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Processo nº 209/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 25 de Setembro de 2014
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio

SUMÁRIO

I - Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, nos autos de revisão e confirmação de decisão do exterior, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II - Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.


Proc. nº 209/2014

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
B (B), do sexo feminino, divorciada, de nacionalidade chinesa, titular do BIRNPM n.º XXXXXXX(X), emitido pela DSI de Macau em 4 de Outubro de 2011, residente em 浦東新區......路...弄...號...室, Cidade de Shanghai, China,
e
C (C), do sexo masculino, casado, de nacionalidade chinesa, cuja cônjuge é D (D), casado no regime da comunhão de adquiridos, titular do BIRNPM n.º XXXXXXX(X), emitido pela DSI de Macau em 27 de Abril de 2012, residente em ......環路...號......大廈...樓...座, Cidade de Shanghai, China,
Vieram, ao abrigo dos dispostos no art.º 1199.º e s.s. do Código de Processo Civil de Macau, intentar a acção em processo especial da revisão e confirmação de decisão de divórcio proferida por tribunal da República Popular da China.
*
O digno Magistrado do M.P. opinou no sentido do deferimento do pedido.
*
Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O Tribunal goza, assim, de competência internacional, material e também em razão da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
***
III – Os Factos
1 - Os dois requerentes contraíram casamento por registo no Interior da China em 9 de Março de 1999.
2 - O requerente pediu divórcio [(2011) n.º XXXXX da série Pu Min - (Min) Chu Zi], junto do Tribunal Popular do Distrito Novo de Pudong da Cidade de Shanghai da China em 14 de Julho de 2011.
3 - Tendo admitido e conhecido pelo Tribunal, foi decretado o divórcio por sentença civil datada de 29/09/2011 (doc. 1).
4 - A sentença tem o seguinte conteúdo em língua chinesa:
上海市浦东新区人民法院民事判决书
(2011)浦民 - (民)初字第XXXXX号
原告B,男,19XX年XX月XX日生,汉族,户籍地浙江省温州市......区......街道......住宅区......花园...幢...室,现位上海市浦东新区......路...弄...号楼...室。
委托代理人F,浙江XX律师事务所律师。
委托代理人G,上海YY律师事务所律师。
被告C,女,19XX年X月X日生,汉族,户籍地浙江省温州市......区......街道......住宅区......花园...幢...室,现住上海市浦东新区......路...弄...号...室。
原告B与被告C离婚纠纷一案,本院于2011年7月14日立案受理后,依法适用普通程序,由审判员H、代理审判员I、人民陪审员J组成合议庭,于2011年9月8日公开开庭进行了审理。 原告B及其委托代丰人F、G及被告C到庭参加诉讼。本案现已审理终结。
原告B诉称,原、被告婚后生有两个女儿,自2004年起,由于双方在生活、思想、感情方面的差距逐渐增大,实在难以弥合,于2008年8月起同室分居,于2009年5月起原告离家与被告正式分居。现原、被告夫妻感情彻底破裂,故要求离婚。两个女儿应由原告抚养。如果法院将两个孩子判归被告抚养,原告愿意每月支付两个女儿抚育费各人民币2,000元。
被告C辩称,原、被告夫妻感情尚未破裂,实际分居未超过两年。被告不同意离婚,如果法院判决原、被告离婚,两个女儿均应随被告共同生活。关于两个女儿的抚育费,被告无具体的要求。原、被告夫妻共同财产有六套房产及数个公司的股权,应予分割。
经审理查德明,原、被告系高中及大学同学,双方于1992年上半年确立恋爱关系, 1999年3月9日登记结婚,20XX年X月XX日生育大女儿K, 20XX年X月X日生育小女儿L。婚初,夫妻感情尚可。近年来,原、被告逐渐产生矛盾。2009年5月始,原告离家与被告分居。分居后,原、被告所生两女随被告生活。2010年11月1日,原告曾以夫妻感情已经彻底破裂为由,诉来本院要求与被告离婚。同年12月22日,本院判决不支持原告的离婚诉讼请求。现原告认为原、被告长期分居,夫妻感情确已彻底破裂,再次诉至本院,坚持要求离婚。审理中,原、被告双方对离婚以及两个女儿抚养问题各执一词,致调解不成。
上述事实,有原告提交的结婚证,户口簿,本院(2010)浦民-(民)初字第XXXXX号《民事判决书》各1份,以及当事人的陈述等在案佐证。
本院认为,原、被告虽系自主婚姻,但近几年来双方在生活中逐渐产生矛盾,导致夫妻长期分居。现原、被告夫妻感情确已破裂,原告坚持要求离婚,本院应予准许。关于子女抚养问题,鉴于原、被告的两个女儿目前尚年幼,原、被告离婚后两个孩子随其母亲即被告生活较为合适。至于抚育费的标准应以目前原、被告的经济状况以及两个孩子的实际生活需要确定。原告表示每月支付每个孩子抚育费2,000元,尚属合理,本院予以采纳。至于被告提出的房产及公司股份,因双方当事人经本院释明后仍不提供相应的证据,本案不予认定及处理。原、被告可在离婚后自行协商或另行诉讼处理。据此,依照《中华人民共和国婚姻法》第三十二条第一款、第二款、第二款第(四)项,第二十六条,第三十七条第一款的规定,判决如下:
一、准予原告B与被告C离婚;
二、 原、被告所生之女K、L随被告C共同生活,原告B自2011年10月始每月支付被告C女儿K、L抚育费各2,000元,至两女儿各18周岁止。
负有金钱给付义务的当事人,如果未按本判决指定的期间履行给付金钱义务,应当依照《中华人民共和国民事诉讼法》第二百二十九条之规定,加倍支付迟延履行期间的债务利息。
案件受理费200元,由原、被告双方各半负担。
如不服本判决,可在判决书送达之日起十五日内,向本院递交上诉状,并按对方当事人的人数提出副本,上诉于上海市第一中级人民法院。
审判长 H
代理审判员 I
人民陪审员 J
二○一一年九月二十九日
书记员 M
5 - E em português, tem o seguinte conteúdo:
«SENTENÇA CIVIL
(2011) n.º XXXXX da série Pu Min - (Min) Chu Zi
Autor: C (C), do sexo masculino, nascido a XX de XX de 19XX, da etnia Han, com registo de domicílio em ......街道......住宅區......花園...幢...室, Distrito de Lucheng, Cidade de Wenzhou da Província de Zhejiang, residente actualmente em ......路...弄...號樓...室, Distrito Novo de Pudong, Cidade de Shanghai.
Mandatário judiciário, F (F), advogado do Escritório de Advogados de XX de Zhejiang.
Mandatário judiciário, G (G), advogado do Escritório de Advogados de YY de Shanghai.
Ré: B (B), do sexo feminino, nascida a X de X de 19XX, da etnia Han, com registo de domicílio em ......街道......住宅區......花園...幢...室, Distrito de Lucheng, Cidade de Wenzhou da Província de Zhejiang, residente actualmente em ......路...弄...號...室, Distrito Novo de Pudong, Cidade de Shanghai.
Tendo admitido o processo de divórcio litigioso entre o autor C (C) e a ré B (B) em 14 de Julho de 2011, o presente Tribunal formou, em processo comum nos temos legais, o juízo colectivo composto por Juiz, H (H), Juíza Substituta, I (I), e Jurada Popular, J (J), e procedeu à audiência de julgamento à porta aberta em 8 de Setembro de 2011. O autor, C (C), os seus mandatários judiciários, F (F) e G (G), e a ré B (B) compareceram na audiência. O julgamento já foi concluído.
O autor C (C) alegou que do casamento o autor e a ré deram à luz duas filhas, mas a divergência sobre a vida, os pensamentos e os sentimentos fica cada vez mais agravante desde do ano 2004, e a partir de Agosto do ano 2008, as partes começaram a viver em quatros diferentes e a partir de Maio de 2009, o autor deixou a casa e começou a viver separadamente com a ré. Actualmente o sentimento conjugal já ficou rompido de forma definitiva, por isso o autor pediu o divórcio e espera que as duas filhas possam ficar a seu cargo. Caso as filhas sejam condenadas à guarda da ré, o autor quer pagar mensalmente os alimentos no valor de RMB 2.000,00 a cada filha.
A ré B (B) alegou que a relação conjugal ainda não ficou rompida e vivia separadamente com o autor pelo período não superior a dois anos. A ré não consentiu em divórcio. Caso o divórcio for decretado, as duas filhas deverão ficar a cargo da ré. No que diz respeito aos alimentos, a ré não levantou exigências concretas. O autor e a ré têm, como património comum, seis fracções e as acções sociais das várias companhias a partilhar.
Foi apurado através do conhecimento que, o autor e a ré eram colegas na escola secundária e na universidade e estabeleceram relação amorosa na primeira metade do ano 1992, depois contraíram casamento em 9 de Março de 1999 e deram à luz a filha mais velha, K (K), em XX de X de 20XX e a filha mais nova, L (L), em X de X de 20XX. O sentimento conjugal andava bem no início do casamento, mas nos últimos anos, a divergência fica cada mais manifesta. Desde de Maio de 2009, o autor deixou a casa e começou a viver separadamente com a ré. Após a separação, as duas filhas viviam com a ré. Em 1 de Novembro de 2010, o autor pediu divórcio junto do Tribunal com razão de rompimento definitivo do sentimento conjugal. Nesta vez o autor entende que ele tem vivido separadamente com a ré pelo longo tempo, por isso o sentimento conjugal já ficou rompido definitivamente, assim, recorreu novamente junto do presente Tribunal e insistiu em divórcio. Durante o processo de conhecimento, quanto ao divórcio e à custódia das duas filhas, cada um deles agarrou-se a sua própria versão, tendo sido infrutífera a conciliação.
O facto supracitado tem por prova a certidão de casamento, a caderneta de censo, a sentença civil [(2011) n.º XXXXX da série Pu Min - (Min) Chu Zi], bem como as alegações das partes.
Este Tribunal entende que embora se trate de casamento voluntário, nos últimos anos surge divergência na vida das partes, de modo que tenham vivido separadamente por longo tempo. Actualmente o sentimento conjugal já ficou rompido definitivamente, perante o insistência de divórcio do autor, deve o Tribunal decretar o divórcio. No que diz respeito aos alimentos das filhas, dado que as duas filhas eram pequenas, assim, é mais adequado ficar confiadas as filhas à guarda da mãe após o divórcio. E os alimentos serão determinados conforme as condições económicas da ré e a necessidade efectiva da vida das duas filhas. O autor alegou que pode pagar mensalmente a quantia no valor de RMB 2.000,00 a título de alimentos a cada filha, e o Tribunal entende razoável este valor e admitiu o pedido do autor. Quanto aos bens imóveis e às acções sociais invocadas pela ré, as partes, após a exigência do Tribunal, ainda não prestaram as respectivas provas até agora, assim, este Tribunal não vai conhecer desta parte. O autor e a ré podem negociar depois do divórcio ou intentar uma nova acção para tratar deste problema. Sendo assim, nos termos dos art.º 32.º n.ºs 1, 2, 3 - al. 4), art.º 36 e do art.º 37.º n.º 1 da Lei de Matrimónio da REPÚBLICA POPULAR DA CHINA, certifica-se o teor da sentença civil aí proferida:
1. É decretado o divórcio entre o autor e a ré;
2. K (K) e L (L), filhas nascidas na constância do matrimónio, ficam a cargo da ré, B (B). O autor deve pagar mensalmente às duas filhas um valor de RMB 2.000,00 por cada, a título de alimentos até aos seus 18 anos de idade. A parte que tem obrigação pecuniária, caso não cumpra a obrigação de pagamento no prazo indicado pela presente sentença, deve pagar o dobro de juros de mora até ao pagamento nos termos do art.º 229.º da Lei de Processo Civil de REPÚBLICA POPULAR DA CHINA.
As custas da acção, no valor de RMB 200,00, ficam a cargo do autor e da ré de forma solidária em parte igual.
Caso não se conforme com a decisão, poderá submeter petição de recurso junto a este Tribunal no prazo de 15 dias a contar do dia de entrega da sentença e apresentar tantas cópias quanto o número de pessoa de contraparte, para interpor recurso junto do Tribunal Popular de Segunda Instância da Cidade de Shanghai.
Julgador Presidente: H (H)
Juiz substituto: I (I)
Jurado Popular: J (J)
Aos 29 de Setembro de 2011
Escrivão: M (M)»
6 - A sentença civil transitou e começou a produzir efeitos jurídicos a partir do dia 15 de Outubro de 2011. (fls. 15 do apenso “traduções”).
***
IV- O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pelas partes. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio litigioso com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal, bem como a atribuição dos filhos do casal a um dos cônjuges.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, a sentença de divórcio já transitou em julgado, passando a produzir efeitos a partir do dia 15/10/2011.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na República Popular da China e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Popular do Distrito Novo de Pudong, da Cidade de Shanghai, na República Popular da China de 29/09/2011 que decreta o divórcio litigioso entre B e C, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelos requerentes.
TSI, 25 de Setembro de 2014
José Cândido de Pinho
(Relator)
Tong Hio Fong (Primeiro Juiz-Adjunto)

Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)


209/2014 1