打印全文
Processo nº 641/2014(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em 20 de Novembro de 2014 e no âmbito dos presentes autos proferiu este T.S.I. o acórdão seguinte:
“Relatório

1. “A LIMITED”, melhor identificada nos autos, vem recorrer do despacho do Mmo J.I.C. que lhe indeferiu “o pedido de constituição como assistente”, motivando para, a final, apresentar as conclusões seguintes:

“i. O Tribunal a quo andou mal ao desconsiderar todos os elementos constantes dos autos e, por mor disso, fez uma errada interpretação da alínea a) do n.° 1 do artigo 57.° do CPP.
ii. Por outro lado, a decisão recorrida enferma de vício de erro notório na apreciação da prova que resulta dos elementos constantes dos autos, conforme ficou demonstrado na presente motivação de recurso.
iii. De facto, a ora Recorrente viu indeferida a sua constituição como Assistente nos presentes autos com base na data aposta em "duas declarações assinadas pelo proprietário da Patente I/1XX, o Sr. B, e pela proprietária de Patente I/3XX, a C", tendo o Mmo. Juiz a quo considerado que a ora Recorrente não gozava de qualquer direito relacionado com aquelas Patentes à data dos factos sub iudice e do pedido de constituição de Assistente.
iv. Tal não corresponde de todo à verdade porquanto as declarações referidas não mencionam qualquer data correspondente ao início da produção dos efeitos nelas descritos e tiveram como único propósito comprovar judicialmente uma situação de facto existente, em cumprimento do determinado no último parágrafo do Despacho de fls. 1124 dos presentes autos,
v. Carecendo absolutamente de fundamento legal a decisão do Mmo. Juiz a quo ao atribuir eficácia temporal às mesmas declarações.
vi. De facto, os presentes autos foram instaurados com base em denúncia apresentada pela ora Recorrente (entre outras entidades) relativamente a factos que consubstanciam a prática dos crimes de violação do exclusivo da patente ou de topografia de produtos semicondutores - in casu, das patentes I/1XX e I/3XX ~ e de desobediência qualificada.
vii. Os titulares das Patentes I/1XX e I/3XX atribuíram à ora Recorrente, imediatamente após o registo dessas patentes junto da Direcção dos Serviços de Economia, o direito exclusivo de, à escala global, usar, distribuir e prestar manutenção ao material e equipamento que utiliza as invenções objecto das mesmas.
viii, Tal atribuição de direitos não configura um contrato de licença, nomeadamente de exploração, tal como previsto no artigo 12.° do RJPI, mas, outrossim, acordos entre os titulares registados das patentes e a ora Recorrente respeitantes ao uso, distribuição e manutenção do material e equipamento de jogo que utiliza as invenções objecto das Patentes 1/1XX e I/3XX.
ix, Encontra-se na livre disposição do titular de uma patente celebrar acordos de uso ou distribuição dos equipamentos que utilizam a invenção objecto dessa patente, não carecendo os mesmos de qualquer forma específica, nomeadamente a forma de licença prevista no artigo 12.° do RJPI e, muito menos, de registo.
x. Desde momento muito anterior à data da prática dos factos objecto dos presentes autos que a ora Recorrente comercializa, com carácter de exclusividade, o material e equipamento de jogo que utiliza as invenções objecto das Patentes I/1XX e I/3XX.
xi. Encontram-se preenchidos os requisitos do artigo 57.° do CPP, porquanto, como se encontra documentado nos autos, quer em 2011, quer em 2012 - aquando das edições da Exposição "C" que decorrem anualmente no Centro de Convenções e Exposições do D Macau-Resort-Hotel e que foram o palco da prática dos actos ilícitos em causa na presente lide - era a sociedade A Limited, ora Recorrente, quem se encontrava a expor e a comercializar o referido material e equipamento que usa as invenções objecto das Patentes I/1XX e I/3XX violadas.
xii, A Recorrente tem legitimidade para se constituir Assistente nos presentes autos, nos termos do artigo 297,° do RJPI, conjugado com o artigo 57.°, n.° 1, alínea a), do CPP, na medida em que a mesma é (também) titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.
xiii. A prática do crime p.p. pelo artigo 289.° do RJPI, por mor da comercialização, pela Arguida, de equipamento de jogo em violação das patentes cuja invenção é utilizada pelo material e equipamento comercializado pela Recorrente reduz ilegitimamente o número de máquinas por si comercializadas, causando-lhe (avultados) prejuízos financeiros.
xiv. A actividade acima descrita é a única actividade exercida pela ora Recorrente pelo que a mesma é (também) titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação dos actos violadores do direito de exclusivo da patente.
xv. A ora Recorrente foi e é directa e patrimonialmente lesada com a conduta ilícita da Arguida.
xvi. A Recorrente sustentou o seu requerimento de constituição como Assistente num conjunto de direitos que está legitimada a exercer sobre o material e equipamento de jogo que utiliza as invenções objecto das Patentes I/1XX e I/3XX, os quais ficam prejudicados com a conduta ilícita da Arguida.
xvii. Encontra-se nos autos prova suficiente dos factos alegados na presente motivação de recurso.
xviii. Mesmo que assim não se entendesse, e de acordo com a melhor jurisprudência Portuguesa, a verificação da titularidade do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação não pode ser aferida através da apreciação da prova que sobre o mesmo foi produzida em inquérito, antes devendo ser sustentada na participação e no requerimento de constituição como Assistente apresentados pela Recorrente.
xix. A verificação da titularidade do interesse que o legislador quis proteger e da existência de prejuízos corresponde a uma decisão de mérito que, e sempre ressalvado o devido respeito, não poderá ser tomada na fase de inquérito.
xx. A constituição como Assistente é a única forma que o ofendido tem ao seu dispor para intervir em determinadas fases do processo penal, incluindo a fase de instrução.
xxi. Parece resultar claro que o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente a norma constante da alínea a) do n.° 1 do artigo 57.° do CPP.
xxii. Acresce, também, que os elementos constantes dos autos são suficientes para que a decisão recorrida esteja ferida do vício de erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 2 a 14 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Responderam o Ministério Público e a arguida “E LIMITADA”, pugnando o primeiro pela procedência do recurso, e esta última pela integral confirmação do decidido; (cfr., fls. 1498 a 1499 e 1503 a 1522).

*

Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

*

Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Se bem analisamos o conteúdo do despacho recorrido, ressalta do mesmo que o Julgador entende não existirem condições para se reconhecer à recorrente a qualidade de ofendida e, consequentemente, deter legitimidade para se constituir assistente, nos termos da al. a) do n° 1 do art° 57°, CPP, por as declarações por a mesma apresentadas em juízo (através da quais os titulares das patentes 1/1XX e 1/380 lhe conferiram o direito do respectivo uso) terem sido assinadas em 20/5/14 e 16/5/14, daí resultando, que, quer aquando da apresentação do pedido de constituição de assistente, quer do momento da suspeita da violação daquelas patentes, a aqui recorrente "não gozava de qualquer direito sobre as mesmas patentes ".
Serve esta nota para frisar que, verdadeiramente, não põe o julgador "a quo" em crise que, a verificar-se, nos momentos a que se reporta, a prova da aquisição pela recorrente do anunciado direito exclusivo de, à escala global, usar, distribuir e prestar manutenção ao material e equipamento que utilize as invenções objecto das patentes em questão, não lhe assistisse, nesse caso, legitimidade para a almejada constituição de assistente.
De todo o modo, mesmo a entender-se não assistir razão ao julgador "a quo" quanto ao "timing" das declarações, ou respectivo significado quanto ao real momento da atribuição, à recorrente, do direito exclusivo em questão, aquela análise não poderá deixar de ser empreendida nesta sede, dado haver condições para tal.
Nestes parâmetros, encontrando-se na livre disposição do titular de qualquer patente a celebração de acordos sobre o uso ou distribuição de equipamentos utilizando inovações decorrentes dessa patente, não se vê que tais acordos hajam que assumir qualquer forma específica, designadamente em termos de licença ou registo, ao que acresce que das ditas declarações não constará qualquer data a corresponder ao início da produção dos efeitos nelas consignados, nada indicando, também, não corresponder à realidade que, já antes das datas dessas declarações, a recorrente comercializava efectivamente, com carácter de exclusividade, material e equipamento de jogo utilizando as invenções objecto das patentes em causa, como dão conta os acordos celebrados, respectivamente a 30/3/07, 5/4/08 e 28/10/08 entre e recorrente e as sociedades "G, Ld" e "H Corp", para montagem e produção, alem do mais, de máquinas de jogo denominadas "I", utilizando invenção objecto da patente 1/1XX, bem como o facto de em 2011/2012, nas edições da exposição "C"( onde terão ocorrido os factos supostamente delituosos participados), ser a recorrente que expunha e comercializava material e equipamento usando aquelas invenções, havendo, assim, que concluir que à recorrente se apresenta como titular de um conjunto de direitos e interesses a exercer sobre o material e equipamento de jogo com utilização de invenções objecto das patentes, interesse a não poder, obviamente, ser aferido apenas em função da prova produzida em inquérito, devendo tal ponderação passar pela posição desenhada na participação dos factos c no requerimento para a constituição de assistente e mesmo, pela decisão de mérito.
Donde, alinhando, neste passo, pela posição assumida pelo Exmo Colega junto do tribunal "a qua", sermos a entender ter existido indevida interpretação do disposto na al. a) do n° 1 do art° 57°, CPP, a determinar a procedência do recurso”; (cfr., fls. 1550 a 1552).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

2. Vem “A LIMITED” recorrer do despacho do Mmo J.I.C. que lhe “indeferiu o pedido de constituição como assistente”.

Em síntese, (e no que releva), alega que a decisão recorrida incorreu em “erro notório na apreciação da prova” e errada interpretação do art. 57°, n.° 1, al. a) do C.P.P.M..

Vejamos.

Tem o despacho recorrido o teor seguinte:

“Por despacho de 7 de Maio de 2014, este Juízo solicitou à F LIMITED e à A Limited que apresentassem a este Juízo documentos comprovativos do seu estatuto de ofendido no presente processo, ou de titular ou usuário das patentes em causa, no prazo de 10 dias a contar da recepção da notificação.
No dia 8 de Maio de 2014, este Juízo procedeu à notificação dos mandatários judiciais da F LIMITED e da A Limited.
Vieram, pois, a F LIMITED e a A Limited apresentar a este Juízo, em 22 de Maio do ano corrente, isto é, tempestivamente, alegações complementares e documentos concernentes.
A seguir, notificou-se o arguido para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o teor de fls. 1153 a 1168 dos autos, só que ele se manteve em silêncio durante esse período.
O Digno Delegado do Procurador não se opôs ao respectivo requerimento.
*
Cumpre apreciar se a F LIMITED e a A Limited reúnem os requisitos legais para se constituírem assistentes.
Antes de mais, está estipulada no art.º 57.º do Código de Processo Penal a legitimidade para se constituir assistente, dizendo a al. a) do n.º 1 deste artigo: “O ofendido, considerando-se como tal o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maior de 16 anos.”
Além disso, o Decreto-Lei n.º 97/99/M estabelece no seu art.º 297.º: “Além das pessoas a quem a lei do processo penal confere esse direito, podem constituir-se como assistentes nos processos por crime previsto no presente diploma: a) As associações empresariais, legalmente constituídas; b) O Conselho de Consumidores e as associações de consumidores, legalmente constituídas.”
Então, poderão ou não as duas requerentes no caso vertente ser consideradas como ofendidas?
*
Relativamente à F LIMITED, não nos parece que ela assuma a qualidade de ofendido a que se reporta o art.º 57.º, n.º 1, al. a) do CPP.
A disposição do art.º 289.º do Decreto-Lei n.º 97/99/M tem como objectivo proteger o titular da patente ou de topografia de produtos semicondutores, evitando que alguém, sem consentimento seu, viole o seu exclusivo da patente ou de topografia de produtos semicondutores.
Tendo analisado em detalhe os demais dados constantes de fls. 1153 a 1162 dos autos, nota-se que a F LIMITED declarou deter cem por cento das acções da sociedade C LIMITED. Sendo esta titular da patente n.º I/3XX, entendeu a F LIMITED que a conduta violadora do respectivo direito lhe produziu prejuízos.
Todavia, como ensinou o Dr. Manuel Leal-Henriques na sua obra «Manual de Formação de Direito Processual Penal de Macau» : “Doutrinariamente enveredam por uma visão restritiva da ideia de ofendido transposta para a al. a) do n.º 1 do art.º 57.º, e entre outros, FIGUEIREDO DIAS, FIGUEIREDO DIAS e ANABELA MIRANDA RODRIGUES, COSTSA ANDRADE, MAIA GONÇAVES, e eu próprio, com base no entendimento de que, segundo a nossa tradição jurídica, só quem for titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato da infracção poderá assumir o estatuto de ofendido e não também qualquer pessoa lesada ou prejudicada pela prática do crime.”
O autor mais afirmou na aludida obra : “A Jurisprudência portuguesa, por seu lado, tem-se mantido dominantemente do lado da tese restritiva, reafirmando-a mais recentemente num acórdão reforçado, em que decidiu que «deriva da própria expressão da lei que não basta uma ofensa indirecta a um determinado interesse para que o seu titular se possa constituir assistente, pois que não se integram no âmbito do conceito de ofendido ... os titulares de interesses cuja protecção é puramente mediata ou indirecta, ou vítimas de ataques que põem em causa uma generalidade de interesses e não os seus próprios e específicos».”
Ora, a F LIMITED e a C LIMITED são duas sociedades independentes uma da outra, cada uma dotada de personalidade jurídica própria, pelo que àquela, que não é titular da patente em apreço, a suspeita violação de tal patente não produziu um prejuízo directo e imediato. Acresce que a reputação empresarial daquela não é o valor que a referida disposição legal pretende tutelar. Por outro lado, no que toca à desobediência qualificada, dado que com a sua incriminação se procurou proteger o interesse público, sem ser revelado pelo respectivo tipo de crime que sejam igualmente protegidos os privados, particulares ou um determinado indivíduo concreto, não se vislumbra que a F LIMITED tenha legitimidade para requerer a sua constituição como assistente.
Por outra banda, após analisados globalmente os dados constantes dos autos, entende este Juízo que a F LIMITED também não se encaixa nas situações descritas nas al.s b) a e) do n.º 1 do art.º 57.º do CPP.
Face ao exposto, a requerente F LIMITED não preenche nenhuma das al.s a) a e) do n.º 1 do art.º 57.º do CPP, daí que não detenha legitimidade para se constituir como assistente no caso sub judice, decidindo este Juízo pelo indeferimento do seu pedido.
*
No caso da A Limited, considera este Juízo que ela também não tem o estatuto de ofendido mencionado no art.,º 57.º, n.º 1, al. a) do CPP.
Neste caso concreto, a A Limited entregou a este Juízo no dia 20 de Maio de 2014 duas declarações através das quais o titular da patente n.º I/1XX e o titular da patente n.º I/3XX lhe conferiram o direito de usar as respectivas patentes, tendo essas declarações sido assinadas em 20 de Maio de 2014 e em 16 de Maio de 2014, respectivamente.
Dessas declarações resulta que, seja no momento da suspeita violação das patentes em causa, seja no momento da apresentação do seu pedido de constituição como assistente, a A Limited não gozava de qualquer direito sobre as mesmas patentes, considrando este Juízo, portanto, que não há condições para reconhecer esta requerente como ofendida à luz do art.º 57.º, n.º 1, al. a) do CPP.
De modo igual, este Juízo, tendo analisado sinteticamente todos os dados nos autos, considera que a A Limited também não se integra em nenhuma das outras situações previstas nas al.s b) a e) do n.º 1 do art.º 57.º do CPP.
Por fim, em relação ao crime de desobediência qualificada, sendo a situação igual à da F LIMITED, entende este Juízo, pelos mesmos fundamentos, que a A Limited não tem legitimidade para se constituir como assistente.
Nos termos acima expostos, a requerente A Limited não preenche nenhuma das situações estabelecidas nas al.s a) a e) do n.º 1 do art.º 57.º do CPP, decidindo este Juízo, por isso, indeferir o seu pedido”; (cfr., fls. 1479 a 1480-v).

Aqui chegados, e transcrito que ficou o despacho objecto do presente recurso, importa ver se tem o recorrente razão, isto é, se, em face da matéria objecto dos presentes actos, lhe assiste legitimidade para se constituir assistente.

Pois bem, nos termos do invocado art. 57° do C.P.P.M.:

“1. Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas a quem leis especiais conferirem esse direito:
a) O ofendido, considerando-se como tal o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maior de 16 anos;
b) A pessoa de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento penal;
c) Se o ofendido morrer sem ter renunciado à queixa, o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens, os descendentes, os adoptados e a pessoa que com o ofendido vivesse em condições análogas às de cônjuge, ou, na falta deles, os ascendentes, os irmãos e seus descendentes e os adoptantes, salvo se alguma destas pessoas houver comparticipado no crime;
d) Se o ofendido for incapaz, o seu representante legal e as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a ordem aí referida, salvo se alguma dessas pessoas houver comparticipado no crime;
e) Qualquer pessoa, nos crimes cujo procedimento não depender de queixa nem de acusação particular e ninguém se possa constituir assistente nos termos das alíneas anteriores.
2. O assistente pode intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeira ao juiz até 5 dias antes do início da audiência.
3. Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar até à dedução de acusação ou em simultâneo com ela.
4. O assistente só pode intervir no debate instrutório se requerer a sua constituição até 5 dias antes do mesmo ter lugar.
5. O juiz, depois de dar ao Ministério Público e ao arguido a possibilidade de se pronunciarem sobre o requerimento, decide por despacho, que é logo notificado àqueles”.

Nos presentes autos, investiga-se a (eventual) prática dos crimes de, “violação do exclusivo da patente ou de topografia de produtos semicondutores”, p. e p. pelo art. 289° do R.J.P.I. aprovado pelo D.L. n.° 97/99/M de 13.12, de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 312°, n.° 2 do C.P.M. e art. 336°, do C.P.P.M., e ainda de “quebra de selos e marcas”, p. e p. pelo art. 320° do mesmo C.P.M.; (cfr., v.g., o pedido de abertura de instrução a fls. 1214 e segs.).

E, centrando-nos (agora) no primeiro dos referidos “ilícitos”, (que nos parece ser suficiente para a questão), importa ter em conta que nos termos do art. 289° do R.J.P.I.:

“É punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 120 dias quem, em termos de actividade empresarial e com o objectivo de obter para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, e sem consentimento do titular do direito de propriedade industrial:
a) Fabricar os artefactos ou produtos que forem objecto da patente ou de topografia de produtos semicondutores;
b) Empregar ou aplicar os meios ou processos que forem objecto da patente ou de topografia de produtos semicondutores;
c) Importar ou distribuir produtos obtidos por qualquer dos modos referidos nas alíneas anteriores”.

Considerando-se (também) “ofendida” do aludido crime, requereu a ora recorrente a sua constituição como assistente, alegando deter o exclusivo para uso, distribuição e manutenção à escala global do material e equipamento que utiliza as invenções objecto das “Patentes I/1XX e I/3XX”, que diz terem sido violadas e a cuja investigação se procede nestes autos.

No intuito de melhor ponderar e certificar o assim “alegado”, por despacho de 07.05.2014, e concedendo o prazo de 10 dias, determinou o Mmo J.I.C. que a ora requerente o viesse comprovar nos autos; (cfr., fls. 1162 e 1162-v).

Sendo que no dia 22.05.2014, (cfr., fls. 1204 a 1209; e não em 20.05.2014, como certamente por lapso se fez constar no despacho ora recorrido), procedeu a ora recorrente a junção de “2 documentos” para prova do que tinha alegado, acabou porém por ver a sua pretensão indeferida nos termos que atrás já se deixaram transcritos; (cfr., fls. 1479 a 1480-v).

Ora, sem prejuízo do muito respeito por opinião diversa, cremos que a decisão assim proferida e ora recorrida não se pode manter.

De facto, como – bem – nota o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer, (cujo teor aqui se dá como reproduzido), não nos parece que o “interesse” conferidor de legitimidade para a constituição como assistente deva ser apenas aferido em função da “prova produzida”, ou seja, atento o teor dos ditos “documentos”, mas também pela “postura” pela requerente ora recorrente assumida nos autos, que deve ser globalmente analisada, e, essencialmente, “cruzada” com o que a mesma alega.

De facto, estando o processo numa fase inicial, não se mostra de exigir “provas irrefutáveis ou inabaláveis”, fora de qualquer dúvida, como se de uma audiência de julgamento se tratasse.

Porém, mesmo que assim não fosse, (e, pelo menos, em nossa opinião, deve ser), na mesma se nos mostra que a decisão recorrida não pode ser confirmada.

Com efeito, (e quiçá), em bom rigor, adequado não parece de se considerar que tão só apenas (com início) na data dos respectivos “documentos” apresentados pela ora recorrente passou a mesma a deter os direitos e poderes que alega ter, não se podendo deixar de ter em conta que as datas referidas no despacho recorrido 16 e 20.05.2014 tem (natural) como justificação o facto de tão só em 07.05.2014 se ter determinado a sua apresentação, (que como se viu, sucedeu em 22.05.2014).

Importa pois ter em conta que o “interesse” da recorrente sobre as patentes e a matéria em investigação resulta já, de forma nítida, na decisão pelo Mmo Juiz do T.J.B. proferida em 15.05.2012 nos autos aí registados com a referência CV3-12-0003-CPV, (cfr., fls. 1273 a 1286), o mesmo sucedendo da parte dos titulares das mesmas patentes que reconhecem, expressamente, a ora recorrente como detentora dos poderes que a mesma alega ter, como bem se pode ver do “pedido de abertura de instrução” entretanto junto aos autos; (cfr., fls. 1214 e segs.).

E, resultando também dos autos que (até) já corre termos uma acção civil sobre matéria relacionada com a destes autos e em que a ora recorrente figura como ré, (sendo autora a ora arguida), razoável não parece de considerar o que se entendeu como adequado na decisão recorrida.

É verdade que como já entendeu este T.S.I.:

“Atento o preceituado no artº 57º, nº 1, al. a) do C.P.P.M., “ofendido” – para efeitos de se poder constituir assistente – não é toda e qualquer pessoa prejudicada com a perpetração do crime.
Tal preceito, consagra um conceito restrito de ofendido, identificando-se, tão só, como tal, o titular do interesse que constitui objecto directo e imediato da infracção”; (cfr., v.g., o Ac. de 14.11.2002, Proc. n.° 189/2002, do ora relator).

Porém, colhendo-se destes autos que de há anos para cá, (pelo menos, há mais de 2), que está a ora recorrente “relacionada” com as patentes I/1XX e I/180, tudo indicando que detém o “exclusivo para uso, distribuição e manutenção à escala global do material e equipamento que utiliza as invenções objecto” das mesmas, mostra-se de considerar atento o(s) ilícito(s) em questão, que verificada está a situação a que se refere o n.° 1 do art. 57° do C.P.P.M..

Dest’arte, e tudo visto, resta decidir.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, e em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, devendo os autos voltar ao Juízo de Instrução Criminal para, outro motivo não havendo, se decidir em conformidade com o ora consignado.

Custas pela arguida/recorrida – por ter pugnado pela improcedência do recurso – com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.
  (…)”; (cfr., fls. 1557 a 1569 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
  
  *
  
   Notificada do assim decidido, e tempestivamente, veio a recorrida “E LIMITADA” imputar “irregularidade” ao transcrito acórdão, alegando que não tinha sido notificada do Parecer que, em sede de vista, pelo Ilustre Procurador Adjunto foi junto aos autos; (cfr., fls. 1575 a 1585).
  
  *
  
   Pronunciando-se sobre o expediente pela recorrida (agora) apresentado, consideram o Exmo. Representante do Ministério Público e a recorrente “A LIMITED” que o mesmo não deve ser atendido; (cfr., fls. 1988 a 1990 e 1991 a 1998).
  
  *
   Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Como resulta do que até aqui se deixou consignado, vem a recorrida “E LIMITADA” arguir a irregularidade do acórdão por este T.S.I. prolatado em 30.11.2014, alegando, como seu fundamento, a falta da sua notificação do Parecer pelo Ilustre Procurador Adjunto apresentado em sede de vista que teve dos autos.

Cremos, porém, que carece de razão, (pouco se mostrando de dizer).

Vejamos.

Nos termos do art. 407° do C.P.P.M.:

“1. Colhido o visto do Ministério Público o processo é concluso ao relator para exame preliminar.
2. Se, na vista, o Ministério Público suscitar questão que agrave a posição processual do arguido, este é previamente notificado para, querendo, responder, no prazo de 20 dias.
(…)”; (sub. nosso).

Atento o que estatui o n.° 2 do transcrito comando legal, e tendo em conta o teor da motivação e conclusões da recorrente assim como do douto Parecer que o Ilustre Procurador Adjunto juntou aos autos, (e que também se deixou transcrito), evidente se nos mostra que, neste, não se suscitou nenhuma “questão” (e muito menos) que tenha “agravado” a situação processual da ora requerente.

De facto, e como de uma mera leitura ao mesmo Parecer se pode constatar, com o mesmo limitou-se o Ilustre Procurador Adjunto a emitir a sua “opinião”, expondo os argumentos que entendeu adequados e pertinentes sobre a “questão” colocada no recurso da “A LIMITED”, ou seja, quanto ao “acerto” da decisão recorrida que indeferiu o pedido pela (então) recorrente apresentado ao Mmo JIC requerendo a sua constituição como assistente, (ou, mais concretamente, se “reunidos estavam os pressupostos legais para tal”).

Resulta porém do expediente pela ora requerente apresentado que considera a mesma que, sempre que no seu Parecer não se limite o Ministério Público a apor o seu visto ou a expressar a sua (mera) concordância com a posição assumida em sede de 1ª Instância se deve proceder à sua notificação.

Ora, é certamente, um entendimento possível. Todavia, não se nos mostra de adoptar.

Com efeito, a redacção do preceito em questão (art. 407°, n.° 2 do C.P.P.M) parece-nos clara no sentido de que tal “notificação” só deve ocorrer quando no referido Parecer se venha a suscitar “questão que agrave a posição do recorrente”.

E, como sabido é, e como se pode ler no recente Ac. do S.T.J. de 20.11.2014, Proc. n.° 810/04, importa não confundir “questões”, (cuja omissão de pronúncia desencadeia a nulidade da decisão), com “argumentos, razões ou motivos aduzidos em sua defesa”; (in “www.dgsi.pt”; no mesmo sentido, vd. também A. Varela, in R.L.J., Ano 122°, pág. 112, onde se considera igualmente que “não pode confundir-se de modo nenhum, na boa interpretação da alínea d) do art° 668° do CPC, as questões que são colocadas, que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto e de direito), os argumentos e pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão”).

Dest’arte, não se nos afigurando que no seu Parecer junto aos autos tenha o Ilustre Procurador Adjunto suscitado qualquer “questão”, (no sentido em que esta se mostra de considerar) – e, desta forma, não nos parecendo de acolher a tese da ora requerente, que tudo indica, assenta no preceituado no art. 417°, n.° 2 do C.P.P. português, cuja redacção difere do estatuído no art. 407°, n.° 2 do C.P.P.M. – visto está que necessária não era a reclamada notificação, inexistente sendo a alegada irregularidade.

Decisão

3. Nos termos do exposto, acordam indeferir a pretensão apresentada.

Pagará a requerente as custas do presente incidente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Macau, aos 15 de Janeiro de 2015

________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator)

_________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc. 641/2014-I Pág. 14

Proc. 641/2014-I Pág. 13