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Processo n.º 18/2014
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças
Data da conferência: 16 de Dezembro de 2014
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Pensão de aposentação
     - Revisão
- Art.º 264.º n.º 4 do ETAPM

SUMÁRIO

A revisão das pensões de aposentação contemplada no n.º 4 do art.º 264.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau não se faz automaticamente com a atribuição de novo índice a determinada categoria ou cargo dos funcionários, mas sim apenas com a actualização do valor do índice 100 da tabela indiciária, que beneficiam todos os trabalhadores da Administração Pública.
   
A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferido em 25 de Junho de 2010, que indeferiu o seu pedido de rectificação/actualização do valor da pensão de aposentação.
Por Acórdão proferido em 5 de Dezembro de 2013, o Tribunal de Segunda Instância decidiu negar provimento ao recurso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Inconformado com a decisão, vem A recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto de decisão do Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao recurso contencioso apresentado pelo recorrente contra decisão do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que por sua vez indeferira pedido de rectificação da sua pensão de aposentação.
2. O Tribunal de Segunda Instância consubstanciou a sua decisão numa interpretação restritiva da norma do art.º 264.º, n.º 4 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM).
3. O preceito que regula especificamente a revisão das pensões de aposentação encontra-se no art.º 264.º, n.º 4 do ETAPM: “As pensões de aposentação são fixadas com referência a um índice da tabela indiciária, sendo revistas sempre e na medida em que o forem os vencimentos do pessoal no activo.”
4. Preceitua a norma a revisão das pensões de aposentação sempre e na medida em que forem revistos os vencimentos do pessoal no activo.
5. O Tribunal recorrido entende impropriamente que se deve proceder apenas a tal revisão quando se proceder à alteração do coeficiente 100 da tabela indiciária.
6. Nos termos do art.º 4.º, n.º 3 da Lei n.º 14/2009, efectivamente “[a] actualizacão dos vencimentos opera-se na proporção da alteração do valor do indice 100 da tabela [indiciária]”.
7. E na disposição legal que ora interpretamos, vislumbra-se, na sua primeira parte, que “[a]s pensões de aposentação são fixadas com referência a um índice da tabela indiciária”.
8. Sendo as pensões fixadas com referência a um índice da tabela indiciária, é inevitável que se tenha de desvendar o seu valor para se resolver a fórmula matemática subjacente.
9. Sufragando o entendimento do tribunal recorrido, seria redundante, desnecessária e maçadora a segunda parte do art.º 264.º, n.º 4 em apreço.
10. O legislador, porém, não foi ingénuo, nem tampouco referiu que as pensões seriam revistas em função da actualização dos vencimentos do pessoal do activo.
11. O legislador foi acertado (nos dizeres do art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil) quando optou pelo termo revisão em detrimento do termo actualização.
12. O espírito do preceito legal efectivamente não pretende endereçar (apenas) a actualização do valor do índice da tabela indiciária, mas sim a revisão dos valores indiciários dos vencimentos do pessoal no activo.
13. O Tribunal a quo faz uma alusão a dois diplomas legais para concluir que extrinsecamente definem o sentido que deve ser apurado na norma interpretada.
14. Tal tese tropeça no invocado preceito interpretativo do Código Civil, porque chamado à colação o n.º 1 do art.º 8.º, não pode este ser tido em conta isoladamente, mas sim sistematicamente com os restantes preceitos contidos no mesmo artigo.
15. O art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil presume que “legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, enquanto o n.º 2 impede que se abandone cegamente a letra da lei.
16. O preceito legal ora interpretado parece ser claro e até enfático (“sempre e na medida em que”) – o que aparenta dissuadir qualquer interpretação restrititiva – ao estabelecer que a revisão dos vencimentos do pessoal no activo implica também a revisão das pensões de aposentação.
17. O vencimento, efectivamente, é apurado, nos termos do art.º 4.º, n.º 2 da Lei n.º 14/2010, em função dum cálculo matemático que envolve dois factores multiplicadores, sendo um deles o índice da tabela indiciária e o outro o valor unitário desse índice.
18. O douto acórdão recorrido defendeu, não obstante, que se deve ter em conta apenas, para efeitos de revisão da pensão da aposentação, a actualização do valor do índice da tabela indiciária.
19. Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.
20. Não poderá também valer o argumento de que tendo havido, com a aposentação, uma quebra da ligação do aposentado com o lugar que ocupava, quaisquer revisões que alterem o vencimento do pessoal no activo não se repercutem na esfera jurídica daquele.
21. Tal consubstanciaria uma negação frontal da existência do preceituado no art.º 264.º, n.º 4, esvaziando totalmente o seu conteúdo, o que num Estado de Direito, onde vige o Primado da Lei, não é, simplesmente, admissível.
22. O Decreto-Lei n.º 61/89/M veio dar cumprimento a um comando legal contido em preceito idêntico ao que ora vigora e se interpreta: o art.º 7.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 115/85/M.
23. O preâmbulo é elucidativo e faz alusão a tal comando jurídico para justificar a valorização das pensões de aposentação, visto estarem previstas revisões do vencimento do pessoal no activo.
24. Tal diploma vem dar força à tese do recorrente, pois que vislumbra num idêntico preceito legal um imperativo para actualizar as pensões em função da revisão do vencimento do pessoal no activo.
25. O acórdão recorrido entende, porém, que, tendo havido intervenção do legislador, perde o recorrente razão ao procurar na letra da lei o espírito que lhe vislumbra.
26. Ora, também a Lei n.º 4/89/M (no seu art.º 2.º), a que alude o preâmbulo citado, veio dar cumprimento ao comando que impunha a revisão das pensões de aposentação aquando da actualização do valor do índice 100 da tabela indiciária, como vieram, aliás, todos os diplomas que tanto antes como depois actualizaram o valor do índice 100 da tabela indiciária.
27. E não foi por isso que deixou de ter vigência o preceituado no art.º 264.º, n.º 4 na óptica defendida pelo acórdão recorrido; antes, a aplicação legislativa subsequente tem-lhe conferido a possível eternidade.
28. A acolher a tese do acórdão recorrido, também o facto de todos os diplomas supra mencionados determinarem, a par das subsequentes actualizações do valor do índice 100 da tabela indiciária, que “[a]s pensões de aposentação e sobrevivência são actualizadas em função e na proporção do aumento referido no artigo anterior” (nos respectivos art.os 2.º) “não faria sentido”, – nas palavras do acórdão, – “já que os respectivos índices seriam actualizados automaticamente sem necessidade de intervenção do legislador”.
29. Pelo que o argumento expendido no acórdão recorrido não pode ser acolhido, porque, como se viu, em nenhum dos casos se prescindiu da intervenção do legislador, qualquer que tenha sido o factor alterado.
30. Quanto ao Decreto-Lei n.º 27/92/M, de 25 de Maio, mister é interpretá-lo correctamente e salientar que apenas veio corrigir as pensões de aposentação e de sobrevivência com base nas remunerações em vigor anteriormente a 1 de Outubro de 1984 (art.º 1.º) e 1 de Janeiro de 1989 (art.º 2.º).
31. Ora, tais datas coincidem, respectiva e propositadamente, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 87/84/M (art.º 30.º, n.º 1) e do Decreto-Lei n.º 86/89/M (art.º 106.º, n.º 1), diplomas que vieram revolucionar totalmente o sistema de carreiras na Administração Pública de Macau.
32. O Decreto-Lei n.º 87/84/M, que definiu as “Bases gerais das carreiras comuns da Administração Pública de Macau”, uniformizou as carreiras comuns da Administração e introduziu pela primeira vez no território o sistema da tabela indiciária.
33. O Decreto-Lei n.º 86/89/M, por sua vez, revolucionou o sistema de carreiras da função pública, adoptando uma nova filosofia na sua estruturação.
34. Ambos os diplomas representaram uma ruptura com o sistema anteriormente vigente, ao ponto das carreiras pré-existentes não terem equivalências após a sua entrada em vigência.
35. Percebe-se que uma norma como a do art.º 264.º, n.º 4 do ETAPM, nesses termos, não poderia proteger eficazmente os direitos dos pensionistas, pelo que foi necessário o Governador intervir através deste Decreto-Lei.
36. De resto, este Decreto-Lei reforça também a ideia da aplicação do art.º 264.º, n.º 4 a qualquer tipo de revisão de vencimentos, e não o contrário, pelas razões também suscitadas supra para o outro diploma legislativo governamental.
37. Sempre se deve acrescentar que o facto de tais intervenções legais terem sido feitas ao abrigo de Decretos-Lei do Governador, – e não, como sempre sucedeu com a actualização do valor do índice 100 da tabela indiciária, através de Leis da Assembleia Legislativa, – aponta para um exercício das competência legislativas do Governador, ao abrigo do art.º 13.º, n.º 1 do Estatuto Orgânico de Macau, visto que não incidia sobre matéria reservada à Assembleia Legislativa, nos termos, designadamente, do art.º 31.º, n.º 2, al. h) do citado diploma.
38. O recorrente, como ficou já provado factualmente, é director de serviços aposentado e subscritor do Fundo de Pensões com o n.º XXXXX(X), tendo-lhe sido fixada, por ocasião da sua aposentação voluntária, e por despacho de 25 de Abril de 2001 do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, publicado no Boletim Oficial de Macau de 9 de Maio de 2001, a aposentação no índice 1000, correspondente ao cargo de director dos serviços de saúde.
39. À Lei n.º 15/2009, de 3 de Agosto, que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação (art.º 37.º, n.º 1), veio revalorizar os índices do pessoal de direcção dos serviços da Administração Pública (art.º 25.º e mapa 1 em anexo), fazendo retroagir tais efeitos a 1 de Junho de 2007 (art.º 37.º, n.º 2).
40. Com base no art.º 264.º, n.º 4 do ETAPM, o recorrente pretende fazer repercutir tal revisão do vencimento do pessoal no activo na sua pensão de aposentação, visto que ao seu cargo passou a corresponder o índice 1100 (cf. também mapa 1 em anexo ao Decreto-Lei n.º 85/89/M).
41. Requer-se a este venerando tribunal seja revogada a decisão do Senhor Secretário para a Economia e Finanças e ordenada a rectificação da pensão de aposentação do recorrente em conformidade.
42. O acórdão recorrido violou a norma do art.º 264.º, n.º 4 do ETAPM, assim como as normas do art.º 8.º, n.os 2 e 3 do Código Civil.

Contra-alegou a entidade recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
1) O acórdão recorrido interpretou correctamente o nº 4 do art. 264º do ETAPM,
2) no sentido de que a revisão das pensões dos funcionários aposentados aí referida é feita nos mesmos termos em que são actualizados os salários dos funcionários no activo,
3) mas que a atribuição de novos índices a todos ou alguns dos cargos da Função Pública não tem efeitos no montante das pensões;
4) Na interpretação do sentido do nº 4 do art. 264º do ETAPM não se podem ignorar os diplomas legais que alteraram o valor das pensões de forma independente da re-estruturação das carreiras da Administração Pública;
5) Efectivamente, quando visto o sistema jurídico no seu todo, tem de concluir-se que a revisão das pensões dos funcionários aposentados referida no nº 4 do art. 264º do ETAPM é unicamente a consequência matemática da alteração do valor do coeficiente 100 da tabela indiciária constante do Mapa 1 do Anexo 1 da Lei 14/2009 (anteriormente Mapa 1 do Anexo 1 do DL 86/89/M, de 21 de Dezembro);
6) A interpretação que o recorrente faz do nº 4 do art. 264º do ETAPM não consegue preservar a unidade do sistema jurídico, e origina maiores redundâncias nesse sistema do que aquela que ele diz querer evitar;
7) Aos funcionários aposentados não interessam as alterações que o legislador introduza no cargo que desempenhavam quando se aposentaram.

O Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de negar-se provimento ao recurso.
Foram corridos os vistos.

2. Factos Provados
Nos autos foi considerada provada a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
O recorrente é director de serviços aposentado e subscritor do Fundo de Pensões com o nº XXXXX(X), tendo-lhe sido fixada, por ocasião da sua aposentação voluntária, e por despacho de 25 de Abril de 2001 do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, publicado no Boletim Oficial de Macau de 9 de Maio de 2001, a aposentação no índice 1000, correspondente ao cargo de director dos serviços de saúde.
Através de requerimento apresentado em 23 de Março de 2010, dirigido à Exmª. Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões, o recorrente solicitou a rectificação da sua pensão de aposentação com os seguintes fundamentos:
- o cálculo da sua pensão fora fixado com base na alínea a) do nº 1 do artigo 265º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, por contar 36 anos de serviço;
- segundo o nº 1 do artigo 265º do referido diploma legal, para o cálculo da pensão releva o vencimento único respeitante ao cargo, no caso, director, coluna 2;
- a pensão fora calculada com base no índice fixado para o cargo que desempenhava à data da sua aposentação, devendo ser rectificada sempre que haja actualização do índice deste cargo, de acordo com o cálculo previsto no artigo 265º, nº 1 do ETAPM;
- a Lei nº 15/2009, de 27 de Julho de 2009, veio actualizar o índice correspondente ao cargo de director, subindo-o para o índice 1100, com efeitos a partir de 1 de Julho de 2007.
Em 3 de Junho de 2010, o recorrente dirigiu idêntico pedido ao Exmº. Secretário para a Economia e Finanças.
O despacho do Exmº Secretário Adjunto para a Economia e Finanças, de 25 de Junho de 2010, exarado na Informação nº XXX/DRAS-DAS/FP/2010, é do seguinte teor:
“Concordo com a proposta. Indefiro o pedido.
Assinatura, 25/6/10”
Consiste o teor da citada Informação no seguinte:
“Pedido de rectificação da pensão de aposentação – A
1. Na sequência do pedido de rectificação da pensão apresentado pelo Sr. Dr. A ao Fundo de Pensões em 22/03/2010, foram obtidos pareceres jurídicos da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) e do consultor jurídico do próprio Fundo, tendo por conseguinte, e com base nas conclusões dos referidos pareceres, elaborado a Informação nº XXX/DRAS-DAS/FP/2010, de 28/05/2010, na qual foi proposto o indeferimento do referido pedido.
2. Contudo, no decurso do procedimento, o requerente apresentou um outro pedido datado de 02/06/2010, desta vez dirigido ao Exmº. Senhor Secretário para a Economia e Finanças no sentido de manter este Fundo cumprir a lei e mandar rever a sua pensão de aposentação, de acordo com o nº 4 do artigo 264º do ETAPM, com efeitos retroactivos.
3. O referido pedido foi oficialmente encaminhado para o Fundo de Pensões pelo Exmº. Senhor Secretário para a Economia e Finanças para efeitos de aposentação de informação.
4. Assim sendo, tendo em conta a nova fundamentação invocada pelo requerente, o Conselho de Administração, reunido em 09/06/2010, atendendo à necessidade de conhecer a posição defendida pelos SAFP sobre a disposição legal referida, deliberou no sentido de obter novo parecer jurídico junto dos SAFP e, assim, mandar notificar o requerente da necessidade de prorrogação do prazo para conclusão do procedimento.
5. Em resposta ao nosso pedido feito através do ofício nº XXXX/XXX/CA/FP/2010, de 10/06/2010, os SAFP, através do ofício nº XXXXXXXXXX/DTJ, datado de 14/06/2010, informou o seguinte:
“…
5. Ao abrigo do nº 4 do artigo 264º do ETAPM, as pensões de aposentação são fixadas com referência a um índice da tabela indiciária, sendo revistas sempre e na medida em que forem os vencimentos do pessoal no activo. Ora esta revisão prende-se com a alteração do factor multiplicador do índice 100, e não com a revisão dos índices da tabela indiciária. Assim, sempre que o valor do índice 100 seja alterado, o valor da pensão de aposentação fixada com referência a um índice, também o é. No entanto, se a pessoa se aposentou com o índice 770, a sua pensão terá sempre por base esse índice e não um outro mais elevado que o venha a substituir. Esta foi, igualmente, a posição defendida pelo Fundo de Pensões no ofício nº XXXXXXX/CA/2009, de 22 de Junho de 2009.
6. Em abono do que se afirma, veja-se o Decreto-Lei nº 27/92/M, de 25 de Maio, o qual formula uma correcção extraordinária das pensões de aposentação e sobrevivência, consignando-lhes os respectivos índices mínimos. No seu preâmbulo, pode ler-se:
“As pensões de aposentação e sobrevivência têm sofrido uma gradual diminuição do seu valor real, atentas as reestruturações de carreiras e salariais supervenientes que vieram beneficiar apenas as classes activas.
Assim, pelo presente diploma, incorpora-se nas pensões um factor correctivo do valor percentual diferente, atendendo ao momento da fixação das pensões que ora se pretendem revalorizar e, para evitar situações de fixação de pensões com valores manifestamente baixos, cria-se um valor mínimo para as pensões de aposentação e sobrevivência.”
7. Como se vê, resulta claramente do preâmbulo do diploma acima referido que do aumento dos índices de determinadas carreiras, não resulta automaticamente o aumento das pensões daqueles que se aposentaram na carreira cujos índices foram aumentados. Por esse facto, houve necessidade de através de uma lei, proceder ao aumento dessas pensões. O mesmo se passa com o aumento dos índices dos cargos de direcção e chefia. De forma a que, face ao disposto na Lei nº 15/2009, se pudesse fazer corresponder a pensão de aposentação de quem se aposentou antes de 1 de Julho de 2007 aos novos índices dos cargos de direcção e chefia, teria que haver uma lei nesse sentido, o que não acontece.
8. Resta referir que não existe, também, qualquer violação do disposto no nº 4 do artigo 264º do ETAPM, quando refere que a pensões de aposentação são fixadas com referência a um índice da tabela indiciária, uma vez que o índice 1000 continua a existir.
…”
6. Assim, em face das conclusões emitidas nos pareceres jurídicos dos SAFP e do consultor jurídico do próprio Fundo, julgo se de propor o indeferimento do pedido de rectificação da pensão de aposentação apresentado pelo requerente.
À consideração superior.”
O recorrente foi notificado do referido despacho por carta registada com aviso de recepção expedida em 1 de Julho de 2010.

3. Direito
Alega o recorrente que, ao entender que se deve proceder à revisão das pensões de aposentação quando se proceder à alteração do coeficiente 100 da tabela indiciária, o Tribunal recorrido consubstanciou a sua decisão numa interpretação restritiva da norma do art.º 264.º n.º 4 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, pois preceitua a norma a revisão das pensões de aposentação “sempre e na medida em que forem revistos os vencimentos do pessoal no activo”.
Na óptica do recorrente, a revisão dos vencimentos do pessoal no activo implica também a revisão das pensões de aposentação, violando o Acórdão recorrido as normas do art.º 264.º n.º 4 do ETAPM e do art.º 8 n.ºs 2 e 3 do Código Civil.
A questão suscitada prende-se com a interpretação do art.º 264.º n.º 4 do ETAPM.

Ora, resulta da factualidade provada que o recorrente se aposentou no ano de 2001, tendo-lhe sido fixada a pensão no índice 1000, correspondente ao cargo de director dos serviços de saúde.
Ao abrigo dos art.ºs 25.º n.º 1 e 37.º n.º 2 da Lei n.º 15/2009, de 27 de Julho de 2009 (que estabelece os princípios e disposições fundamentais do estatuto do pessoal de direcção e chefia dos serviços da Administração Pública da RAEM), conjugado com o mapa 1 anexo, o índice correspondente ao cargo de director dos serviços de saúde foi actualizado para 1100, com efeitos a partir de 1 de Julho de 2007.
Pretende o recorrente a rectificação da sua pensão de aposentação, a calcular com base no novo índice fixado para o cargo de director dos serviços, isto é, índice 1100.

Quanto à interpretação da lei, dispõe o art.º 8.º do Código Civil o seguinte:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Decorre desta norma que a interpretação da lei deve ser feita com base na letra da lei, mas não se deve cingir à ela.
Sobre a mesma disposição, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela no seu Código Civil Anotado:
“1. Em lugar de impor um método ou consagrar uma corrente doutrinária em matéria de interpretação das leis, o Código limita-se a consagrar os princípios que podem considerar-se já uma aquisição definitiva na matéria, combatendo os excessos a que os autores objectivistas e subjectivistas têm chegado muitas vezes.
Afasta-se, assim, o exagero dos objectivistas que não atendem sequer às circunstâncias históricas em que a norma nasceu, na medida em que o n.º 1 do artigo 9.º manda reconstituir o pensamento legislativo e atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada. Como se condena igualmente o excesso dos subjectivistas que prescindem por completo da letra da lei, para atender apenas à vontade do legislador, quando no n.º 2 se afasta a possibilidade de qualquer pensamento legislativo valer como sentido decisivo da lei, se no texto desta não encontrar um mínimo de correspondência verbal.
E ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias (históricas) em que a lei foi elaborada, o preceito não deixa de expressamente considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada (nota vincadamente actualista).
O facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei (mens legis).
2. Resumindo, embora sem grande rigor, o pensamento geral desta disposição, pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo, como são os que constam do n.º 3.”1
E são os seguintes elementos que devem ser considerados na interpretação da lei: 1) Elemento literal ou gramatical; 2) Elementos lógicos, incluindo: a) o sistemático, que tem em conta a unidade do sistema jurídico; b) o histórico, constituído por precedentes normativos, trabalhos preparatórios e “occasio legis” e c) o teleológico, que é a justificação social da lei.

Nos termos do n.º 4 do art.º 264.º do ETAPM, “as pensões de aposentação são fixadas com referência a um índice de tabela indiciária, sendo revistas sempre e na medida em que o forem os vencimentos do pessoal no activo”.
Prevê-se, na segunda parte da norma, uma revisão automática das pensões de aposentação.
Importa apurar em que termos se opera tal revisão. Será que a atribuição de novo índice a um determinado cargo, resultante da actualização da tabela indiciária de vencimentos, implica também a revisão das pensões de aposentação, tal como pretende o recorrente?
À primeira vista, a letra da norma parece dar para entender no sentido defendido pelo recorrente, uma vez que o vencimento do funcionário público é calculado com base no respectivo índice correspondente à função ou ao cargo que desempenha, multiplicado pelo valor correspondente a cada ponto indiciário, daí que a alteração tanto do índice como do valor correspondente a cada ponto indiciário implica necessariamente a alteração no valor do vencimento.
Nota-se, no entanto, que a lei fala na revisão das pensões sempre e na medida em que forem revistos “os vencimentos do pessoal no activo”, expressão esta com que se quer referir à revisão geral de vencimentos que beneficiam todos os trabalhadores da Administração Pública, e não à revisão de vencimentos a favor de determinadas categorias de funcionários no activo.
Se a lei pretendesse que os aposentados tiveram sempre a pensão correspondente ao respectivo vencimento da categoria do activo teria dito isso, não falando da revisão dos “vencimentos do pessoal do activo”, em que se inculca manifestamente uma revisão geral de vencimentos.

Há que chamar ainda à colação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.
Ora, com a aprovação e publicação do DL n.º 107/85/M, de 30 de Novembro, os valores das aposentações e sobrevivências passaram a ser referidos a índices, tendo em conta a tabela indiciária constante do mapa I anexo ao DL n.º 87/84/M, de 11 de Agosto, que estabelece bases gerais das carreiras comuns da Administração Pública de Macau.
E o DL n.º 115/85/M, de 30 de Novembro (Estatuto da Aposentação e Sobrevivência), que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1986 e foi revogado pelo DL n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, que por sua vez aprovou o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, consagrou que estas prestações passariam a ser revistas “sempre e na medida em que o forem os vencimentos do pessoal no activo” (art.º 7.º n.º 4 do DL n.º 115/85/M, norma quase idêntica ao n.º 4 do art.º 264.º do ETAPM), “o que se tem vindo a verificar desde essa data, com o exemplo recente da Lei n.º 4/89/M, de 26 de Junho, que alterou o multiplicador indiciário de 24 para 26 patacas” (cfr. preâmbulo do DL n.º 61/89/M, de 18 de Setembro).
Neste último diploma, DL n.º 61/89/M, constata-se que, “estando prevista, para o acorrente ano, a afectação, aos aumentos e revalorizações do pessoal no activo, de um volume de disponibilidades próximo de 13% da correspondente massa salarial, parece justo tornar esse pressuposto extensivo às classes inactivas, pelo que foi decidido atribuir a todas as pensões uma valorização geral de 5 pontos indiciários, …”.
E ao abrigo do art.º 1.º n.º 1 do mesmo diploma, às pensões de aposentação e sobrevivência actualizadas nos termos previstos no art.º 2.º da Lei n.º 4/89/M, que prevê a actualização das pensões conforme o novo multiplicador indiciário alterado de 24 para 26 patacas, e ainda àquelas que venham a ser fixadas aos subscritores desligados do serviço para efeitos de aposentação e aos seus herdeiros hábeis até 31 de Dezembro de 1989, é aplicável um ajustamento de 5 pontos indiciários.
O que significa que o ajustamento dos pontos indiciários nas pensões se opera aparte da sua actualização conforme a alteração de multiplicador indiciário, actualização esta que se faz automaticamente, nos termos legais (art.º 7.º n.º 4 do DL n.º 115/85/M e art.º 264.º n.º 4 do ETAPM), sendo que aquele ajustamento é feita através duma lei própria para o efeito.
Posteriormente e com o Decreto-Lei n.º 27/92/M, de 25 de Maio, foram introduzidas novas correcções às pensões de aposentação e de sobrevivência na percentagem de 15% ou 5%, consoante se as pensões foram calculadas com base nas remunerações em vigor anteriormente a 1 de Outubro de 1984 ou 1 de Janeiro de 1989 e as correcções passaram a ser incorporadas no índice das pensões abrangidas (art.ºs 1.º a 3.º).
Consigna-se no preâmbulo deste diploma que tais correcções, aliás extraordinárias, decorrem do facto de que “as pensões de aposentação e sobrevivência têm sofrido uma gradual diminuição do seu valor real, atentas as reestruturações de carreiras e salariais supervenientes que vieram beneficiar apenas as classes activas”.
Daí que, “pelo presente diploma, incorpora-se nas pensões um factor correctivo do valor percentual diferente, atendendo ao momento da fixação das pensões que ora se pretendem revalorizar e, para evitar situações de fixação de pensões com valores manifestamente baixos, cria-se um valor mínimo para as pensões de aposentação e sobrevivência”, tendo o índice mínimo da pensão de aposentação fixado em 70 e o da pensão de sobrevivência em 35.
Encontra-se aqui mais um exemplo em que o aumento dos índices das pensões de aposentação foi feito com uma lei autónoma, e não automaticamente com as reestruturações de carreiras e salariais supervenientes, que “vieram beneficiaram apenas as classes activas”, como diz a própria lei.
Concluindo, afigura-se-nos que o aumento dos índices de determinadas carreiras não implica necessária e automaticamente o aumento das pensões de aposentação, que são fixadas, conforme a lei, com referência a um índice de tabela indiciária, à data de aposentação.
O que se prevê no art.º 264.º n.º 4 do ETAPM não é a alteração das pensões de aposentação já fixadas sempre que o vencimento do respectivo cargo no activo sofra alterações, mas antes a revisão (geral) das pensões sempre que houve revisão geral de vencimento do pessoal no activo.
Por outras palavras, as pensões de aposentação aumentam quando houver revisão geral de vencimento, o que sucede com as actualizações dos vencimentos dos trabalhadores da Administração Pública, feitas com as leis próprias.
Tal interpretação é reforçada ainda pelo facto de que, todas as vezes em que se regista uma actualização dos vencimentos para a generalidades dos funcionários, são também actualizadas as pensões de aposentação, o que resulta expressamente da disposição legal constante dos diplomas que mandaram proceder à actualização, desde a Lei n.º 2/86/M, a referida Lei n.º 4/89/M, até as Leis mais recentes n.º 6/2013 e n.º 6/2014, que aumentaram o valor do índice 100 da tabela indiciária, o que não sucede com os diplomas legais destinados à reestruturação do sistema de carreiras e a sua revalorização genérica (Decreto-Lei n.º 86/89/M), a regulamentar o regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos (Lei n.º 14/2009, que revogou o Decreto-Lei n.º 86/89/M) e ainda a estabelecer os princípios e disposições fundamentais do estatuto do pessoal de direcção e chefia (Lei n.º 15/2009), por exemplo, com referência ao ajustamento dos índices constantes da tabela indiciária.
Por razões de coerência e unidade do sistema jurídico, é de concluir que a revisão das pensões de aposentação contemplada no n.º 4 do art.º 264.º do ETAPM não se faz automaticamente com a atribuição de novo índice a determinada categoria ou cargo dos funcionários, mas sim apenas com a actualização do valor do índice 100 da tabela indiciária, que beneficiam todos os trabalhadores da Administração Pública.

Improcede assim a pretensão do recorrente.
O órgão recorrido fez boa interpretação e aplicação da lei, não se vislumbrando a violação, alegada pelo recorrente, da norma contida no n.º 4 do art.º 264.º do ETAPM nem no art.º 8.º do Código Civil.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 6 UC.
  
   Macau, 16 de Dezembro de 2014
  
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho
  

1 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, p. 58 e 59.
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Processo n.º 18/2014