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Processo n.º 462/2014 Data do acórdão: 2014-12-11 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– tomada de declarações para memória futura
– suspeito não constituído arguido
– direito de defesa
– art.º 253.o do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
1. Mesmo que haja suspeito determinado, este não será notificado para estar presente nem representado por defensor no acto de tomada de declarações para memória futura regulado sobretudo nos n.os 1 a 3 do art.o 253.o do Código de Processo Penal, porque o exercício do direito ao contraditório pressupõe a aquisição da qualidade de arguido (art.º 49.º, n.º 1, deste Código).
2. A tomada de declarações para memória futura quando ainda não há arguido constituído não prejudica o direito de defesa, pois tal prova não tem o valor absoluto e o futuro arguido pode sempre apresentar contra-prova em sua defesa.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 462/2014
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Arguido recorrido: A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 248 a 251 dos autos de Processo Comum Singular n.o CR4-14-0147-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), foi decidido absolver o arguido A, aí já melhor identificado, então acusado pelo Ministério Público como autor material de onze crimes consumados de emprego, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto.
Inconformada com a absolvição do arguido, veio a Digna Delegada do Procurador junto desse Tribunal recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para pedir a invalidação da sentença, através da motivação de recurso apresentada a fls. 268 a 269 dos presentes autos correspondentes. Além disso, a mesma Digna Delegada chegou a recorrer também do despacho judicial que tinha determinado, a pedido do Ilustre Defensor do arguido, a não leitura, na audiência de julgamento então realizada, das declarações outrora tomadas, para memória futura, aos onze trabalhadores arrolados como testemunhas de acusação mas entretanto faltosas na audiência, pedindo, pois, mediante a motivação junta a fls. 258 a 261 dos autos, a revogação desse despacho mormente com base na posição jurídica já vertida no douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância no Processo n.o 29/2011.
A propósito dos dois recursos em causa, exerceu o arguido o direito de resposta, defendendo a manutenção do julgado – cfr. as respostas de fls. 271 a 272 e de fls. 263 a 264 dos autos, respectivamente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, o douto parecer de fls. 280 a 281v, pugnando pela revogação do despacho judicial acima referido, com necessária anulação da sentença absolutória.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos processuais, pertinentes à decisão:
1. Por sentença proferida a fls. 248 a 251 dos subjacentes autos de Processo Comum Singular n.o CR4-14-0147-PCS do 4.o Juízo Criminal do TJB, foi decidido absolver o arguido A, então acusado pelo Ministério Público como autor material de onze crimes consumados de emprego, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, tendo a respectiva M.ma Juíza afirmado, no penúltimo parágrafo da página 6 do texto dessa sua decisão (ora a fl. 250v dos autos), que devido, designadamente, à negação de factos pelo arguido e à impossibilidade de se proceder à leitura, na audiência de julgamento, das declarações então tomadas aos onze trabalhadores dos autos para memória futura, não conseguiu ela dar nomeadamente por provado que o arguido tinha contratado tais onze trabalhadores.
2. No início da audiência de julgamento realizada perante o mesmo Tribunal a quo, o Ilustre Defensor do arguido pediu a não leitura das declarações então tomadas, para memória futura, aos onze trabalhadores dos autos, arrolados como testemunhas de acusação, entretanto faltosas na audiência de julgamento, pretensão essa que, apesar da objecção do Ministério Público, veio a ser deferida pela M.ma Juíza a quo, com o argumento de que mesmo que aquando da tomada de declarações para memória futura não tivesse havido ainda um arguido concreto, esta diligência probatória não deixaria de precisar da intervenção do defensor, em prol do princípio do contraditório (cfr. o teor da acta da audiência de julgamento lavrada a fls. 245 a 247 dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Pela lógica das coisas, é de decidir primeiro do recurso intercalar acima referido.
Pois bem, conforme o já explanado no douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância de 22 de Julho de 2011 no Processo n.o 29/2011:
– O acto de tomada de declarações para memória futura regulado sobretudo nos n.os 1 a 3 do art.o 253.o do CPP < Mas o exercício de tais direitos pressupõe a aquisição da qualidade de arguido (art.º 49.º, n.º 1 do CPP).
Uma vez que no respectivo inquérito ainda não havia arguido constituído, naturalmente não há necessidade nem possibilidade de presença de arguido neste tipo de acto. Mesmo que haja suspeito determinado, este não será notificado para estar presente nem representado por defensor, simplesmente por tal situação não lhe conferir a possibilidade de exercer os direitos inerentes ao arguido. E a constituição de arguido deve obedecer aos requisitos previstos nos art.ºs 46.º a 48.º do CPP.
A tomada de declarações para memória futura quando ainda não há arguido constituído não prejudica o seu direito de defesa, pois tal prova não tem o valor absoluto e o futuro arguido pode sempre apresentar contra-prova em sua defesa.>>
Termos em que há que proceder o recurso intercalar em causa, sendo de revogar o despacho judicial que deferiu a pretensão da Defesa de não leitura, na audiência de julgamento então feita, das declarações outrora tomadas, para memória futura, aos onze trabalhadores dos autos, arroladas como testemunhas de acusação, entretanto faltosas na audiência.
Assim sendo, e por procedência do recurso final motivado em termos materialmente idênticos, é mister anular a sentença absolutória, visto que a fundamentação concreta desse veredicto recorrido não deixou de estar logicamente dependente do sentido da decisão ínsita naquele despacho judicial, devendo, por conseguinte, o mesmo Tribunal a quo proceder ao novo julgamento sobre todo o objecto do subjacente processo penal.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar providos os recursos intercalar e final interpostos pelo Ministério Público, determinando, por conseguinte, a revogação do despacho judicial recorrido (que determinou a não leitura, na audiência de julgamento então realizada, das declarações outrora tomadas aos onze trabalhadores arrolados como testemunhas da acusação mas entretanto faltosas na audiência) e a anulação da sentença recorrida, devendo, pois, o mesmo Tribunal a quo proceder ao novo julgamento sobre todo o objecto do processo.
Custas dos recursos tudo a cargo do arguido, com duas UC de taxa de justiça no recurso intercalar e duas UC de taxa de justiça no recurso final.
Macau, 11 de Dezembro de 2014.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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