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Processo n.º 120/2014. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrentes: A e B.
Recorrida: C.
Assunto: Patente. Máquina de jogo de fortuna e azar. Procedimentos cautelares. Existência do direito. Alegação dos factos. Causa de pedir.
Data do Acórdão: 16 de Dezembro de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.

SUMÁRIO
I - A causa de pedir de uma providência cautelar, que visa impedir a utilização de máquina de jogo de fortuna e azar em exposição, com fundamento em violação de patente, no que ao requisito da alegação do direito do requerente concerne, supõe a alegação de três grupos de factos atinentes à:
1 - Caracterização da patente do requerente;
2 - Caracterização da máquina que supostamente infringe a patente;
3 - Descrição das características técnicas específicas da máquina supostamente violadora da patente, em que há infracção da patente.
II – A circunstância de nos procedimentos cautelares não se exigir mais do que a prova sumária da existência do direito do requerente, não dispensa a alegação de factos de que decorre o direito.

O Relator,

Viriato Manuel Pinheiro de Lima



ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A e B requereram procedimento cautelar comum contra C, tendo o Tribunal Judicial de Base decretado:
a) Seja a requerida, que participa nos dias 15 e 16 de Novembro de 2013 na exposição MGS que tem lugar no Centro de Convenções e Exposições do [Hotel (1)], impedida e inibida da prática de quaisquer actos em violação da Patente I/380 e, bem assim, dos direitos conferidos pela mesma às requerentes, até que a acção principal já intentada transite em julgado, nomeadamente seja ordenada a proibição da exposição na referida MGS de equipamento e material de jogo violador da Patente I/380;
b) Comunique a presente decisão à principal entidade organizadora da exposição MGS – a Macau Gaming Equipment Manufactures Association – nos termos requeridos;
c) Oficie aos Serviços de Alfândega da RAEM para estarem presentes nos dias 15 a 16 de Novembro de 2013 na exposição MGS e levarem a cabo o cumprimento da decisão do Tribunal, se necessário coadjuvados pelo perito designado pelas requerentes.
Em recurso interposto por C, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 17 de Julho de 2014, revogou a sentença, indeferindo a providência requerida, com fundamento em que dos factos não resulta a violação da patente em causa, visto que as alegações das requerentes no requerimento inicial do procedimento cautelar, dadas como provadas pela sentença, são meramente conclusivas e, por isso, irrelevantes.
Recorrem agora para este Tribunal de Última Instância (TUI) A e B, suscitando seguintes questões e/ou argumentos:
- O decretamento de uma providência cautelar basta-se com uma summaria cognitio e a urgência do processo não se compadece com a demora de uma prova exaustiva.
- Não cabe em sede de procedimento cautelar a alegação e prova exaustivas conducentes à declaração de violação da Patente em causa nos presentes autos.
- A descrição e as reivindicações da Patente I/380 foram alegadas nos artigos 2.º e 3.º do Requerimento Inicial, encontrando-se o texto integral da Patente I/380 junto aos autos.
- Caso o Tribunal a quo entendesse faltar algum elemento que considerasse necessário ao julgamento do recurso, deveria requisitá-lo ao abrigo do n.º 3 do artigo 615.º, por forma a cumprir cabalmente o dever de administrar justiça a que se refere o n.º 1 do artigo 106.º, por imperativo do princípio do inquisitório plasmado no n.º 3 do artigo 6.º, todos do CPC.
- Do Documento n.º 14 junto ao Requerimento Inicial e referido no artigo 13.º desse mesmo Requerimento Inicial resulta que a máquina de jogo exibida durante a Exposição MGS, embora com um novo nome comercial - SHFL Fusion Hybrid - é a mesma máquina de jogo que foi exibida na Exposição G2E Asia no ano de 2012 - anteriormente denominada "Rapid" - e que foi, posteriormente, após peritagens efectuadas, selada pelos Serviços de Alfândega, pelo que o confronto destas declarações da ora Recorrida com as reivindicações da Patente I/380, em particular as reivindicações 1 e 2, é suficiente para se concluir pela possível violação da Patente I/380.

II - Os Factos
A sentença do Tribunal Judicial de Base deu como provado o seguinte:
  1. A ora 1.ª Requerente é titular da Patente de Invenção n.º I/000380, registada em Macau junto da Direcção dos Serviços de Economia com reivindicação de prioridade do seu registo nos Estados Unidos da América, conforme os doc. 4, 5 e 6 dos autos de Procedimento Cautelar que correm termos por apenso sob o número de processo CV1-12-0041-CAO-A, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
  2. A Patente I/380, que tem como título/epígrafe “Terminal e sistema de jogo”, consiste em:
Campo da invenção
Fornece um terminal de jogo para jogar jogos que compreende uma rede de terminais ligada a diferentes mesas de jogo, sendo que cada terminal abrange um dispositivo de troca entre os múltiplos jogos. Um jogador que esteja num terminal pode alterar para diferentes mesas de jogo e ao mesmo tempo apostar nos diferentes jogos. Tais jogos podem ser jogos da mesma espécie ou de diferentes espécies.
Em algumas concretizações, o terminal de jogo pode servir de uma plataforma para fazer apostas em vários jogos, como bacará, roleta, jogos de dados, bem como jogos de mesa de casino comuns que são jogados em cima da mesa, os quais ligam aos jogos, servidores de pagamento e terminais de jogo através da intranet. Em algumas concretizações, os jogos de roleta e de dados podem ser operados automaticamente ou por distribuidor de jogo, contudo, os resultados de apostas são registados automática ou manualmente e transmitidos electronicamente para o jogo e o servidor de pagamento, de forma a permitir o processo de pagamento automático.
A presente invenção também fornece um programa de software ou um conjunto de programas de software para executar quaisquer ou todos os trâmites do método de jogo descrito. Os jogos de bacará também podem ser incorporados num dispositivo electrónico ou numa máquina de jogo. O dispositivo electrónico representativo inclui mas não se limita a computador portátil ou computador de mesa.

3. Além disso, a Patente I/380 tem as seguintes reivindicações:
1. Um sistema de jogo, que compreende um terminal de jogo para jogar jogos e uma rede de terminais ligada a diferentes mesas de jogo, sendo que cada terminal abrange um dispositivo de troca entre os múltiplos jogos, de modo a permitir a um jogador que esteja num terminal alterar para diferentes mesas de jogo e ao mesmo tempo fazer apostas nos diferentes jogos; aliás, em cima do terminal são instalados uma luz sinalizadora de mensagens, um monitor na parte de cima, um ecrã na parte de baixo para mostrar os jogos ao vivo, uma ranhura para impressão de recibos, uma ranhura para recibos, uma plataforma para colocar bebidas ou cinzeiro e um altifalante, entre os quais, a luz de sinalizadora de mensagens acima referida é uma luz LED capaz de se tornar cintilante e mudar de cores quando o jogador tiver ganho uma oportunidade de aposta. A rede acima referida abrange um dispositivo de vigilância que serve para vigiar os jogos ao vivo de cada mesa de jogo e o sistema acima referido compreende uma mesa de distribuição de cartas com um dispositivo de ecrã táctil; esta mesa de distribuição de cartas permite ao distribuidor completar o processo de distribuição de cartas e o ecrã táctil permite ao distribuidor dar indicações durante o processo de distribuição de cartas ou fornecer instruções para a distribuição de cartas.
2. No sistema de jogo, tal como descrito na reivindicação de direito 1, as mesas de jogo são escolhidas de entre as mesas de bacará, as mesas de roleta, as mesas de jogo de dados ou outras mesas de jogo comuns em casino.
3. No sistema de jogo, tal como descrito na reivindicação de direito 2, as mesas de jogo são as mesas de bacará.
4. O sistema de jogo, tal como descrito na reivindicação de direito 1 compreende um dispositivo instalado em cima de cada mesa de distribuição de cartas que permite registar os resultados de apostas automática ou manualmente e transmitir esses resultados para servidor para o cálculo dos pagamentos.
6. (sic) O sistema de jogo, tal como descrito na reivindicação de direito 1, compreende um servidor de jogo ou um servidor de pagamento.
7. No sistema de jogo, tal como descrito na reivindicação de direito 1, o dispositivo de vigilância é uma câmara de vídeo.
8. No sistema de jogo, tal como descrito na reivindicação de direito 1, o ecrã é um ecrã de texto, um ecrã de vídeo ou uma combinação de ambos.
9. Um método de jogar jogos de casino que permite apostar nos diferentes jogos ao mesmo tempo através de terminal de jogo do sistema de jogo descrito na reivindicação de direito 1.
10. No método de jogo, tal como descrito na reivindicação de direito 9, os diferentes jogos são jogos de diferentes espécies.
11. No método de jogo, tal como descrito na reivindicação de direito 9, os diferentes jogos são jogos da mesma espécie.
4. A 2ª Requerente é a entidade que detém o exclusivo para o uso, distribuição e manutenção à escala global e, por maioria de razão, na Região Administrativa Especial de Macau, do material e equipamento de jogo que utiliza a invenção objecto da Patente I/380.
5. Os direitos conferidos pela Patente I/380 têm vindo a ser objecto de possível violação, nomeadamente nas exposições de material e equipamento de jogo denominadas “G2E Asia” que têm lugar anualmente em Macau.
6. A ora 1ª Requerente instaurou o procedimento cautelar comum que correu termos sob o n.º CV3-12-0003-CPV e que se encontra agora apenso sob o n.º CV1-12-0041-CAO-A.
7. Tendo a providência requerida sido decretada em 15 de Maio de 2012, sem audição prévia das entidades aí Requeridas.
8. Em cumprimento da decisão deste Tribunal, os Serviços de Alfândega da Região Administrativa Especial de Macau (doravante “Serviços de Alfândega”) procederam, no dia 22 de Maio de 2012, à fiscalização das máquinas de jogo expostas por ora Requerida na exposição “G2E Asia”.
9. Depois de terem efectuado as devidas peritagens no local da exposição, os agentes dos Serviços de Alfândega concluíram que algumas das máquinas de jogos de fortuna ou azar expostas violavam provavelmente o exclusivo conferido pela Patente I/380, tendo procedido à sua selagem, tal como consta do Relatório dos Serviços de Alfândega junto aos autos.
10. No dia 23 de Maio de 2012, foi requerida pela ora Requerida – a prestação de caução em substituição da providência cautelar decretada, no montante de MOP1,000,001.00 (um milhão e uma patacas), tendo a Mma. Juíza aceitado a referida caução e substituído a providência cautelar decretada.
11. Posteriormente, foi intentada a acção declarativa de condenação que se encontra a correr termos sob o n.º CV1-12-0041-CAO.
12. A ora Requerida encontra-se a expor na Exposição Macau Gaming Show conforme doc. 1 a 13 a ora juntos, que aqui se dão por reproduzidos – que tem lugar nos dias 14 a 16 de Novembro, no Centro de Convenções e Exposições do [Hotel (1)], uma máquina de jogo denominada SHFL FusionHybrid.
13. Tal máquina de jogo, embora com um novo nome comercial SHFL FusionHybrid tem as mesmas funcionalidades da máquina de jogo que foi exibida na G2E Asia no ano de 2012 – anteriormente denominada “Rapid” (conforme doc. 14, que é um anúncio da C, uma sociedade da família da Requerida, em que a mesma informa que a máquina “SHFL FusionHybrid” era anteriormente denominada “Rapid”, aqui se dá por integralmente reproduzido) – e que foi, posteriormente, selada pelos Serviços de Alfândega.
14. A máquina SHFL FusionHybrid exposta pela ora Requerida, atenta possivelmente contra a Patente I/380.
15. A referida máquina exposta na MGS e que é por si comercializada viola possivelmente e potencialmente a Patente I/380.
16. Perante a violação possível nos anos anteriores pela Requerida, existe o risco sério de nova lesão dos direitos conferidos pela Patente I/380, através da exposição de equipamento e material de jogo no evento acima referido.
17. A máquina SHFL FusionHybrid é a mesma máquina anteriormente denominada Rapid que foi selada pelos Serviços de Alfândega na aludida exposição de 2012.
18. A referida máquina de jogo tem similitudes suficientes para ser descrita como produto idêntico ou equivalente à Patente I/380.
19. As Requerentes não autorizaram, permitiram ou consentiram, por qualquer forma ou meio, que a Requerida fabricasse, oferecesse, expusesse, introduzisse no comércio ou utilizasse em Macau produtos, como é o caso da máquina SHFL FusionHybrid, que aproveitem possivelmente a invenção objecto da Patente I/380.
20. É que a exposição MGS é um local privilegiado para a promoção e angariação de clientes para produtos e equipamentos de jogo, onde se divulgam as novas tendências e invenções no sector a compradores qualificados.
21. Logo, as Requerentes correm o risco, elevado, sublinhe-se, de ver a potencial clientela dos produtos que utilizam a sua patente e que são comercializados pela 2ª Requerente aderir a e vir a adquirir produtos na exposição MGS que entendem ser criados e desenvolvidos pela Requerida, quando estes são, a final, baseados na invenção objecto da Patente I/380 da 1ª Requerente, com inerente prejuízo económico para as Requerentes.
22. Mais, uma vez que a 2ª Requerente, que está autorizada pela 1ª Requerente ao uso, distribuição e manutenção da Patente I/380, vai participar na edição do corrente ano da exposição MGS, onde irá expor e comercializar material e equipamento de jogo que utiliza a invenção objecto da Patente I/380, as Requerentes são directamente afectadas, porquanto os seus produtos irão ser apreciados pelos consumidores como “apenas mais uns” do género, quando, na realidade, são os originais e os únicos que existem com aquela tecnologia patenteada na Região Administrativa Especial de Macau e nos Estados Unidos da América.
23. A imagem e reputação das Requerentes, enquanto inventora e titular da Patente I/380, no caso da 1ª Requerente, e detentora do exclusivo para o uso, distribuição e manutenção do material e equipamento de jogo que utiliza a invenção objecto da Patente I/380, no caso da 2ª Requerente, serão bastante prejudicadas, causando prejuízos grandes.
  
III – O Direito
1. A questão a resolver
Estando pendente em tribunal de 1.ª instância, proposta contra a requerida do procedimento cautelar, uma acção declarativa visando, além do mais, a proibição pela requerida de acções que visassem a violação da patente I/380 e a utilização de determinadas máquinas de jogo de fortuna e azar, vieram duas das autoras daquela acção pedir no presente procedimento cautelar que fosse a requerida impedida e inibida da prática de quaisquer actos em violação da Patente I/380 na exposição MGS que tem lugar no Centro de Convenções e Exposições do [Hotel (1)], nos dias 14 a 16 de Novembro de 2013, designadamente, a proibição da exposição na referida MGS de equipamento e material de jogo violador da Patente I/380.
O Tribunal de 1.ª Instância concedeu a providência pedida.
O acórdão recorrido revogou a sentença de 1.ª instância, indeferindo a providência requerida, com fundamento em que dos factos não resulta a violação da patente em causa, visto que as alegações das requerentes no requerimento inicial do procedimento cautelar, dadas como provadas pela sentença, são meramente conclusivas e, por isso, irrelevantes.
É a questão a apreciar.

2. Patentes de invenção
Ensina J. P. REMÉDIO MARQUES que “… o direito de patente é um direito subjectivo privado, com um conteúdo essencialmente patrimonial1, que se destina a proteger as invenções, quais ideias inventivas industriais ou criações do espírito humano plasmadas em soluções técnicas destinadas a resolver problemas técnicos através de meios técnicos”.2
Assim, as invenções podem ser objecto de protecção mediante a concessão de um título de patente (artigo 60.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, doravante RJPI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dezembro).
“Invenção é a operação intelectual de que resulta algo que aparece pela primeira vez; é uma obra de espírito que realiza uma novidade. Contrapõe-se, pois, à descoberta, que se reporta a realidades pré-existentes, ainda que desconhecidas”3.
Para que uma invenção possa ser patenteada é necessário que:
a) Seja nova;
b) Implique actividade inventiva; e
c) Seja susceptível de aplicação industrial (artigo 61.º do RJPI).
Uma invenção é considerada nova quando não está compreendida no estado da técnica.
O estado da técnica é constituído por tudo o que, dentro ou fora da Região, foi tornado acessível ao público antes da data do pedido de patente, por descrição, utilização ou qualquer outro meio (artigo 65.º, n. os 1 e 2 do RJPI).
  Como explica CARLOS OLAVO4, exige-se “para que a invenção seja patenteável, a novidade absoluta da mesma, isto é, que se trate de realidade até então desconhecida. A criação que a invenção representa deve ser objectiva, e não apenas subjectiva.
  Não é, porém, necessário que a novidade se reporte a todos os elementos da invenção; se apenas alguns dos elementos da invenção estiverem no estado da técnica, ela deve ser considerada nova”.
Por outro lado, considera-se que uma invenção implica actividade inventiva se, para um profissional do sector, não resultar de uma maneira evidente do estado da técnica (artigo 66.º do RJPI).
E considera-se que uma invenção é susceptível de aplicação industrial se o seu objecto puder ser fabricado ou utilizado em qualquer género de actividade empresarial (artigo 67.º do RJPI).
Quando se formula pedido de patente é obrigatório que o requerimento seja acompanhado de:
a) O título ou epígrafe que sintetize o objecto da invenção;
b) Descrição do objecto da invenção;
c) Reivindicações do que é considerado novo e que caracteriza a invenção (artigo 77.º do RJPI).
A descrição deve indicar, de maneira breve e clara, sem reservas nem omissões, tudo o que constitui o objecto da invenção, contendo uma explicação pormenorizada de, pelo menos, um modo de realização da invenção, de maneira que um profissional do sector a possa executar (artigo 77.º, n.º 2, do RJPI).
As reivindicações definem o objecto da protecção requerida, devendo ser claras, concisas, correctamente redigidas, basear-se na descrição e conter, quando apropriado:
a) Um preâmbulo mencionando o objecto da invenção e as características técnicas necessárias à definição dos elementos reivindicados, mas que, combinados entre si, fazem parte do estado da técnica;
b) Uma parte caracterizante, precedida da expressão «caracterizado por» e expondo as características técnicas que, em ligação com as características indicadas na alínea anterior, definem a extensão da protecção solicitada (artigo 77.º, n.º 3, do RJPI).
O âmbito da protecção conferida pela patente é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar (artigo 101.º, n.º 1, do RJPI), sendo que os direitos conferidos pela patente não podem exceder o âmbito definido pelas reivindicações (artigo 104.º, n.º 2, do RJPI).
Recorda J. P. REMÉDIO MARQUES5 que “as reivindicações efectuadas nos pedidos de patentes … são, talvez, os elementos escritos mais importantes: elas permitem não só aferir a susceptibilidade de protecção de uma invenção, mas também determinar o âmbito (tecnológico) de protecção do direito de patente adrede concedido, demarcando a linha divisória para aquém da qual o titular pode impedir que terceiros desenvolvam certas actividades com finalidades merceológicas (v.g., venda, importação, transporte, fabrico, posse, etc….)”.
É pacífico que o direito de propriedade industrial confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei (artigo 5.º do RJPI).
E a patente confere ao seu titular:
a) O direito exclusivo de explorar a invenção na Região;
b) O direito de se opor a todos os actos que constituam violação da sua patente, designadamente, impedindo a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objecto de patente, ou a importação ou posse do mesmo para algum dos fins mencionados (artigo 104.º, n.º 1, do RJPI).

3. A causa de pedir de providência visando impedir a utilização de máquina em infracção de patente
Estamos em condições de prosseguir com o caso concreto.
Qualquer providência cautelar supõe a alegação e prova da probabilidade séria da existência do direito e o receio fundado da sua lesão (artigo 332.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Concentremo-nos no primeiro requisito: probabilidade séria da existência do direito.
A providência dos autos visava impedir a utilização de máquina de jogo de fortuna e azar em exposição, com fundamento em violação de patente.
A causa de pedir de uma providência ou acção deste tipo, no que ao requisito da alegação do direito do requerente concerne, supõe a alegação de três grupos de factos atinentes à:
1 - Caracterização da patente do requerente;
2 - Caracterização da máquina que supostamente infringe a patente;
3 - Descrição das características técnicas específicas da máquina supostamente violadora da patente, em que há infracção da patente.
As requerentes cumpriram a alegações dos factos I, nos artigos 2.º e 3.º do requerimento inicial e que foram dados como provados nos factos 2 e 3 dos factos provados.
Relativamente aos factos II e III, no requerimento inicial do procedimento cautelar só encontramos as seguintes alegações:
“13.º
  Tal máquina de jogo, embora com um novo nome comercial SHFL Fusion Hybrid tem as mesmas funcionalidades da máquina de jogo que foi exibida na G2E Asia no ano de 2012 - anteriormente denominada "Rapid" (vide Documento 14, que é um anúncio da C, uma sociedade da família da Requerida, em que a mesma informa que a máquina "SHFL Fusion Hybrid" era anteriormente denominada "Rapid", aqui se dá por integralmente reproduzido e integrado para todos os efeitos legais) - e que foi, posteriormente, selada pelos Serviços de Alfândega.
14.º
  A máquina SHFL Fusion Hybrid exposta pela ora Requerida, atenta clara e directamente contra a Patente I/380.
15.º
  Considerando a postura adoptada pela ora Requerida no passado é por demais evidente que esta sabe que a referida máquina exposta na MGS e que é por si comercializada viola a Patente I/380.
16.º
  Perante a violação perpetrada nos anos anteriores pela Requerida, existe o risco sério de nova lesão dos direitos conferidos pela Patente I/380, através da exposição de equipamento e material de jogo no evento acima referido.
17.º
  A máquina SHFL Fusion Hybrid é a mesma máquina anteriormente denominada Rapid que foi selada pelos Serviços de Alfândega na aludida exposição de 2012.
18.º
  Já se encontram nos autos vários relatórios de peritos que atestam que a referida máquina de jogo tem similitudes suficientes para ser descrita como produto idêntico ou equivalente e que, por mor disso, viola a Patente I/380”.
  
  
Estas alegações – e não as designamos por factos porque na maioria não constituem factos, mas meras conclusões, como veremos – foram dadas como provadas pela sentença de 1.ª instância – coincidentemente manteve até a mesma numeração dos factos do requerimento – com excepção dos n. os 14, 15 e 16, em que na sentença não se foi além de uma probabilidade de ocorrência.
Os n. os 13 e 18 constituem factos. Dizem-nos que a nova máquina da requerida é semelhante a uma anterior, mas com novo nome. Não descrevem os factos II e III, isto é não caracterizam a máquina que supostamente infringe a patente, nem descrevem as características técnicas específicas da máquina supostamente violadora da patente, em que há infracção da patente, reportadas às reivindicações desta.
  Os n. os 14, 15 e 16 limitam-se a concluir que a máquina exposta pela requerida viola a Patente I/380. Também nada dizem quanto aos factos II e III. Estarem alegados ou não é a mesma coisa. De nada servem. Trata-se de meras conclusões de facto e de direito, que se devem considerar não escritas, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 549.º do Código de Processo Civil, reportado à decisão de facto.
  A alegação 17 conclui que a máquina dos autos é a mesma máquina anteriormente denominada Rapid que foi selada pelos Serviços de Alfândega na aludida exposição de 2012.
Como alegação de facto principal integrante da causa de pedir nada vale. Poderia valer em sede de produção de prova, como facto instrumental a utilizar pelo juiz, no âmbito da livre apreciação da prova, com vista a concluir pelos factos II e III.
Na verdade, o juiz do procedimento cautelar não está vinculado aos factos dados como provados em outro procedimento cautelar, visto que o caso julgado material não se estende aos fundamentos, como regra. E menos ainda está vinculado a aceitar como factos provados resultados de exames feitos noutro processo por qualquer entidade, por maior crédito que ela possa ter.
É certo que no procedimento cautelar não se exige uma prova completa do direito invocado, mas mera probabilidade séria da sua existência. Mas o que se exige certamente é a alegação dos factos de que decorre o direito. Sem esta alegação não é possível concluir se o direito existe.
Em suma, a providência cautelar estava condenada ao insucesso à partida, não sendo caso de falta de prova de factos mas de algo prévio: omissão do ónus de alegação dos factos integrantes da causa de pedir.
Teoricamente, o juiz podia ter convidado as requerentes a aperfeiçoar os articulados. Na prática, isso seria inviável, desde que o requerimento da providência deu entrada pelas 12:36:26 do dia 14 de Novembro de 2013, para produzir efeitos nos dias 14 a 16 de Novembro de 2013.
Já o Tribunal recorrido não tinha quaisquer poderes nesta matéria.
Em conclusão, não merece censura o acórdão recorrido na medida em que decidiu que dos factos não resulta a violação da patente em causa, visto que as alegações das requerentes no requerimento inicial do procedimento cautelar, dadas como provadas pela sentença, são meramente conclusivas e, por isso, irrelevantes.

III – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.
Macau, 16 de Dezembro de 2014.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

     1 Suprimiu-se a nota de rodapé.
     2 J. P. REMÉDIO MARQUES, Medicamentos versus Patentes, Estudos de Propriedade Industrial, Coimbra Editora, 2008, p. 377.
     3 CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, Volume I, p. 18.
     4 CARLOS OLAVO, Propriedade…, p. 19.
5 J. P. REMÉDIO MARQUES, Medicamentos…, p. 270.
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