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Processo n.º 82/2014
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrentes: A, B, C, D e E
Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
Data da conferência: 5 de Novembro de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Acto de indeferimento tácito
- Órgão incompetente
     - Nulidade do acto administrativo

SUMÁRIO

1. No caso de apresentação de requerimento a órgão incompetente, a lei impõe à entidade que recebeu o requerimento a obrigação de o remeter, oficiosamente, ao órgão competente, com notificação do particular, ou notificar no prazo legal o particular que o requerimento não será apreciado, consoante se for desculpável ou indesculpável o erro do particular (art.º 36.º n.ºs 1e 2 do Código do Procedimento Administrativo).
2. As omissões cometidas pela entidade incompetente, tanto por não remessa dos requerimentos a órgão competente como por não notificação do interessado, não são cominadas com a nulidade nos termos do art.º 122.º do CPA, não se impondo o seu conhecimento oficioso pelo Tribunal.
3. A nulidade do acto administrativo prevista no art.º 122.º do CPA verifica-se por falta de qualquer dos elementos essenciais ou por cominação expressa da lei, designadamente nos casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo.
4. Não estando em causa nenhum acto administrativo, muito menos se pode falar na falta de elementos essenciais do acto.

A Relatora,
Song Man Lei
   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
1. Relatório
F, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento tácito do requerimento por si dirigido ao Senhor Chefe do Executivo, no qual requereu a reabertura do processo respeitante à sua mulher já falecida, destinado à atribuição de direito de arrendamento perpétuo de campa.
Apresentado a contestação, entendeu a entidade recorrida que o recurso devia ser rejeitado, por carência de objecto, e subsidiariamente, ser negado provimento.
Na pendência do recurso, faleceu o recorrente, tendo sido procedido a habilitação dos sucessores da parte falecida, prosseguiram os autos com a intervenção de A, B, C, D e E.
Por Acórdão proferido em 3 de Abril de 2014, o Tribunal de Segunda Instância decidiu rejeitar o recurso, por carência do objecto.
 Inconformadas com a decisão, vêm A, B, C, D e E recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A entidade Recorrida veio defender que o recurso contencioso interposto deveria ser liminarmente rejeitado, com fundamento na falta de objecto, em virtude de o Chefe do Executivo não ter competência para deferir a pretensão do recorrente; não havendo, nessa medida, lugar à formação de um acto tácito de indeferimento, ficando assim vedado o conhecimento do mérito do recurso.
2. Na senda da tese defendida pela entidade Recorrida e do expendido no parecer do Ministério Público, o douto acórdão recorrido foca-se na questão de saber se o silêncio da administração gera o indeferimento.
3. Conforme se verifica pela leitura do douto acórdão recorrido, o Tribunal a quo conclui que é ao IACM e não ao Chefe do Executivo que compete apreciar pedidos sobre a utilização de sepulturas, gavetas-ossário ou câmara de cinzas.
4. Mais conclui o douto acórdão recorrido que, mesmo que o presente caso tivesse que ser apreciado à luz do Regulamento dos Cemitérios Municipais de 1961, o Chefe do Executivo também não detinha o dever legal de decidir, no âmbito desse diploma.
5. O douto acórdão recorrido sublinha igualmente que, pese embora o Chefe do Executivo possa conceder o direito de uso prolongado de sepultura a determinada individualidade, ao abrigo do disposto no artigo 14º do Regulamento Administrativo n.º 37/2003, não foi esse o pedido do Recorrente.
6. O acórdão recorrido afasta ainda um eventual recurso tutelar no caso dos autos, concluindo que a entidade Recorrida não pode modificar ou substituir os actos praticados pelo IACM e que o recurso tutelar de tais actos nem sequer se encontra legalmente previsto.
7. O douto acórdão recorrido sublinha a necessidade de serem respeitadas as regras fixadas para a impugnação contenciosa de actos administrativos, nomeadamente quanto ao sistema de fixação de competências.
8. Tudo para concluir que o Chefe do Executivo não detinha a competência material para decidir sobre a matéria subjacente à pretensão formulada pelo Requerente, razão pela qual o silêncio sobre tal matéria não confere ao Recorrente o direito de presumir indeferida a sua pretensão para efeitos de recurso contencioso.
9. As Recorrentes nunca tiveram intenção de pôr em causa o sistema de fixação de competências da Administração da RAEM.
10. Actualmente, as Recorrentes também não têm dificuldade em admitir que os requerimentos dirigidos ao Chefe do Executivo da RAEM e apresentados por F em 10.09.2004 e em 21.10.2008 podem não ter sido apresentados ao órgão competente.
11. Porém, estão as Recorrentes em crer que a informação prestada pelo Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento do IACM, em 15 de Dezembro de 2003, acabou por determinar a entrega dos referidos requerimentos a órgão incompetente.
12. Em qualquer caso e admitindo que os referidos requerimentos de F não foram apresentados ao órgão competente, as Recorrentes entendem que o procedimento administrativo ora em crise ficou marcado por uma omissão por parte da entidade Recorrida que não podia deixar de ser considerado, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal a quo.
13. Na verdade, apresentados os referidos requerimentos a órgão incompetente, a entidade Recorrida devia tê-los oficiosamente remetido ao órgão competente, de tal se notificando o particular, nos termos e para os efeitos do artigo 36.º, n.º 1 do CPA.
14. Sem conceder, caso se entendesse que se tratava de erro indesculpável, F deveria ter sido notificado em prazo não superior a quarenta e oito horas de que os seus requerimentos não seriam apreciados, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do mesmo dispositivo legal, por forma a permitir ao particular agir em conformidade.
15. Salvo melhor opinião, esse dever era tanto maior quanto mais se possa entender que a informação prestada pelo Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento do IACM em 15 de Dezembro de 2003 pode ter contribuído para induzir em erro F – especialmente à luz do artigo 8.º do CP A.
16. Acresce que, com o evidente devido respeito por diversa opinião, a circunstância referenciada impunha, desde logo, que se caracterizasse o erro de F como desculpável, nos termos e para os efeitos do artigo 36.º, n.º 1 do CPA.
17. Seja como for, quer se considere o erro desculpável ou indesculpável, face à apresentação dos referidos requerimentos a órgão incompetente a Administração deveria tê-los remetido para o órgão competente ou notificado o particular de que a sua pretensão não seria apreciada, em prazo não superior a quarenta e oito horas, nos termos legais.
18. Não o tendo feito, a entidade Recorrida cometeu uma ilegalidade por omissão que, nos termos do artigo 122.º, n.º 1 do CPA, é cominada com a nulidade.
19. O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, a qual é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.
20. Declarado nulo o acto ora em crise, deverá a entidade Recorrida remeter oficiosamente os requerimentos apresentados por F em 10.09.2004 e em 21.10.2008 para o órgão competente, nos termos do artigo 36.º, n.º 1 do mesmo Código, para que as requerentes possam ver tal pretensão decidida, nos termos legais.

Contra-alegou a entidade recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
1.ª) Como bem decidiu o Tribunal de Segunda Instância, tendo presente as regras de hermenêutica jurídica, «o Chefe do Executivo não detinha e não detém competência material para decidir sobre a matéria subjacente à pretensão formulada pelo recorrente, razão pela qual o silêncio sobre tal matéria não confere ao recorrente o direito de presumir indeferida a sua pretensão para efeitos de recurso contencioso, daí que, carecendo o recurso de objecto, deve o mesmo ser rejeitado, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 e 46.º, n.º 2, alínea b), ambos do Código de Processo Administrativo Contencioso»;
2.ª) Entende-se, pois, que a formação de acto tácito de indeferimento, de acordo com o disposto nos artigos 11.º e 102.º do CPA, implica a existência de um dever de decidir a pretensão que ao órgão seja dirigida, o que pressupõe necessariamente competência material para a decisão;
3.ª) Se a lei não lha conferir para certa matéria e, ao contrário, a atribuir a outro órgão, ou se este a tiver delegado, não tem ele nenhum dever de decidir o pedido que lhe foi endereçado e, logo, o seu silêncio não corresponde a nenhum indeferimento tácito; e se este for o objecto do recurso contencioso, deve o mesmo ser rejeitado com fundamento em inexistência de acto administrativo recorrível, ou seja, por falta de objecto;
4.ª) Neste contexto, não tinha a Entidade Recorrida competência para deferir a pretensão do então Recorrente, efectuada em 21.10.2008, de aquisição de um direito de sepultura perpétua à luz do Regulamento dos Cemitérios Municipais de 1961 e a subsequente suspensão do prazo de exumação;
5.ª) Nos termos do previsto no artigo 14.º do citado Regulamento Administrativo n.º 37/2003, que entrou em vigor no dia 1.1.2004, «o Chefe do Executivo pode conceder o direito de uso prolongado de sepultura a determinada individualidade em virtude de factos considerados relevantes, nomeadamente, dos seus méritos pessoais, contributo para a sociedade, serviços prestados à RAEM ou por ter perdido a vida em defesa do interesse público»; o que em 21.10.2008 não foi pedido pelo então Recorrente;
6.ª) Por seu turno, a autoridade sanitária, o IACM e as autoridades judiciárias detinham e detêm o dever legal de decidir sobre a realização ou não de exumações, dentro dos limites das suas competências, previstas designadamente nos artigos 11.º, n.º 1, 17.º e 18.º desse Regulamento Administrativo n.º 37/2003;
7.ª) As actuais Recorrentes, como transparece da respectiva petição de recurso, não contestam a interpretação dada pelo Douto Tribunal a quo;
8.ª) Sem razão, dizem contudo que a Entidade Recorrida, por não ter remetido o requerimento ao órgão competente ou por não ter notificado o então Requerente de que não iria apreciar o pedido, «cometeu uma ilegalidade por omissão que, nos termos do artigo 122.º, n.º 1 do CPA, é cominada com a nulidade» e por conseguinte deveria o Tribunal a quo ter considerado a questão;
9.ª) E na óptica alegada, vêm pedir, no âmbito do presente recurso jurisdicional, a revogação do acórdão recorrido e que esse Douto Tribunal ordene que a Entidade Recorrida remeta ao órgão competente não apenas o requerimento apresentado pelo então Recorrente em 21.10.2008, mas também o requerimento de 10.9.2004, nos termos legais;
10.ª) Ora não parece que estejamos perante uma questão de conhecimento oficioso, na teoria das Recorrentes, que nem especificam, nem fundamentam, como é que as alegadas omissões conduzem à verificação de um vício do acto gerador de nulidade, nos termos do citado artigo 122.º, n.º 1 do CPA;
11.ª) Todavia diga-se que inexiste lei que que comine expressamente de nulidade as aludidas omissões;
12.ª) Por outro lado, não se vislumbra que as omissões alegadas pelas Recorrentes representem um vício de tal modo grave que torne inaceitável a produção de efeitos ou que se incluam em factores cuja ausência seria de tal modo grave que repugnaria à consciência jurídica a possibilidade da ilegalidade se sanar pelo decurso do tempo;
13.ª) De referir também que as omissões aludidas não se prendem com qualquer elemento essencial de um acto administrativo, nada têm a ver com a qualidade do autor do acto, a vontade administrativa nele vazada, a falta de objecto, a falta de causa ou fim de interesse público prosseguido com a sua emissão, não integram pois a decisão administrativa enquanto solução de um determinado caso concreto;
14.ª) De facto, no presente contexto, nem perante a ficção de um acto administrativo estamos, como decidido no acórdão recorrido;
15.ª) As alegadas omissões não conduzem pois à verificação de um vício do acto gerador de nulidade, nos termos do artigo 122.º, n.º 1 do CPA;
16.ª) No que respeita ao segundo pedido das Recorrentes importa referir que na data em que o então Recorrente apresentou o requerimento, o Regulamento dos Cemitérios Municipais de 1961 encontrava-se revogado pelo artigo 25.º, alínea 3) do Regulamento Administrativo n.º 37/2003, pelo que inexistia órgão competente para conceder sepulturas perpétuas;
17.ª) No novo regime não se prevê a aquisição de sepulturas perpétuas, antes prevê-se o direito de uso de sepultura, gaveta-ossário ou câmara de cinzas, como prescrevem, designadamente, os artigos 13.º, 14.º, 17.º e 18.º do citado Regulamento Administrativo n.º 37/2003;
18.ª) Em direito administrativo ao princípio tempus regis actum «é geralmente imputado o sentido de que os actos administrativos se regem pelas normas em vigor no momento em que são praticados, independentemente da natureza das situações a que se reportem e das circunstâncias que precederam a respectiva adopção»;
19.ª) Ou seja, ressalvadas as determinações de direito transitório expressas que frequentemente reservam a aplicação das novas normas apenas aos procedimentos que se venham a desencadear após a respectiva entrada em vigor, defende-se também «a aplicação do ius superveniens às situações que aguardem a prática de um acto administrativo, independentemente da sua natureza, do momento em que o procedimento se tenha desencadeado e das eventuais contingências por que possa ter passado»;
20.ª) Determinante é que as novas normas tenham entrado em vigor em momento anterior àquele em que o acto administrativo vem a ser praticado, por conseguinte, até ao momento da sua prática, ainda só existem efeitos virtuais e o interessado ainda não é titular de qualquer direito, mas apenas de meras expectativas;
21.ª) Ora, no Regulamento Administrativo n.º 37/2003 não existem quaisquer determinações de direito transitório que reservem a aplicação das suas novas normas apenas aos procedimentos que se venham a desencadear após a respectiva entrada em vigor;
22.ª) E o então Recorrente, enquanto interessado, não era titular de uma situação jurídica que se tivesse constituído em momento anterior à da data da entrada em vigor do citado Regulamento Administrativo n.º 37/2003, pelo que a sua situação não se encontra configurada no artigo 26.º (direitos adquiridos);
23.ª) No caso presente estava-se perante uma situação jurídica que se encontrava em curso de constituição aquando da entrada em vigor do citado Regulamento Administrativo n.º 37/2003;
24.ª) De mencionar, que o então Recorrente encontrava-se informado da entrada em vigor do novo regime, como demonstrado, designadamente, pela junção à petição de recurso contencioso do Oficio n.º XXXXXXXXX/SAL-C/2003, de 17.12.2003, do IACM, a que designou por documento n.º 6;
25.ª) Na constatação da inexistência de órgão competente, entende-se da impossibilidade da pretensão das actuais Recorrentes;
26.ª) Ademais, não se está perante uma situação que imponha a esse Douto Tribunal a determinação da prática de um acto administrativo, como previsto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do CPAC, porquanto um acto de remessa de um requerimento não reveste a natureza de acto administrativo, nos termos definidos na lei, mormente no artigo 110.º do CPA;
27.ª) Por outro lado, no ordenamento jurídico de Macau, não existe disposição legal que permita em recurso jurisdicional a apreciação de um pedido cumulado, quando não apreciado no tribunal recorrido e não esteja em causa matéria de conhecimento oficioso, como é o caso, impondo-se sempre uma decisão em primeiro grau de jurisdição, em face designadamente do previsto no artigo 148.º do CPAC;
28.ª) Pelo que, deve ser julgado improcedente o recurso, também nesta parte.

O Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que não merece provimento o recurso.
Foram corridos os vistos.
   
2. Factos Provados
Nos autos foram considerados provados os seguintes factos com pertinência para a decisão da causa:
- Em 25.12.2001, faleceu a senhora G. (cfr. fls. 251 do processo administrativo – 2ª Pasta)
- A falecida foi enterrada no dia 27.12.2001. (cfr. fls. 248 do processo administrativo – 2ª Pasta)
- No dia 28 de Dezembro de 2001, B, na qualidade de filha da falecida, apresentou um requerimento junto da Câmara Municipal de Macau Provisória, visando o arrendamento perpétuo de campas. (cfr. fls. 77 do processo administrativo – 1ª Pasta)
- Em Março de 2002, o Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento do IACM comunicou que o pedido acima mencionado tinha sido admitido condicionalmente e que o mesmo apenas iria ser objecto de análise no último mês do ano de 2002 conforme o “Regulamento Interno de Arrendamento Perpétuo de Campas Alugadas”. (cfr. fls. 57 do processo administrativo – 1ª Pasta)
- Em Dezembro de 2002, o Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento do IACM informou a B da situação do seu requerimento de 28 de Dezembro de 2001. (cfr. fls. 80 do processo administrativo – 1ª Pasta)
- A 15 de Dezembro de 2003, o Chefe dos mesmos Serviços informou a requerente “… que de acordo com o Regulamento Administrativo publicado no B.O. em 24/11/2003, não vem contemplado a venda de sepultura perpétua. Todavia, de acordo com o artigo nº 14º do capítulo III do mesmo regulamento, o Chefe do Executivo pode conceder o direito de uso prolongado de sepultura a determinada individualidade em virtude de factos considerados relevantes, nomeadamente, dos seus méritos pessoais, contributo para a sociedade, serviços prestados à RAEM ou por ter perdido a vida em defesa do interesse público.” (cfr. fls. 59 do processo administrativo – 1ª Pasta)
- Não se conformando com a solução, o recorrente F entregou, no dia 10.09.2004, um requerimento dirigido ao Chefe do Executivo da RAEM. (cfr. fls. 60 e 61 do processo administrativo – 1ª Pasta)
- O recorrente nunca obteve qualquer resposta verbal ou escrita a este seu pedido.
- Em 31.07.2008, foi publicado Aviso no jornal “Ponto Final”, avisando-se os interessados de que determinadas sepulturas, incluindo a da falecida, estavam integradas na lista de sepulturas dos Cemitérios Públicos de Macau e que o termo do prazo legal de inumação de 7 anos terminaria no período compreendido entre 1 de Agosto de 2008 e 31 de Janeiro de 2009. (cfr. fls. 62 a 64 do processo administrativo – 1ª Pasta)
- A 21.10.2008, o recorrente apresentou novo requerimento junto do Chefe do Executivo pedindo a reabertura do processo desencadeado por B e, consequentemente, a sua reavaliação à luz do Regulamento dos Cemitérios Municipais de 1961. (cfr. fls. 46 a 56 do processo administrativo – 1ª Pasta)
- Decorridos 90 dias contados da dada do referido requerimento, o recorrente ainda não obteve do Chefe do Executivo qualquer resposta verbal ou por escrito.

3. Direito
No caso vertente, constata-se nos autos que o falecido recorrente interpôs recurso contencioso de um acto de indeferimento tácito que imputou ao Chefe do Executivo, a quem tinha dirigido um requerimento no sentido de reabertura do processo desencadeado por B com vista ao arrendamento perpétuo de campa respeitante à sua falecida mulher e, consequentemente, a sua reavaliação à luz do Regulamento dos Cemitérios Municipais de 1961, uma vez que, decorridos 90 dias contados da dada do referido requerimento, não obteve do Chefe do Executivo qualquer resposta verbal ou por escrito.
No Acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância decidiu rejeitar o recurso, por carência do objecto, pois considerou que o Chefe do Executivo não detinha e não detém competência material para decidir sobre a matéria subjacente à pretensão formulada pelo recorrente, razão pela qual o silêncio sobre tal matéria não confere ao recorrente o direito de presumir indeferida a sua pretensão para efeitos de recurso contencioso.
Por outras palavras, uma vez que o Chefe do Executivo não tem competência para tomar decisão sobre a pretensão formulada em causa, o seu silêncio não configura uma situação de indeferimento tácito, nos termos do art.º 102.º do Código do Procedimento Administrativo.
No recurso jurisdicional interposto para este Tribunal de Última Instância, as recorrentes manifestam a sua concordância com o entendimento exposto no Acórdão recorrido, dizendo que “não têm dificuldade em admitir que os requerimentos dirigidos ao Chefe do Executivo da RAEM e apresentados por F em 10.09.2004 e em 21.10.2008 podem não ter sido apresentados ao órgão competente”.
Não obstante, e mesmo admitindo que os referidos requerimentos “não foram apresentados ao órgão competente”, alegam que foi a informação prestada pelo Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento do IACM, em 15 de Dezembro de 2003, que determinou a entrega dos mencionados requerimentos a órgão incompetente e que “o procedimento administrativo ora em crise ficou marcado por uma omissão por parte da entidade Recorrida que não podia deixar de ser considerado, mesmo oficiosamente, pelo tribunal a quo”, já que, nos termos e para os efeitos do art.º 36.º n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo, a entidade recorrida devia ter remetido, oficiosamente, tais requerimentos, apresentados a órgão incompetente, para o órgão competente ou notificado o particular de que a sua pretensão não seria apreciada, em prazo não superior a 48 horas.
Daí que imputam à entidade recorrida “uma ilegalidade por omissão que, nos termos do artigo 122.º, n.º 1 do CPA, é cominada com a nulidade”, que seria de conhecimento oficioso do Acórdão recorrido.
É esta a questão a apreciar no presente recurso jurisdicional.

Ora, estabelece-se no art.º 36.º do CPA o seguinte:
Artigo 36.º
(Apresentação de requerimento a órgão incompetente)
1. Quando o particular, por erro desculpável e dentro do prazo fixado, dirigir requerimento, petição, reclamação ou recurso a órgão incompetente, o respectivo documento é oficiosamente remetido ao órgão competente, de tal se notificando o particular.
2. Em caso de erro indesculpável, o requerimento, petição, reclamação ou recurso não é apreciado, de tal se notificando o particular em prazo não superior a quarenta e oito horas.
3. Da qualificação do erro cabe reclamação e recurso, nos termos gerais.

Por sua vez e quanto aos actos nulos, o art.º 122.º do CPA dispõe que:
“1. São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2. São, designadamente, actos nulos:
a) Os actos viciados de usurpação de poder;
b) Os actos estranhos às atribuições da pessoa colectiva em que o seu autor se integre;
c) Os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime;
d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os actos praticados sob coacção;
f) Os actos que careçam em absoluto de forma legal;
g) As deliberações dos órgãos colegiais que forem tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos;
h) Os actos que ofendam os casos julgados;
i) Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente.”

Na verdade, no caso de apresentação de requerimento a órgão incompetente, a lei impõe à entidade que recebeu o requerimento a obrigação de o remeter, oficiosamente, ao órgão competente, com notificação do particular, ou notificar no prazo legal o particular que o requerimento não será apreciado, consoante se for desculpável ou indesculpável o erro do particular.
No caso vertente, não se demonstra relevante a discussão sobre o erro desculpável ou indesculpável do requerente na apresentação dos requerimentos em causa ao Chefe do Executivo, entidade incompetente para tomar a decisão, por determinação ou não da informação prestada pelo Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento do IACM, já que não se constata nos autos que houve remessa dos requerimentos a órgão competente nem notificação do interessado.
Verifica-se a omissão no procedimento administrativo.
Será que tal omissão implica a nulidade alegada pelas recorrentes, que devia ser oficiosamente conhecido pelo Tribunal recorrido?
Evidentemente que não, pois se afigura nos que o Acórdão recorrido não tinha nenhuma obrigação de se pronunciar sobre a questão, já que nenhuma norma o impõe, dado que a referida omissão não era cominada com a nulidade.
Na realidade, decorre claramente do art.º 122.º do CPA que se verifica a nulidade do acto por falta de elementos essenciais ou por cominação expressa da lei, designadamente nos casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo.
As recorrentes não chegaram a indicar qual situação concreta em que se verifica, no seu entender, a alegada nulidade, limitando-se a dizer que a entidade recorrida cometeu uma ilegalidade por omissão que é cominada com a nulidade nos termos do art.º 122.º n.º 1do CPA.
Não se encontra, porém, nenhuma norma a cominar com a nulidade a omissão em causa, quer a não remessa do requerimento ao órgão competente quer a não notificação do interessado.
É evidente que tal omissão não se integra em nenhuma das situações previstas no n.º 2 do art.º 122.º nem em outras normas referentes à nulidade.
Por outro lado, é de notar que não está em causa nenhum acto administrativo, pelo que muito menos se pode falar na falta de elementos essenciais do acto, causa implicadora da nulidade do acto, sendo que se consideram como elementos essenciais do acto aqueles cuja falta não permite a qualificação do acto como administrativo, podendo abrange factores cuja ausência é de tal modo grave que repugna à consciência jurídica a possibilidade da ilegalidade se sanar pelo decurso do tempo.1
Daí que, não se verificando o vício imputado pelas recorrentes, o Tribunal recorrido não tinha obrigação de se pronunciar sobre a questão.

Pretendem ainda as recorrentes que seja ordenada a remessa, pela entidade recorrida, dos requerimentos em causa para o órgão competente, para que possam ser decididos.
Ora, não constitui tal pretensão o objecto a apreciar nos presentes autos.
Nos termos do art.º 24.º n.º 1, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, pode cumular-se no recurso contencioso “o pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido quando, em vez do acto anulado ou declarado nulo ou juridicamente inexistente, devesse ter sido praticado um outro acto administrativo de conteúdo vinculado”.
Não se trata, evidentemente, de tal situação em que se permite a cumulação de pedidos e, consequentemente, impõe ao tribunal a determinação da prática de um acto administrativo, por não preenchimento dos pressupostos legais.
Acresce que o pedido sobre a determinação da remessa dos requerimentos para o órgão competente só foi apresentado no recurso jurisdicional, e não no recurso contencioso, não tendo sido objecto de apreciação pelo Tribunal ora recorrido.
Assim sendo, tratando-se de uma questão nova, que não é de conhecimento oficioso, não cabe a este Tribunal de Última Instância pronunciar-se sobre o pedido.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pelas recorrentes, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC.
   
    Macau, 5 de Novembro de 2014
   
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho
   
1 Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, p. 705 e706.
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