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Processo nº 706/2010
(Arguição de nulidade)

Data: 27/Novembro/2014

Requerentes:
- Sociedade de Investimento Predial A S.A e B – Sociedade Gestora Limitada (recorridas)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Sociedade de Investimento Predial A S.A e B – Sociedade Gestora Limitada, recorridas nos autos, vêm arguir a nulidade do Acórdão de 6 de Março de 2014, o que faz nos termos e fundamentos seguintes:
C Company Limited, no seu requerimento de recurso judicial de 6 de Maio de 2005, formulou o seu pedido nos seguintes termos: “Requer que seja dado provimento ao recurso, considerando-se que o despacho aqui identificado, embora não enfermando de qualquer vício formal, foi dado intempestivamente, porque não estando ainda definitivamente decidida a questão de saber a quem pertencem as expressões marcárias “D” e “E”, todos os pedidos de marcas cuja eficácia distintiva resida nessas expressões devem ser suspensos, pois a quem fôr reconhecida a titularidade de tais expressões terá que lhe ser reconhecido o direito de proibir o uso das mesmas na composição de marcas pertencentes a terceiros, de onde decorre que, só, após, tal decisão se poderá recusar ou conceder a marca aqui em apreço: N/XXX13.”
A requerente não requereu ao Tribunal que lhe deferisse o pedido de registo de marca N/XXX13.
Ao invés, no requerimento que submeteu à apreciação do Tribunal, a Recorrente apenas requereu a suspensão do acto (despacho) que recusou o pedido de registo de marca N/XXX13.
É na petição inicial (ou, in casu, no requerimento de interposição de recurso) que o Recorrente escolhe, de entre os vários direitos conferidos pela lei substantiva, a concreta providência pretendida.
Decidindo no sentido de revogar o acto/despacho recorrido (da Direcção dos Serviços de Economia) e, ao mesmo tempo, determinando a procedência do pedido de registo da marca N/XXX13, crêem as Recorridas, com o devido respeito, que o Tribunal extravasa o requerido pela Recorrente; e que tal desvio não é liberdade que a natureza de “plena jurisdição” dos recursos judiciais de marca permita.
Com o devido respeito, crêem as Recorridas que tal extravaso, a confirmar-se, consubstanciará uma nulidade do Acórdão de 6 de Março de 2014, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil.
Conforme repetidamente alegado pelas Recorridas e indubitavelmente provado nos autos do presente processo, a B – SOCIEDADE GESTORA LIMITADA é titular registada da marca N/XXX61, para serviços da classe 36ª, consistindo essa marca no seguinte:


A referida marca N/XXX61 nunca foi validamente impugnada, conforme resulta da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base no âmbito do processo CV2-04-0004-CRJ, e do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 25 de Janeiro de 2007, proferido no processo nº 563/2006, que entretanto transitou em julgado.
Sendo os dizeres “MACAU D” o elemento nuclear da parte em língua inglesa da marca N/XXX61; tendo a C Company Limited invocado no processo administrativo da marca N/XXX61 o seu alegado anterior direito de prioridade internacional de registo da marca “D” para serviços da classe 36ª, decorrente de pedido de registo de marca requerido em Hong Kong em 4 de abril de 2003; e não tendo a C Company Limited impugnado a decisão administrativa da DSE de 17 de Fevereiro de 2004, de concessão da marca N/XXX61, não pode essa não impugnação deixar de ter os efeitos jurídicos da renúncia àquele alegado direito de prioridade internacional de registo da marca “D” para serviços da classe 36ª.
Não pode deixar de levar-se em consideração que a marca N/XXX61 foi concedida a 17 de Fevereiro de 2004; que essa concessão foi publicada no Boletim Oficial de Macau de 7 de Abril de 2004; e que portanto a data limite para a sua impugnação judicial nos termos do artigo 277º do Regime Jurídico da Propriedade Intelectual foi a 7 de Maio de 2004 – todas, datas bem anteriores ao despacho da DSE (de 22 de Fevereiro de 2005) que recusou o pedido de registo da marca N/XXX13 e do subsequente requerimento de recurso judicial da C Company Limited, que deu início aos presentes autos.
A partir do momento em que a aqui Recorrente podia ter impugnado mas não impugnou judicialmente o despacho de 17 de Fevereiro de 2004 de concessão da marca N/XXX61 e esta foi registada em Macau, entende as Recorridas que é juridicamente impossível a conclusão, nestes autos (onde a validade do registo da marca N/XXX61 não pode ser absolutamente posta em causa ou ser absolutamente derrogada), de que um eventual anterior direito de prioridade internacional de registo da marca “D” para serviços da classe 36ª, decorrente de um eventual idêntico pedido de registo de marca requerido em Hong Kong em 4 de Abril de 2003, importe a procedência do pedido de registo da marca N/XXX13.
A questão ora exposta foi alegada pelas Recorridas em sede devida, incluindo nos artigos 4º e 14º da resposta às alegações de recurso da Recorrente ao douto Tribunal de Segunda Instância, pelo que, salvo melhor opinião ou esclarecimento, crêem as Recorridas que, não sendo tal questão respondida estará perante uma nulidade por falta de pronúncia sobre questões que o Tribunal devesse apreciar, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil.
Conclui, pedindo a este TSI que se esclareça o Acórdão de 6 de Março de 2014 nos dois pontos acima explanados.
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Devidamente notificada, a recorrente não apresentou resposta.
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Cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTOS
São duas as questões suscitadas pelas recorridas:
- A primeira sobre o excesso de pronúncia, alegando as recorridas que, no requerimento que submeteu à apreciação do Tribunal, a recorrente C Company Limited não requereu ao Tribunal que lhe deferisse o pedido de registo de marca N/XXX13, mas apenas a suspensão do despacho que recusou o pedido de registo dessa marca. Tendo o Tribunal ad quem decidido no sentido de revogar o despacho da Direcção dos Serviços de Economia e, ao mesmo tempo, determinado a procedência do pedido de registo da marca N/XXX13, entendem as recorridas que o TSI extravasou o requerido pela recorrente.
- A segunda diz respeito à falta de pronúncia sobre questões que o TSI devesse apreciar mas não apreciou no Acórdão, designadamente, tendo-se alegado que, por despacho dos Serviços de Economia, de 17.2.2004, foi concedido o registo da marca N/XXX61 a favor da recorrida B – Sociedade Gestora Limitada, e a partir do momento em que a recorrente C Company Limited podia ter impugnado mas não impugnou judicialmente o referido despacho de 17.2.2004, entendem as recorridas que um eventual direito de prioridade internacional de registo da marca N/XXX13 (“D”) para serviços da classe 36ª, decorrente de um eventual idêntico pedido de registo de marca requerido em Hong Kong em 4 de Abril de 2003, nada vale contra o registo efectivo.
Dispõe a alínea d) do nº 1 do artigo 571º do CPC que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Vejamos se as recorridas têm razão.
Quanto à primeira questão, julgamos não lhes assistir razão.
Não temos dúvidas de que se o Tribunal apreciou questões de que não podia conhecer, acarretaria a nulidade da decisão.
Contudo, não é isto que aconteceu nos presentes autos.
Na verdade, C Company Limited interpôs junto do Tribunal Judicial de Base um recurso judicial do despacho do Chefe do Departamento dos Serviços de Economia que recusou o pedido de registo da marca N/XXX13, para a classe 36ª, pedindo apenas que todos os pedidos de marcas cuja eficácia distintiva residia nas expressões “D” e “E” deveriam ser suspensos até que houvesse decisão sobre o reconhecimento da titularidade de tais expressões.
E por sentença proferida pela primeira instância, julgou improcedente o recurso judicial e decidiu manter o despacho dos Serviços de Economia que recusou o registo da marca N/XXX13.
Inconformada com a sentença, dela interpôs a recorrente recurso jurisdicional para este TSI, tendo pedido neste recurso a revogação da sentença da primeira instância, e em consequência, a concessão à recorrente do respectivo registo.
Aqui chegados, é fora de dúvida que o nosso Acórdão de 6 de Março de 2014 teve por objecto a decisão da primeira instância que manteve o despacho de recusa do registo da marca N/XXX13, limitando-se o Tribunal (ad quem) apreciar os pedidos formulados pela recorrente neste recurso jurisdicional, no sentido de revogar a sentença recorrida e conceder à recorrente o registo da respectiva marca.
Nesta conformidade, salvo o devido respeito, na medida em que não se descortinando que o nosso Acórdão tenha extravasado o pedido da recorrente, improcede a nulidade invocada pelas recorridas.
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No tocante à segunda questão, argumentam as recorridas que por despacho dos Serviços de Economia, de 17.2.2004, foi devidamente concedido, noutro processo administrativo de marca, o registo da marca N/XXX61 a favor da recorrida B – Sociedade Gestora Limitada, e como a recorrente C Company Limited podia ter impugnado mas não impugnou judicialmente o referido despacho de 17.2.2004, entendem as recorridas que um eventual direito de prioridade internacional de registo da marca N/XXX13 (“D”) para serviços da classe 36ª, decorrente de um eventual idêntico pedido de registo de marca requerido em Hong Kong em 4 de Abril de 2003, não podia valer contra o registo efectuado noutro processo.
Pedem as recorridas ao Tribunal para esclarecer a questão.
Sem embargo de opinião contrária, julgamos igualmente sem razão as recorridas.
Ora bem, o que se discutiu no presente recurso foi a questão de saber se a marca N/XXX13 da recorrente C Company Limited gozava, em 18.9.2003, de prioridade registral por que tinha sido efectuado o primeiro pedido de registo em um dos países ou territórios membros da OMC ou da União de Paris, mais precisamente, por que foi feito o pedido de registo da marca “D” para serviços da classe 36ª em Hong Kong já no dia 4.4.2003.
E por fim, o nosso Acórdão acabou por revogar a sentença recorrida e conceder o registo da marca N/XXX13 a favor da recorrente, por considerar que esta gozava de prioridade registral, mas nunca pôs em causa, pelo menos até ao momento, a validade do registo da marca N/XXX61 da recorrida.
O tal registo vale o que vale, e não se diga que a falta de impugnação judicial do despacho de 17.2.2004 que concedeu o registo da marca N/XXX61 implicaria necessariamente a improcedência do pedido de registo da marca N/XXX13 da recorrente, no sentido de que a validade do registo daquela marca N/XXX61 da recorrida não poderia ser absolutamente posta em causa ou ser absolutamente derrogada.
Em primeiro lugar, segundo a prática dos Serviços de Economia, os pedidos de registo de marcas são processados autonomamente em termos procedimentais.
Por outro lado, não devemos ignorar que a lei estabelece, no artigo 48º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, o regime de anulabilidade dos títulos de propriedade industrial, sempre que se verifique violação das disposições que definem a quem pertence o direito de propriedade industrial e, em geral, quando tiverem sido concedidos com preterição dos direitos de terceiros, fundados em prioridade ou outro título legal.
No fundo, se a lei permite que os interessados deduzam em acção comum pedido de anulação dos títulos de propriedade industrial, não se compreendia por que razão a falta de impugnação judicial do despacho de 17.2.2004 num outro processo administrativo de marca que concedeu o registo da marca N/XXX61 implicaria necessariamente a improcedência do pedido de registo da marca N/XXX13 da recorrente, se bem que a validade do registo daquela marca N/XXX61 da recorrida poderia ser posta em causa por uma decisão judicial que decrete a anulação do seu registo.
Nesta conformidade, há-de manter o decidido no Acórdão.
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III) DECISÃO
Pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a arguição de nulidade, e em consequência, manter o decidido no Acórdão de 6 de Março de 2014.
A taxa de justiça devida pelo incidente é fixada em 4 U.C., a ser suportada pelas recorridas.
Notifique.
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Macau, 27 de Novembro de 2014

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Tong Hio Fong
(Relator)

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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)




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