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Proc. nº 307/2013
(Recurso contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Setembro de 2014
Descritores:
-Renovação da autorização de residência
-Renovação tardia
-Prazo
-Força maior

SUMÁRIO:

I - A força maior é o facto imprevisível e não querido pelo agente que o impossibilita absolutamente de agir segundo as resoluções da vontade própria, quer paralisando-o, quer transformando o indivíduo em cego instrumento de força externas irresistíveis.

II - Uma doença súbita e um internamento hospitalar pode preencher o conceito de força maior que impeça o cumprimento de um dever ou de uma obrigação.

III - Se é certo que o art. 23º do Regulamento Administrativo nº 5/2003 permite a apresentação de pedido de “renovação tardia” da autorização de residência concedida a título de investimento imobiliário, isto é, dentro do período de 180 dias após o termo do prazo da validade da residência concedida, não estaremos perante o caso de força maior a que se refere o nº3 desse artigo se o impedimento da formulação do pedido de renovação decorrente de internamento hospitalar da requerente não se verificou durante todo aquele período de tempo.













Proc. nº 307/2013
(Recurso Contencioso)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, de sexo feminino, casada, nascida na China, de nacionalidade chinesa, portadora do passaporte chinesa n.º XXX emitido em 17 de Março de 2009 pelo Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau, residente na Avenida do Ouvidor Arriaga, XXX (em diante designada pela recorrente), recorre contenciosamente para este TSI da decisão de 8 de Agosto de 2013 do Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o pedido de renovação de autorização de fixação de residência com projecto de investimento em propriedade imóvel deduzido em 1 de Fevereiro de 2013 pela recorrente e o seu agregado familiar.
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Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
« (1) A requerente solicitou a autorização da fixação de residência em Macau através de investimentos, sendo 2151/2005/01R o seu número do processo no Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM). Segundo o acto administrativo recorrido, dado que a recorrente não pediu à Administração a renovação de autorização de residência temporária no prazo de 180 dias contados desde a expiração da sua validade, e que o seu fundamento apresentado não se trata de força maior, nos termos do artigo 23, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 aplicado pelo artigo 23 do RA n.º 3/2005, declara-se a caducidade do respectivo requerimento e rejeita-se o pedido da renovação de autorização de residência temporária por ela apresentado em 1 de Fevereiro de 2013.
(2) A recorrente só conheceu as condições e disposições da renovação em 29 de Janeiro de 2013, altura em que entrou em Macau por Taipa. Em 1 de Fevereiro de 2013, a recorrente apresentou junto da Administração a respectiva declaração e atestado de internamento hospitalar, para justificar o diferimento do requerimento para renovação. Os motivos são: a recorrente estava internada em hospital no Canadá durante Maio de 2012; estava internada em Hospital Nan Fang (南方醫院) de 19 a 29 de Setembro de 2012 para a realização duma intervenção cirúrgica; a companhia intermediária que representou a recorrente não a notificou, pelo que a mesma não conseguiu requerer a respectiva renovação, não por si nem através da agência.
(3) A decisão recorrida não admitiu os motivos supracitados, e declarou, nos termos do artigo 23, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 aplicado e citado pelo RA n.º 3/2005, o indeferimento do pedido de renovação apresentado pela recorrente e a perda de validade da sua autorização de residência.
(4) Ressalvado o costumeiro respeito pela decisão feita pela Administração, a recorrente não está conformada com a decisão recorrida, pelo que vem interpor este recurso contencioso.
(5) Em primeiro lugar, no início de Maio deste ano, a recorrente apresentou a reclamação contra a recorrida e entregou o atestado médico para comprovar que aquela estava internada em hospital do Canadá em Maio de 2012. O documento acima referido pode provar que a recorrente esteve gravemente doente e teve que estar internada em hospital, ou a sua vida seria gravemente afectado.
(6) Em segundo lugar, a recorrente não concorda com a Administração em relação a “ignorou o papel da companhia intermediária”. Isso viola o que os cidadãos comuns têm visto nos dias de hoje. A fixação de residência da recorrente foi requerida através da agência de intermediação. Além disso, existe no mapa de contacto nos autos de Administração “intermediário” e “companhia intermediária”, etc.
(7) A Administração enviou uma carta para a residência da recorrente em 28 de Abril de 2006. No entanto, a carta de notificação de 10 de Julho de 2009 emitida pela Administração foi entregue à recorrente através da agência intermediária. Tal notificação é aquele que, feita em 10 de Julho de 2009 e indicada na decisão recorrida, notificou expressamente a recorrente das regras de renovação.
(8) Pelo que o papel do intermediário não é irrelevante. No entanto, a recorrente não recebeu a notificação de 10 de Julho de 2009 referida na decisão recorrida que lhe comunicou expressamente as regras da renovação e os seus direitos e obrigações.
(9) Em relação à notificação de 10 de Julho de 2009,esta não foi enviada para o endereço da residência declarada pela recorrente, nem foi por esta assinada.
(10) Em terceiro lugar, apesar de o Código Civil proibir a falta de observância de leis por não as conhecer, isso trata-se apenas duma presunção legal.
(11) Em quarto lugar, a decisão recorrida foi feita principalmente com base no artigo 23, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 aplicado pelo artigo 23 do RA n.º 3/2005.
(12) O artigo 23, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 compreende o requisito de “salvo por motivo de força maior devidamente comprovado”.
(13) De acordo com os documentos constantes dos autos, a doença da recorrente poderia resultar em morte, pelo que se trata de força maior, cujo prazo deve incluir todo o período da doença, de diagnóstico, de internamento hospitalar, de tratamento, de internamento de novo, de intervenção cirúrgica, e de convalescente.
(14) O requerimento para fixação de residência da recorrente foi apresentado através da companhia intermediária, e aceitado pela Administração. Assim sendo, a recorrente tem razão para acreditar que tal companhia intermediária iria alertar oportunamente a mesma para praticar respectivos actos legais, ou até requerer a renovação por sua conta. A companhia intermediária, entretanto, nada fez.
(15) No entanto, deve-se enfatizar que a recorrente não estava em Macau desde que esteve doente até ao momento de recuperação; e que a recorrente é imigrante, não conhece plenamente todas as leis de Macau; e que a mesma não tem amigo ou parente em Macau, pelo que é impossível que ela soubesse que podia delegar o poder a outrem para requerer a renovação por sua conta, nem a forma da delegação (oral, escrita, de escrito particular, de documento autenticado, de documento público).
(16) Da conduta da recorrente resulta que ela não conhecia as disposições da renovação de autorização de residência ou o prazo legal, nem o facto de poder delegar o poder a outrem.
(17) Caso contrário, a recorrente não apresentaria junto da Administração o requerimento para renovação com a maior brevidade possível (em 1 de Fevereiro de 2013) quando tinha conhecido a questão de renovação à entrada em Macau em 29 de Janeiro de 2013.
(18) Por isso, só a concessão da renovação e a aplicação da multa legalmente fixada preenchem melhor o disposto no artigo 23, n.º 3 do RA n.º 5/2003 e o seu espírito legislativo.
(19) No entanto, a decisão recorrida não se entende assim.
(20) Nos termos do artigo 21, n.º 1, al. d) do CPAC, constitui fundamento do recurso a violação de lei; “a violação de lei” não só inclui a violação das disposições legais, mas também o erro da Administração no reconhecimento de facto.
(21) Por isso, a decisão recorrida, por não reconhecer que a recorrente tinha doença grave no respectivo período; e por entender que a notificação de 10 de Julho de 2009 comunicou expressamente as regras da renovação à recorrente; e por não reconhecer o papel da respectiva companhia intermediária; padece do vício da violação de lei por ter três erros de reconhecimento de facto.
(22) Assim sendo, deve ser declarada, nos termos do artigo 124 do CPA, a anulação do acto administrativo recorrido.
(23) Além disso, dado que a decisão recorrida erradamente aplica o disposto no artigo 23, n.º 3 do RA n.º 5/2003 bem como o seu espírito legislativo, nomeadamente o requisito de “por motivo de (orça maior devidamente comprovado”, a mesma padece do vício da violação de lei,
(24) Pelo que deve ser declarada, nos termos do artigo 124 do CPA, a anulação do acto administrativo recorrido.
(25) Ultimamente, a recorrente pede ao Tribunal que conheça dos vícios nos autos e faça a costumeira justiça.».
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A entidade administrativa apresentou contestação, que concluiu do seguinte modo:
«1. A ignorância da lei não é fundamento para relevação do dever de assumir o efeito jurídico.
2. Doença não é motivo de força maior.
3. O despacho recorrido não existe qualquer erro nos pressupostos de facto.
Pelo exposto, deve indeferir o pedido constante no presente recurso contencioso».
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O recorrente não apresentou alegações facultativas e a entidade recorrida, tendo-as apresentado, formulou nelas as seguintes conclusões:
«1. O recorrente não pediu oportunamente a renovação antes da autorização da residência expirar o prazo, não pediu a renovação através do pagamento da multa dentro de 180 dias após da autorização da residência expirar o prazo, pelo que, perdeu a validade.
2. O recorrente declara que veio a saber as disposições sobre a renovação da residência quando entrou em Macau no dia 29 de Janeiro de 2013, mas a sua autorização de residência já se expirou por 180 dias, e perdeu validade conforme a lei.
3. Pode observar que o recorrente não nega o facto de falhar em requerer a renovação após a sua autorização de residência expirar por 180 dias.
4. O recorrente alega que não pediu a renovação da autorização da residência dentro o prazo legal por motivos de (1) força maior, (2) não ter sido informado pelo seu agente sobre a renovação e (3) falta de conhecimento às disposições legais para a residência por investimento.
5. Para os motivos (2) e (3), crêem que são impossíveis de proceder, porque:
6. O recorrente conhece de requerer a autorização da residência em conformidade com o regime de residência por investimento, significa que o recorrente tem conhecimento ao regime de residência, e tem obrigação de conhecer as respectivas disposições, pelo que, o recorrente alega não conhecer as disposições sobre a renovação da residência por investimento por não ser residente de Macau, isto é inaceitável.
7. Pelo que, se o seu agente tinha-lhe informado ou não sobre a renovação da residência, não serve para o fundamento de não respeitar o prazo para a renovação, ainda por cima, por quê motivo o recorrente não foi notificado sobre a renovação pelo seu agente, isto é problema entre si, que não é oponível à autoridade administrativa.
8. Em termo de força maior, é de repetir que o sofrimento de doença não constitui a força maior, mesmo que o recorrente estava doente, pode requerer a renovação por outras formas, por exemplo, através o seu agente, mesmo que não estivesse disponível de constituir o seu agente, deve contactar a autoridade administrativa para procurar a resolução, em vez de deixar de ser ignorante.
9. Mas o recorrente não fez qualquer esforço para requerer oportunamente a renovação da residência.
10. De facto o recorrente ignorou a renovação de residência ou basicamente não conhecia a necessidade de requerer a renovação da autorização da residência.
11. Isto pode ser provado porque o recorrente declarou que veio a saber sobre as disposições quando entrou em Macau no dia 29 de Janeiro de 2013.
12. Pelo que, o motivo que o recorrente não pediu a renovação da residência - o único motivo - é ignorância às disposições legais sobre a renovação da autorização da residência, isto é, não conhece a lei, ou ignorância à obrigação de requerer oportunamente a renovação da residência.
13. Deve saber mas não saber não é motivo que lhe exonera da consequência legal, a ignorância também não é motivo de exoneração, o recorrente deve assumir a consequência legal da perda de validade da sua autorização de residência por a renovação extemporânea».
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O digno Magistrado do MP opinou o seguinte:
«Tanto quanto ousamos sintetizar da argumentação expendida pelo recorrente, mostra-se o mesmo inconformado com o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 8/8/13 que lhe indeferiu pedido de renovação de autorização de residência na RAEM, por investimento imobiliário, devido a caducidade da autorização (falta de apresentação de requerimento para renovação, no prazo de 180 dias contados desde o termo de validade daquela), assacando-lhe, genericamente, vício de violação de lei, assente essencialmente em duas circunstâncias:
- Não lhe ter sido comunicado directamente pela sua agente imobiliária o teor da notificação datada de 10/7/09, onde, além do mais, se referiam as regras para a renovação, sendo que, na falta de tal informação e desconhecendo, na matéria, as leis de Macau, não lhe seria exigível diferente comportamento;
- De todo o modo, durante o prazo em que deveria proceder à renovação em causa, esteve doente, hospitalizado e sujeito a intervenção cirúrgica, impossibilitando-o, na prática, de tal actividade, pelo que tal circunstância deveria ser equacionada como “motivo de força maior”, a preencher o conceito do nº 3 do artº 23º do R.A. 5/2003, a permitir, pois, ainda a renovação fora do prazo ali contemplado.
Não vemos como lhe possa assistir qualquer razão.
Por um lado, independentemente de terem ou não sido comunicadas ao recorrente pelo seu legal representante, as regras, as obrigações inerentes à sua condição de residente, aquele não as podia desconhecer, ou, pelo menos, não pode invocar a ignorância das leis de Macau na matéria, tanto mais que se serviu delas para alcançar, via investimento, a autorização de residência, sendo também certo que a Administração enviou a comunicação através da imobiliária de que o recorrente precisamente se servira para a tratar do seu pedido inicial, não se podendo, pois, assacar àquela a eventual falta de comunicação entre representante e representado, a que a mesma é, como é óbvio, alheia.
Por outra banda, não pretendendo entrar por caminhos de evidente contradição do visado, proclamando a doença como causa impeditiva da formulação do pedido de renovação, quando o próprio reconhece ter apenas ter tido conhecimento dos termos e condições do prazo de renovação quando entrou em Macau no dia 29/1/13, (cfr ponto 6º da respectiva P.I.) tudo a indiciar, pois, que poderá ter sido essa e só essa a verdadeira razão da “falha” registada, sempre se dirá não se alcançar do procedimento, ou melhor, não se mostrar comprovado pelo recorrente que a doença, hospitalização e intervenção cirúrgica a que foi sujeito, o tenham inibido, de todo e a todo o tempo de, designadamente através de representante (como, de resto, sucedera com o pedido inicial de autorização) formular requerimento para a almejada renovação, pelo que não poderemos configurar o alegado como situação devidamente comprovativa de “motivo de força maior”, a justificar, porventura, o deferimento da pretensão.
Donde, entendermos, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, não merecer provimento o presente recurso».
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é matéria, nacionalidade e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
Julga-se assente a seguinte factualidade:
1 - Em 26/09/2005 a recorrente havia requerido autorização de residência com fundamento em investimento imobiliário, que lhe fora concedida por despacho de 25/03/2006 (fls. 31 e 139-140 do p.a.)
2 - Este pedido foi apresentado por B, da agência XX Real Estate Investment Consultation, de acordo com uma procuração para o efeito (fls. 29-30 do p.a.).
3 - Nesse pedido foi apresentado o nome da procuradora B para contactos no âmbito do procedimento (fls. 31).
4 - Em 10/07/2009 a agência imobiliária foi notificada da aprovação de renovação da autorização de residência temporária por aquisição de imóvel e, bem assim, sobre as regras da renovação, nomeadamente da regra dos arts. 18º e 19º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 e 23º do Regulamento Administrativo nº 5/2003 (fls. 133 e vº do p.a. e fls. 80 a 84 do apenso “traduções”).
5 - Em 28/11/2009, a recorrente, através de B, solicitou à Administração a renovação da autorização de residência, que lhe havia sido concedida com fundamento em investimento imobiliário, tendo obtido deferimento por despacho de 30/06/2009, com prazo de validade até 25 de Março de 2012.
7 - Este pedido foi apresentado pela referida B (fls. 141do p.a.).
8 - A recorrente regressou a Macau em 29 de Janeiro de 2013.
9 - No Canadá foi internada de urgência no Surrey Memorial Hospital no dia 23 de Maio de 2012 (fls. 15-28 do p.a).
10 - E entre os dias 19 e 29 de Setembro de 2012 esteve internada no Hospital Nan Fang, da Southern Medical University, na cidade de Cantão, na República Popular da China, onde foi submetida a uma intervenção cirúrgica.
11 - A recorrente apenas requereu a renovação de autorização no dia 1 de Fevereiro de 2013.
12 - Nessa data, a recorrente apresentou junto da Administração a respectiva declaração e atestado de internamento hospitalar, para justificar o atraso no requerimento para renovação.
13 - Foi elaborada a Proposta Nº 00276/GJFR/2013, com o seguinte teor:
«Auto n.º 2151/2005/1R
Data: 25/2/2013
Exm.º Senhor C, Director Adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência:
Primeiro. Apresentação do pedido:
1. Em 30 de Junho de 2009, nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, foi concedida, à requerente A, a renovação de autorização de residência temporária, com fundamento do investimento em bens imóveis. A concessão da renovação também foi estendida ao seu esposo D e aos seus descendentes E e F, cujos títulos de residência temporária foram todos renovados para 25 de Março de 2012 (vd. o processo n.º 2151/2005/1R).
2. Em 1 de Fevereiro de 2013, a requerente apresentou junto do Instituto uma declaração e documento comprovativo do diagnóstico de doença (anexo 1), indicando que, só quando entrou em Macau em 29 de Janeiro de 2013 pelo Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa, aquela conheceu que não tinha requerido a renovação de autorização de residência temporária no prazo de 180 dias contados desde o termo da sua validade. Em relação à falta do requerimento para renovação, a requerente apresentou a seguinte motivação:
(1) Durante Maio de 2012, estava internada em hospital no Canadá e convalescia, pelo que não se atrevia a voltar.
(2) Durante 19 e 29 de Setembro de 2012, estava internada em Hospital Nan Fang (南方醫院) da Southern Medical University (南方醫科大學) para a realização duma intervenção cirúrgica.
(3) Antigamente, a companhia intermediária prestava assistência aos assuntos relacionados com a autorização de residência. Mas tal companhia não existe agora, nem contactou com a requerente, de forma que ela não requeresse tempestivamente a renovação. Por isso, a requerente pediu que, tendo em conta a sua situação, lhe fosse concedida uma oportunidade para renovação.
3. Nos termos do artigo 23, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, subsidiariamente aplicado pelo artigo 23 do RA n.º 3/2005, a falta do requerimento para renovação dentro do prazo de 180 dias contados desde o termo da validade da autorização de residência, salvo por motivo de força maior devidamente comprovado, implica a caducidade da autorização de residência e a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente.
4. Apresenta-se a seguir a análise do pedido da requerente:
(1) A autorização de residência temporária da requerente foi válida até 25 de Março de 2012, devendo esta requerer a renovação no prazo de 180 dias (21 de Setembro de 2012) contados desde o termo da validade, caso contrário, implica-se a caducidade da autorização de residência.
(2) No entanto, a requerente não requereu a renovação dentro daquele prazo acima referido, com um dos motivos de que durante Maio de 2012, estava internada em hospital no Canadá e convalescia, pelo que não se atrevia a voltar. Tal motivo não é aceitável por a requerente não ter apresentado qualquer documento comprovativo.
(3) Em 10 de Julho de 2009, através da notificação de deferimento n.º 12328/GJRF/2009 (anexo 2), o IPIM expressamente notificou que: “nos termos do artigo 19 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 a renovação de autorização de residência temporária deve ser requerida ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau pela requerente e os seus membros familiares nos primeiros 60 dias dos 90 que antecedem o termo do respectivo prazo. Nos termos do artigo 23 do RA n.º 5/2003 subsidiariamente aplicado, a falta do requerimento para renovação dentro do prazo de 180 dias contados desde o termo da validade da autorização de residência implica a caducidade da autorização de residência e a perda do tempo continuado ara efeitos da qualidade de residente permanente.” Por isso, devia a requerente conhecer bem que tinha que requerer a renovação dentro daquele período e, a falta do requerimento implica a caducidade da autorização de residência.
(4) Segundo a requerente, durante 19 e 29 de Setembro de 2012, estava internada em Hospital Nan Fang (南方醫院) da Southern Medical University (南方醫科大學) para a realização duma intervenção cirúrgica. A mesma apresentou os respectivos documentos comprovativos. Após a análise dos documentos, provou-se que a requerente tinha se submetido à intervenção cirúrgica e tinha estado internada em hospital no período por ela referido. No entanto, a requerente não notificou o IPIM de forma qualquer (oral, email ou oficio, etc.) antes do período. Além disso, apenas decorridos 10 dias desde a sua entrada no hospital até à saída. A requerente podia requerer a renovação ao Instituto desde a data do termo do prazo da autorização de residência (ou seja, 25 de Março de 2012) até à de internamento hospitalar (19 de Setembro de 2012), ou até antes do termo do respectivo prazo, pelo que é difícil aceitar o seu motivo da falta de requerimento.
(5) A requerente mais declarou que, antigamente, a companhia intermediária prestava assistência aos assuntos relacionados com a autorização de residência, mas tal companhia não existe agora, nem tinha contactado com ela, de forma que ela não requeresse tempestivamente a renovação. Na verdade, o sujeito do requerimento para renovação é a requerente, mas não a companhia intermediária, pelo que a existência ou não desta não afecta a renovação requerida pela requerente ao Instituto. Por isso, o motivo não é justificado.
(6) É de enfatizar que a força maior trata-se dum fenómeno natural e social imprevisto, inevitável e insuperável. Neste caso, os motivos (doença e não existência da companhia intermediária) da falta do requerimento para renovação no prazo legalmente fixado apresentados pela requerente não são de força maior. Além disso, o requerimento para a autorização de residência temporária não é necessariamente dirigido ao IPIM pessoalmente pela requerente, podendo também ser feito por representante a quem a requerente delegue o poder.
5. Face ao exposto, dada a falta do requerimento para renovação dentro do prazo de 180 dias contados desde o termo da validade da autorização de residência, por motivo de não força maior, sugere-se declarar, nos termos do artigo 23, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, subsidiariamente aplicado pelo artigo 23 do RA n.º 3/2005, a caducidade da autorização de residência temporária concedida à requerente A, ao seu cônjuge D e aos seus descendentes E e F e o indeferimento da renovação de autorização de residência temporária requerida ao Instituto em 1 de Fevereiro de 2013 pela requerente.
Submeto à apreciação e decisão superiores.
Técnico superior
(Ass. V d. o original)
XXX
Anexos:
1. A declaração e o documento comprovativo da doença apresentados pela requerente em 1 de Fevereiro de 2013.
2. O ofício n.º 12328/GJFR/2009 do IPIM e o registo de comunicação.».
14 - Na sequência dessa proposta foi emitido o seguinte parecer do Gabinete Jurídico e de Fixação de residência:
«Concordo com o teor desta proposta. Dado que a requerente não pediu ao Instituto a renovação de autorização de residência temporária no prazo de 180 dias contados desde o termo da sua validade, e que os seus motivos apresentados não se trata de força maior, sugiro que declare, nos termos do artigo 23, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, subsidiariamente aplicado pelo artigo 23 do RA n.º 3/2005, a caducidade da autorização de residência temporária concedida à requerente A, ao seu cônjuge D e aos seus descendentes E e F, e que seja indeferida a renovação requerida ao Instituto pela requerente em 1 de Fevereiro de 2013.
Submeto à apreciação da Comissão Executiva.
(Ass. Vide o original)
C,
Director Adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência».
15 - Em 8.4.2013 o Secretário para a Economia e Finanças proferiu, então, o seguinte despacho (a.a.):
«Concordo com o parecer» (fls. 99 do p.a. e fls. 32 do apenso “traduções”).
***
IV – O Direito
1 - O acto
Pedida a renovação em 1/02/2013, foi proferido despacho de indeferimento datado de 8/04/2013.
O acto administrativo em causa tem uma fundamentação simples: Não autorizou a renovação de autorização de fixação de residência, por ter sido pedida para além do prazo de 180 dias a que se refere o art. 23º, nº3, do RA nº 5/2003.
*
2 - Os vícios
A recorrente pretende ver decretada a anulação do acto impugnado com os seguintes fundamentos:
1º - A notificação de 10/07/2009 foi dirigida para o endereço da agência imobiliária e não para o endereço da residência declarada pela recorrente; por isso, nunca ela teve conhecimento do seu teor.
2º - A recorrente não conhece as leis de Macau; não sabia da exigência própria do regime da renovação.
3º - O acto em apreço violou o disposto no art. 23º do RA nº 5/2003, na medida em que se trata de uma disposição que permite a renovação fora do prazo legal em caso de força maior, como aconteceu no caso em apreço (doença grave); não teve culpa na apresentação tardia.
*
3 - De acordo com o disposto no art. 19º, nº1 do RA nº 3/2005 “A renovação de autorização de residência temporária deve ser requerida ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau nos primeiros 60 dias dos 90 que antecedem o termo do respectivo prazo”.
E de acordo com o art. 23º do RA n.º 5/2003:
Artigo 23.º
Renovação tardia
1. Findo o prazo de validade da autorização de residência, os interessados podem ainda requerer a renovação no prazo máximo de 180 dias, mediante o pagamento da multa fixada no artigo 36.º do presente regulamento.
2. A renovação depende da apresentação de requerimento fundamentado e da prova do pagamento da multa correspondente.
3. A falta do requerimento para renovação dentro do prazo do n.º 1, salvo por motivo de força maior devidamente comprovado, implica a caducidade da autorização de residência e a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente. (sublinhado e negrito nossos)
Portanto, o RA nº 5/2003 (art. 23º) concede um prazo suplementar de 180 dias após o termo do prazo de validade da autorização de residência para requerer a renovação (que, em princípio deveria ser pedida nos primeiros 60 dias dos 90 que antecedem o termo do respectivo prazo, nos termos do art. 19º do RA 3/2005). Será, como lhe chama a norma regulamentar, uma “renovação tardia”, a qual, por isso mesmo, ficará sujeita ao pagamento de uma multa (art. 36º do RA).
No caso de o interessado não ter feito o pedido naquele prazo, mediante requerimento fundamentado e comprovando o pagamento da multa, a Administração deverá declarar a caducidade da autorização de residência, a não ser que ocorra um motivo de força maior devidamente comprovado (art. 23º, nº3).
Ora, a renovação anterior terminava no dia 25/03/2012, pelo que a extensão dos 180 dias obrigava a recorrente a apresentar requerimento até 25/09/2012 impreterivelmente.
Não o fazendo dentro desse prazo, restava-lhe a apresentação de requerimento posterior tentando demonstrar a ocorrência de um caso de “força maior”, nos termos do nº3, do art. 23º citado.
*
4 - Será que a circunstância de a correspondência de 10/07/2009 ter sido enviada para a agência imobiliária altera alguma coisa neste caso?
Não. Tal comunicação (fls. 133 e vº do p.a. e fls. 80 a 84 do apenso “traduções”) para a agência não era mais do que o cumprimento do dever administrativo de enviar a correspondência para o contacto que foi fornecido no pedido de 26/09/2005 para a autorização inicial apresentado por B, da agência XX Real Estate Investment Consultation, de acordo com uma procuração para o efeito (fls. 29-30 do p.a.).
Portanto, a Administração não pode ser criticada por ter respeitado a vontade da recorrente quanto às notificações a efectuar no âmbito do procedimento.
Se a agência imobiliária, que dispunha de procuração da recorrente, não foi diligente (o que se desconhece) e não estabeleceu contacto com esta, isso apenas se reflecte no âmbito das relações internas entre uma e outra.
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5 - E será válido o argumento de que a recorrente não conhece as leis de Macau, nomeadamente as referentes aos requisitos da renovação?
Também não. O desconhecimento da lei não aproveita ninguém (art. 5º do CC).
Deveria a recorrente procurar inteirar-se sobre as regras do procedimento e não vir efectuar investimento imobiliário e ficar de costas para a realidade jurídica da RAEM. Qualquer pessoa que pretenda obter os benefícios da residência em Macau deve ser coerente e procurar saber qual o regime jurídico dessa residência em todas as suas vertentes e quais as consequências que ela importa (Ubi comoda ibi incomoda). Ao não fazer isso e deixar que alguém (agência) tratasse dos assuntos relacionados com a residência, relegou para ela – ou delegou nela – o cumprimento do dever que a si competia observar. Por isso, mais uma vez o teremos que dizer, se a agência não lhe deu conhecimento da necessidade de proceder atempadamente à renovação, isso ficará confinado às relações internas entre uma e outra.
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6 - E estaremos nós perante um caso de “força maior” que permitisse a apresentação do requerimento apenas em Fevereiro de 2013?
A força maior é o facto imprevisível e não querido pelo agente que o impossibilita absolutamente de agir segundo as resoluções da vontade própria, quer paralisando-o, quer transformando o indivíduo em cego instrumento de força externas irresistíveis (Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, vol.II, 10ª ed., pág. 1306).
Ora, se bem que possamos concordar com a recorrente de que uma doença súbita e um internamento hospitalar possa preencher o conceito de força maior que impeça o cumprimento de um dever ou de uma obrigação, certo é, porém, que esse impedimento não teve lugar durante todo o período de 180 dias de que ela dispunha para formular o pedido de renovação tardia.
Deveria procurar a recorrente ser diligente e tentar contactar a agência em Macau no sentido de, por si, formular o respectivo pedido. E se nessa tentativa chegasse à conclusão de que a agência estava incontactável (v.g., por ter mudado de sede ou de local de estabelecimento, por ter cessado a actividade, etc., etc.), então deveria constituir um novo procurador para, em seu nome, formular um pedido tempestivo. Nada disso foi feito, porém.
De resto, não há dados que nos levem a pensar que ela não pôde vir a Macau durante todo esse período de 180 dias. Não sabemos onde esteve após o internamento em Maio no Canadá, nem tampouco sabemos o que ela estava a fazer (se em visita, se em trabalho, se em visita de familiares, etc., etc.). Sabemos, isso sim, que em Setembro foi sujeita a uma cirurgia em Cantão. Contudo, esse internamento não é suficiente para levar a concluir que antes dele não tivesse vindo, ou não pudesse vir a Macau, para actualizar a sua situação de residência e formular o pedido de renovação.
Portanto, o requerimento apresentado em 1/02/2013 não foi aceite como ilustrativo de uma situação de força maior e bem, na nossa opinião, por o quadro clínico e hospitalar revelado não impossibilitar a requerente, fora dos períodos de internamento, de formular o pedido ou de o fazer através de terceira pessoa pela via da representação1.
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V – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso e manter o acto recorrido.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 5 UC.
TSI, 18 de Setembro de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

Fui presente
Mai Man Ieng

1 Neste sentido, ver o Ac. do TUI, de 28/09/2011, Proc. nº 27/2011. Em sentido semelhante, Ac. TSI, de 22/11/2012, Proc. nº 234/2011.
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307/2013 23