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Processo nº 782/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão deste T.S.I. de 25.07.2013, (Proc. n.° 273/2013), decidiu-se pela devolução dos presentes autos ao T.J.B. para, aí, e após novo julgamento, se proferir (nova) decisão sobre o pedido de indemnização civil pela demandante A deduzido contra os demandados B, “C DE MACAU, S.A.R.L.” (澳門C有限公司) e “COMPANHIA DE SEGUROS D, S.A.R.L.” (D保險有限公司); (cfr., fls. 342 a 346-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Realizada a audiência, em 28.05.2014, proferiu o Colectivo do T.J.B. Acórdão julgando improcedente o pedido de indemnização civil em questão, do mesmo absolvendo os referidos (3) demandados; (cfr., fls. 419 a 426).

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Novamente inconformada, traz a demandante o presente recurso, insistindo no seu pedido uma vez que considera verificados os pressupostos legais para que lhe fosse arbitrada a pretendida indemnização civil por danos “patrimoniais” e “não patrimoniais” no valor total de MOP$437.273,00; (cfr., fls. 430 a 438).

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Em resposta, considera a demandada “COMPANHIA DE SEGUROS D, S.A.R.L.” (D保險有限公司) que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 443 a 453).

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Admitido o recurso com o efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I..

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Colhidos os vistos legais, e nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 421 a 423, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Como resulta do que se deixou até aqui (sinteticamente) relatado, vem a demandante civil recorrer do Acórdão pelo Colectivo do T.J.B. prolatado, com o qual se julgou improcedente o pedido de indemnização civil que deduziu e enxertou nestes autos.

E, tanto quanto se colhe da motivação de recurso e conclusões aí produzidas, limita-se a mesma a discordar da “interpretação pelo Colectivo a quo feita da factualidade dada como provada”, insistindo que a mesma deveria implicar a condenação dos demandados no pagamento da sua pretendida indemnização.

Em suma, diz a ora recorrente que ainda que verificados não estejam os pressupostos para uma condenação com base em “responsabilidade civil por factos ilícitos”, sempre aquela devia ocorrer pela via de “responsabilidade pelo risco”.

Identificadas que assim nos parecem ter ficado as questões a tratar, vejamos.

Pois bem, a matéria da “responsabilidade civil” foi já inúmeras vezes abordada em decisões por este T.S.I. proferidas, (tanto em processos de natureza civil, penal como administrativa).

Sem pretender aqui – de forma alguma – esgotar o tema, afigura-se-nos adequado “repescar” o que sobre o mesmo tivemos oportunidade de consignar no âmbito dos arestos deste T.S.I. de 08.03.2012, Proc. n.° 129/2012 e de 27.09.2012, Proc. n.° 403/2012 (do ora relator).

Aí, tivemos oportunidade de consignar que no domínio da responsabilidade civil extracontratual, a formação da obrigação de indemnizar pressupõe, em princípio, a existência de um facto voluntário ilícito - isto é, controlável pela vontade do agente e que infrinja algum preceito legal, um direito ou interesse de outrem legalmente protegido - censurável àquele do ponto de vista ético-jurídico - ou seja, que lhe seja imputável a título de dolo ou culpa - de um dano ou prejuízo reparável, e, ainda, de um nexo de causalidade adequada entre este dano e aquele facto; (cfr., art° 477°, n°1, 480°, n°2, 556°, 557°, 558°, n°1, do C.C.M.).

E embora predomine a “responsabilidade subjectiva”, baseada na culpa, sancionam-se também situações excepcionais de “responsabilidade objectiva ou pelo risco”, isto é, situações independentes de qualquer dolo ou culpa da pessoa obrigada à reparação, entre as quais se situa a responsabilidade pelos danos causados por veículos de circulação terrestre; (cfr., art°477°, n°2, 496° a 501° do C.C.M.).

Por sua vez, é também verdade que em Ac. de 21.04.2004 deste T.S.I., (Proc. n.° 247/2004), se decidiu que “quando o autor formula o pedido de indemnização cível por acidente de viação com base na culpa do lesante, implicitamente está a formulá-lo com base no risco. Assim sendo, basta que o veículo esteja em movimento na estrada para já constituir um risco, e daí que, não estando provada a culpa do condutor, o acidente cabe logo, em princípio, na esfera do risco”; (no mesmo sentido, cfr., o Ac. de 26.05.2005, Proc. n.° 43/2005).

Todavia, tal entendimento, (que se mostra de manter), não implica uma (automática) condenação com base em “responsabilidade pelo risco” em todos os casos em que não se prova a culpa do(s) demandado(s), pois que na “responsabilidade pelo risco” também se exige um “nexo de causalidade adequada”.
Como com razão afirma José A. González, (in “Responsabilidade Civil”, pág. 146), “está hoje em dia razoavelmente assente que na responsabilidade objectiva importa apenas determinar se o dano concretamente ocorrido está (ou não) dentro do domínio dos riscos imputáveis a alguém. Ou seja, basta verificar se o dano tal como sucedeu é uma concretização possível dos riscos pelos quais alguém é responsável. O que, no fundo, está contido ainda no brocardo que essencialmente funda esta espécie de responsabilidade: uni commudum ibi incommudum.
Julga-se, apesar disso, que entre esta ideia de causalidade tão lata e abstractamente edificada e a teoria da causa adequada na sua formulação negativa não haverá muito provavelmente grandes diferenças práticas a assinalar, ao menos quanto aos resultados obtidos. Pelo que se justificará afirmar que também no que ao nexo de causalidade diz respeito a responsabilidade objectiva não manifesta dissemelhança de maior em confronto com a subjectiva”; (no mesmo sentido, ou melhor, afirmando mesmo que também a responsabilidade objectiva ou pelo risco pressupõe todos os requisitos da responsabilidade por factos ilícitos, com excepção da culpa e da ilicitude, ou seja, pressupõe o facto danoso e o nexo causal entre o facto e o dano, vd., A. Varela in “Das Obrigações em Geral”, pág. 660 e M.J. Almeida e Costa in “Direito das Obrigações”, pág. 531).

Com efeito, preceitua o art. 496°, n.° 1 do C.C.M. que “aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”.

Resulta assim deste normativo a exigência de uma conexão ou nexo causal entre o dano e os riscos específicos do veículo.

Como salienta Dário M. Almeida (in “Manual dos Acidentes de Viação”, pág. 273), dano indemnizável será aquele que estiver em conexão causal com o risco.

No domínio da responsabilidade objectiva, a causalidade resulta de a origem dos danos se localizar na zona de risco normativamente definida.

O círculo dos danos indemnizatórios é definido pelos perigos específicos inerentes ao veículo enquanto máquina usada com determinadas finalidades, mas que compreende, ainda, contingências relacionadas com o seu condutor.

Em síntese, para que os danos possam ser atribuídos ao lesante, (em termos de responsabilidade objectiva), é necessário que aqueles ocorram intercedendo com determinadas relações funcionais com o condutor ou que provenham dos riscos próprios do veículo.

Mostrando-se de manter o que atrás se deixou exposto sobre o tema em questão, importa agora voltar ao caso dos autos.

Vejamos.

Pretende a demandante ora recorrente que lhe seja fixada uma indemnização como forma de ressarcimento dos seus danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em resultado de uma queda que teve (sofreu) no interior do autocarro da demandada “C DE MACAU”, segurado na “COMPANHIA DE SEGUROS D, S.A.R.L.”, e, no momento, conduzido pelo demandado B.

E certo sendo que provado está que sofreu (efectivamente) a demandante uma “queda” e “lesões” (de vária ordem) em resultado desta, certo é também que da factualidade dada como provada – mesmo após o 2° julgamento – nenhum outro elemento nos parece existir que permita concluir que houve “culpa” por parte do mencionado condutor na referida queda.

Com efeito, sabe-se (apurou-se) apenas que o dito condutor parou o autocarro na paragem em que a demandante o apanhou, que subiu para o mesmo, que logo após entrar no autocarro procedeu ao pagamento da sua viagem, e que quando estava sensivelmente a meio do autocarro, em pé, o autocarro reiniciou a sua marcha, neste momento dando-se a sua queda.

Não se provou – tendo resultado “não provado” – que o condutor “arrancou de forma brusca e/ou súbita”, em desrespeito de normas (mínimas) de segurança para com os passageiros que naquele momento seguiam no autocarro e que como motorista conduzia.


Perante isto, e assim, evidente nos parecendo de afirmar da ausência de qualquer “culpa” por parte do condutor, óbvio se nos mostra que afastada está qualquer possibilidade de se proferir uma decisão condenatória com base na “responsabilidade (subjectiva) por factos ilícitos”.

E haverá então “responsabilidade pelo risco”?

Ora, com o sempre muito respeito por opinião em sentido diverso, a mesma se nos apresenta dever ser a resposta.

Com efeito, e como já se deixou consignado, nesta modalidade de “responsabilidade objectiva” não se deixa de exigir um “nexo de causalidade”, necessário sendo que os danos “ocorram intercedendo com determinadas relações funcionais com o condutor ou que provenham dos riscos próprios do veículo”.

No caso, e como – cremos que – claro ficou, nada nos parece de imputar à conduta do condutor, pois que, nada se provou que indiciasse uma possível “causa” para as lesões pela demandante sofridas.

Porém, não será de se considerar que a queda da demandante está “relacionada” com os “riscos próprios do veículo”?

Admitindo-se que se possa ter outra solução como defensável, não nos parece.

Desde já, há que ter em conta que é permitida a viagem nos autocarros indo os passageiros em pé, e nesta conformidade, estar-se a admitir que “qualquer queda” pudesse ser o resultado do “risco do próprio veículo” era (quase) estar a considerar que tal responsabilidade ocorreria também nos casos em que aquela se verificasse com o autocarro parado, fora de circulação, e quando aquela tem como única causa, “facto negligente do próprio”.

Com efeito, os riscos, têm de ser os riscos “próprios do veículo”, como podia por exemplo suceder com uma travagem brusca, em resultado do rebentamento de um pneu ou avaria do sistema de travões.

Porém, como se viu, provado está apenas que quando o condutor reiniciou a marcha do veículo, a demandante caiu, nada relacionando a “queda” ao dito “arranque”, (ou a outro qualquer “motivo próprio do veículo”), (podendo a queda ter ocorrido por desequilíbrio, escorregadela, tropeção, empurrão ou perda de sentidos da própria ofendida).

E, desta forma, razoável não parece de aqui fazer intervir o instituto da “responsabilidade pelo risco” para se fundamentar a condenação no pagamento da pretendida indemnização a favor da demandante.

Tudo visto, e verificados não estando os pressupostos legais para a procedência do pedido deduzido, improcede o recurso.

Decisão

4. Em face do que se deixou exposto, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo demandante recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que beneficia.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 16 de Dezembro de 2014

José Maria Dias Azedo
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong
Proc. 782/2014 Pág. 14

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