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Processo nº 662/2014
(Autos de recurso laboral)

Data: 18/Dezembro/2014

Assunto: Guardforce
Contrato a favor de terceiro
Compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal

SUMÁRIO
      - Tendo a Ré ora recorrente prometido perante uma Sociedade fornecedora de mão-de-obra não residente proporcionar condições remuneratórias mínimas e outras regalias aos trabalhadores a contratar, e sendo o Autor ora recorrido um dos trabalhadores contratados nessas circunstâncias, não deixaria de ser ele o terceiro beneficiário na relação estabelecida entre a recorrente e a Sociedade, e por conseguinte, passando a ter direito a uma prestação, independentemente de aceitação, nos termos estipulados no artigo 438º, nº 1 do Código Civil.
      - Nos termos do artigo 17º, nº 6 do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho prestado em dia de descanso semanal é pago pelo dobro da retribuição normal, para além do salário em singelo e do dia de descanso compensatório.
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 662/2014
(Autos de recurso laboral)

Data: 18/Dezembro/2014

Recorrentes:
- A (Autor)

- B (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Ltd (Ré)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM a presente acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do montante de MOP$214.663,00, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$157.256,49, acrescida de juros de mora à taxa legal calculados da data da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformado com a sentença, dela interpôs o Autor recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado.
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2).
5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante os respectivos dias de descanso semanal entre 1996 a 2005, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$75.234,98, e não apenas MOP$37.617,49, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
Conclui, pedindo a procedência do recurso, com a consequente revogação parcial da sentença proferida pelo Tribunal a quo, e substituída por outra que atenda ao pedido formulado pelo recorrente.
*
Também a Ré vem recorrer da sentença, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
a) O julgamento que incidiu sobre o ponto da matéria de facto proveniente do quesito 12º da base instrutória escorou-se nos depoimentos das testemunhas C e D.
b) No respeitante à matéria do aludido ponto da matéria de facto, quando perguntado pelo Ilustre Mandatário do A. sobre se este alguma vez teria faltado sem autorização, a testemunha C afirmou (nas declarações gravadas sob o ficheiro “Recorded on 07-Mar-2014 at 11.32.43 (1%2F!Z$G00711270).WAV”) que “Acredito que isto não é possível, aliás é a regra da companhia (…) agora, quanto aos outros, quando é que requereram, se pediram, não sei.”
c) A testemunha D, a instâncias do Ilustre Mandatário do A. e quando questionado sobre se o A. teria faltado sem pedir autorização, afirmou (nas declarações gravadas sob o ficheiro “Recorded on 07-Mar-2014 at 12.11.19 (1%2G8%KG00711270).WAV”) que “Não pode, porque tem de ter 3 dias de antecedência para o nosso pedido”.
d) Não se nos afigura que as testemunhas tenham demonstrado qualquer efectivo conhecimento acerca do facto sobre o qual se procurava indagar.
e) Ao que não obsta as alusões genéricas à possibilidade de os trabalhadores da R. serem despedidos caso faltassem sem autorização, na medida em que não quedaram demonstradas as circunstâncias em que um tal despedimento poderia ocorrer.
f) Face a todo o exposto, pela reapreciação da prova constante dos autos, nomeadamente do depoimento prestada pelas testemunhas C e D, deverá ser alterada a resposta ao facto acima identificado, julgando-se aquele não provado, com as devidas consequências quanto aos pedidos formulados pelo A.
g) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços.
h) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente.
i) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador.
j) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho.
k) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho.
l) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3º e 9º.
m) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil.
n) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta.
o) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como “contratos de prestação de serviços”.
p) Deles é possível extrair que a Sociedade “contratou” trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.
q) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros.
r) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro.
s) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações.
t) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro.
u) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro.
v) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços.
w) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro.
x) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário.
y) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º/2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest).
z) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal.
aa) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse.
bb) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro.
cc) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos.
dd) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º/2 e 437º do Código Civil.
ee) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer “condições mais favoráveis” emergentes destes contratos.
ff) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais.
gg) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário.
hh) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta também a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação.
ii) Acresce que, como é entendimento unânime na jurisprudência e na doutrina, o pagamento de subsídio de alimentação depende da prestação efectiva de trabalho.
jj) Porém, na decisão recorrida parece ter sido propugnado o entendimento de que as faltas justificadas ou autorizadas que o A. tenha dado ao trabalho em nada relevam para aferição do subsídio de alimentação que lhe será devido.
kk) Ao decidir nesse sentido, o Tribunal recorrido fez errada interpretação da estipulação dos Contratos sobre o subsídio de alimentação, violando o art. 228º/1 do Código Civil.
ll) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade.
mm) Assim sucederá também pela procedência da reapreciação requerida quanto ao ponto da matéria de facto objecto do presente recurso, por falta de suporte factual susceptível de integrar o direito do A. a perceber tal subsídio.
nn) Acresce que, nos termos dos Contratos, o subsídio de efectividade é um mecanismo destinado a premiar a efectiva prestação de trabalho.
oo) Nesse sentido, é para o empregador irrelevante que o empregado, faltando, o faça por motivo atendível e justificado, ou até sob autorização prévia.
pp) Assim, ao decidir no sentido de que as faltas justificadas ou autorizadas não devem ser tidas em conta para a aferição do subsídio de efectividade, a decisão a quo violou uma vez mais o disposto no art. 228º/1 do Código Civil.
Conclui, pedindo a procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alínea A) dos factos assentes)
Desde o ano de 1994, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de 《guarda de segurança》, 《supervisor de guarda de segurança》, 《guarda sénior》, entre outros. (alínea B) dos factos assentes)
A Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., um acordo que denominaram de 《contrato de prestação de serviços》 n.º 29/94 e que tem o seguinte teor parcial: (há aqui um lapso de escrita, pois atento o teor infra, em vez de ser “29/94”, deve ler-se “45/94”)
“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO NO. 245/94 (há aqui um outro lapso de escrita, em vez de ser “245/94”, deve ler-se “45/94”)
Considerando que o Governo de Macau, por Despacho No. SAEF. de 21/12/94, autorizou a B (Macau) Limitada (adiante designada por 1a. outorgante) a admitir 70 novos trabalhadores vindos do exterior.
Nos termos do Despacho acima mencionado e do Despacho no. 12/GM/88 a 1a. outorgante e Sociedade de Apoio as Empresas de Macau, Lda. (adiante designada por 2a. outorgante), celebram o presente contrato…
1. Recrutamento e cedência de trabalhadores.
A pedido da 1a. outorgante, a 2a. contratou a prestação de mão-de-obra oriunda da Birmânia, Filipinas e Hong Kong num total de 70 trabalhadores, …, os quais são por este contrato cedidos à 1a. outorgante, por um período de 2 anos devendo previamente sujeitar-se a uma prova de aptidão a ser realizada pela 1a. outorgante, como condição de admissão ao trabalho.
2. Despesas relativas à admissão.

3. Remuneração dos trabalhadores.
3.1 Os trabalhadores a que se refere o presente contrato auferirão salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $90,00 patacas diárias, acrescida de $15,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação.
3.2 O salário será pago pela 1a. outorgante directamente a cada trabalhador.
3.3 Decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador, este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1a. outorgante paga aos operários residentes no Território.
3.4 Além das retribuições já mencionadas, cada trabalhador terá direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
4. Horário de trabalho e alojamento.
4.1 O horário de trabalho é de 8 horas diárias, a prestar durante o período fixado pela 1a. outorgante, sendo a prestação de trabalho extraordinário remunerado de harmonia com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes.
4.2 Os trabalhadores terão direito a faltar durante dez dias por ano para poderem visitar os seus familiares nos países acima referidos.
4.3 …
5. Assistência
5.1 …
6. Deveres dos trabalhadores.
Os trabalhadores objecto do presente contrato estão sujeitos aos seguintes deveres:
a) de cumprimento da legislação em vigor em Macau;
b) de cumprimento escrupuloso das orientações internas da 1a. outorgante e quaisquer directrizes ou instruções por aquela transmitidas e bem assim das cláusulas do presente contrato que lhes respeitem directamente;
c) de não se afastarem das instalações da 2a. outorgante, sem motivo justificado.
7. …
8. …
9. Provisoriedade
9.1 A 1a. outorgante declara que a autorização de permanência ao seu serviço dos trabalhadores objecto do presente contrato foi concedida a título precário, podendo ser cancelada a qualquer tempo pelo Governo de Macau, caso em que devolverá à 2a. outorgante, no prazo que lhe for indicado, o número de trabalhadores para o qual deixe de ter autorização bastante ou aquele ou aqueles cuja permanência no Território seja pela via competente declarada como indesejável.
9.2 Verificadas as ocorrências previstas no número anterior, a 2a. outorgante obriga-se a receber os trabalhadores considerados excedentários, cedendo-os a outras unidades produtivas autorizadas a contratá-los, ou promovendo o seu imediato repatriamento, conforme o caso.
10. Repatriamento.
11. Prazo do Contrato
11.1 Sem prejuízo do disposto no precedente no no.9.1, o presente contrato terá duração de 2 anos renováveis por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo do Território, a obter até 30 dias antes do seu termo.
11.2 Não se verificando a sua renovação, o presente contrato caduca no seu termo ficando a 2ª. outorgante responsável pelo repatriamento para os países acima referidos dos trabalhadores , e sendo as despesas com essa deslocação suportadas pela 1a. outorgante.
11.3 Este contrato vigorará desde a data da sua aprovação e até à data em que se extinguir a primeira validade do título de identificação de trabalhador não - residente, emitido pelas Forças de Segurança de Macau. (Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau).
12. Disposições finais.

Macau, 27 de Dezembro de 1994”. (alínea C) dos factos assentes)
O Autor trabalhou sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea D) dos factos assentes)
Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alínea E) dos factos assentes)
Foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (alínea F) dos factos assentes)
O referido contrato de prestação de serviço n.º 45/94 foi objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE). (alínea G) dos factos assentes)
Ao longo da relação laboral, a Ré apresentou ao Autor vários contratos individuais de trabalho que foram assinados pelo Autor. (alínea H) dos factos assentes)
Em 03/01/2001, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., um acordo que denominaram de 《contrato de prestação de serviços》 n.º 1/1 e que tem o seguinte teor parcial:
“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO NO. 1/1
Considerando que o Governo da R.A.E.M., por Despacho No. 02420/IMO/SEF/2000 de 30/11/2000, do Exmo. Secretário para a Economia e Finanças, autorizou a B (Macau), Lda – Serviços e Sistemas de Segurança (adiante designada por 1a. outorgante) a renovar 204 trabalhadores não-residentes. Nos termos do Despacho acima mencionado e do Despacho no. 12/GM/88 a 1a. outorgante e Sociedade de Apoio as Empresas de Macau, Lda. (adiante designada por 2a. outorgante), celebram o presente contrato…
1. Recrutamento e cedência de trabalhadores.
A pedido da 1a. outorgante, a 2a. contratou a prestação de mão-de-obra oriunda da Filipinas, Birmânia, Nepal. num total de 204 trabalhadores, com idade compreendida entre os 18 e os 60 anos, boa saúde e bom comportamento, os quais são por este contrato cedidos à 1a. outorgante, por um período de 1 ano devendo previamente sujeitar-se a uma prova de aptidão a ser realizada pela 1a. outorgante, como condição de admissão ao trabalho.
2. Despesas relativas à admissão.

3. Remuneração dos trabalhadores.
3.1 Os trabalhadores a que se refere o presente contrato auferirão salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $2,000.00 patacas mensais, acrescida de -- patacas mensais por pessoa, a título de subsídio de alimentação. (conforme as funções referidas em anexo II)
3.2 O salário será pago pela 1a. outorgante directamente a cada trabalhador.
3.3 Decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador, este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1a. outorgante paga aos operários residentes no Território.
3.4 Além das retribuições já mencionadas, cada trabalhador terá direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
4. Horário de trabalho e alojamento.
4.1 O horário de trabalho é de 8 horas diárias, a prestar durante o período fixado pela 1a. outorgante, sendo a prestação de trabalho extraordinário remunerado de harmonia com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes.
4.2 Os trabalhadores terão direito a faltar durante dez dias por ano para poderem visitar os seus familiares nos países acima referidos.
4.3 …
5. Assistência
5.1 …
6. Deveres dos trabalhadores
  Os trabalhadores objecto do presente contrato estão sujeitos aos seguintes deveres:
a) de cumprimento da legislação em vigor em Macau;
b) de cumprimento escrupuloso das orientações internas da 1a. outorgante e quaisquer directrizes ou instruções por aquela transmitidas e bem assim das cláusulas do presente contrato que lhes respeitem directamente;
c) de não se afastarem das instalações da 2a. outorgante, sem motivo justificado.
7. …
8. …
9. Provisoriedade
9.1 A 1a. outorgante declara que a autorização de permanência ao seu serviço dos trabalhadores objecto do presente contrato foi concedida a título precário, podendo ser cancelada a qualquer tempo pelo Governo da R.A.E.M., caso em que devolverá à 2a. outorgante, no prazo que lhe for indicado, o número de trabalhadores para o qual deixe de ter autorização bastante ou aquele ou aqueles cuja permanência no Território seja pela via competente declarada como indesejável.
9.2 Verificadas as ocorrências previstas no número anterior, a 2a. outorgante obriga-se a receber os trabalhadores considerados excedentários, cedendo-os a outras unidades produtivas autorizadas a contratá-los, ou promovendo o seu imediato repatriamento, conforme o caso.
10. Repatriamento.
10.1 …
10.2 O repatriamento a que se refere o presente contrato será da responsabilidade da 2a. outorgante que se compromete a efectivá-lo imediatamente.
11. Prazo do contrato.
11.1 Sem prejuízo do disposto no precedente no no.9.1., o presente contrato terá duração de 1 ano renovável por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo da R.A.E.M., a obter até 30 dias antes do seu termo.
11.2 Não se verificando a sua renovação, o presente contrato caduca no seu termo ficando a 2ª. outorgante responsável pelo repatriamento dos trabalhadores para os países acima referidos , e sendo as despesas com essa deslocação suportadas pela 1a. outorgante.
11.3 Este contrato vigorará desde a data da sua aprovação e até à data em que se extinguir a primeira validade do título de identificação de trabalhador não - residente, emitido pelas Forças de Segurança de Macau. (Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau).
12. Disposições finais.

Macau, 03 de Janeiro de 2001.” (alínea I) dos factos assentes)
Em 26/03/2001, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de MACAU Lda., um acordo que denominaram de 《contrato de prestação de serviços》 n.º 14/1 e que tem o mesmo teor que o referido em I), com excepção do número de trabalhadores, que é 70, e da data referida a final, que é 26 de Março de 2001. (alínea J) dos factos assentes)
O Autor foi trabalhador não residente até 07/10/2002, sendo residente após 08/10/2002. (alínea K) dos factos assentes)
Em finais de 2000, a R. e a Sociedade de apoio às Empresas de Macau Limitada alcançaram acordo quanto aos termos de uma nova relação contratual de prestação de serviços, destinada a substituir os contratos que até então vinham vigorando entre as partes. (alínea L) dos factos assentes)
Por via de celebração dos referidos contratos “1/01” e “14/01”, a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada decidiram não mais renovar os contratos anteriormente vigentes. (alínea M) dos factos assentes)
Revogando-os e substituindo-os pelos novos contratos (nºs 1/1 e 14/1), que se destinavam a enquadrar todo o fornecimento de mão-de-obra não residente à R. pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada. (alínea N) dos factos assentes).
Entre 01/07/1996 e 30/09/2005, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”. (Quesito 1º da base instrutória, aceite pelas partes)
Foi ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º 45/94, que o Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e ingressou na Ré como seu trabalhador. (Quesito 2º da base instrutória, aceite pelas partes)
A Relação de trabalho entre a Ré e o Autor cessou em 30 de Setembro de 2005, por iniciativa de Ré. (Quesito 3º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Julho de 1996 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,700.00, mensais. (Quesito 4º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,800.00, mensais. (Quesito 5º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Abril de 1998 e Outubro de 2002, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$2,000.00, mensais. (Quesito 6º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Novembro de 2002 e Setembro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$2,100.00, mensais. (Quesito 7º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre 1 de Julho de 1996 e 30 de Junho de 1997, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia, tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$8.00, por hora. (Resposta ao quesito 8º da base instrutória, aceite pelas partes quanto aos valores de remuneração de trabalho extraordinário)
Entre Julho de 1997 e Junho de 2002, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia, tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$9.30, por hora. (Resposta ao quesito 9º da base instrutória, aceite pelas partes quanto aos valores de remuneração de trabalho extraordinário)
Entre Julho de 2002 e Outubro 2002, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia, tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$10.00, por hora. (Resposta ao quesito 10º da base instrutória, aceite pelas partes quanto aos valores de remuneração de trabalho extraordinário)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca a Ré pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (Resposta ao quesito 11º da base instrutória)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho. (Resposta ao quesito 12º da base instrutória)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de 《subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias》. (Resposta ao quesito 13º da base instrutória)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal. (Resposta ao quesito 14º da base instrutória)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, foi remunerada com o valor de um salário diário, em singelo, e sem que lhe tenha sido concedido um dia de descanso compensatório. (A 1ª parte do quesito 15º da base instrutória, aceite pelas partes. Resposta à 2ª parte do quesito 15º da base instrutória)
Por solicitação da Ré, durante todo o período da relação laboral, isto é, entre 1 de Julho de 1996 e 7 de Setembro de 2002, o Autor prestou serviço em todos os seus dias de descanso semanal, durante 12 horas por dia. (Resposta ao quesito 16º da base instrutória)
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Comecemos pelo,
Recurso final da Ré
Da impugnação da matéria de facto constante da resposta ao quesito 12º da base instrutória
Alega a Ré que, partindo da prova produzida em audiência, mormente a testemunhal, nunca poderia o Tribunal a quo dar como provado o facto constante do quesito 12º da base instrutória.
Consagra-se na resposta ao quesito 12º o seguinte:
“Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho.”
Entende a Ré que, de acordo com o depoimento das testemunhas C e D, verificou-se que eles não tinham conhecimento concreto da matéria em causa, pelo que não se deveria dar como provado o tal quesito.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, julgamos não assistir razão àquela recorrente.
Em nossa opinião, reapreciada a prova em discussão, as testemunhas mostraram-se ter conhecimento do facto questionado, nomeadamente, tendo elas durante vários anos exercido funções de guarda de segurança para a recorrente, nas mesmas condições do Autor, e segundo souberam não teve este último faltado ao trabalho sem para tal estar autorizado pela recorrente, para além de que descreveram de forma mais ou menos pormenorizada o procedimento geral implementado na recorrente em matéria de faltas, o qual é igualmente aplicável ao Autor, daí que não se vê razão para alterar a resposta dada ao quesito pelo Tribunal a quo.
*
Da aplicação do direito
A propósito da questão questionada pela recorrente B, este TSI já teve oportunidade de se pronunciar, de forma unânime, em vários processos congéneres, sobre o tipo de relação estabelecida entre a recorrente e a Administração e a natureza jurídica do negócio celebrado entre a recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, citando-se, a título exemplificativo, o conteúdo de um desses arestos (TSI, Processo 778/2010):
“4. Importa atentar no regime da contratação dos não residentes.
Não sem que se observe que, em princípio, só em relação aos residentes há liberdade negocial. A contratação dos não residentes está condicionada a uma autorização administrativa e se é assim actualmente, também o foi no passado.
Esta nota é muito importante para a abordagem do caso vertente, na medida em que os termos e condicionamentos de uma contratação como a presente não dependem ou não podem depender por e simplesmente da vontade dos contratantes, empregador e trabalhador.
Ora, na lógica do defendido pela recorrida e de certa forma com acolhimento na douta sentença recorrida este condicionalismo é marginalizado.
A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n.º 3, alínea d).
Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n.º 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, considerando que o Dec.-Lei n.º 101º/84/M, de 25 de Agosto, onde no capítulo VII se previa a contratação de trabalhadores estrangeiros, apátridas e no capítulo VIII a de cidadãos chineses provenientes da RPC, aí se regulando os pressupostos de contratação e, em relação ao primeiro grupo ainda um conjunto de princípios que deviam enformar essa contratação, em particular a não discriminação baseada na nacionalidade (artigo 51º), foi revogado pelo já referido Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril.

Muito sumariamente que, aliás como a própria recorrida reconhece, o Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
Não se trata de um regime jurídico de determinadas relações laborais, antes de um prontuário procedimental a que devem obedecer as contratações de um determinado grupo de trabalhadores, traduzindo-se muitas das normas em condicionamentos e instruções dirigidas aos respectivos Serviços, não tendo uma natureza normativa instituidora de direitos e obrigações para os sujeitos da relação laboral.
As normas específicas, constantes desse Despacho normativo, vigente enquanto esteve em execução o contrato de trabalho junto aos autos, regulam o procedimento para admissão em Macau de mão-de-obra não residente, impondo, nomeadamente, à Ré, enquanto empresa empregadora, elencam as condições mínimas de contratação que estava disposta a conceder ao trabalhador não residente, para obter a necessária aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, mas esse Despacho nada refere quanto aos princípios, às condições, aos direitos, deveres e garantias a que fica sujeita essa relação de trabalho.
Esta questão não se coloca na actualidade uma vez que o artigo 20.° da Lei n.º 21/2009 de 27/Out. (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) estabelece a aplicação subsidiária do regime geral das relações de trabalho aos contratos com trabalhadores não residentes (aplicação subsidiária essa que já é consentânea com a redacção do artigo 3.°, n.º 3, 1) da Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho), mas no âmbito do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, não existia qualquer remissão para o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, sendo certo que este último diploma mesmo referia, como supra se consignou, que os contratos de trabalho celebrados entre empregadores e trabalhadores não residentes não seriam por ele abrangidos por estarem reguladas pelas normas especiais que se encontrem em vigor, como já acima dito.

6. Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável a este contrato de trabalho, sabido que o mesmo se iniciou em 8 de Outubro de 1996 e cessou em 31 de Maio de 2008.
Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
- o Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
- o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
- o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
- o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.
Tanto mais que está provado que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão-de-obra com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação(…)
É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre a empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
Razões estas, se não apodípticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
“Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora. Entendeu-se assim que a solução do problema passava por uma clara destrinça entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas têm que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a título experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, entendido este com assento na concepção das opções legislativas pro operário e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.
7. Face à defesa, por banda da empregadora, aqui recorrida, das posições desenvolvidas na douta elaboração presente na sentença recorrida a propósito da incursão pelo Direito das Obrigações, para excluir em termos de caracterização do contrato entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, a natureza ínsita a qualquer dos contratos-tipo analisados - contrato de trabalho, contrato para pessoa a nomear, contrato a favor de terceiro, contrato de cedência de trabalhadores, contrato de promessa - não nos eximiremos a algumas poucas palavras sobre o assunto.
Antes de mais, reafirmamos que a força da vinculação a tal regime resulta das normas condicionantes da autorização de trabalho, administrativamente contempladas. Isto é, só o trabalho prestado naquele condicionalismo seria autorizado. Donde, tais cláusulas, previstas nesse contrato serem condição de concessão de autorização de trabalho para aquela situação em concreto.
Não se pode proceder a uma análise desgarrada desse enquadramento e desse condicionalismo, donde, repete-se, o regime jurídico aplicável resultar desse acervo clausulado.
Mas, mesmo numa perspectiva de direito obrigacional puro, não somos a acompanhar, sem escolhos a leitura, aliás com mérito, que o Mmo Juiz faz dos diferentes institutos, muito particularmente no que se refere ao contrato a favor de terceiro.
Mas antes de prosseguirmos importa referir que não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.
A razão excludente da configuração de um contrato a favor de terceiros, na tese do Mmo Juiz a quo, parece-nos algo limitativa.
Porque a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um contrato, tal enquadramento não caberia ao caso.
Não estamos certos desta aparente linearidade.
A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assumpção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho a A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar de Pessoa Jorge.
Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.
As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
Aliás, esta possibilidade de acopulação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.
Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).
Esta aproximação encontramo-la também em Pires de Lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”
Quanto ao argumento avançado na sentença, aliás douta, de que do contrato a favor de terceiros não podem nascer obrigações para o terceiro beneficiário, como está bem de ver, elas não resultam desse contrato, mas sim do contrato de trabalho entre o patrão e o empregado.
Nem se diga que esta posição contraria o sufragado por este Tribunal quando chamado a decidir sobre a excepção relativa à competência do Tribunal, nos termos da qual a ré propugnava pelo cometimento ao tribunal arbitral.
Como nessas decisões já se afirmou, configurar uma ou mais cláusulas do referido contrato, estranho ao trabalhador, como estipuladas a favor de terceiro (neste caso o A.), daí não decorre que essa qualificação se projecte, sem mais, sobre todo o contrato (cfr. art. 400.°, n.º 2 e 437º, n.º 1 do Código Civil).
O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação".
Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
Nem outros direitos a favor de outrem estabelecidos no contrato, muito menos deveres, encargos ou sujeições integrarão a esfera jurídica do terceiro a favor de que tenha sido concretamente instituído um determinado direito.
Para além de que será de entender que essa cláusula compromissória de competência abrange apenas a relação de cobertura ou de provisão entre o promitente e o promissário e não já relação provisionada entre o promitente e o terceiro, ou a relação de valuta entre o promissário e o terceiro”
Na esteira do tal entendimento jurisprudencial, continuamos a julgar ser essa a boa solução para o caso, não se descortinando razão para alterar a posição já tomada nesta Instância.
*
Refere ainda a recorrente que a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário, neste caso a Sociedade, tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, mas o Autor em momento algum o alegou ou provou, pelo que, no seu entender, não é possível qualificar o contrato em causa como contrato a favor de terceiro.
Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar a tese da recorrente.
A prestação corresponde a um interesse digno de protecção legal quando, por um lado, não se visem satisfazer um mero capricho do credor e, por outro, se excluem as prestações que, podendo ser dignas embora da consideração de outros complexos normativos, como por exemplo a religião, a moral, a cortesia, os usos sociais, todavia não merecem a tutela específica do direito.1
Ora bem, no presente caso, a promessa em causa traduz-se numa obrigação de carácter patrimonial ou económico, daí que não se vislumbra falta de interesse digno de protecção legal neste tipo de relação jurídica.
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Dos pedidos
Das diferenças salariais e trabalho extraordinário
Concluído que o contrato de prestação de serviço celebrado entre a recorrente e a Sociedade de Apoio Limitada consubstancia como sendo um contrato a favor de terceiro, é forçoso concluir que a decisão de condenação da recorrente no pagamento das diferenças salariais e da remuneração do trabalho extraordinário não merece qualquer reparo.
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Do subsídio de alimentação
Defende a recorrente que o subsídio de alimentação dependeria da prova do número de dias de trabalho efectivamente prestados pelo Autor, e não tendo sido alegados nem provados os respectivos factos, não poderia o Tribunal a quo ter condenado a recorrente nos termos em que o fez.
Tem razão a recorrente.
Na esteira da jurisprudência deste TSI, designadamente nos Acórdãos dos Processos 376/2012, 322/2013, 78/2012, 414/2012, assinala-se que a atribuição do subsídio de alimentação depende da prestação de serviço efectivo, isto significa que, para se poder efectuar o cálculo do respectivo subsídio, terá que apurar o número de dias de trabalho efectivamente prestados pelo Autor.
Nesta conformidade, uma vez que não foi apurado o número de dias de trabalho efectivo, deve a sentença recorrida ser revogada quanto a esta parte e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar ao Autor o subsídio de alimentação, relegando-se para execução de sentença a liquidação do respectivo valor, nos termos do artigo 564º, nº 2 do Código de Processo Civil.
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Do subsídio de efectividade
Trata-se de uma questão também já amplamente abordada por este TSI em processos congéneres, no sentido de que o trabalhador ora recorrido tem direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta.
Tem-se entendido ainda que na apreciação do tal pedido, as faltas justificadas não são consideradas como fundamento de exclusão do subsídio em apreço.
A título exemplificativo, cita-se o Acórdão proferido no âmbito do Processo 322/2013 deste TSI:
“Em relação a este subsídio, vista a sua natureza e fins - já não se manifestam as razões que levam a considerar que a sua atribuição esteja excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho. Se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade.”
No caso vertente, uma vez provado que durante todo o período da relação laboral, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título do subsídio de efectividade, por um lado, e por outro, nunca o Autor deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, improcede o recurso quanto a esta parte.
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Sobre o recurso final do Autor
Da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal
Entende o Autor ora recorrente que, nos termos do artigo 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho prestado em dias de descanso semanal deveria ser remunerado pelo dobro do salário normal.
Em nossa opinião, julgamos assistir razão ao Autor.
De acordo com a interpretação que tem vindo a ser adoptada de forma quase unânime neste TSI, tem-se entendido que o trabalho prestado em dias de descanso semanal é pago pelo dobro da retribuição normal aos trabalhadores que auferem salário normal, para além do singelo já recebido e do dia de descanso compensatório.
No mesmo sentido, citam-se, a título exemplificativo, os Acórdãos deste TSI, proferidos no âmbito dos Processos 778/2010, 376/2012 e mais recentemente, Processo 61/2014.
Nesta conformidade, por o Autor ter direito a receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do salário em singelo e do dia de descanso compensatório, é revogada a decisão quanto a esta parte, ficando a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$75.234,98, a título de compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente A (Autor), revogando a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$37.617,49, a título de compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, e em sua substituição, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$75.234,98.
Mais acordam em conceder parcialmente provimento ao recurso interposto pela recorrente B (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Ltd (Ré), revogando a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$34.350,00, a título de subsídio de alimentação, e em sua substituição, condenando a Ré a pagar ao Autor o subsídio de alimentação no montante que se vier a liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 564º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Confirmando-se a sentença em tudo o mais.
Custas pelas partes, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao Autor.
Registe e notifique.
***
Macau, 18 de Dezembro de 2014
                   
Tong Hio Fong
(Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição”, este “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
Provado que o Autor ora recorrente já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de, salvo o devido respeito, estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a ser pago pelo quádruplo do valor diário.)

Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª edição, página 109 e 110
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Processo 662/2014 Página 1