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Processo n.º 117/2014
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
Data da conferência: 26 de Novembro de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Suspensão de eficácia de actos administrativos
- Prejuízo de difícil reparação

SUMÁRIO

1. Os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos nºs 2, 3 e 4.
2. É de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.
3. Os danos não patrimoniais só revelam se atingirem um grau de intensidade ou gravidade que os torne merecedores de tutela jurídica.
4. Cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, não sendo bastante a mera utilização de expressões vagas e genéricas.

A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, requereu junto ao Tribunal de Segunda Instância e nos termos e ao abrigo do disposto nos artºs 120º e segs. do Código de Procedimento Administrativo Contencioso, a suspensão de eficácia do despacho do Senhor Secretário para a Segurança, de 21 de Agosto de 2014, que negou provimento o recurso hierárquico necessário, confirmando a decisão tomada pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), que lhe tinha revogado a autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente.
Por Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, foi indeferida a providência requerida.
Inconformado com a decisão, vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
a. O acórdão recorrido indeferiu o pedido do recorrente de medida cautelar, por entender que “a execução do respectivo acto não vai causar prejuízo de difícil reparação para o requerente”.
b. Salvo o devido respeito, o recorrente não concorda.
c. O recorrente é um porteiro, se for executado o acto, vai perder imediatamente o seu trabalho.
d. Um emprego, para além de ser o meio de ganhar rendimento, é uma forma de desenvolvimento da personalidade, satisfação pessoal, obtenção da experiência da vida e expansão do círculo social. Para o recorrente, o trabalho faz sentido em realizar o valor pessoal e o valor social.
e. Portanto, a perda do trabalho não pode ser reparada simplesmente por meio pecuniário.
f. A execução do acto leva à revogação da autorização de permanência do recorrente. Ao abrigo do art.º 4.º n.º 2 da Lei da Contratação de Trabalhadores não Residentes, o recorrente não poderá obter de novo a autorização de permanência dentro de pelo menos 6 meses.
g. Se perder o trabalho, é impossível para o recorrente ser contratado pelo empregador original ou por outros empregadores de Macau dentro do tempo curto, o que também não pode ser reparado por meio pecuniário.
h. Além disso, se perder o trabalho, o recorrente perde também a sua antiguidade cumulada e a oportunidade de promoção na empresa.
i. A promoção é um reconhecimento da capacidade de trabalho do recorrente, é um símbolo do desenvolvimento da vida, não pode ser valorizada por dinheiro.
j. Se o recorrente jamais puder permanecer em Macau e precisar de voltar ao Interior da China, vai enfrentar grande concurso, dificuldade de emprego, salário baixo, benefício pobre e qualidade de vida pior que Macau. Assim sendo, no Interior da China, é impossível para o recorrente arranjar dentro do tempo curto um emprego adequado para o seu desenvolvimento pessoal.
k. De resto, o recorrente coopera-se bem com o empregador, que também louva o seu serviço. O recorrente trabalha com alegria e vê grande espaço de auto-realização, quer continuar a servir o empregador.
l. O recorrente não quer prestar trabalho a outro empregador, o que consiste em vontade pessoal e liberdade de trabalho do recorrente, devendo ser respeitado e protegido por ter natureza pessoal.
m. Ou seja, se for executado o acto administrativo, o recorrente vai perder trabalho, será prejudicada a sua vontade pessoal e influenciados o seu futuro desenvolvimento e o percurso da vida, o que é impossível ser reparado por dinheiro, por isso, deve ser considerado prejuízo de difícil reparação.
n. O acórdão recorrido indicou que o recorrente não justificou em concreto “a quebra das relações pessoais em Macau”, nem provou quais são as relações estabelecidas em Macau, tampouco porque as relações serão quebradas se o requerente se afasta.
o. De acordo com a experiência comum da vida, quando o recorrente tem um emprego em Macau e tem trabalhado por um longo período, tem pelo menos relações pessoais do serviço, tais como empregador, colegas e clientes.
p. Quando o recorrente sair de Macau, não se pode encontrar frequentemente com os colegas e os clientes, assim sendo, serão afastadas as relações mútuas e obstado e quebrado o desenvolvimento das relações pessoais do recorrente.
q. De acordo com o art.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso e o art.º 434.º n.º 1 do Código de Processo Civil, o recorrente entende que os factos podem ser percebidos e dados provados pelo tribunal sem necessidade de alegação.
r. No segundo lugar, o acórdão recorrido indicou que, “conforme o senso comum, a amizade real não se rompe pela distância geográfica”.
s. O recorrente não precisa de provar se as relações pessoais com os amigos de Macau são aprofundadas, honestas e sinceras. O recorrente entende que, cabe ao tribunal somente conhecer se existem relações pessoais do recorrente em Macau.
t. Se for executado o acto, a saída de Macau conduz necessariamente à impossibilidade de encontrar-se ou fazer festa com os amigos de Macau.
u. Mesmo que os amigos de Macau possam ir ter com o recorrente no Interior da China ou em lugar fora de Macau, será gerada inconveniência para a vida do recorrente.
v. Ou seja, se for executado o acto, serão exercidas influências negativas às relações pessoais do recorrente, que fazem parte do direito da liberdade, componente do direito da personalidade, e que têm natureza pessoal. De resto, “o dinheiro não pode adquirir ou reparar a amizade”, portanto, devem ser consideradas prejuízo de difícil reparação.
w. Pelo exposto, como se prevê que a execução do acto cause prejuízo de difícil reparação para o recorrente, está preenchido o disposto do art.º 121.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, deste modo, o acórdão recorrido padece do vício da interpretação errada sobre essa lei processual, constituindo assim o fundamento de recurso previsto no art.º 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.

A entidade recorrida não apresentou contra-alegações.
O Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo não merecer provimento o recurso.
Foram corridos os vistos.

2. Factos Provados
O Tribunal de Segunda Instância considera provada a seguinte factualidade relevante:
1. O requerente possui a autorização de permanência de trabalhador não residente e trabalha na [Agência de Emprego] como gestor de serviços laborais.
2. Por sentença já transitada em julgado do Tribunal Judicial de Base, foi o requerente condenado, pela prática de condução em estado de embriaguez, na pena de prisão, com suspensão na sua execução. Foi ainda condenado na pena acessória de inibição de condução.
3. Razão pela qual o Comandante do CPSP de Macau proferiu despacho para revogar a autorização de permanência do requerente.
4. Inconformado com a decisão, o requerente apresentou recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Segurança de Macau.
5. O Secretário para a Segurança de Macau proferiu despacho em 21 de Agosto de 2014, que indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto pelo requerente e, ao mesmo tempo, revogou-lhe a autorização de permanência.

3. Direito
Alega o recorrente que a execução do acto administrativo impugnado causa para si prejuízo de difícil reparação, pelo que está preenchido o disposto no art.º 121.º n.º 1, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
A questão colocada prende-se com a interpretação da norma acima referida.

Ora, o regime de suspensão de eficácia dos actos administrativos é previsto nos art.ºs 120.º e segs. do CPAC.
Regula o art.º 121.º a legitimidade e os requisitos para a suspensão de eficácia:
“A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”

Como se sabe, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4.
É claro que o caso vertente não se integra em nenhuma das situações dos n.ºs 2, 3 e 4 do artº 121º, daí que se exige a verificação de todos os requisitos do nº 1.
Afigura-se-nos que, no caso ora em apreciação, não estão preenchidos todos os pressupostos processuais elencados no n.º 1 do art.º 121.º.
O Acórdão recorrido considerou verificados os requisitos previstos nas al.s b) e c) do n.º 1 do art.º 121.º.
No presente recurso, discute-se apenas o preenchimento, ou não, do requisito indicado na al. a), que se refere ao previsível prejuízo de difícil reparação, a causar pela execução do acto administrativo.

O Acórdão recorrido entendeu que o prejuízo alegado pelo recorrente, referente à perda do trabalho e do vencimento, pode ser ressarcinado mediante o mecanismo de indemnização; e quanto à quebra das relações pessoais estabelecidas em Macau, também invocada pelo recorrente, ele não logrou especificar nem provar quais são e porquê serão quebradas essas relações com a sua saída da RAEM. Daí que a execução do acto em causa não lhe causará prejuízo de difícil reparação.
Insurge-se o recorrente contra tal entendimento, insistindo em dizer que a perda do emprego não é susceptível de mera indemnização pecuniária e a execução do acto implicará influências negativas ao desenvolvimento das suas relações pessoais, que faz parte do direito de liberdade, componente do direito de personalidade, e tem a natureza pessoal, cuja quebra deve ser considerada como prejuízo de difícil reparação.

Há que ver em que consiste o previsível prejuízo de difícil reparação, exigido na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, tendo em conta o caso concreto em questão.
Ora, tal como entendeu este Tribunal de Última Instância, o dano susceptível de quantificação pecuniária pode ser considerado de difícil reparação para o requerente, sendo de considerar ainda como tal os casos “em que a avaliação dos danos e a sua reparação, não sendo de todo em todo impossíveis, podiam tornar-se muito difíceis” bem como o prejuízo “consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares”.1
E “a dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo de prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência (em execução) de uma eventual sentença de anulação.”
Quanto aos danos não patrimoniais, estes só revelam se atingirem um grau de intensidade ou gravidade que os torne merecedores de tutela jurídica.2
Por outro lado, as jurisprudências têm entendido que cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos, não bastando alegar a existência de prejuízos, não ficando tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente.

No caso concreto, e para fundamentar o invocado prejuízo de difícil reparação decorrente da execução da decisão administrativa, alega o recorrente que com a execução do acto vai perder imediatamente o seu emprego, que é não só o meio de ganhar rendimento mas também a forma de desenvolver a personalidade, de ganhar a experiência da vida e de alargar o círculo social, fazendo ainda sentido em realizar o valor pessoal próprio e o valor social.
Desde logo, é de reparar que o recorrente não apresentou nenhuma prova para demonstrar a sua situação económica, a fim de comprovar que não tinha poupanças ou reservas financeiras, o que nem sequer foi alegado.
E não invocou a dificuldade de continuar a exercer a sua actividade profissional em outros locais, nomeadamente no Interior da China, e consequentemente a sustentar a sua vida.
Por outras palavras, não apresentou prova susceptível de revelar que a privação de rendimento com a perda do emprego iria gerar uma situação de carência quase absoluta e impossibilitar satisfação das necessidades básicas e elementares da vida.
No que concerne à importância do emprego na vida pessoal do recorrente (alegadamente revelada no desenvolvimento da personalidade, no ganho da experiência da vida, na satisfação pessoal, na expansão do círculo social e na realização do valor próprio e do valor social), tudo não passa de mera invocação vaga e genérica, sem nenhuma indicação nem demonstração concreta passível de revelar a existência de um verdadeiro dano ou prejuízo decorrente da execução do acto.
O mesmo se pode dizer em relação à afirmação feita pelo recorrente respeitante à quebra das relações pessoais, não sendo bastante invocar as influências negativas a produzir no desenvolvimento dessas relações nem alegar a sua natureza pessoal para que se considere de difícil reparação o eventual prejuízo, para além de o recorrente não lograr especificar nem provar quais são essas relações e se é aprofundada essa amizade que desempenhe um papel muito importante na sua vida, havendo ainda de reparar a qualidade do recorrente, que é oriundo do Interior da China e trabalhador não residente em Macau.
Entende ainda o recorrente que os factos concernentes à existência das relações pessoais bem como a quebra dessas relações com a sua saída podem ser percebidos e dados como provados pelo tribunal, sem necessidade de alegação, por se tratarem dos factos notórios nos termos do art.º 434.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Ora, se é do conhecimento geral que normalmente as relações pessoais se estabelecem e desenvolvem com a vida num determinado local e à volta dela, certo é que, sem a alegação nem a prova por parte da pessoa interessada, fica fora do conhecimento do tribunal tanto o largamento como a profundidade dessas relações.
E para efeito da apreciação da questão colocada no presente recurso, é indispensável alegar e provar factos concretos que revelam o largamento e a profundidade das relações pessoais, ónus este que cabe ao recorrente, para permitir o tribunal fazer a devida avaliação sobre a existência de um verdadeiro prejuízo a provocar pela execução do acto e se tal prejuízo é de difícil reparação, consoante se atingir um grau de intensidade ou gravidade que o torne merecedor de tutela jurídica.
Admitindo-se embora que a execução do acto administrativo implica necessariamente mudança e inconveniência na vida profissional e pessoal do recorrente, tais como a provável dificuldade em encontrar-se ou fazer festa com amigos de Macau, o que importa é, no entanto, formular o juízo de prognose relativo a dano provável, qualificado de difícil reparação, tendo em conta os elementos carreados aos autos para apreciação.
Acrescentando, não se vê como a inconveniência, até a dificuldade, em juntar-se com amigos implica necessária e inevitavelmente a quebra das relações pessoais já constituídas, face à facilidade de comunicação oferecida pela tecnologia actualmente muito desenvolvida, que é do conhecimento geral de toda a gente.
Nos presentes autos, afigura-se-nos que o recorrente não logrou provar que a execução do acto causaria previsivelmente prejuízo de difícil reparação para si ou para os interesses que ele defenda ou venha a defender no recurso, daí que deve ser indeferido o pedido de suspensão de eficácia, por não estar verificado o requisito necessário previsto na al. a) do n.º 1 do art .º 120.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.

4. Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 4 UC.
  
  Macau, 26 de Novembro de 2014
  
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho
  
  
1 Ac. do TUI, de 25-4-2001 e de 10-7-2013, Proc. nº 6/2001 e 37/2013.
2 José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 3ª ed., Almedina, Coimbra, p. 176 e 177.
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