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Processo nº 355/2014
(Autos de recurso civil)

Data: 6/Novembro/2014

Assunto: Marcas
Cartas de jogar
Imitação

SUMÁRIO
- Segundo o artigo 215º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, a marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente, a marca registada tiver prioridade, sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins, e tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
- Sendo as marcas em conflito ambas figurativas e sem reivindicação de cores, embora nelas se verifiquem algumas diferenças, mas o que se releva é a marca na sua unidade, é a forma como ela se apresenta ao público consumidor, que não faz naturalmente essa análise minuciosa, antes é levado a olhar para ela e dela colher a sua impressão primeira e geral.
- Se olharmos, com a visão do jogador normal, para as marcas em confronto, facilmente detectamos que a marca registanda utiliza na sua construção o mesmo tipo de desenhos da marca registada, muito semelhantes, baseada no mesmo tipo de padrão e em sintonia geométrica e configurativa.
- Embora se possa admitir que não haja intenção por parte da recorrente em praticar actos de concorrência desleal, mas o mero facto de apresentação do pedido de registo da marca registanda destinada a assinalar produtos do mesmo ramo de actividade comercial da parte contrária pode configurar a possibilidade dessa concorrência, o que o artigo 9º, nº 1, alínea c) do RJPI igualmente não consente.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 355/2014
(Autos de recurso civil)

Data: 6/Novembro/2014

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Direcção dos Serviços de Economia

Parte contrária:
- B

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, sociedade com sede no Japão, melhor identificada nos autos, intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso judicial do despacho do Chefe do Departamento dos Serviços de Economia, publicado no B.O. de 20 de Março de 2013, que recusou o pedido de registo da marca N/XXXX, destinada a assinalar produtos da classe 28ª.
Devidamente notificada a entidade recorrida e citada a parte contrária B, ambas pugnaram pela improcedência do recurso.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base proferida a 13 de Janeiro de 2014, julgou improcedente o recurso mantendo a decisão de recusa do registo da marca N/XXXX.
Inconformada com a decisão, recorreu a recorrente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
A. Recorrente A é detentora, em Macau, das marcas N/XXXX, N/XXXX e N/XXXX na classe 16ª e N/XXXX, N/XXXX, N/XXXX e N/XXXX na classe 28ª.
B. Não há, ao contrário do que o Tribunal a quo julgou, nenhuma semelhança entre a marca N/XXXX e marca da B N/XXXX.
C. A marca N/51807 da B inclui um rebordo branco a toda a volta.
D. Já na marca N/XXXX da A, pelo contrário, não existe qualquer rebordo seja em branco ou em qualquer outra cor.
E. A presença, ou não, deste rebordo é muito importante para distinguir ambas as marcas, particularmente quando usado em cartas de jogar, o produto cuja protecção é reclamada e onde as Marcas podem ser incorporadas.
F. A combinação do preto e branco é completamente diferente nas duas.
G. Enquanto na marca da A N/XXXX encontramos a impressão de linhas de cor preta que forma quadrados brancos.
H. Na da B N/XXXX encontramos linhas brancas que forma losangos de cor preta.
I. Na marca da A N/XXXX as linhas pretas cruzam-se, perpendicularmente, formando ângulos de 90º, formando quadrados, enquanto na marca da B N/XXXX o desenho formado por pequenos traços cruza-se em diagonal ao formato da carta, sendo os ângulos formados pelas linhas muito mais agudos, formando losangos, criando uma geometria completamente diferente.
J. Os detalhes do desenho também são diferentes, enquanto a marca da B, N/XXXX, no seu desenho usa o mesmo tipo de pequenos traços descontinuados, na marca N/XXXX o desenho é alternado por diferente tipo de linhas que atravessam todo o desenho.
K. Enquanto na marca da B N/XXXX os losangos de cor preta encontram-se separados por pequenos traços que sugerem linhas brancas, da mesma espessura, que vão na direcção de cada canto até ao seu oposto do rectângulo formado, criando a aparência de losangos de cor preta.
L. Na marca da A N/XXXX um conjunto de quatro quadrados pequenos de cor branco são separados por duas linhas pretas fininhas, sendo cada conjunto de quatro quadrados (não losangos) separados dos restantes por uma linha grossa de cor preta.
M. O critério para apurar se há ou não imitação ou distinção tem que ser mais restrito do que aquele que poderia ser usado para marcas que identifiquem outros produtos.
N. Sob pena de se considerar que os versos de todas as centenas de baralhos de cartas de jogar tradicionais dos diferentes fabricantes são confundíveis, não podendo haver mais nenhum novo desenho para o verso das cartas de jogar.
O. Há ainda a sublinhar que lendo a sentença do Tribunal a quo, comparando as imagens das marcas em confronto, nessa sentença, reduzidas a 21mm x 30mm, todos os desenhos são iguais.
P. Mas ao compararmos as cartas que incorporam as respectivas marcas, vemos que não há qualquer semelhança entre a marca N/XXXX e a marca N/XXXX.
Q. Razão, certamente, que não obstou ao registo da marca N/XXXX, tanto no Japão, como na R.P. da China.
R. Em termos genéricos, o verso de qualquer carta de jogar não tem as mesmas características de distinção comparativamente com as figuras das marcas, pelo que quando verificamos a distintividade do desenho do verso da carta, temos que considerar os detalhes como o comprimento e largura das linhas e ainda a amplitude dos ângulos.
S. Assim, havendo diferentes comprimentos, larguras e ângulos entre os dois desenhos, a marca N/XXXX não pode proteger outro desenho geométrico diferente, o da marca da A N/XXXX.
T. Uma vez que há variadíssimas marcas registadas anteriores à N/XXXX, isto quer dizer que esta marca da B não se confunde com aquelas sendo o seu escopo de protecção, obrigatoriamente, mais restrito.
U. In casu a cobertura da protecção pela marca N/XXXX, tem que ser limitada à sua cópia fiel, e quando muito ao seu negativo, sendo claro que esta marca não se pode confundir com a marca N/XXXX.
V. As que as marcas N/XXXX e N/XXXX são distintas por quatro razões:
- As duas marcas têm uma combinação das cores branca e preta completamente diferente;
- As duas marcas são diferentes em cada e em todos os elementos individuais que compõem o desenho;
- As duas marcas são diferentes nos ângulos e nas “linhas”, sendo que os ângulos fazem toda a diferença na apreciação do desenho como um todo;
- A N/XXX consiste em dois tipos de linhas, nomeadamente linhas individuais e linhas finas duplas que se cruzam umas nas outras, enquanto a N/XXXX consiste num único tipo de linha. Esta é uma distinção adicional em relação à marca registada da A, a N/XXXX, que consiste num único tipo de linha.
W. Sendo que as marcas N/XXXX, da A e N/XXXX da B têm coexistido há vários anos sem qualquer risco de confusão, não só em Macau, como noutros países, como os E.U.A., o que nos faz concluir que o risco de confusão entre a N/XXXX e a N/XXXX é inexistente, não havendo qualquer concorrência desleal.
X. A A, como supra se referiu, é titular de marcas semelhantes tanto na classe 16ª (N/XXXX), como na classe 28ª (N/XXXX), mas para produtos idênticos: “cartas”, na realidade, no passado todos os pedidos de registo para cartas de jogar eram registados na classe 16ª.
Y. Mais, a A requereu o registo da marca N/XXXX em 28/07/2003, sendo o direito registado em 07/07/2004, e da marca N/XXXX requereu o registo em 17/01/2011, sendo o seu direito registado em 24/04/2011, muitos antes da B.
Z. Pelo que a marca que agora se pretende registar não é mais do que uma evolução do desenho da A já registado em 2004, não havendo qualquer lugar a concorrência desleal.
AA. A marca destina-se a cartas de jogar, mais precisamente, a serem usadas em equipamentos para jogos nos casinos, nomeadamente, distribuidores electrónicos e de segurança para cartas de jogar.
BB. Uma vez que a A possui em Macau uma quota de mercado superior a 90% do consumo de cartas de jogar nos casinos locais, não há qualquer possibilidade de algum consumidor confundir a N/XXXX e a N/XXXX.
CC. O pedido de registo não é causa de nenhuma concorrência desleal porque esta marca não é associada pelos consumidores a nenhuma das cartas de jogar dos concorrentes da A.
DD. Mesmo que se considere que a B seja detentora do registo válido da marca N/XXXX, este registo por si só não basta, é necessário provar que a B usa esta marca em Macau e que a mesma é confundível com a N/XXXX.
EE. Sendo a B uma distribuidora residual de cartas de jogar, desconhecemos a comercialização de cartas de jogar que incorporem a marca N/XXXX pela B.
FF. Não havendo, também por isso, qualquer susceptibilidade de erro ou confusão no mercado bem como a possibilidade de ocorrência de actos de concorrência desleal por parte da A.
GG. A A não se quer ver confundida com a B, nem dela precisa, para nada.
HH. A A não tem qualquer interesse em se apropriar nem do sucesso nem da fama que a concorrente alega ter.
II. Embora a B tivesse ensaiado o que parece se a existência de Marca notória em Macau, não tem razão, quanto às alegadas marcas confundíveis.
JJ. Acabando por nem sequer alegar o uso da marca N/XXXX, em Macau, pela B, caindo, assim, pela base a sua alegação.
KK. Não se encontram assim verificados os requisitos legais a que se refere o Regime Jurídico da Propriedade Industrial (DL 97/99/M) ou a Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, isto é, ainda que se alegue a existência de marca notória, não há qualquer uso da marca da oponente em Macau aplicado a serviço idêntico ou semelhante que com a marca registando possam confundir-se.
LL. É a A, ora Recorrente, que goza de prioridade na apresentação do seu pedido de registo para a marca registanda.
MM. A A, ora Recorrente é titular da Marca N/XXXX desde 07/07/2004, na classe 16ª e da marca N/XXXX desde 24/04/2011, na classe 28ª, muito anterior a 06/12/2011, data em que a Reclamante terá, alegadamente requerido o pedido da marca N/XXXX.
NN. Pelo que a marca N/XXXX não goza de nenhuma prioridade, ao contrário do decidido.
OO. O Tribunal a quo violou os arts. 9º, n.º 1, 15º, n.º 1, 213º, 214º, n.º 1, al. a), n.º 2, al. b) e 215º, todos do R.J.P.I.
*
A entidade recorrida respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
Considera que a marca da Recorrente preenche os requisitos de reprodução ou imitação com a marca registada N/XXXX da B, o mesmo vai ser induzido o consumidor em erro ou confusão, por isso, se encontra um desvio de clientela, existindo, em consequência, um acto de concorrência desleal, mesmo não intencional.
Pelo exposto, não deverá ser dado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença do Tribunal a quo, que confirmou o despacho de recusa que a Entidade Recorrente proferiu ao considerar que a marca da Recorrente preencheu o requisito de imitação ou reprodução com a marca registada N/XXXX, verificando um desvio de clientela, existindo, assim, um acto de concorrência desleal, ao abrigo da al. c) do n.º 1 do artigo 9º e da alínea b) do n.º 2 do artº 214, conjugado com o artº 215º, n.º 1, todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 93/99/M, de 13 de Dezembro.
*
Por sua vez, a parte contrária respondeu também ao recurso, tendo formulado as conclusões que seguem:
a) A Recorrida é mundialmente conhecida pela produção e comercialização de baralhos de cartas e outros produtos no ramo do jogo, incluindo em Macau.
b) A Recorrida é titular de várias marca em Macau, interessando para o caso em apreço focar a atenção na marca número N/XXXX que se encontra registada seu favor desde o dia 9 de Fevereiro de 2011, na classe 28, e não de 6 de Dezembro de 2011 como a Recorrente menciona.
c) Não há dúvida de que é a marca da Recorrida que goza de prioridade registal em relação ao pedido de registo de marca da Recorrente.
d) Todas as marcas da Recorrida são anteriores às marcas da Recorrente.
e) Por outro lado, as marcas anteriores da Recorrente, como já se referiu não apresentam o mesmo grau de semelhança com essas marcas, o que aliás nos parece unânime, mas que nem releva para o presente caso.
f) Não é verosímil que a marca registando vá ser usada apenas para assinalar equipamentos para jogos de casino, nomeadamente distribuidores electrónicos e de segurança para cartas de jogar, o que só por si constitui um fundamento de recusa de concessão de marca, pois estamos perante produtos afins.
g) A imagem correspondente à marca registanda serve unicamente para assinalar cartas de jogar (aliás, é uma carta de jogar) e não se vislumbra que vá ser usada para equipamentos ou distribuidores electrónico.
h) A Recorrente quer registar a marca para assinalar cartas de jogar uma vez que a sua imagem adapta-se perfeitamente ao verso de uma carta de jogar.
i) A Reclamante discorda por completo com a Recorrente e impugna expressamente a sua posição ora por esta defendida.
j) Ambas as marcas são figurativas e estão registadas sem reivindicação de cores, a preto e branco, portanto.
k) Discorda-se em absoluto com a descrição que a Recorrente faz da imagem de cada uma das imagens das marcas em causa.
l) Porquanto é evidente que as marcas em conflito não sendo idênticas, são muito semelhantes, por serem constituídas pelos mesmos desenhos e linhas rectas.
m) O facto de a marca da Recorrente não conter um rebordo branco, não tem qualquer relevância, na medida em que a parte principal da marca da Recorrida é precisamente a que está dentro desse rebordo, a qual coincide com a imagem para a qual a Recorrente solicita registo.
n) O rebordo branco ou moldura branca que faz parte da marca da Recorrida é apenas a zona delimitadora da parte principal da marca e não constitui um elemento diferenciador entre as duas marcas.
o) À semelhança da marca da Recorrida, o padrão da marca registanda é composto por um quadrado, no qual se encontram inseridos outros quadrados, sendo o quadrado ao centro de cor branca.
p) A marca da Recorrida é também composta por vários quadrados de cor preta dispostos na diagonal.
q) Tais quadrados, que compõem toda a parte superior de uma carta encontram-se em todos os seus lados separados por uma fina linha branca.
r) Os quadrados que constituem o padrão da marca registanda e da marca registada são ambos de tamanho muito pequeno.
s) A semelhança entre a marca da Recorrida e a marca registanda é flagrante (adjectivo aliás utilizado pela DSE no seu despacho de recusa), pois aos olhos do consumidor médio (e não do consumidor especializado) os quadrados de cor muito pequena separados pela linha branca parecem exactamente os mesmos.
t) As imagens de ambas as cartas de jogar são infalivelmente muito semelhantes: os quadrados de cor preta que compõem a imagem são igual, bem como a disposição entre si, isto é, a sua posição (apoiados no seu vértice) é sempre igual e estão separados por uma linha branca que corre na diagonal.
u) A Recorrente refere que a marca da Recorrida é constituída por losangos e que, ao contrário, a marca registanda é composta por quadrados e que se cruzam perpendicularmente.
v) No entanto e de acordo com o explanado no ponto 45 do despacho de recusa de DSE, para o qual expressamente se remete, entende-se que as ambas as marcas “são cruzadas em forma diagonal, formando também losangos, apenas os losangos da carta de jogar da Reclamante são de cor preta e a Requerente são de cor branca, por isso, ambas as marcas são consideradas que sejam compostas por vários quadrados, uma de cor preta e outra de cor branca e dispostos de uma forma diagonal, encontram-se em todos os seus lados separados por uma linha, uma mais fina de cor branca e outra mais grossa de cor preta.”
w) Ora, as figuras geométricas/desenhos de ambas as marcas tanto podem ser classificados de losangos ou quadrados, indiferenciadamente e sem qualquer relevância para o caso, não sendo defensável a posição da Recorrente que entende que cada uma das marcas utiliza desenhos completamente distintos.
x) Não obstante a existência de diferenças entre ambas as marcas, elas não são suficientes para argumentar a dissemelhança entre as mesmas e, mais importante que tudo, a marca não cumprirá com a sua função primordial que é a distinguir a origem empresarial dos produtos.
y) As diferenças apontadas pela Recorrente não constituem, definitivamente, um elemento de diferenciação relativamente à marca da Recorrida.
z) Contrariamente ao que alega a Recorrente é, pois, através dos olhos de um consumidor médio, medianamente atento, que se deve proceder à comparação das marcas.
aa) A mais elevada doutrina e jurisprudência entendem que a imitação deve ser apreciada sob uma perspectiva geral e visão de conjunto.
bb) Afirmar que não existe nenhuma semelhança entre a marca registanda e a marca registada da Reclamante é completamente ilusório e vai contra os princípios básicos que regem a protecção legal da propriedade industrial.
cc) A Recorrente alega que o critério para apurar se existe ou não imitação tem de ser mais restrito no caso das cartas de jogar, com o que não se pode concordar.
dd) Ao contrário do que a Recorrente faz crer, não existe risco de se esgotar a criação de versos de cartas de jogar.
ee) Porquanto os versos das cartas de jogar novos sejam suficientemente diferentes dos já registados.
ff) No caso concreto, as diferenças são tão pobres que não são suficientes para argumentar a dissemelhança entre as marcas.
gg) O facto de existirem vários padrões, em todo o mundo, para cartas de jogar que seguem a mesma linha de representação figurativa no verso, não significa que a possam coexistir no mercado marcas de cartas de jogar confundíveis entre si, pois o objectivo do direito da propriedade industrial é, precisamente, o de combater a confundibilidade entre marcas e consequentemente promover a diferenciação da origem empresarial de um determinado produto.
hh) Restringir o critério pelo qual se afere se existe ou não imitação entre marcas no que diz respeito a cartas de jogar conduziria ao estrangulamento do âmbito de protecção dos direitos que são conferidos pelo registo de uma marca, mesmo no caso das cartas de jogar.
ii) Enquanto marcas, os desenhos dos versos de cartas de jogar apenas podem ser registados na medida em que respeitem as regras de direito da propriedade industrial.
jj) Os versos de todas as centenas de baralhos de cartas de jogar tradicionais podem ser parecidos, mas não podem ser ao ponto de serem confundíveis de forma a perverter o sistema de protecção da propriedade industrial em violação dos direitos de exclusivo.
kk) Para decidir, o douto Tribunal a quo teve oportunidade de aceder à análise detalhada das marcas levada a cabo pela DSE e, obviamente teve acesso às imagens das marcas facultadas pela Recorrente nas suas peças.
ll) O tamanho utilizado nas imagens das marcas constantes do relatório da DSE se justifica apenas por uma questão prática e de estilo.
mm) O douto Tribunal a quo procedeu ao exame comparativo entre as marcas de forma correcta, confrontando-as e tendo em vista a posição do consumidor médio.
nn) Em Macau vigora o princípio da territorialidade do registo da marca – pelo que o registo de marca noutras jurisdições não conferem quaisquer direitos em Macau.
oo) A Recorrente alega que a marca registanda guarda mais semelhanças com as marcas já registada da Recorrente do que com a marca da Recorrida.
pp) Não se concorda esta constatação, pois o desenho que compõe a marca registanda é diferente do das marcas anteriormente registadas pela Recorrente (N/XXXX, N/XXXX, N/XXXX, N/XXXX, N/XXXX, N/XXXX e N/XXXX), que até ao momento utilizava linhas e desenhos curvos, e não rectos, na separação dos quadrados que compõem as cartas de jogar, como acontece com a marca que apresenta agora a registo.
qq) A comparação das marcas que a Recorrente faz nos autos (referência a “longe” e a “perto”) além de não ser perceptível, não nos parece ser a visão a adoptar nesta sede: como já se mencionou, o juízo comparativo da semelhança entre marcas deve recair sob o conjunto e a globalidade das marcas e não numa análise pormenorizada.
rr) Até se pode reconhecer que a marca registanda vem no seguimento de marcas anteriores da Recorrente, contudo trata-se de uma marca mais semelhante com a marca da Recorrida e não apenas uma “evolução” das suas marcas anteriores.
ss) Ao imitar uma marca anteriormente registada a Recorrente aproveita-se da reputação da Recorrida que foi construída com grande esforço e dedicação ao longo de vários anos.
tt) A reacção da Recorrida ao pedido de registo da marca da Recorrente não é um capricho como a Recorrente deixa transparecer, mas sim do exercício do direito ao exclusivo sob marcas de que é titular em Macau.
uu) A Recorrida desconhece que a Recorrente possua uma quota de mercado de mais de 90% das cartas de jogar e nem esta logrou provar tal facto.
vv) A Recorrida é uma das empresas mais conhecidas, a nível mundial, pelas suas cartas de jogar, incluindo no território de Macau, cujo registo mais antigo remonta a 1993.
ww) Existe um risco claro de confusão entre as marcas em conflito.
xx) Note-se que não é necessário que a marca da Recorrida seja considerada notória, pois no caso sub judice trata-se da imitação de uma marca anteriormente registada e com forte presença em Macau.
yy) Pelo que, se a Recorrente iniciar a sua actividade comercial em Macau usando a marca para assinalar cartas de jogar, os consumidores confundirão ambas as marcas, ou, no mínimo, serão levados a pensar que existe um qualquer vínculo comercial entre as empresas, o que é falso.
zz) Embora se possa admitir que não haja intenção por parte da Recorrente em praticar actos de concorrência desleal, existe sem dúvida, a forte possibilidade de a mesma se verificar.
aaa) Se a Recorrente iniciar a sua actividade comercial em Macau usando a marca para assinalar cartas de jogar, os consumidores poderão confundir ambas as marcas, ou, no mínimo, ser levados a fazer uma associação entre as marcas.
bbb) Aceitar a convivência no mercado de duas marcas tão semelhantes é negar a estrutura base do regime jurídico da propriedade industrial, assente na defesa da inovação, produtividade e concorrência saudável.
ccc) As marcas constituem sinais distintivos usados para assinalar, identificar e distinguir, de forma única, determinados produtos e serviços de outros afins, semelhantes ou idênticos, de origem diversa – conceder registo a uma marca como a da Recorrente é atentar contra as funções essenciais da marca.
ddd) A decisão do douto Tribunal a quo objecto do presente recurso, como se demonstrou ex abundanti, faz uma correcta interpretação e aplicação dos artigos 9º, n.º 1, c) e 214º, n.º 2, b), conjugado com o art. 215º, n.º 1, todos do RJPI.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
- A ora Recorrente requereu, em 6 de Dezembro de 2011, o registo de marca para cartas de jogar, equipamentos para jogos de casino, junto da Direcção dos Serviços de Economia, registo esse com o N/XXXX, e que consiste no seguinte:

- O referido pedido foi feito para a classe 28: “cartas de jogar, equipamento para jogos de casinos, nomeadamente distribuidores electrónicos e de segurança para cartas de jogar”.
- A DSE recusou o registo da referida marca com fundamento na circunstância de se ter entendido que a mesma não tem eficácia distintiva em relação a uma marca já registada em nome da reclamante B, com o N/XXXX, e materializada no seguinte:

- (…) e por preencher os requisitos de reprodução ou imitação da marca registada da reclamante, sendo, por conseguinte, susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão, potenciando o desvio de clientela e, por consequência, consubstanciando um acto de concorrência desleal (…..), tudo ao abrigo do artº214º nº2 al.b), 214º nº1 al.a) e artº9 nº1 alc), todos do RJPI.
- A decisão de recusa foi publicada no BO nº 12, de 20 de Março de 2013.
- A marca N/XXXX está registada para a classe 28:“cartas de jogar, equipamento para jogos de casinos, nomeadamente distribuidores electrónicos e de segurança para cartas de jogar”.
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No presente caso, a recorrente apresentou em 6 de Dezembro de 2011 pedido de registo da marca N/XXXX destinada a assinalar produtos da classe 28ª.
A 2 de Julho de 2012, a parte contrária apresentou reclamação contra o pedido de registo da marca formulado pela recorrente, alegando que o registo pretendido por esta causava confusão com a sua marca devidamente registada desde 9.2.2011, também destinada a assinalar produtos da classe 28ª.
Arrumada a matéria de facto, vejamos agora o mérito do recurso.
A questão que se coloca in casu é saber se a sentença que julgou improcedente o recurso e manteve a decisão administrativa de recusa do pedido de registo da marca N/XXXX, para assinalação de produtos da classe 28ª, está correcta.
Preceitua o artigo 214º, nº 2, alínea b) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (doravante designado por RJPI) que “o pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada”.
Por sua vez, refere o artigo 215º do mesmo diploma legal que “a marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente, a marca registada tiver prioridade, sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins, e tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto” – sublinhado nosso.
Como é sabido, no que à questão da prioridade concerne, dispõe o artigo 15º, nº 1 do RJPI que “salvo os casos previstos no presente diploma, o direito de propriedade industrial é concedido àquele que primeiro apresentar regularmente o pedido acompanhado de todos os documentos exigíveis para o efeito”.
Da análise dos factos verifica-se que à data em que foi apresentado o pedido de registo da marca N/XXXX pela recorrente, já se encontrava registada a marca N/XXXX da parte contrária destinada a assinalar produtos da classe 28ª, pelo que esta última goza de prioridade em relação à marca registanda, para efeitos do disposto no artigo 214º, nº 2, alínea b) e 215º, nº 1, alínea a) do RJPI.
Ademais, também não há dúvidas que tanto a marca registada como a marca registanda se destinam a assinalar produtos da classe 28ª, mais precisamente, cartas de jogar.
E quanto à questão de saber se há semelhança gráfica e figurativa entre as duas marcas, a registada e a registanda, seguimos de perto o Acórdão deste TSI, no Processo 842/2012, de 25.4.2013, em que se referiu que “para haver imitação, a marca deve ter semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra registada que induza em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame ou confronto. Isto é assim, face àquilo que a marca representa no mercado: a função de garantia de qualidade não enganosa, visando associar um produto ou serviço a determinado produtor ou prestador de serviço e evitar no consumidor o erro e a confundibilidade de origem e proveniência. Ou seja, o que releva é a semelhança que resulte do conjunto de elementos das marcas em causa e não as dissemelhanças entre elementos de cada uma vistos isoladamente ou em separado. O valor da marca deve ser analisado, em suma, no seu tudo holístico, na reunião das suas partes, e não isoladamente e dissecada elemento a elemento, até porque nesse grupo pode haver partes que necessariamente não são apropriáveis pela marca registada relativamente a um registo posterior”.
Como observa o Professor Luís M. Couto Gonçalves, no processo de comparação, temos que “apreciar as marcas no seu conjunto só se devendo recorrer à dissecação analítica por justificada necessidade, v.g. no caso de não resultar dessa visão unitária um resultado claro”1.
Na avaliação da confundibilidade entre as duas marcas, deve atender-se à opinião de um homem médio, de diligência normal, colocado na posição de um consumidor médio.
É evidente que as marcas em conflito, sendo ambas figurativas e sem reivindicação de cores, nelas existem algumas diferenças, nomeadamente a marca registada da parte contrária existe um rebordo branco a toda a volta, mas não o existe na marca registanda; ambas as marcas são compostas por losangos, mas não exactamente iguais, enquanto a marca registada é formada por vários losangos de tamanho pequeno e de cor preta, os quais encontram-se separados por linha branca, certo é que a marca registanda também é composta por vários losangos, nos quais se encontram inseridos outros losangos de tamanho mais pequeno, de cor branca e separados por linha branca e preta.
Como se refere no Acórdão deste TSI, no Processo 226/2014, “o que conta é a marca na sua unidade, é a forma como ela se apresenta ao público-alvo, que não faz naturalmente essa análise minuciosa, antes é levado a olhar para ela e dela colher a sua impressão primeira e geral.”
Também se julgou noutro Acórdão deste TSI, no Processo 436/2011, “Realça-se um critério que tem sido na Jurisprudência Comparada e se traduz o que releva num juízo comparativo é precisamente a semelhança que ressalta do conjunto de todos os elementos constitutivos da marca. É da globalidade da sua composição que se há-de aferir dessa semelhança ou dissemelhança. (…) Não obstante as diferenças evidenciadas sob as diversas perspectivas sensoriais, seja ao nível do visual, seja ao nível do auditivo, o que releva, como se viu é a percepção global, aquela que fica.”
No fundo, é este o sentido da sentença recorrida, nela se destacando, em especial, a seguinte afirmação, com a qual concordamos inteiramente: “Se olharmos, com a visão do jogador normal, para as marcas em confronto, para o conteúdo essencial das marcas, ou seja, o que de estrutural as constitui, facilmente detectamos que a marca registanda utiliza na sua construção o mesmo tipo de desenhos da marca registada, muito semelhantes, baseada no mesmo tipo de padrão e em sintonia geométrica e configurativa. A forma de representação é, com efeito, deveras similar. Com alguns pormenores diferenciadores (mais quadrados, mais losangos, ambas cruzadas em forma diagonal formando losangos, mais linha menos linha, mais rebordo menos rebordo), é certo, mas basicamente em sintonia no seu conjunto com a marca N/XXXX.”
Nesta conformidade, uma vez que o registo da marca registanda pode induzir o consumidor em erro ou confusão, ou compreender um risco de associação com a marca da recorrente, assim se têm por verificados os requisitos previstos na alínea b) do nº 2 do artigo 214º e 215º do RJPI, devendo, por isso, ser recusado o registo da marca registanda.
Acresce ainda o facto de haver indícios de que a eventual concessão de registo da marca registanda pode constituir igualmente um acto de concorrência desleal.
Dispõem os artigos 158º e 159º do Código Comercial que “constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos da actividade económica”, e “desleal todo o acto que seja idóneo a criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes”.
No caso vertente, embora não se vislumbre ser essa a intenção da recorrente, mas o mero facto de apresentação do pedido de registo da marca registanda destinada a assinalar produtos do mesmo ramo de actividade comercial da parte contrária pode configurar a possibilidade de concorrência desleal, o que o artigo 9º, nº 1, alínea c) do RJPI igualmente não consente.
Por tudo o que se disse, andou bem o Tribunal a quo ao manter a decisão da Direcção dos Serviços de Economia que recusou o registo da marca N/XXXX.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente A, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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Macau, 6 de Novembro de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
(Votei apenas a decisão, mas não com fundamento na verificação de qualquer das situações previstas no artº 214º/1-b) do RJPI.
Mas por a “marca registanda” se tratar em si de um aspecto ornamental e estético do produto, e como tal não pode ser considerada independente do próprio produto e extrínseca à própria estrutura do produto, dado que sem ela o produto não se mostra completo pelo menos sob ponto de vista estético.
Talvez tais desenhos sejam capazes de desempenhar a função distintiva do produto na actividade económica da recorrente, contudo as mesmas são apenas elementos que, com um escopo estético, entram na composição do produto, o que impossibilita a sua protecção através do instituto de marca.
Portanto deve ser recusado o pedido de registo.)
João A. G. Gil de Oliveira


1 Luís M. Couto Gonçalves, in Manual de Direito Industrial, Almedina, página 233
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Processo 355/2014 Página 26