesas em audiência de julgamento, bem andou o Tribunal a quo em condenar a demandada no mesmo montante (total) de MOP$145.093,00, (que até se apresenta como inferior ao fixado no Ac. do T.J.B. de 07.12.2012).

É certo que no “expediente” não se fez expressa menção que com o mesmo se pretendia uma “ampliação do pedido”, tal como previsto está no art. 217° do C.P.C.M..

Todavia, inegável também é que do mesmo expediente foram todos os intervenientes processuais oportunamente notificados para, querendo, exercer o contraditório, e nada disseram, afigurando-se-nos razoável concluir que claro era que com o mesmo se pretendia uma “ampliação do pedido”, e que, em matérias como a presente, menos relevante é o aspecto formal, ou processual da questão.

Daí, em tempo apresentado o expediente, dele se colhendo a sua “real intenção” – para que seria então? – nada se tendo dito em sua oposição em tempo oportuno, e provados estando os montantes em questão, cremos que de manter é o decidido pois que não deixa de assentar em matéria de facto provada, (portanto, discutida em audiência).

–– Quanto aos “danos não patrimoniais”.

Diz a recorrente que o quantum fixado é excessivo.

Vejamos.

Sem querer aqui entramos em grandes pormenores, colhe-se da factualidade provada que em resultado do acidente (ocorrido em 10.11.2009) sofreu a demandante diversas fracturas, e em 13.11.2009 foi submetida a uma cirurgia com anestesia geral para “junção da extremidade proximal do úmero direito e da extremidade distal do rádio esquerdo, bem como colocação de placas metálicas”, tendo ficado internada até o dia 20.11.2009.

Da mesma factualidade, resulta também que, posteriormente em 13.04.2010, foi submetida a exame pericial tendo-se diagnosticado que tinha sofrido: “hemorragia subaracnóide, fractura cominutiva da extremidade proximal do úmero direito, fractura da extremidade distal do rádio esquerdo e da extremidade distal do perónio esquerdo, escoriações nos tecidos moles do nariz e nos lábios, três cicatrizes visíveis de 0,5 cm a 1 cm de comprimento do nariz e nos lábios, duas cicatrizes de 10 cm e 5 cm, respectivamente, de comprimento na parte superior externa do braço direito, atrofia ligeira a média no membro superior direito, ancilose com limite a propulsão a menos de 60°, acompanhado de algias no ombro direito, uma cicatriz de 6 cm de comprimento na parte inferior do antebraço esquerdo, não limitação no movimento no pulso esquerdo e boa movimentação das articulações do membro inferior esquerdo (…) estimando-se em trezentas e sessenta e cinco dias o período de convalescença e porventura de mais quinze dias devido à operação cirúrgica para retirar as placas metálicas para fixação (…)”.

E que, “em 28 de Fevereiro de 2011, a demandante cível foi submetida a uma operação de extracção da fixação (das placas metálicas/pregos)”, provado estando também que “foram deixados no corpo da demandante cível sete cicatrizes permanentes”.

E, perante isto, que dizer?

Ora, tem este T.S.I. entendido que: “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.03.2011, Proc. n° 535/2010), sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”; (cfr., v.g., o Ac. de 27.06.2013, Proc. n.° 324/2013, e mais recentemente de 06.03.2014, Proc. n.° 106/2014).

Motivos não havendo para se alterar o assim entendido, e atenta a factualidade provada que se deixou retratada, ponderando nas lesões que sofreu a demandada, no período de tempo de convalescença e nas consequências na sua saúde e corpo, cremos nós que excessivo não é o montante de MOP$570.000,00 fixado.

Decisão

4. Em face do exposto, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo ora recorrente.

Macau, aos 09 de Outubro de 2014
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

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