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Processo n.º 26/2014
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
Data da conferência: 21 de Janeiro de 2015
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Processo disciplinar
- Ausência ilegítima
- Inviabilidade da manutenção da relação funcional
- Pena de demissão

SUMÁRIO

1. Nos termos do art.º 109.º n.ºs 1 e 4 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, no caso de doença ocorrida fora de Macau, que torna impossível o regresso e a apresentação no serviço na data prevista, tem o funcionário a obrigação de informar, no prazo de 3 dias úteis, o respectivo serviço e de apresentar documentos comprovativos sobre a doença, logo depois de regressar ao serviço.
2. Ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art.º 90.º do ETAPM, “consideram-se injustificadas as faltas dadas por motivos não previstos ou não justificadas nos termos deste Estatuto”.
3. “A ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil” é prevista na al. c) do art.º 240.º do EMFSM como uma das circunstâncias que legitimam a aplicação da pena de demissão.
4. A inviabilização da manutenção da relação funcional, como um conceito indeterminado, é uma conclusão a extrair dos factos imputados ao arguido e que conduz à aplicação de uma pena expulsiva, sendo uma cláusula geral e não um facto que tenha de ser objecto de prova.
5. O preenchimento dessa cláusula constitui tarefa da Administração a concretizar por juízos de prognose assentes na factualidade apurada, a que há que reconhecer uma ampla margem de decisão.
6. A Administração não está obrigado a punir o militarizado com a pena de aposentação compulsiva se forem aplicáveis à infracção as penas de aposentação compulsiva ou demissão, mesmo que já com o tempo de serviço superior a 15 anos. O que não se pode é aplicar a pena de aposentação compulsiva a um militarizado que não tenha 15 anos de serviço.
7. Quanto às penas disciplinares, a sua aplicação, graduação e escolha da medida concreta cabem na discricionariedade da Administração.
8. E só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável – art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC.
9. Daí que a intervenção do juiz fica reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas situações em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida pelo funcionário.
  
A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
A, guarda do Corpo de Polícia de Segurança Pública, interpôs recurso contencioso do despacho punitivo proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança em 5 de Setembro de 2012, que lhe aplicou a pena de demissão.
Por Acórdão proferido em 5 de Dezembro de 2013, o Tribunal de Segunda Instância decidiu negar provimento ao recurso.
Inconformada com a decisão, vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Com a ausência continuada do serviço por onze dias contínuos, no período que vai de 07.02.2011 a 17.02.2011 (a Recorrente apresentou-se ao serviço no dia 18.02.2011), ausência que não conseguiu justificar por falta de documento comprovativo da doença, que ocorreu no estrangeiro, só foi inobservado o dever de assiduidade – entendimento contrário faria indevida interpretação e aplicação do art. 13.º do EMFSM.
II. O militarizado incorre em infracção disciplinar, sempre que viole um dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado com culpa ou negligência – entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação do art. 196.º do EMFSM.
III. Como se verifica dos factos elencados no despacho punitivo e nenhuns outros resultaram provados, a Recorrente iniciou a sua ausência ao serviço sem sequer representar a possibilidade de, com o facto de permanecer em Taiwan restabelecendo a sua saúde, estar a faltar ao serviço, por haver incorrido em erro sobre o termo do seu período de gozo de férias e, tomando conhecimento que estava a faltar ao serviço, de imediato, contactou o Comissariado de Inquéritos, comunicando o seu erro sobre o seu período de férias e que se apresentaria ao serviço quando tivesse em condições de o fazer, pois havia ficado doente em Taiwan, não podendo empreender a viagem de regresso, comprometendo-se a apresentar o atestado médico justificativo das faltas.
IV. O único facto que realmente a torna culpada de não observar o dever de assiduidade é um facto exógeno, não dependente da sua vontade ou da sua actuação, qual seja o facto de não haver conseguido obter atestado médico com forma suficiente para justificar as faltas dadas ao serviço por doença, como o reconhece o despacho punitivo, que afirma que a sua ausência por 11 dias seguidos, no período que teve início no dia 7 e termo a 17 de Fevereiro de 2011, é ilegítima, por não haver logrado justificar as faltas dadas por doença com um atestado médico; ocorre mera culpa ou negligência, por não haver cuidado de saber se quem lhe estava a prestar o tratamento médico estava em condições de lhe passar atestado médico com forma suficiente para justificação das faltas por doença em que havia incorrido, pelo que, deveria ter sido considerado que a favor da Recorrente concorria ainda a circunstância atenuante prevista no art. 200.º, n.º 1, al. f) do EMFSM – falta de intenção dolosa.
V. O acórdão recorrido declara que é a falta de cuidado na observância do termo das suas férias e a falta de zelo na justificação das faltas que deu que tornam os seus actos censuráveis; se como aí exarado a Recorrente com os seus actos violou só deveres de cuidado que se lhe impunham, há que concluir que a mesma actuou com mera culpa ou negligência, ou seja, com falta de intenção dolosa, concorrendo a seu favor a circunstância atenuante prevista no art. 200.º, n.º 1, al. f) do EMFSM.
VI. A acusação padece de vício de forma, por dela não constarem os factos concretos que levam a que se considere que a favor da Recorrente concorrem as circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar previstas no artigo 200.º, n.º 2, als. b), h) e i) do EMFSM, conforme prescreve o n.º 4 do art. 275.º do EMFSM – a acusação deverá conter a indicação discriminada e articulada dos factos integrantes da infracção. a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar da sua prática, a enumeração das demais circunstâncias que integrem atenuantes e agravantes e ainda a referência aos preceitos legais respectivos e às penas aplicáveis.
VII. O acórdão recorrido encontra que sabendo tanto a entidade recorrida como a Recorrente as realidades referidas e que se subsumem a essas normas, tal vício de forma não releva. No entanto, para a sindincância nomeadamente do despacho punitivo, a acusação deveria ter contido a indicação discriminada e articulada dos factos integrantes da infracção, a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar da sua prática, a enumeração das demais circunstâncias que integrem atenuantes e agravantes e ainda a referência aos preceitos legais respectivos e às penas aplicáveis, pois esses factos quando provados e relevantes interessam à fundamentação do despacho punitivo.
VIII. O julgador em processo disciplinar só pode aplicar as penas de aposentação compulsiva e demissão após concluir que os factos integradores da infracção disciplinar inviabilizam a manutenção da relação funcional, o que no despacho punitivo se não conclui, qualificando sómente a falta como grave - entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação do art. 238.º, n.º 1, do EMFSM.
IX. A Recorrente apesar de haver incorrido na situação de ausência ilegítima durante cinco dias seguidos ou mais, situação elencada no art. 238.º, n.º 2, al. i) do EMFSM, a que se considera poderem ser aplicáveis as referidas penas de aposentação compulsiva e demissão, foi admitida a prestar serviço após a referida ausência, e caso houvesse logrado justificar as faltas com atestado médico, como admitido no despacho punitivo, inexistiria qualquer violação ao dever de assiduidade, o que demonstra que a ausência de “per se”, não é comprometedora da manutenção da relação funcional, não justificando a aplicação no caso da mais grave pena disciplinar prevista na lei – ocorre erro grosseiro na aplicação da pena, entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação do art. 238.º n.º 1, do EMFSM.
X. O artigo 240.º, al. c), do EMFSM, exige para aplicação da pena de demissão, além dos factos consubstanciadores da ausência ilegítima previstos no art. 238.º, n.º 2, al. i), que dos mesmos decorra a inviabilização da manutenção da relação funcional, não decorrendo da verificação dos primeiros, desde logo, sem mais a verificação do segundo.
XI. O acórdão decorrido em reforço do que na conclusão anterior se deixou exarado, consigna “Assim, não se deve manter a relação funcional sempre que os factos cometidos pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, comprometam designadamente, a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a acção da Administração. Se o comportamento imputado ao arguido atingir um grau de desvalor que quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço e o agente, deve considerar-se inviabilizada a manutenção da relação funcional”.
Mas depois em manifesto equívoco, declara “Vem assacada ao recorrente a violação de um conjunto de deveres que afecta gravemente aquela confiança e descredibiliza a corporação”, sem que suporte em quaisquer que se hajam dados como provado para o efeito no despacho punitivo, onde se assca só à recorrente a violação do dever de assiduidade.
XII. Ainda que se considere que se considere que o julgador não pode senão optar pelas penas de aposentação compulsiva ou demissão, atendendo ao teor dos art. 238.º e 240.º do EMFSM, verifica-se que o julgador está vinculado por lei a aplicar a pena de aposentação compulsiva, sempre que conclua pela incompetência profissional ou pela falta de idoneidade moral para o exercício de funções (o que no caso, o julgador nem sequer fez, pois qualifica sómente a falta como grave e apela como justificação para a aplicação da pena de demissão o facto de a favor da Recorrente concorrerem três circunstâncias atenuantes, que, assim, trata como circunstância agravantes), só podendo aplicar a pena de demissão quando o militarizado não reuna 15 anos de tempo de serviço, caso em que, então, terá de aplicar a pena de demissão; tendo a Recorrente 15 anos de tempo de serviço estava o julgador vinculado a aplicar a pena de aponsentação compulsiva – entendimento diverso viola o disposto no art. 239.º do EMFSM, que dispõe no seu n.º 1 que a pena de aposentação compulsiva é especialmente aplicável nos casos em que se conclua pela falta de incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
XIII. De qualquer forma, haveria sempre um erro grosseiro, pois ainda que o julgador estivesse a usar de um poder discricionário – o que por mera hipótese académica se concebe –, verifica-se que o julgador apelando para as circunstância atenuantes, e não concorrendo, no caso, quaisquer circunstâncias agravantes, escolhe das duas penas abstractamente aplicáveis (já por si as duas mais graves elencadas na lei), insuscpetíveis de graduação, a mais grave- violando o disposto no art. 64.º do Código Penal, aplicável “ex vi” art. 256.º do EMFSM e 277.º do ETAPM.

Contra-alegou a entidade recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
1. Os dados constantes dos autos comprovam suficientemente que a recorrente faltou ao serviço por 11 dias seguidos sem causa justificada ou autorização no período entre 7 e 17 de Fevereiro de 2011, infringindo o dever previsto na al. a), nº 2 do artigo 13º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
2. O despacho recorrido considerou profundamente os factos que foram provados objectivamente pelas informações constantes do processo disciplinar e enumerou expressa, sucinta e suficientemente os fundamentos de facto e de direito. Por outro lado, a acusação foi deduzida conforme os requisitos formais fixados por lei.
3. O despacho recorrido foi proferido com base nos factos objectivos e fundamentos jurídicos, não padecendo de nenhum erro ou vício no exercício do poder discricionário que afecta efeito jurídico. Requer-se que seja julgado improcedente o recurso e mantido o acórdão recorrido.

O Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que não merece provimento o presente recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos Provados
Nos autos foram dados como assentes os seguintes factos pertinentes:
- A Recorrente, após gozo do período de férias anual, não se apresentou ao serviço no dia 07.02.2011 começando a faltar nesse dia.
- Após a ausência ilegítima da Recorrente, o Comissariado de Inquéritos tentou várias vezes contactá-la, designadamente através do seu número de telefone, na morada que esta declarou e através de um número de telefone para contacto em Taiwan a que teve acesso por intermédio de um seu amigo, sem êxito.
- No dia 10.02.2011 a Recorrente telefonou ao seu superior hierárquico, de Taiwan, declarando que se havia equivocado acerca da data em que tinha que se apresentar ao serviço, pois pensava que as suas férias terminavam no dia 21 de Fevereiro, mas que não podia regressar a Macau porque estava doente em Taiwan, e que ia entregar o atestado médico após o regresso a Macau;
- Desde o dia 07.02.2011 a Recorrente esteve ausente do serviço por 11 dias contínuos, ou seja, até ao dia 18.02.2011, data em que se apresentou ao serviço.
- A Recorrente quando regressou a Macau declarou não poder apresentar o atestado médico porque esteve na Vila de Puli, no Condado de Nantou, em Taiwan, uma zona montanhosa remota (sem clínica credenciada, mas somente algo semelhante a uma clínica, pelo que, após o tratamento não conseguiu obter qualquer atestado apesar de o haver por inúmeras vezes solicitado).
- Foi-lhe instaurado processo disciplinar e da acusação e relatório consta que beneficia ela das atenuantes previstas no artigo 200º, n.º 2, b), h) e i. - bom comportamento anterior, louvores e boa informação dos superiores-, circunstâncias que a própria recorrente identifica na sua contestação.
- Na sequência do processo disciplinar foi proferido o seguinte despacho punitivo, objecto do recurso contencioso:
“Em cumprimento do disposto nas disposições conjugadas dos artigos do n.º 1 do artigo 285.º, n.º 6 do artigo 289.º, alínea a) do n.º 3 do artigo 311.º todos do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, é notificada a guarda n.º XXXXXX, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, ausente em parte incerta, de que no Processo Disciplinar n.º 33/2011, em que é arguida, foi proferido pelo Ex.mo Senhor Secretário para a Segurança, em 5 de Setembro de 2012, o seguinte despacho punitivo:
Despacho do Secretário para a Segurança n.º 39/SS/2012
Consultados os elementos constantes do presente processo disciplinar, vem suficientemente provado que a arguida, guarda n.º XXXXXX, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, não se apresentou ao serviço após o gozo de férias, ou seja, se ausentou do serviço durante o período de 7 a 17 de Fevereiro de 2011, sem qualquer justificação ou autorização, constituindo-se em ausência ilegítima por 11 dias seguidos. No dia 18 de Fevereiro, a arguida apresentou-se no Comissariado de Inquéritos, serviço a que esta pertence.
Após a ausência ilegítima da arguida, o Comissariado de Inquéritos tentou várias vezes contactá-la, incluindo através do número de telefone, morada que esta declarou e número de contacto de Taiwan a que teve acesso através do seu amigo, mas sem êxito. No dia 10 de Fevereiro, a arguida telefonou para o Comissariado de Inquéritos, dizendo que não conseguiu voltar nem telefonar para Macau a tempo porque estava doente em Taiwan, bem como ia entregar o atestado médico após o regresso a Macau; porém, quando a arguida regressou a Macau, exprimiu que não conseguiu apresentar qualquer atestado médico porque naquele momento estava na Vila Puli do Condado Nantou de Taiwan, uma zona montanhosa remota.
Mesmo que a arguida exprimiu que considerava que as férias terminassem no dia 21 de Fevereiro, esta data e a que consta na Participação de Faltas e Férias são obviamente diferentes. A Participação de Faltas e Férias foi assinada pela arguida, por isso, as palavras desta são increditáveis. Obviamente, se a arguida esteve doente fora do território, devia avisar o Serviço a que pertence o mais rápido possível, designadamente através do telefone, bem como apresentar documento comprovativo após o regresso a Macau. Além disso, em Taiwan, a arguida foi acompanhada pelo seu marido, que também é agente policial do CPSP, assim, o aviso também pode ser feito pelo seu marido. Na situação sem qualquer atestado médico, as respectivas faltas devem considerar-se ilegítimas.
Os factos de ausência ilegítima de que foi acusada, e que se mostram definitivamente consolidados, por serem provados, constituem infracção aos deveres inscritos na alínea a) do n.º 2 do artigo 13.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro. Nos termos da alínea i) do n.º 2 do artigo 238.º do supramencionado Estatuto, são aplicáveis as penas que inviabilizam a relação funcional ao indivíduo que: «Se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil».
Considerando o conteúdo da acusação e as respectivas circunstâncias atenuantes, creio firmemente que a infracção disciplinar desta é grave, daí que não possui as condições básicas para continuar o desempenho de funções.
Nesta conformidade, ouvidos o Conselho Disciplinar do CPSP e o Conselho de Justiça Disciplinar e considerada a censurabilidade da infracção disciplinar e o comportamento anterior da arguida, bem como considerando que a ausência ilegítima desta já ultrapassou muito mais do que os 5 dias seguidos, eu, no uso das competências que lhe são conferidas pela Ordem Executiva n.º 122/2009 e pelo artigo 211.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, e nos termos do Anexo previsto no n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, decido aplicar, ao abrigo da alínea c) do artigo 240.º do referido Estatuto, à arguida A, guarda n.º XXXXXX do CPSP, a pena de demissão.
Notifique a arguida de que da presente decisão cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, nos termos da lei.
Comando do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, aos 13 de Novembro de 2012.”

3. Direito
No presente recurso jurisdicional, foram colocadas as questões respeitantes:
- à ofensa do n.º 4 do art.º 275.º do EMFSM;
- à falta de intenção dolosa na violação do dever de assiduidade;
- à inviabilização da relação funcional; e
- ao erro grosseiro na aplicação da pena de demissão.

3.1. Sobre a ofensa do n.º 4 do art.º 275.º do EMFSM
Desde logo, é de transcrever o conteúdo da referida norma, que dispõe que “a acusação deverá conter a indicação discriminada e articulada dos factos integrantes da infracção, a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar da sua prática, a enumeração das demais circunstâncias que integrem atenuantes e agravantes e ainda a referência aos preceitos legais respectivos e às penas aplicáveis”.
Alega a recorrente que a acusação deduzida nos autos padece de vício de forma, por dela não constarem os factos concretos que levam a que se considere que a seu favor concorrem as circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar previstas no art.º 200.º n.º 2, al.s b), h) e i) do EMFSM, referentes respectivamente ao bom comportamento anterior (al. b)), aos louvores, condecorações ou outras recompensas, concedidos em razão da função e publicados em ordem de serviço (al.h)) e à boa informação dos superiores de quem depende (al.i)).
Ora, tal como se constata nos autos, foram expressamente indicadas na acusação deduzida no processo disciplinar as circunstâncias atenuantes que militaram a favor da recorrente, que são as referidas nas al.s b), h) e i) do n.º 2 do art.º 200.º do EMFSM (art.º 5.º da acusação constante de fls. 37 do processo administrativo instrutor).
E tais circunstâncias, atenuantes da responsabilidade disciplinar, foram também consideradas no despacho punitivo posto em crise para efeito de aplicação da sanção disciplinar, onde se pode ler que “considerando o conteúdo da acusação e as respectivas circunstâncias atenuantes ”, o que significa que a entidade recorrida fez remissão para todo o conteúdo da acusação, incluindo as circunstâncias aí indicadas.
Afigura-se-nos que foi assim devidamente cumprido, ainda por forma muito sucinta, o disposto no n.º 4 do art.º 275.º do EMFSM que, na parte que nos interessa, exige apenas “a enumeração das demais circunstâncias que integrem atenuantes e agravantes”, pese embora a não articulação dos factos concretos que conduziram à conclusão quanto à verificação das circunstâncias atenuantes em causa.
Repare-se que as enumeradas circunstâncias atenuantes se evidenciam claramente no Boletim de Informação Individual da própria recorrente (fls. 29 a 31 do processo administrativo instrutor).
É ainda de salientar que, para a sindincância do despacho punitivo, o que importa é que as circunstâncias atenuantes foram efectivamente consideradas e levadas em conta na decisão de aplicação da pena disciplinar, o que ocorreu no caso ora em apreciação.
Improcede o argumento da recorrente.

3.2. Sobre a falta de intenção dolosa na violação do dever de assiduidade
Ora, constata-se no despacho punitivo impugnado que a recorrente se ausentou do serviço durante o período de 7 a 17 de Fevereiro de 2011, sem qualquer justificação ou autorização, constituindo-se em ausência ilegítima por 11 dias seguidos, com violação do dever inscrito na alínea a) do n.º 2 do art.º 13.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, ou seja, o dever de assiduidade.

De facto, sendo guarda da PSP, a recorrente deve cumprir os deveres gerais previstos no art.º 5.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), que dispõe o seguinte:
Artigo 5.º
(Deveres gerais)
“1. O militarizado, no exercício das suas funções, está exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido na lei, ou, com base nela, pelos órgãos competentes.
2. O militarizado regula o seu procedimento pelos ditames da honra e dedicação ao serviço, devendo enfrentar com coragem os riscos inerentes às missões que lhe são confiadas, se necessário com o sacrifício da própria vida.
3. O militarizado deve constituir exemplo de respeito pela legalidade instituída e actuar no sentido de reforçar na comunidade a confiança na acção desenvolvida pela instituição que serve, em especial no que concerne à sua imparcialidade, devendo conduzir-se permanentemente:
a) Pelo cumprimento dos deveres que a lei impõe e prevenir e opor-se rigorosamente a qualquer violação da mesma, empregando toda a sua capacidade;
b) Pelo respeito da dignidade humana e manutenção e apoio dos direitos humanos de todos os cidadãos, não podendo infligir, instigar ou tolerar qualquer acto de tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, sobre qualquer pessoa;
c) Por uma conduta serena nas diferentes situações, usando a força somente quando estritamente necessária e na extensão requerida para o cumprimento dos seus deveres.
4. Consideram-se ainda deveres gerais do militarizado:
a) O dever de obediência;
b) O dever de isenção;
c) O dever de zelo;
d) O dever de lealdade;
e) O dever de sigilo;
f) O dever de correcção;
g) O dever de aprumo;
h) O dever de assiduidade;
i) O dever de pontualidade;
j) O dever de disponibilidade.”
  
Quanto ao dever de assiduidade, que nos interessa no caso vertente, estabelece o art.º 13.º do mesmo diploma que:
Artigo 13.º
(Dever de assiduidade)
1. O dever de assiduidade consiste em comparecer regular e continuadamente ao serviço.
2. No cumprimento do dever de assiduidade, o militarizado deve, designadamente:
a) Não se constituir na situação de ausência ilegítima, deixando, injustificadamente, de comparecer ao serviço;
b) Não se ausentar do posto de serviço ou de local onde, por motivos funcionais, deva permanecer, a não ser quando devidamente autorizado, ou quando, no exercício das suas funções, deva efectuar de imediato diligências que possam conduzir ao esclarecimento de qualquer acto de natureza criminal.

Por sua vez, encontra-se no mesmo diploma a seguinte norma que regula a infracção disciplinar:
Artigo 196.º
(Infracção disciplinar)
1. Constitui infracção disciplinar o facto culposo praticado pelo militarizado, com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado.
2. A violação dos deveres é punível independentemente da produção de resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiro.
3. Praticados os factos que possam implicar responsabilidade disciplinar, a entidade competente que deles tenha conhecimento e como tal os considere deve determinar a instauração do respectivo procedimento.

No caso vertente, com a ausência ilegítima no serviço, por 11 dias seguidos, incorreu a recorrente na violação do dever de assiduidade, constituindo-se infracção disciplinar, que se traduz, em princípio, na prática do facto culposo.
Alega a recorrente que a sua falta se deveu ao erro sobre o termo do seu período de gozo das férias e na sua conduta ocorre mera culpa ou negligência, por não haver cuidado de saber se quem lhe estava a prestar o tratamento médico estava em condições de lhe passar atestado médico com forma suficiente para justificar as faltas por doença em que havia incorrido, pelo que deveria ter considerado que a seu favor concorria a circunstância atenuante prevista no art.º 200.º n.º 1, al. f) do EMFSM – falta de intenção dolosa.
Sinceramente, não se percebe bem qual foi a razão que conduziu às faltas da recorrente: afinal foi por engano sobre o termo das suas férias ou por doença que a impediu de regressar para Macau?
Admite-se que poderá haver concorrência de duas razões. O que importa é, todavia, fazer prova das situações, não sendo bastante a mera invocação nem alegação vaga e genérica.
Desde logo, é de dizer que, quanto ao invocado erro sobre o termo do período das férias, o que decorre dos autos é que na Participação de Faltas e Férias, devidamente assinada e apresentada ao serviço pela própria recorrente, se constata uma data antes da do seu regresso ao serviço.
E não merece acolhimento a afirmação feita pela recorrente no sentido de considerar como “facto notório e da experiência comum” situações em que inúmeras das pessoas declaram por escrito e subscrevem coisas que não correspondem à sua vontade, por erro, cansaço, inúmeras e inominadas solicitações exteriores.
Não se pode aceitar como mero “erro de escrita”, por si invocado, a situação em que se encontra a recorrente, tendo em conta a sua qualidade de ser guarda da PSP bem como o rigor do documento que a recorrente preencheu e assinou, face à sua relevância para a organização e o bom funcionamento do serviço, para além de que nem sequer foi indicada a razão concreta que a levou a fazer uma declaração não correspondente à sua vontade.
A situação normal é que o funcionário deve verificar bem o número de dias de férias bem como a data em que deve regressar ao serviço, indicados na Participação de Faltas e Férias, que é devidamente preenchida e assinada pelo funcionário e apresentada ao serviço.
Repare-se ainda que nos autos não ficou provado que houve erro ou engano por parte da recorrente na indicação dos dias de férias na Participação de Faltas e Férias.
E o erro, mesmo havendo, nunca pode ser motivo suficiente para justificar as faltas cometidas pela recorrente.

Por outro lado, a recorrente não conseguiu apresentar documento comprovativo sobre a sua doença fora de Macau.
Ora, nos termos do art.º 109.º n.º 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, “o trabalhador que se encontre fora do Território em situação legalmente justificada e aí adoeça, estando impedido de realizar a viagem de regresso e de se apresentar na data prevista, deve informar, por escrito, por si ou por interposta pessoa, o respectivo serviço, no prazo de 3 dias úteis, da ocorrência da doença e sua duração previsível, bem como o local onde possa ser contactado”.
E a doença é comprovada “pelos respectivos elementos de diagnóstico, atestados e relatórios médicos, declarações hospitalares e quaisquer documentos oficiais, a apresentar logo que o trabalhador regresse ao serviço” (n.º 4 do art.º 109.º do ETAPM).
Daí decorre que, no caso de doença ocorrida fora de Macau, que torna impossível o regresso ao serviço na data prevista, tem o funcionário a obrigação de comunicar, no prazo de 3 dias úteis, o respectivo serviço e de apresentar documentos comprovativos desse facto, logo depois de se apresentar no serviço.
No caso vertente, ficou provado que, após a ausência ilegítima da recorrente, ocorrida a partir do dia 07.02.2011, o Comissariado de Inquéritos da PSP tentou várias vezes contactá-la, designadamente através do seu número de telefone, na morada que esta declarou e através de um número de telefone para contacto em Taiwan a que teve acesso por intermédio de um seu amigo, sem êxito. E só no dia 10.02.2011 a recorrente telefonou ao seu superior hierárquico, de Taiwan, declarando que se havia equivocado acerca da data em que tinha que se apresentar ao serviço, que não podia regressar porque estava doente em Taiwan e que ia entregar o atestado médico após o regresso a Macau, o que não foi feito.
Ora, a recorrente não apresentou documentos comprovativos sobre a doença, tendo omitido a sua obrigação, o que torna inviável a confirmação da sua situação de doença conforme a disposição no mesmo art.º 109.º, que tem como efeito a injustificação das respectivas faltas. E é censurável tal atitude, como também a sua ausência, ilegítima, no serviço.
Ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art.º 90.º do ETAPM, “consideram-se injustificadas as faltas dadas por motivos não previstos ou não justificadas nos termos deste Estatuto”.
Daí que é legítimo à entidade recorrida considerar como não justificadas as faltas em que a recorrente tinha incorrido.
Alega a recorrente que não teve cuidado em saber se a pessoa que lhe prestou o tratamento médico estava em condições de passar atestado médico, verificando-se apenas a mera culpa ou negligência.
Ora, a normalidade das coisas é, a nosso ver, que qualquer pessoa com capacidade para prestar tratamento médico pode passar declaração sobre a situação clínica do seu doente, sendo ainda de notar que, nos termos da lei, a doença pode até ser comprovada pelos respectivos elementos de diagnóstico, para além dos outros meios referidos no n.º 4 do art.º 109.º do ETAPM.
A alegação da recorrente encontra-se fora da normalidade das coisas, o que torna pouco aceitável a sua explicação quanto à não apresentação dos documentos comprovativos da doença, na falta de quaisquer provas a não ser as suas declarações e do seu marido.
Analisada a situação vertida nos autos, conjugada com as regras de experiência e a normalidade das coisas, afigura-se não merecer acolhimento a alegação do recorrente quanto à falta de intenção na sua ausência contínua no serviço.

3.3. Sobre a inviabilização da relação funcional e o erro grosseiro na aplicação da pena de demissão
A entidade recorrida decidiu aplicar a pena de demissão, ao abrigo da al. c) do art.º 240.º do EMFSM, enquanto a recorrente pretendeu a aplicação da pena de aposentação compulsiva.
Quanto à matéria ora em causa, dispõem os art.ºs 238.º a 240.º do EMFSM o seguinte:
Artigo 238.º
(Aposentação compulsiva e demissão)
1. As penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis, em geral, por infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional.
2. As penas referidas no número anterior são aplicáveis ao militarizado que, nomeadamente:
a) Agredir, injuriar ou desrespeitar gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, em local de serviço ou em público;
b) Usar de poderes de autoridade não conferidos por lei ou abusar dos poderes inerentes às suas funções excedendo os limites do estritamente necessário, quando seja indispensável o uso dos meios de coerção ou de quaisquer outros susceptíveis de ofenderem os direitos do cidadão;
c) Encobrir criminosos ou prestar-lhes qualquer auxílio que possa contribuir para frustrar ou dificultar a acção da justiça;
d) Por virtude de falsas declarações causar prejuízo a terceiros ou favorecer o descaminho de armamento;
e) Praticar ou tentar praticar acto demonstrativo da perigosidade da sua permanência na instituição ou acto de desobediência grave ou de insubordinação, bem como de incitamento à desobediência ou insubordinação colectiva;
f) Praticar de forma frustrada, tentada ou consumada crime de furto, roubo, burla, abuso de confiança, peculato, concussão, extorsão, peita, suborno e corrupção, associação de malfeitores, consumo e tráfico de estupefacientes, falsificação de documentos e pertença a sociedade secreta;
g) Tomar parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar por qualquer serviço da Administração Pública;
h) Violar segredo profissional ou cometer inconfidência de que resulte prejuízo para o Território ou para terceiros;
i) Se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil;
j) Aceitar, directa ou indirectamente, dádiva, gratificação ou participação em lucros ou outras vantagens patrimoniais, em resultado do lugar que ocupa, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
l) Abusar habitualmente de bebidas alcoólicas ou consumir ou traficar estupefacientes ou substâncias psicotrópicas;
m) For cúmplice ou encobridor de qualquer crime previsto nas alíneas anteriores:
n) Praticar, ainda que fora do exercício das suas funções, acto revelador de ser o seu autor incapaz ou indigno de exercer o cargo ou que implique a perda da confiança geral necessária ao exercício da função.
  
Artigo 239.º
(Aposentação compulsiva)
1. A pena de aposentação compulsiva é especialmente aplicável nos casos em que se conclua pela incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
2. Em qualquer caso, a pena de aposentação compulsiva só poderá ser aplicada se o militarizado reunir, pelo menos, 15 anos de tempo de serviço, sem o que lhe será aplicada a pena de demissão.
  
Artigo 240.º
(Demissão)
A pena de demissão é aplicada ao militarizado que:
a) Tiver praticado qualquer crime doloso punível com pena de prisão superior a três anos, com flagrante e grave abuso da função que exerce e com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Tiver praticado, ainda que fora do exercício das funções, crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos que revele ser o seu autor incapaz ou indigno da confiança necessária ao exercício da função;
c) Praticar ou tentar praticar qualquer acto previsto nas alíneas c), e), f), g), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 238.º

Decorre das disposições legais acima transcritas que tanto a pena de aposentação compulsiva como a de demissão pode ser aplicada às infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional, sendo este o pressuposto de aplicação dessas penas disciplinares, em princípio.
No caso vertente, foi imputada à recorrente a ausência ilegítima no serviço por 11 dias seguidos, que se integra perfeitamente na previsão da al. i) do n.º 2 do art.º 238.º do EMFSM.
Repare-se que a mesma situação – “a ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil”, é também prevista na al.c) do art.º 240.º do EMFSM como uma das circunstâncias que legitimam a aplicação da pena de demissão.
E se se concluir pela “incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções”, é especialmente aplicável a pena de aposentação compulsiva, desde que o militarizado reúna, pelo menos, 15 anos de tempo de serviço.
Ora, tendo em consideração as disposições que prevêem respectivamente a “aposentação compulsiva e demissão” (art.º 238.º), a “aposentação compulsiva” (art.º 239.º) e a “demissão” (art.º 240.º), cuja regulamentação se diverge da consagrada no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau sobre a mesma matéria, que tem apenas uma única norma (art.º 315.º) a reger em conjunto o pressuposto e as situações de aplicação de “aposentação compulsiva ou demissão”, parece se poder tirar conclusão de que é intenção do legislador mandar aplicar a pena de demissão, e não aposentação compulsiva, aos casos referidos nas alíneas c), e), f), g), i), j) e l) do n.º 2 do art.º 238.ºdo EMFSM.
Até se pode pensar que no art.º 240.º do EMFSM são previstas situações às quais cabe necessariamente a pena de demissão, independentemente de a conduta do militarizado integrar ou não a cláusula geral de inviabilidade de manutenção da relação funcional estabelecida no n.º 1 do art. 238.º.
Mesmo assim não se entender, é de afirmar que, é bastante a ausência ilegítima “durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados”, dentro do mesmo ano civil, para se poder aplicar a pena de demissão, desde que se verifique a inviabilização da manutenção da relação funcional.

Na óptica da recorrente, nos termos do art.º 239.º do EMFSM, não tem o julgador qualquer poder discricionário na escolha da pena aplicável, “pois a lei impõe que concluindo pela incompetência profissional ou falta de de idoneidade moral para o exercício das funções, ou seja, para circunstâncias que inviabilizam a manutenção da relação funcional está o julgador obrigado a aplicar a pena de aposentação compulsiva sempre que o militarizado punido tenha 15 anos de serviço”.
Trata-se de equívoco, evidente, da parte da recorrente.
Ora, a afirmação da recorrente encontra-se em manifesta oposição com a disposição no art.º 238.º do EMFSM.
E se acolhesse a tese da recorrente, seria a negar a possibilidade de aplicar directamente a pena de demissão, sem passar pela aposentação compulsiva, ao militarizado que tenha 15 anos de serviço e cuja relação funcional se descortina inviabilizada a manter com a Administração.
O que não é correcto.
Como se sabe, a inviabilização da manutenção da relação funcional, como um conceito indeterminado, é uma conclusão a extrair dos factos imputados ao arguido e que conduz à aplicação de uma pena expulsiva, sendo uma cláusula geral e não um facto que tenha de ser objecto de prova.
Tem-se entendido que o preenchimento dessa cláusula constitui tarefa da Administração a concretizar por juízos de prognose assentes na factualidade apurada, a que há que reconhecer uma ampla margem de decisão.1
E entre as penas de demissão e de aposentação compulsiva, cabe à Administração escolher livremente a pena que achar mais adequada, excepto quando o militarizado não reúna os 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação, caso em que se aplica obrigatoriamente a pena de demissão.2
Por outras palavras, a Administração não está obrigado a punir o militarizado com a pena de aposentação compulsiva se forem aplicáveis à infracção as penas de aposentação compulsiva ou demissão, mesmo que já com o tempo de serviço superior a 15 anos. O que não se pode é aplicar a pena de aposentação compulsiva a um militarizado que não tenha 15 anos de serviço, a que está vinculada a Adminstração.
De modo geral, e no que concerne à pena disciplinar, afirma-se que a sua aplicação, graduação e escolha da medida concreta cabem na discricionariedade da Administração.
E só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável – art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC.
Daí que a intervenção do juiz fica reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas situações em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida pelo funcionário.
E este Tribunal de Última Instância tem entendido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.3
Para Ana Fernanda Neves, “O poder de acertamento da sanção é um poder discricionário da Administração, cujo controlo judicial do seu exercício já não é questionável, nem reduzido ao (inoperativo) desvio de poder e ao erro manifesto de apreciação, entendido que está hoje, aos seus limites intrínsecos, os princípios gerais da actividade administrativa, como os princípios da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade”.4

No caso vertente, não se nos afigura existir erro manifesto ou grosseiro da Administração ao considerar inviabilizada a relação funcional com a recorrente para a aplicação da sanção disciplinar nem manifestamente desproporcional a pena de demissão concretamente aplicada.
Tendo em conta todos os elementos constantes dos autos, designadamente a ausênça ilegítima da recorrente, a gravidade da infracção, o circunstancialismo em que foram dadas as faltas e a culpa da recorrente, é de concluir pela bondade da decisão que lhe aplicou a pena de demissão.
Por um lado, faltou a recorrente, por 11 dias seguidos e sem justificação, ao serviço - Corpo de Polícia de Segurança Pública, que é uma corporação com funções para assegurar a segurança pública, em que se exige, em comparação com os funcionários públicos em geral, uma maior responsabilidade e disciplina dos seus agentes em cumprir com rigor os seus deveres, incluindo o dever de assiduidade, a fim de poder desempenhar as suas funções e prosseguir os interesses públicos.
Por outro lado, e tal como já foi dito, não se descortina na conduta da recorrente a mera culpa, mas sim o dolo, sendo que as faltas injustificadas foram cometidas com intenção dolosa.
Face ao dolo da recorrente, a sua postura quanto às faltas e à comprovação das mesmas, cuja censurabilidade se revela na pouca preocupação e diligência na demonstração do alegadamente sucedido, tal como se afirma no Acórdão recorrido, bem como as exigências especiais sobre a disciplina e a responsabilidade dos militarizados, não parece merecer censura a consideração da Adminstração sobre a inviabilização da relação funcional com a recorrente.
A conduta da recorrente, praticada com dolo, é grave, que revela um grau elevado de insubordinação, indisciplina e irresponsabilidade, e afecta sem dúvida a organização e a administração interna do Corpo de Polícia de Segurança Pública, que implicará reflexão negativa na prestação de serviço por parte desta coporação, comprometendo a manutenção da relação funcional com a Administração, com a quebra da relação de confiança que tem necessariamente de existir entre a Administração e os seus funcionários.
Quanto às circunstâncias atenuantes verificadas, não deixaram de ser ponderadas pela entidade recorrida, tal como se constata no despacho punitivo, não tendo conseguido assumir, no entanto, a relevância atribuída pela recorrente.

Finalmente, imputa ainda a recorrente a violação do disposto no art.º 64.º do Código Penal, aplicável ex vi art.ºs 256.º do EMFSM e 277.º do ETAPM, por a Administração ter escolhido das duas penas abstractamente aplicáveis a mais grave.
Nos termos do art.º 256.º do EMFSM, “o processo disciplinar rege-se pelas normas constantes do presente Estatuto e, na sua falta ou omissão, pelas regras aplicáveis do regime disciplinar vigente para os trabalhadores da Administração Pública de Macau e da legislação processual penal”.
E ao abrigo do art.º 277.º do ETAPM, titulado por “direito supletivo”, aplicam-se supletivamente ao regime disciplinar as normas de Direito Penal em vigor no Território, com as devidas adaptações”.
Daí que, na matéria de processo disciplinar, só nos casos em que se verifica “falta ou omissão” de regulamentação sobre determinados assuntos é que há lugar à aplicação das normas de Direito Penal, que desempenha o papel de “direito supletivo”.
Na realidade, é neste aspecto, de verificação de “falta ou omissão”, que se suscitam dúvidas, já que a matéria ora em causa, a aplicação da pena disciplinar de demissão ou aposentação compulsiva está devidamente regulada no EMFSM, não se vislumbrando necessidade de recorrer a normas de Direito Penal para efeito de integração da lacuna, que de facto não existe.
Repetindo, salienta-se que, quanto à pena disciplinar, a sua aplicação, graduação e escolha da medida concreta cabem na discricionariedade da Administração, sindicável apenas nos casos em que há erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, regra esta que se distingue em muito do direito penal.
É de concluir pela sem razão da recorrente.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça fixada em 6 UC.

   Macau, 21 de Janeiro de 2015

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho

1 Ac.s do Tribunal de Última Instância, de 15 de Outubro de 2003, Proc. nº 26/2003 e de 29 de Junho de 2005, Proc. nº 15/2005.
2 Neste sentido, cfr. Ac. do Tribunal de Última Instância, de 28 de Julho de 2004, Proc. n.º 22/2004.
3 Ac. do Tribunal de Última Instância, de 15 de Outubro de 2003, Proc. nº 26/2003.
4 Ana Fernanda Neves, O princípio da tipicidade no direito disciplinar da função pública, em Caderno de Justiça Administrativa, nº 32, pág. 27, em anotação ao acórdão de 19 de Março de 1999 do Supremo Tribunal Administrativo.
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Processo n.º 26/2014