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Processo n.º 396/2014
(Recurso Laboral)
    
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 30/Outubro/2014


ASSUNTOS:
- Compensação por trabalho em dia de descanso semanal
    
    
    SUMÁRIO :
    1. O trabalho prestado em dia descanso semanal deverá ser pago pelo dobro da retribuição normal, não se podendo ficcionar que o trabalhador já recebeu um dia de salário por integrado no seu salário mensal.
    2. A não se entender desta forma teríamos que a remuneração de um dia de descanso não era minimamente compensatória de um esforço acrescido de quem trabalhe em dia de descanso semanal em relação àqueles que ficassem a descansar ao fim de uma semana de trabalho. Estes ganhariam, por ficarem a descansar, um dia de trabalho; os outros, por trabalharem nesse dia especial não ganhariam mais do que um dia de trabalho normal.
              
              O Relator,


Processo n.º 396/2014
(Recurso Laboral)
Data : 30/Outubro/2014

Recorrente : A, Lda.

Recorrida : B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A LIMITADA, R. nos autos em epígrafe, em que é A. B., tendo sido notificada da sentença de fls. 133 e seguintes e não se conformando com a mesma, vem dela interpor RECURSO para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo as alegações da seguinte forma:
    a) Vem provado que, pelo trabalho em dia de descanso semanal que efectivamente prestou, o A. foi remunerado pela R com o valor de um salário diário, em singelo (alínea D da matéria de facto assente);
    b) Ora, o art. 17/6.a) Decreto-Lei n° 24/89/M estatui que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser remunerado pelo dobro da retribuição normal;
    c) Assim, terá que concluir-se que, para que lhe sejam satisfeitos os direitos que legalmente lhe assistam a esse título, o A. terá apenas que receber montante igual ao que já lhe foi liquidado pela R;
    d) Não obstante, a sentença recorrida condenou a R a pagar ao A. o valor correspondente ao dobro de um salário diário, desconsiderando por completo o facto - que na mesma sentença se deu por provado - de a R ter já pago ao A. metade desse valor.
    e) Decidindo de outra forma, a sentença recorrida é nula, por contradição entre o fundamento de facto contido alínea D da matéria de facto assente e a decisão proferida quanto ao pedido a título de trabalho prestado em dia descanso semanal (conforme estatuído no art. 571°/1/c) do CPC), tendo violado além do mais o disposto no art. 17/6.a) do Decreto-Lei n° 24/89/M.
    Nestes termos, pugna pela revogação da decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra.
    
    B., Autor nos autos à margem identificados, contra-alega, em síntese:
    1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a douta Sentença de que recorre procedeu a uma correcta interpretação dos factos e das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito devendo, em consequência, manter-se na integra.
    2. O facto de o Recorrido ter recebido em singelo a retribuição pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, em caso algum lhe impossibilita de receber da Recorrente o pagamento de tal trabalho em dobro, sem que tal reclamação se traduza numa qualquer errada interpretação do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
    3. A conclusão de que os dias de descanso semanal em que o Autor prestou trabalho foram remunerados pela Ré com o valor de um salário, em singelo, apenas significa que a remuneração relativa a tais dias de trabalho estava incluída no montante da retribuição mensal efectivamente auferida pelo Recorrido, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 26.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
    4. De onde, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo Recorrido em dia de descanso semanal, a Recorrente não pagou ao Recorrido outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no referido preceito legal, tal qual e acertadamente concluído pelo Tribunal a quo.
    5. Trata-se, de resto de Jurisprudência pacífica do Tribunal de Segunda Instância, nos termos da qual se entende que: o trabalho prestado em dia descanso semanal deverá ser pago pelo dobro da retribuição normal, não incluindo o dia de salário recebido que integra o salário mensal (Cfr. entre outros, o Ac. do TSI n.º 327/2005, de 15 de Julho de 2006);
    6. O mesmo é dizer que "o Autor tem direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do singelo já recebido". (Cfr. Ac. do TSI n.º 678/2013, de 24 de Abril de 2014);
    7. De onde se retira que contrariamente ao alegado pela Recorrente, a fórmula correcta para retribuir o trabalho prestado pelo Recorrido em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: “2X o salário diário X o número de dias de prestação de trabalho em dia de descanso semanal, sem ter em consideração o dia de trabalho prestado”, tal qual concluído pelo Tribunal a quo.
    Nestes termos defende a manutenção do julgado.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    “Da Matéria de Facto Assente:
    - Entre 30 de Julho de 1996 e 31 de Julho de 2005, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”. (alínea A) dos factos assentes)
    - Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea B) dos factos assentes)
    - A Ré fixou o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alínea C) dos factos assentes)
    - Ao longo de toda a relação, pelo trabalho prestado pelo Autor, em dia de descanso semanal e de feriado obrigatório, a Ré remunerou o Autor com o salário correspondente a um dia, em singelo. (alínea D) dos factos assentes)
    
    Da Base Instrutória:
    - Entre Agosto de 1996 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário base mensal, a quantia de Mop$1.700,00, para um conjunto de 215 horas de trabalho mensais e oito horas de trabalho diárias, acrescida de MOP$8.00, por cada hora de trabalho prestado para além das oito horas de trabalho diárias. (quesito 1º da base instrutória e acordado pelas partes)
    - Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de Mop$1.800,00, para um conjunto de 215 horas de trabalho mensais e oito horas de trabalho diárias, acrescida de MOP$9.30, por cada hora de trabalho prestado para além das oito horas de trabalho diárias. ( quesito 2º da base instrutória e acordado pelas partes)
    - Entre Abril de 1998 e Junho de 2000, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de Mop$2.000,00, para um conjunto de 215 horas de trabalho mensais e oito horas de trabalho diárias, acrescida de MOP$9.30, por cada hora de trabalho prestado para além das oito horas de trabalho diárias. ( quesito 3º da base instrutória e acordado pelas partes)
    - Entre Julho de 2000 e Dezembro de 2002, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de Mop$2.000,00, para um conjunto de 215 horas de trabalho mensais e oito horas de trabalho diárias, acrescida de MOP$10.00, por cada hora de trabalho prestado para além das oito horas de trabalho diárias. (quesito 4º da base instrutória e acordado pelas partes)
    - Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário base mensal, a quantia de Mop$2.000,00, para um conjunto de 215 horas de trabalho mensais e oito horas de trabalho diárias, acrescida de MOP$11.00 por cada hora de trabalho prestado para além das oito horas de trabalho diárias. (quesito 5º da base instrutória e acordado pelas partes)
    - Entre Março de 2005 e Julho de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia mensal de Mop$2.100,00, para um conjunto de 215 horas de trabalho mensais e oito horas de trabalho diárias, acrescida de MOP$11.30 por cada hora de trabalho prestado para além das oito horas de trabalho diárias. ( quesito 6º da base instrutória e acordado pelas partes)
    - Desde o início até à cessação da relação, nunca o Autor descansou um período consecutivo de 24 horas em cada período de 7 dias, sem perda do respectivo rendimento. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
    - Desde o início até à cessação da relação, o Autor sempre trabalhou nos dias de 1 de Janeiro, três dias de Ano Novo Chinês, de 1 de Maio e de 1 de Outubro. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
    - Pelo trabalho prestado pelo autor nos dias de descanso semanal, a Ré nunca conferiu ao Autor um outro dia de descanso compensatório. (resposta ao quesito 10º da base instrutória).”
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa unicamente por determinar qual a forma de apuramento da quantia devida ao trabalhador como compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, já que defende a recorrente que a mesma nunca poderá ser superior a um único dia de descanso semanal porquanto o mesmo já terá recebido outro tanto a esse título.
    
    2. Trata-se de matéria já sobejamente debatida, sendo pacífica a solução adoptada neste tribunal1, no sentido de que o trabalho prestado em dia descanso semanal deverá ser pago pelo dobro da retribuição normal, não se podendo ficcionar que o trabalhador já recebeu um dia de salário por integrado no seu salário mensal.
    Não se pode dizer que o recorrido recebeu em singelo a retribuição pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que o seu salário era mensal e se foi trabalhar não foi remunerado por isso. O montante do seu salário ao fim do mês contemplava todos os dias e pode até dizer-se que era pago também enquanto estava a descansar ou devia descansar. Forçando a nota, dir-se-á que era pago para não trabalhar. Se trabalhou, tem que ser compensado por isso e é aí que a lei estabelece o correspondente ao dobro do montante de um dia de trabalho, não se podendo abater um montante ficcionado e remuneratório do dia descanso.
     A não se entender desta forma teríamos que a remuneração de um dia de descanso não era minimamente compensatória de um esforço acrescido de quem trabalhe em dia de descanso semanal em relação àqueles que ficassem a descansar ao fim de uma semana de trabalho. Estes ganhariam, por ficarem a descansar, um dia de trabalho; os outros, por trabalharem nesse dia especial não ganhariam mais do que um dia de trabalho normal.
    O pagamento de tal trabalho em dobro não traduz qualquer errada interpretação do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
    Com efeito, a fórmula correcta para retribuir o trabalho prestado pelo recorrido em dia de descanso semanal é a seguinte: "2X o salário diário X o número de dias de prestação de trabalho em dia de descanso semanal, sem ter em consideração o dia de trabalho prestado", tal como concluído pelo Tribunal a quo.
    O Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal que não gozou e não se pode considerar que já foi compensado por isso. Não, ele, enquanto pago ao mês, foi pago exactamente para não trabalhar, pelo que não se pode dizer que esse trabalho já foi pago em singelo. Não se podem confundir retribuições que assumem natureza diferente.
     O artigo 17.° do Decreto-Lei n." 24/89/M de 03 de Abril dispõe, no seu n. ° 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo.
    
    3. Sobre o tema transcrevemos até, com a devida vénia, o que exarado ficou no acórdão deste TSI, n.º 780/2007, já acima referido:
    “O mesmo é dizer que "o Autor tem direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do singelo já recebido".
    Na vigência do DL n. 24/89/M
    Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
    Assim:
    N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
    N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
    N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
    Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
    Na 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
    Na 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
    - Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
    - O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
    Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2.
    De onde se conclui que, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo recorrido em dia de descanso semanal, a recorrente não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no referido preceito legal, tal como decidido pelo Tribunal a quo.
    
    4. Acresce ainda o salário pelo dia compensatório não gozado, como contemplado na sentença, questão que não é discutida nas doutas alegações de recurso, razão por que, tudo visto e ponderadas as razões aduzidas, somos a manter o que doutamente ficou decidido.

    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 30 de Outubro de 2014,

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

    1 - Cfr., entre muitos outros, acs. do TSI, no proc. n.º 780/2007, de 31 de Março de 2011; 422/2013, de 14/Nov/2013; 327/2005, de 15 de Julho de 2006; 678/2013, de 24 de Abril de 2014

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396/2014 11/11