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Proc. nº 485/2014/A
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 06 de Novembro de 2014
Descritores:
-Suspensão de eficácia
-Requisitos
-Prejuízos de difícil reparação

SUMÁRIO

I - Se a entidade requerida não apresentar contestação e se limitar a oferecer o merecimento dos autos, deve entender-se que não impugna a inexistência de grave prejuízo para o interesse público a que se refere a alínea b), do mesmo nº2. Nesse caso, de acordo com o disposto no art. 129º, nº1 do CPAC o tribunal deve considerar verificado o requisito constante dessa alínea a não ser que, não obstante essa falta de contestação, o tribunal considere ostensiva a verificação dessa lesão.

II- O objectivo da providência de suspensão de eficácia é acautelar o efeito útil do recurso, evitando-se através dela que se produza uma situação danosa de muito difícil remédio ou, por maioria de razão, irremediável (periculum in mora). Isto é, visa evitar o perigo de uma lesão praticamente irreversível aos interesses relevantes no caso concreto para o requerente ou para aqueles que ele defende no recurso.

III - Logo, ela não se satisfaz com uma alegação vaga e sintética dos danos que o acto administrativo pode provocar. Mesmo não sendo necessária uma prova cabal, perfeita e exaustiva dos prejuízos, isso é verdade («...cause previsivelmente...»), é ao menos importante que o requerente traga aos autos um acervo de factos indiciariamente reveladores da existência de um verdadeiro dano na sua esfera decorrente da execução do acto, ou seja, é necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis.

IV - Se a recorrente de nacionalidade chinesa apenas alega que a execução do acto lhe causa prejuízos de difícil reparação por perder o emprego que detém na RAEM, sem invocar a impossibilidade de obter outro na RPC, sem nada dizer sobre as suas poupanças para sobreviver condignamente, e se limitar a acrescentar ter que se afastar dos pais, residentes permanentes da RAEM, e dos amigos aqui constituídos, não demonstra o requisito da alínea a), do art. 121º do CPAC.





Proc. nº 485/2014/A

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, solteira, maior, de nacionalidade chinesa, titular do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da Região Administrativa Especial de Macau n.º XXXXXX, residente em Macau, na XXXXX, vem pedir a suspensão de eficácia do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 27 de Maio de 2014, exarado na proposta n.º 606/GJFR/2014 e notificado a coberto do Ofício n.º 6825/GJFR/2014, de 13 de Junho, que lhe cancelou a autorização de residência que lhe havia sido concedida.
Invocou prejuízos advenientes da execução do acto administrativo, que reputou de difícil reparação, alegou a inexistência de lesão grave do interesse em resultado da suspensão peticionada e a não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso interposto.
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A entidade administrativa requerida, citada, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos (fls. 67).
*
O digno Magistrado do MP opinou no sentido de que a requerente não demonstra o requisito do art. 120º, nº1, al. a), do CPAC (prejuízo de difícil reparação) e, por isso, mostrou-se favorável ao indeferimento do pedido.
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Cumpre decidir.
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II - Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III - Os Factos
1 - No dia 21 de Junho de 2006, a requerente apresentou, ao abrigo do artigo 1º, alínea 4) e do artigo 3º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, um pedido de fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau (doravante “RAEM”).
2 - Para o efeito, adquiriu na Região, em regime de compropriedade com B, seu pai (Documento 4) uma fracção autónoma no valor de MOP 4,789,655.00.
3 - Comprou a requerente, pelo referido preço, a fracção autónoma designada por “IIIE36” do 36.º andar “E”, para habitação, do prédio sito em Macau com o n.º 566, na XXXXXX (subcondomínio IV), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX do livro XXXX, aquisição titulada pela escritura celebrada em 19 de Agosto de 2008, lavrada no Cartório da Notária Privada C (Documento 5).
4 - Para os mesmos efeitos constituiu, em 2006, um depósito a prazo, no Banco XXX, no valor de HKD 500,000.00, equivalente a MOP 516,000.00, em cumprimento do requisito previsto no artigo 3º, n.º 1, alínea 2), do REGA 3/2005 (Documento 6).
5 - Por despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 4 de Abril de 2007, foi deferida à requerente a autorização de residência, até 4 de Abril de 2010 (Documento 7).
6 - A referida autorização foi objecto de duas renovações, até 4 de Abril de 2013 e até 4 de Abril de 2016, através dos Despachos do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datados de 1 de Fevereiro de 2010 e de 6 de Fevereiro de 2013, respectivamente (Documentos 8 e 9).
7 - Em 12 de Março de 2013 a requerente foi notificada pelos Serviços de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública que, em 3 de Abril de 2014, completava 7 anos de autorização de residência, pelo que poderia, a partir dessa data, tratar das formalidades necessárias à obtenção do Bilhete de Identidade de Residente Permanente junto da Direcção dos Serviços de Identificação (Documento 10).
8 - Em 30 de Abril de 2013, a requerente procedeu à transferência do valor depositado a prazo, a que se refere o ponto 4 supra, no Banco XXX - instituição bancária que adquiriu o Banco XXX (Doc. 6) - para uma conta titulada pelos seus pais, B e C, no Banco XXX, tendo estes constituído um novo depósito a prazo, juntamente com outros fundos por si providenciados, no total de HKD 1,273,201.10 (Documentos 11 e 12).
9 - A transferência do referido valor para uma conta titulada pelos pais da requerente deveu-se ao facto desta ter criado a convicção, em virtude do teor do ofício dos Serviços de Migração (cfr. Doc. 10), que já não necessitava de manter o depósito a que alude a o artigo 3.º, n.º 1, alínea 2) do REGA 3/2005.
10 - No início de Setembro de 2013 a requerente recebeu o ofício n.º 10045/GJFR/2013, do IPIM (Documento 13), que a informava que, a partir de 16 desse mesmo mês e ano, e com vista à obtenção do Bilhete de Identidade de Residente Permanente junto dos Serviços de Identificação, deveria dirigir-se àquele instituto para obter uma declaração certificando que se encontravam preenchidos os requisitos legais para o aludido fim.
11- Contactado o IPIM sobre o teor desta notificação, foi a requerente informada que deveria manter, até a obtenção do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região, o depósito bancário de valor não inferior a MOP 500,000.00, pelo que procedeu, de imediato, a nova constituição do mesmo, em 30 de Setembro de 2013 (Documento 14) cujo capital, em 8 de Abril de 2014, ascendia a MOP 620,776.47 (Documento 15).
12 - Em 4 de Abril de 2014 a requerente foi notificada pelo IPIM para se pronunciar, em audiência de interessados, sobre a questão do levantamento do depósito referido no artigo 8º do presente requerimento, tendo apresentado a sua resposta em 11 de Abril de 2014, tudo como melhor resulta do processo instrutor junto aos autos de recurso contencioso de anulação que corre termos neste Tribunal sob o n.º 485/2014.
13 - Posteriormente, a requerente foi notificada do Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 27 de Maio de 2014 que lhe cancelou a autorização de residência, com fundamento no decaimento dos pressupostos que sustentaram aquela autorização (Doc. 3).
14 - Desde 2 de Fevereiro de 2009 que a requerente trabalha na Companhia de Administração de Propriedades The Pacifica Garden, Limitada (Documento 16).
15 - Pelo trabalho prestado na referida Companhia, aufere nos doze meses do ano o salário mensal de MOP 11,000.00 e um subsídio de igual montante, além de um subsídio de transporte no valor de Mop$ 200,00 (Documentos 17 e 34).
16 - O mérito do seu trabalho foi reconhecido pela sua entidade patronal (Doc. 16).
17 - A requerente frequentou vários cursos de curta duração Doc. 18 a 33)
18 - No dia 29/04/2014 foi elaborada a seguinte proposta no Gabinete Jurídico para a Fixação de Residência:
«Assunto: Caducidade da autorização de residência temporária (bem imóvel) processo n.º 1321/2006/02R
Proposta n.º 00606/GJFR/2014
Data: 29/04/2014
Director do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência,
1. Aos 21 de Junho de 2006, a requerente A pediu ao nosso Instituto a autorização de residência temporária com fundamento em aquisição do bem imóvel sito em XXXXX (no valor de MOP$4,789,655.00, a requerente é titular de 50% do direito de propriedade, equivalente a MOP$2,394,827.50), e em depósito a prazo no Banco XXX (ora designado por Banco XXX) dum valor não inferior a MOP$500,000.00, a autorização foi concedida pela primeira vez em 4 de Abril de 2007 e foi renovada respectivamente em 1 de Fevereiro de 2010 e em 6 de Fevereiro de 2013, a autorização de residência temporária da requerente foi estendida a 4 de Abril de 2016.
2. A requerente indicou, na carta e documento comprovativo do depósito a prazo (vide o anexo 1) entregues em 4 de Abril de 2014 ao nosso Instituto, que levantou em 2 de Maio de 2013 o depósito a prazo do Banco XXX e o transferiu temporariamente à conta bancária dos seus pais no Banco da China. Por conseguinte, como era preciso obter a carta de confirmação do nosso Instituto, só depositou em 30 de Setembro de 2013 uma quantia a prazo no montante superior a MOP$500,000.00 no Banco XXX.
3. Deste modo, em 4 de Abril de 2014 o nosso Instituto notificou imediatamente a requerente de que tinha de entregar uma contestação escrita relativamente ao assunto referido e a requerente recebeu a cópia dessa notificação com assinatura (vide o anexo 2) e declarou no mesmo dia ao nosso Instituto que de 2 de Maio de 2013 a 29 de Setembro de 2013 não tinha conta bancária em Macau de depósito no valor de MOP$500,000.00 (vide o anexo 3).
4. Em seguida, em 11 de Abril de 2014, a requerente entregou a contestação escrita e indicou que, por motivo pessoal, transferiu o depósito a prazo, fundamento do seu pedido, à conta do seu pai no Banco XXX e não ponderou que o depósito se devia manter na sua própria conta. Só o conheceu quando recebeu a notificação do Instituto em Setembro de 2013, abriu imediatamente uma conta no Banco XXX e depositou a quantia. A requerente pediu desculpa pelo assunto referido e concessão duma oportunidade (vide o anexo 4).
5. Analisados todos os documentos referidos, a requerente levantou em 2 de Maio de 2013 do Banco XXX um depósito a prazo em quantia de HKD$500,000.00 e depositou a prazo em 30 de Setembro de 2013 um valor mais de HKD$600,000.00. Durante o período (cerca de 4 meses) não tinha depósito a prazo duma quantia não inferior a MÜP$500,000.00 em qualquer estabelecimento de crédito de Macau.
6. Ao abrigo do art.º 3.º n.º 1 alínea 2) e art.º 19.º n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o interessado que peça a autorização de residência temporária com fundamento em aquisição de bens imóveis deve ter fundos de valor não inferior a quinhentas mil patacas depositados a prazo em instituição de crédito autorizada a operar na Região Administrativa Especial de Macau e livres de quaisquer encargos. Durante o período da autorização de residência temporária, o interessado deve manter os pressupostos que fundamentam o deferimento do pedido inicial.
7. Revistos os elementos arquivados, o nosso Instituto já indicou expressamente, por ofícios n.º 05429/GJFR/2007, 02555/GJFR/2010 e 02079/GJFR/2013 (vide o anexo 5), que: “Nos termos do art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o interessado deve manter, durante o período da apresentação do pedido e após a concessão da autorização, a situação juridicamente relevante que fundamenta a concessão dessa autorização. Caso se verifique extinção ou alteração da situação juridicamente relevante, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração, sob pena do cancelamento da autorização de residência temporária. A alteração dos fundamentos inclui a alteração do direito de propriedade dos bens imóveis ou do depósito a prazo no valor de MOP$500,000.00, ...etc.” Assim sendo, a requerente deve saber a disposição, portanto, não se aceita a alegação da requerente mencionada no ponto 4 referido.
8. Pelo exposto, como a requerente levantou em 2 de Maio de 2013 o depósito a prazo, fundamento do seu pedido, alterou-se a situação jurídica que fundamentou o deferimento do pedido inicial da autorização de residência temporária. Ela não comunicou ao nosso Instituto a alteração da situação jurídica, após a audiência, entende-se que não está preenchida a condição prevista no Regulamento Administrativo n.º 3/2005. Pelo que, propõe-se que seja caducada desde 2 de Maio de 2013 a autorização de residência temporária da requerente A, ao abrigo do art.º 24.º n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, subsidiariamente aplicado nos termos do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
À consideração superior.
Técnico superior
Ass. vide o original
LUCINDA LEI»
19 - No dia 12/05/2014, o Director daquele Gabinete emitiu o seu parecer:
«Concordo com a proposta. Como a requerente levantou em 2 de Maio de 2013 o depósito a prazo, um dos fundamentos do pedido, alterou-se a situação jurídica que fundamentou o deferimento do pedido inicial da autorização de residência temporária. Ela não comunicou ao nosso Instituto a alteração da situação jurídica, após a audiência, entende-se que não está preenchida a condição prevista no Regulamento Administrativo n.º 3/2005. Pelo que, propõe-se que seja caducada desde 2 de Maio de 2013 a autorização de residência temporária da requerente A.
À consideração da Comissão Executiva.
Ass. vide o original
XXX
Director do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência
12 de Maio de 2014»
20 - No dia 27/05/2014, a entidade requerida despachou (fls.19vº e fls. 4 do apenso “traduções”:
«Concordo».
21 - Os pais da requerente, com quem esta vive, são residentes permanentes da RAEM (doc. fls. 80 e 81).
***
IV - O Direito
1 - Não se questiona que o acto suspendendo tem um conteúdo positivo, em virtude de alterar o statu quo ante. E na medida em que uma eventual decisão judicial puder manter o quadro de facto anterior, daí advindo um efeito útil para o interessado, deve entender-se, pois, que o acto em causa é suspensível (art. 120º, nº1, do CPAC).
*
2 - O art. 121º do CPAC dispõe:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
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3 - O requisito da alínea b)
No caso dos autos, é conservatória a providência requerida, cuja procedência depende, geralmente, da verificação cumulativa1 dos requisitos vazados no art. 121º, um positivo (alínea a), do nº1), outros negativos (alíneas b) e c), do mesmo nº1).
E por serem de verificação usualmente cumulativa, bastará a falta de algum deles, para que a providência não possa já ser decretada.
A afirmação acabada de fazer só cederá nos casos em que no caso concreto concorra alguma das excepções previstas nos nºs 2 a 4 do art. 121º do CPAC. Porém, na situação dos autos, não estamos seguramente perante a situação do nº2, nem a do nº3. Por outro lado, o nº 4 do art. 121º também não merece ser aqui convocado, na medida em que ele parte do pressuposto da existência de um grave prejuízo para o interesse público - o mesmo é dizer, da falta de prova do requisito da alínea b), por parte do requerente -, ainda que “desproporcionadamente” inferior ao que para o requerente resultaria da não suspensão, i.e., da imediata execução do acto.
Em face de tais circunstâncias, continuaria a impor-se-nos a indagação acerca da existência conjunta dos apontados requisitos.
A nossa tarefa mostra-se, no entanto, facilitada, quanto ao estudo da existência do requisito da alínea b), do nº2 citado. Com efeito, a entidade requerida – que não chegou a fazer uso do mecanismo do art. 126º, nº2 do CAPC – apesar de contestar, não apresentou “alegação de que a suspensão de eficácia do acto causa grave lesão do interesse público”. Significa isto que o digno Secretário para a Economia e Finanças não contestou a existência do requisito. Ora, sendo assim, e uma vez que também a nós não parece ser ostensiva a existência de tal lesão com gravidade, outro remédio nos não resta senão cumprir a determinação do art. 129º, nº1, do CPAC e “considerar verificado o requisito previsto na alínea b) do nº1 do art. 121º”.
De resto, também a situação de facto não parece levar a concluir que o retardamento na execução do acto pelo tempo por que durar o recurso contencioso é de molde a trazer qualquer lesão ao interesse público relevante, porquanto nenhuns fins de segurança e tranquilidade, bem como nenhuns outros ligados à necessidade do respeito pelas regras de convivência social estão em risco. O mesmo é dizer que nada custa pensar que o interesse público em nada fica beliscado com a permanência da requerente na RAEM até ao momento em que for decidido o recurso contencioso com trânsito em julgado2.
Assim, mostra-se demonstrado o requisito da alínea b), do nº1.
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4 - O requisito da alínea c)
Do mesmo modo, a partir de uma perfunctória análise da petição do recurso contencioso (Proc. nº 485/2014), não nos parece que haja indícios fortes que apontem para a ilegalidade da sua interposição, sabido, como é, que o requisito estabelecido na alínea c), do nº1, do art. 121º se refere às causas de ilegalidade adjectiva ou de natureza processual respeitantes, por exemplo, à carência de algum pressuposto processual3.
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5 - O Requisito da alínea a)
Resta, portanto, apurar da existência do requisito da alínea a), isto é, indagar se a execução do acto implica um prejuízo de difícil reparação para a requerente.
Como é sabido, o objectivo da providência de suspensão de eficácia é acautelar o efeito útil do recurso, evitando-se através dela que se produza uma situação danosa de muito difícil remédio ou, por maioria de razão, irremediável (periculum in mora). Isto é, visa evitar o perigo de uma lesão praticamente irreversível aos interesses relevantes no caso concreto para o requerente ou para aqueles que ele defende no recurso.
Logo, ela não se satisfaz com uma alegação vaga e sintética dos danos que o acto administrativo pode provocar. Mesmo não sendo necessária uma prova cabal, perfeita e exaustiva dos prejuízos, isso é verdade («...cause previsivelmente...»), é ao menos importante que o requerente traga aos autos um acervo de factos indiciariamente reveladores da existência de um verdadeiro dano na sua esfera decorrente da execução do acto, ou seja, é necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo4, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis.
A este propósito, a requerente invocou três fontes de dano:
- A perda do emprego e do correspondente rendimento mensal obtido através do salário;
- O afastamento abrupto do seu núcleo familiar, constituído pelos seus pais, com quem vive;
- Cessação de um conjunto laços de amizade constituído em Macau.
Quanto ao primeiro, tem-se entendido que constitui prejuízo de difícil reparação a privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares5.
Todavia, essa situação de carência, que contende com direitos fundamentais a uma vida condigna, precisa de ser alegada e suportada em factualidade comprovável.
Ora, isso não aconteceu nos presentes autos. A situação da ora requerente é simplesmente de perda do emprego em Macau, mas não é líquido – muito menos notório – que a perda do rendimento do salário a coloque numa posição económica dificilmente recuperável ou próxima de um estado de pobreza intolerável ou de subsistência periclitante.
A requerente não demonstrou que não tem poupanças ou que não tem possibilidade de emprego em Zhuhai, por exemplo, ou noutro local da República Popular da China.
Neste sentido, embora aceitemos que a execução do acto possa transformar parcialmente a sua vida, já não cremos que estejamos perante um quadro de facto que revele prejuízos económicos de difícil reparação. E se o prejuízo é este da perda do rendimento derivado do emprego, então, o problema é simplesmente de cálculo aritmético, por conseguinte quantificável pelo período por que durar o afastamento da relação laboral. Ou seja, um eventual sucesso no recurso contencioso reporá com relativa facilidade a situação actual hipotética pela via indemnizatória. Significa isto, portanto, que se não pode considerar de difícil reparação o prejuízo invocado a este título6.
.
Por outro lado, o afastamento abrupto dos elementos mais próximos do seu agregado (pai e mãe) é para nós sensível. Realmente, se a requerente, com 29 anos de idade, é solteira e vive com os pais, há-de ter criado com eles um sentimento de apego, carinho, ternura e amor que não se pode atomizar.
Todavia, somos uma vez mais a admitir que esses laços não estarão perdidos, inevitavelmente. Basta pensar na possibilidade de a requerente alcançar um emprego na cidade vizinha e fronteiriça a Macau, onde pode obter uma habitação e albergar os seus progenitores. Outra possibilidade é ela alojar-se em Zhuhai e poder vir frequentemente a Macau para se encontrar com os pais, que aqui se manterão.
E, por fim, não esqueçamos que não será pelo tempo de duração da apreciação judicial definitiva desta providência (não há-de ser seguramente muito) que os riscos de afastamento dos pais serão graves ou que terão graves consequências. Não tardará que esta providência, mesmo com recurso jurisdicional eventual, venha a estar resolvida. Nesse ínterim, a requerente saberá contornar alguma dificuldade que encontre pelo caminho, a fim de poder estar com os seus pais.
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Vem, finalmente, a requerente argumentar que a execução imediata do acto a obrigará a cessar o conjunto de laços de amizade constituído em Macau.
Ora, este argumento, que não é despiciendo, merece as mesmas considerações atrás aduzidas. Isto é, vale a pena instar a requerente a que lute pelas relações de amizade, ou outras, quando autênticas, puras e sólidas. A recorrente há-de descobrir a maneira de conservar as que aqui criou, como terá sabido manter as que trazia da China no momento em que para Macau veio refazer a sua existência. É este o jogo da sua vida.
Estamos solidários com a requerente, na parte em que reconhecemos as adversidades que o acto criará no seu quotidiano próximo, mas simultaneamente esperançados e confiantes de que as ultrapassará com inteligência, sensatez e razoável optimismo, precisamente porque são superáveis.
Vale por dizer, em suma, que o cenário que a recorrente nos trouxe não preenche uma situação de facto aparentemente reveladora de um quadro de prejuízos de difícil reparação.
***
V- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em indeferir a providência requerida.
Custas pela requerente.
TSI, 06 de Novembro de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho





1 Neste sentido, entre outros, Acs. do TUI de 2/06/2010, Proc. nº 13/2010 ou de 13/05/2009, Proc. nº 2/2009, TSI de 10/03/2011, Proc. nº 41/2011/A.
2 Neste sentido, ver, por exemplo, os Acs. do TSI de 21/12/2011, Proc. nº 785/2011/A; ou de 5/12/2011, Proc. nº 800/2011.
3 Neste sentido, Ac. do STA de 5/07/2000, Proc. nº 046219. Ver ainda José Eduardo Figueiredo Dias, em anotação ao Ac. do TSI de 30/05/2002, Proc. nº 94/2002, in BFD da Universidade de Macau, ano VIII, nº18, 2004, pag. 179. Ainda, Acs. do TSI, de 30/05/2002, Proc. nº 92/2002; de 25/01/2007, Proc. nº 649/2006/A; de 15/12/2011, Procs. nºs 785/2011/A e 799/2011, DE 26/04/2012, Proc. nº 229/2012/A.
4 Neste sentido, ver os Ac. do TSI, de 23/07/2009, Proc. nº 586/2009 e de 15/12/2011, Proc. nº 799/2011, 3/05/2012, Proc. nº 266/2012/A, entre outros.
5 Por exemplo, Ac. TUI, de 10/07/2013, Proc. nº 37/2013.
6 Em sentido semelhante, ver em língua chinesa o Ac. do TSI, de 25/09/2014, Proc. nº 561/2014. Também, deste mesmo TSI, o Ac. de 12/09/2013, Proc. nº 513/2013/A.
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