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Processo n.º 112/2014. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Segurança.
Assunto: Imigração ilegal. Ordem de expulsão. Interdição de entrada na RAEM. Vício novo. Qualificação jurídica. Nulidade da sentença. Omissão de pronúncia. Poderes discricionários. Princípio da proporcionalidade.
Data da Sessão: 19 de Novembro de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – As pessoas que se encontrem em situação de imigração ilegal são expulsas da RAEM, indicando a ordem de expulsão os fundamentos da medida, o destino da pessoa expulsa e o período durante o qual fica interdita de entrar na RAEM (artigos 8.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004).
II – Não obsta ao acto de expulsão, com fixação do período de interdição de entrada na RAEM, o facto de o indivíduo em situação ilegal ter, entretanto, saído da RAEM.
III – Quando o que interpõe recurso contencioso se limita a qualificar juridicamente com uma nova perspectiva, nas alegações, um vício cujos factos invocara na petição, não há arguição de novo vício.
IV - Quando a sentença omite a pronúncia sobre uma questão, sobre a qual se devia pronunciar, explicando a razão para essa omissão, não existe nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas antes erro no julgamento.
V - Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração.
VI - O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A (doravante designado por ora recorrente), interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 21 de Janeiro de 2009, que lhe aplicou a medida de interdição de entrada na RAEM por um período de 10 anos.
O Secretário para a Segurança, por despacho de 10 de Agosto de 2012, reformou o seu despacho de 21 de Janeiro de 2009, reduzindo de 10 para 3 anos o período de interdição em Macau.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 5 de Junho de 2014, negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões na sua alegação:
- Tendo o recorrente abandonado voluntariamente a RAEM, não podia ser administrativamente expulso.
- Houve omissão de pronúncia por parte do acórdão recorrido ao ter decidido não apreciar a violação do princípio ne bis in idem porque apenas suscitado nas alegações do recurso contencioso, em virtude de não se tratar de um novo fundamento de recurso mas apenas uma nova qualificação jurídica de vício invocado na petição de recurso contencioso.
- Houve violação do princípio da proporcionalidade por parte do acto recorrido ao ter fixado em 3 anos o período de interdição de entrada na RAEM.
O Ex.mo Procurador-Adjunto emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
Estão provados os seguintes factos:
1 - Em 25/01/2008, no posto fronteiriço do aeroporto de Macau foi verificado que o indivíduo A1, de nacionalidade nigeriana, com data de nascimento em XX/XX/19XX, registava várias sucessivas entradas em Macau e por essa razão foi notificado para se dirigir ao Comissariado da PSP no mesmo dia, o que não fez (fls. 65 do p.a. e fls 22 do apenso “traduções”).
2 - No dia 27/03/2008 foi encontrado a passar o posto fronteiriço das Portas do Cerco e detectado em situação de imigração ilegal com excesso de permanência na RAEM de 62 dias, alegadamente violando o disposto no art. 32º, nº1, do Regulamento Administrativo nº 5/2003 (fls. 103 do p.a e fls. 25 do apenso “traduções”).
3 - Em conformidade com o disposto nos arts. 32º e 38º do Regulamento Administrativo nº 5/2003, em conjugação com o art. 8º, 12º, nº1, da Lei nº 6/2004, foi então proposto que o referido indivíduo fosse incluído na lista de interdição de entrada em Macau por um ano, o que foi deferido pelo Ex.mo Secretário para a Segurança por despacho de 27/03/2008 (loc. cit.).
4- No dia 31/03/2008 o Comissariado da PSP do Posto fronteiriço das Portas do Cerco detectou mais uma vez o mesmo indivíduo em situação de imigração ilegal em Macau desde 26/01/2008 a 27/03/2008, e por isso foi proposta sua expulsão e interdição de entrada nos termos do arts. 2º, nº2, 8º, nº1 e 12º, nº1, da Lei nº 6/2004 por um período de três anos (fls. 65 do p.a. e fls. 21 e 22 do apenso “traduções”).
5 - O Ex.mo Secretário para a Segurança, concordando com o parecer contido na Informação n.º MIG.XXX/2008/C.I., por despacho de 4/04/2008 determinou a expulsão e sua interdição de entrada em Macau por três anos (fls. 65 do p.a. e fls. 10 e 21 do apenso “traduções”).
6 - Sob proposta contida no Parecer contido no âmbito da Informação MIG/XX/2009/CI, o Ex.mo Secretário para a Segurança, por despacho de 21/01/2009 ampliou para dez anos o período de interdição de entrada na RAEM (fls. 61 do p.a. e fls. 14-15 do apenso “traduções”).
7 - Foi o seu nome incluído na lista dos indivíduos a expulsar e autorizada a respectiva despesa a cargo do governo da RAEM, por despachos de 21/01/2009 e 31/03/2009 (fls. 61 a 64 do p.a. e fls. 15 a 18 18 a 20 do apenso “traduções”).
8 - O indivíduo em causa não chegou a ser expulso a expensas da RAEM, por se ter ausentado voluntariamente de Macau, tendo registado saídas pelo Terminal Marítimo do Porto Exterior nos dias 25/12/2010, 28/12/2010 e 1/01/2011.
9 - Em 23/12/2011, o indivíduo A pediu ao Departamento de Migração autorização de residência na RAEM.
10 - Tal indivíduo casou na RAEM com B, residente permanente de Macau, em 11/08/2011, de quem tem um filho, C, nascido em Macau em XX/XX/2011.
11 - Habita em Macau com a sua mulher.
12 - Em 5/06/2012 o interessado, agora portador de passaporte da Guiné, com data de validade até 23/08/2012, foi interceptado pelo agente da PSP, por ter constatado que se tratava da mesma pessoa que A1, suspeito da prática de crimes de ofensa à integridade física e falsas declarações sobre a sua identidade.
13 - Nessa altura (5/06/2012) foi notificado da medida de interdição de entrada na RAEM decretada em 21/01/2009.
14 - O recorrente apresentou recurso contencioso em 10/07/2012 contra essa decisão do Ex.mo Secretário de 21/01/2009 que lhe aplicou a medida de interdição de entrada em Macau por um período de 10 anos.
Em 10/08/2012 o Ex.mo Secretário reduziu de 10 para 3 anos o período de interdição de entrada em Macau, nos seguintes termos (fls. 58 dos autos):
DESPACHO
Assunto: Expulsão e interdição de entrada
Interessado: A (A1)
Por meu despacho de 04/04/2008, sobre a Informação n.º Mig XXX/2008/C.I., determinei a expulsão e interdição de entrada por 3 anos, do cidadão A, titular do passaporte n.º XXXXXXXX (que na altura se apresentava sob a identidade de A1, titular do passaporte n.º XXXXXXXX);
Com fundamento no facto de para lograr a efectiva execução daquela expulsão, a RAEM ter suportado as despesas inerentes (passagem aérea), por meu despacho de 21/01/2009 sobre a Informação nº Mig XX/2009/C.I., reformei aquele despacho de 04/04/2008, apenas quanto ao período de interdição de entrada que ampliei para 10 anos, mantendo-o, no entanto, quanto aos seus fundamentos de facto e de direito;
Verifico agora, no âmbito de um recurso contencioso entretanto interposto daquela decisão, não se ter concretizado o pressuposto daquela ampliação da medida da interdição de entrada, uma vez que, conforme mostra o processo instrutor e explica o Serviço de Migração/CPSP, se bem que a Administração tenha iniciado o procedimento com vista a aquisição da passagem aérea de vários indivíduos, incluindo o aqui interessado, acabou por não o fazer em relação a este dado que o mesmo, entretanto, abandonou a RAEM pelos seus próprios meios;
Urge, por isso, e por imperativos de justiça, proporcionalidade e coerência, corrigir essa errónea quantificação do período de interdição de entrada, o que faço,
Reformando o acto administrativo em apreço, ao abrigo do artº 126ºdo Código do Procedimento Administrativo; e nos termos e com os fundamentos da Informação n.º Mig XXX/2008/C.I., e mantendo a decisão de expulsão do cidadão A (A1), mas fixando o período de interdição de entrada em 3 (três) anos.
Notifique com urgência.
Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 10 de Agosto de 2012.
15 - Esta decisão foi notificada ao recorrente no dia 29/08/2012.
16 - O recorrente apresentou, então, nova petição (fls. 50 e sgs. dos autos).
17 - O recorrente pediu a suspensão de eficácia deste despacho, o que foi deferido por acórdão de 18/10/2012, no Proc. nº 656/2012/A apenso.


III – O Direito
1. As questões suscitadas e a apreciar
Importa saber se, tendo o recorrente abandonado voluntariamente a RAEM, pode ser administrativamente expulso.
A segunda questão a apreciar é a de saber se houve omissão de pronúncia por parte do acórdão recorrido ao ter decidido não apreciar a violação do princípio ne bis in idem porque apenas suscitado nas alegações do recurso contencioso, em virtude de não se tratar de um novo fundamento de recurso mas apenas uma nova qualificação jurídica de vício invocado na petição de recurso contencioso.
Finalmente, importa apurar se houve violação do princípio da proporcionalidade por parte do acto recorrido ao ter fixado em 3 anos o período de interdição de entrada na RAEM.

2. Expulsão. Período de interdição de entrada na RAEM
A tese do recorrente é a de que, não estando já em Macau quando foi determinada a sua expulsão da RAEM, não poderia ter sido expulso.
Trata-se apenas de um jogo de palavras e de um argumento que apenas toca na rama dos problemas.
A Lei n.º 6/2004 aprova o regime de detenção e expulsão de não-residentes para prevenir e combater a imigração ilegal na RAEM.
As pessoas que se encontrem em situação de imigração ilegal são expulsas da RAEM, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que incorram e das demais sanções previstas na lei (artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004).
A ordem de expulsão indica os fundamentos da medida, o destino da pessoa expulsa e o período durante o qual fica interdita de entrar na RAEM (artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004).
As pessoas a quem seja decretada a expulsão ficam, depois de esta ser concretizada, interditas de entrar na RAEM por um período a fixar na ordem de expulsão (artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004).
Quer isto dizer que o período de interdição de entrada na RAEM é uma sanção para a situação de imigração ilegal em Macau.
Mas a fixação do período de interdição de entrada supõe a existência de uma ordem de expulsão. Se o individuo detectado em situação ilegal em Macau, ainda está em Macau ou não, designadamente, por entretanto ter saído, legal ou ilegalmente, é inteiramente irrelevante. O que releva é o acto administrativo a sancioná-lo por ter estado ilegalmente em Macau.
Improcede, por conseguinte, a questão suscitada.

3. Omissão de pronúncia
Entende o recorrente que houve omissão de pronúncia por parte do acórdão recorrido ao ter decidido não apreciar a violação do princípio ne bis in idem porque apenas suscitado nas alegações do recurso contencioso, em virtude de não se tratar de um novo fundamento de recurso mas apenas uma nova qualificação jurídica de vício invocado na petição de recurso contencioso.
Como é sabido, só é possível alegar novos vícios do acto administrativo nas alegações do recurso contencioso, cujo conhecimento seja superveniente (artigo 68.º, n.º 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Na petição do recurso contencioso, o recorrente alegou determinados factos – os atinentes ao vício apreciado anteriormente – dizendo que, face ao disposto no artigo 2.º da Lei n.º 6/2004 - seria ilegal a sua expulsão.
Nas alegações do recurso contencioso, com base nos mesmos factos afirmou que haveria violação princípio ne bis in idem.
Trata-se da invocação de um novo vício do acto ou não?
Afigura-se-nos que não, já que o recorrente se limitou a qualificar juridicamente com uma nova perspectiva um vício cujos factos invocara na petição. Como refere MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “o juiz pode aplicar uma norma diferente daquela que por ele tenha sido erradamente indicada, desde que o recorrente tenha correctamente qualificado a conduta como ilegal, por referência ao conteúdo material de uma norma efectivamente existente” (1). Ora, se o juiz pode fazer esta nova qualificação, também o recorrente o pode, por maioria de razão, em momento posterior ao da petição, desde que em peça processual indicada para tal, como é o caso das alegações.
Mas não há omissão de pronúncia, visto que o acórdão recorrido afrontou a questão e explicou porque não conhecia da mesma. Como dissemos no Acórdão de 29 de Junho de 2009, no Processo n.º 9/2009, quando a sentença omite a pronúncia sobre uma questão, sobre a qual se devia pronunciar, explicando a razão para essa omissão, não existe nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas antes erro no julgamento
Assim, cabe-nos averiguar se houve violação do mencionado princípio.
Dá-se por reproduzido o que se disse no n.º 2.
Não faz qualquer sentido dizer-se em que a entidade recorrida se baseou nos mesmos factos para promover, novamente, a expulsão do recorrente. O recorrente só foi expulso uma vez.
Improcede o vício suscitado.

4. Princípio da proporcionalidade
A tese do recorrente é a de que, há mais de 4 anos, permaneceu em Macau 62 dias para além do período autorizado, pelo que não se justifica a aplicação da medida de interdição de entrada por 3 anos, duração esta que é, assim, desproporcionada.
Como este Tribunal tem, repetidamente, afirmado – por exemplo, no acórdão de 9 de Maio de 2012, no Processo n.º 13/2012 - a intervenção dos tribunais na anulação de actos exercidos no exercício de poderes discricionários, com fundamento em violação de princípios como da proporcionalidade ou da justiça, só deve ter lugar naqueles casos flagrantes, evidentes, de violações intoleráveis destes princípios. Mais referimos, no mesmo Acórdão, que ao tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.

Não se afigura que seja esse o caso.
Improcede, portanto, o vício suscitado.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC.
Macau, 19 de Novembro de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho





   (1) MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Sobre a Autoridade do Caso Julgado das Sentenças de Anulação de Actos Administrativos, Coimbra, 1994, p. 91.
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