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Processo n.º 115/2014. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrida: Secretária para a Administração e Justiça.
Assunto: Residente de Macau. Cidadão chinês. Artigo 24.º, alínea 2), da Lei Básica. Artigo 1.º, n.º 1, alínea 2), da Lei n.º 8/1999. Residência habitual em Macau. Aplicação da lei no tempo. Título de permanência temporária. Cédula de identificação policial.
Data da Sessão: 28 de Janeiro de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – Aos requisitos para o reconhecimento do estatuto de residente de Macau, com fundamento em residência habitual em Macau antes do estabelecimento da RAEM, aplicam-se as normas actualmente vigentes (artigos 24.º da Lei Básica e 1.º da Lei n.º 8/1999).
II – A um cidadão chinês não nascido em Macau, sem ser filho de residente de Macau, para que possa ser considerado residente permanente de Macau, aplica-se-lhe os requisitos previstos no artigo 24.º, alínea 2), da Lei Básica e no artigo 1.º, n.º 1, alínea 2), da Lei n.º 8/1999: é necessário ter residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM.
III – Quanto à questão de saber se um cidadão chinês não nascido em Macau, sem ser filho de residente de Macau, residiu legalmente em Macau, antes de 20 de Dezembro de 1999, será às leis então vigentes que temos de recorrer, face às regras de aplicação da lei no tempo, previstas no artigo 11.º do Código Civil.
IV - Os títulos de permanência temporária foram títulos de identificação que foram entregues aos indivíduos que estavam ilegalmente em Macau, isto é, indocumentados vindos do Interior da China, aquando de duas operações de legalização de imigrantes ilegais, ocorridas em 1982 e 1990. Os títulos de permanência temporária não atribuíram a qualidade de residente de Macau aos seus portadores.
V - A cédula de identificação policial foi um documento emitido pelas autoridades de Macau destinado aos anteriores titulares de título de permanência temporária.
VI - As cédulas de identificação policial conferiam a qualidade de residente de Macau.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima


  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A (doravante designado por recorrente) interpôs recurso contencioso de anulação do despacho da Secretária para a Administração e Justiça, de 28 de Maio de 2013, que, em recurso hierárquico, manteve a decisão do Director dos Serviços de Identificação (SIM), que lhe indeferiu pedido de emissão de certificado de confirmação do direito de residência em Macau.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 26 de Junho de 2014, negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões na sua alegação:
- O TUI deve dar como provado factos que o Tribunal recorrido não deu por provados: que o Recorrente passou parte da sua vida de adulto em Macau e 20 anos internado num Estabelecimento Prisional da China e que, segundo informações prestadas pelo Departamento de Polícia de Segurança Pública da Província de Guangdong em resposta à Direcção dos Serviços de Identificação de Macau, para que o Recorrente possa instalar-se no Interior da China, tem que apresentar certidão do Documento de Identificação emitido pela DSI (Macau); certidão do registo predial e prova de relação de parentesco com alguém residente da China. No caso de não ter propriedade predial, pode inscrever-se no livro de família dos seus parentes em linha recta, certo sendo que a familiar directa que tem é residente na RAEM.
- O recorrente residiu habitualmente em Macau por sete anos consecutivos, antes do estabelecimento da RAEM, para poder ser considerado residente permanente da RAEM e, portanto, o acórdão recorrido, ao assim não entender, violou o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea 2) e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 8/1999.
- O acórdão recorrido violou princípios de direito internacional.
O Ex.mo Procurador-Adjunto emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
Estão provados os seguintes factos:
- O recorrente é natural da China;
- Em data não determinada, mas sempre anterior a 26 de Abril de 1982, entrou ilegalmente em Macau;
- Em 10 de Abril de 1982, no âmbito de operação do registo dos trabalhadores indocumentados, foi-lhe emitido o Título de Permanência Temporária;
- Em 4 de Outubro de 1984, foi-lhe emitida pela PSP a Cédula de Identificação Policial, com o prazo de validade até 4 de Outubro de 1989;
- Em 20 de Novembro de 1987, foi entregue pelas autoridades policiais às autoridades chinesas – vide a matéria de facto provada na sentença condenatória do Tribunal Intermédio da Cidade de Zhuhai e na sentença que a confirmou, proferida pelo Tribunal Superior da Província Guargdong;
- E a partir dai, ficou formalmente internado na China pelas autoridades chinesas;
- Em 18 de Julho de 1988, foi formalmente detido e mantido na prisão preventiva na China;
- Por sentença penal de 12 de Outubro de 1988 do Tribunal Intermédio da Cidade de Zhuhai da Província de Guangdong, foi condenado na pena perpétua;
- Sentença condenatória essa que foi posteriormente confirmada em sede de recurso pelo Tribunal Superior da Província de Guangdong;
- Manteve-se preso por cumprimento da pena;
- Posteriormente foi convertida na pena de prisão de duração determinada a pena perpétua a que foi condenado o recorrente;
- Em 25 de Setembro de 2008 foi posto em liberdade, por cumprimento integral da pena.
- Mediante o requerimento datado de 8 de Outubro de 2008, pediu ao SIM que lhe fosse emitido o Certificado de Confirmação do Direito de Residência;
- Por despacho do Director dos SIM de 19 de Março de 2013, foi indeferido tal requerimento;
- Inconformado, recorreu hierarquicamente do indeferimento para a Secretária para a Administração e Justiça que, por despacho de 28 de Maio de 2013, manteve a decisão recorrida, com base no seguinte parecer:
“I. APRESENTAÇÃO DE FACTOS
1. O ora recorrente A, natural do Interior da China, onde nascido em X de X de 19XX, veio requerer o "Certificado de Confirmação do Direito de Residência" em 2008 (pedido n. o XXXX-XXXXXX) e declarou que foi extraditado pela Polícia Judiciária de Macau em 20 de Novembro de 1987, para o Interior da China.
2. Em resultado da operação do registo dos trabalhadores indocumentados, o ora recorrente conseguiu obter o talão de registo n.º XXXXXXXX, datado de 10 de Abril de 1982, e no dia 26 do mesmo mês foi-lhe atribuído o Título de Permanência Temporária, denominado em chinês (quanto à questão da denominação, em chinês, desse documento, ver a parte da análise jurídica do presente parecer).
3. Posteriormente, em 4 de Outubro de 1984, foi lhe emitida pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau uma Cédula de Identificação Policial n.º XXXXXX, válida até 4 de Outubro de 1989.
4. O período da permanência em Macau com a posse do Título de Permanência Temporária não é considerado como período de residência habitual em Macau, sendo por esta razão que a DSI somente reconhece que o ora recorrente residiu habitualmente em Macau entre os anos de 1984 e 1987, ou seja, o período compreendido entre a data da emissão da CIP n.º XXXXXX do CPSP de Macau e a data da sua extradição para a China Continental.
5. Pelo que, o ora recorrente não satisfaz os 7 anos consecutivos de residência habitual em Macau, previstos na alínea 2) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, não tem estatuto de residente permanente de Macau, motivo pelo qual, em 30.10.2008, a DSI decidiu indeferir o pedido da emissão do "Certificado de Confirmação do Direito de Residência" do ora recorrente.
6. Em 28 de Dezembro de 2009, o ora recorrente apresentou alegações escritas e sentença criminal da Série "Shao Xing Zhi (2008) n.º XXXXX do Tribunal Popular de Nível Médio da Cidade de Shaoguan da Província de Guangdong", da qual consta (Por decisão criminal da Série "Yue Fa Xing Jing Shang Zi " n.º "XX", proferida pelo Supremo Tribunal Popular da Província de Guangdong, de 22.11.1988, o arguido A é condenado a prisão perpétua e privação permanente dos direitos políticos, por crime de furto.). Ademais, apresentou ainda o Certificado da Libertação n.º XXX da série "Shao Jian Xing Shi (2008)", comprovando que foi libertado em 25 de Setembro de 2008 pelo cumprimento da pena.
7. Dado que os elementos apresentados não foram possíveis de comprovar a residência habitual em Macau durante 7 anos consecutivos, o ora recorrente foi notificado por nosso Oficio n.º XXXXX/DIR/2010, de 03.02.2010, de que é mantida a decisão inicial da DSI.
8. O advogado do ora recorrente, na sua carta dirigida à DSI, com data de entrada a 02.01.2013, manifestou que o seu constituinte já era portador do Título de Permanência Temporária desde 1982 e detinha Cédula de Identificação Policial emitida pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau com prazo de validade até 1989, entendendo que se completaram 7 anos consecutivos de residência habitual em Macau, o ora recorrente tem estatuto de residente permanente de Macau e afirmou ainda que é aplicável à situação envolvida no presente caso o disposto do 30. º (prazo excepcional) do Decreto-Lei n.º 6/92/M, de 27 de Janeiro, e que a tal situação não está adstrito prazo estabelecido no artigo 26.º do mesmo diploma, pelo que o advogado do ora recorrente requer que fosse emitido o Bilhete de Identidade de Residente da RAEM ao seu constituinte, por considerar que é permitida a substituição por Bilhete de Identidade de Residente da RAEM com base na Cédula de Identificação Policial n.º XXXXXX do CPSP de Macau, de que o ora recorrente é titular.
9. Tendo em consideração que o ora recorrente não se enquadra dentro do previsto no n.º 1 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 6/92/M e não satisfaz os requisitos da alínea 2) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, torna-se impeditivo confirmar o estatuto de residente permanente de Macau do ora recorrente, nesta conformidade, por intermédio do nosso Oficio n.º X/GAD/2013, de 04.02.2013, o advogado do ora recorrente foi comunicado pela DSI para pronunciar-se por escrito.
10. Em 25 de Fevereiro de 2013, a DSI recebeu alegações escritas do advogado do ora recorrente, este sustenta que as "instituições públicas ou privadas de solidariedade social" e os "estabelecimentos prisionais" mencionados no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 6/92/M comportam o sentido que engloba as instituições públicas ou privadas de solidariedade social e os estabelecimentos prisionais no exterior de Macau, daí que o artigo 30.º é aplicável à situação do ora recorrente e não está sujeito ao cumprimento do prazo determinado no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 6/92/M.
11. No entanto, por ter sido revogado o Decreto-Lei n.º 6/92/M pela entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 19/99/M, o ora recorrente não pode subsumir os factos ao Decreto-Lei n.º 6/92/M, que já perdeu a sua eficácia, para a requisição do Bilhete de Identidade de Residente da RAEM, e na situação em que não se tem provado o preenchimento das condições previstas na alínea 2) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, o ora recorrente não possui o estatuto de residente permanente de Macau. Assim sendo, em 19.03.2013, a DSI decidiu não lhe emitir o Bilhete de Identidade de Residente da RAEM, nos termos da lei, consoante o teor da Proposta n.º XX/GAD/2013 e na mesma data, foi notificado o advogado do ora recorrente da decisão do indeferimento por intermédio do Oficio n.º XX/GAD/2013.
12. Para além disso, importa referir que por lapsos de escrita encontrados nos textos do Oficio n.º X/GAD/2013, no seu ponto n.º 3, e do Oficio n.º XX/GAD/2013, no seu ponto n.º 4, onde se lê: (só nos foi possível confirmar a residência do requerente em Macau no período compreendido entre os anos de 1984 e 1989, com base na Cédula de Identificação Policial nº XXXXXX, que a Polícia de Segurança Pública tinha concedido ao requerente) deve ler-se (só nos foi possível confirmar a residência do requerente em Macau no período compreendido entre o ano de 1984, data em que lhe foi emitida pelo CPSP de Macau a Cédula de Identificação Policial n.º XXXXXX e o ano de 1987, data em que o ora recorrente foi extraditado para a China Continental (o sublinhado é o que se pretende salientar)
II. ANÁLISE JURÍDICA
Após análise do recurso hierárquico interposto pelo ora recorrente representado pelo seu advogado, verificam-se controvérsias nas seguintes questões:
1) Questão do direito de residência do ora recorrente
O advogado do ora recorrente entende que com a posse do Título de Permanência Temporária em 1982 e da Cédula de Identificação Policial em 1984, emitida pelo CPSP de Macau esta válida até 4 de Outubro de 1989, já se completaram 7 anos de residência habitual em Macau (de 1982 a 1989).
Esta Direcção de Serviços tinha solicitado, junto do assessor do Secretário para a Segurança e do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), informações sobre a base legal relativa à concessão do Título de Permanência Temporária, mas o CPSP nos informou que não conseguiu encontrar legislações a esse respeito. Mas, partindo-se da denominação, em português, "Título de Permanência Temporária", percebe-se que pela posse deste documento, só era permitido ao seu portador permanecer legalmente em Macau, e não lhe era conferida a qualidade de residente de Macau. Outrossim, tendo em conta que naquela altura as leis eram elaboradas em português, deve-se prevalecer a versão em português. O nome chinês é resultado da questão da tradução para chinês, visto que a expressão "Permanência" corresponde em chinês não se deve traduzi-la para chinês, utilizando a expressão (residência), pelo que o nome correcto em chinês deve ser o "Título de Permanência Temporária", e foi o que sucedeu em 1990, na concessão do Título de Permanência Temporária aos indocumentados registados na "operação de 3.29", o documento emitido denomina-se igualmente em português "Título de Permanência Temporária ", mas em chinês alterou para (Decreto-Lei n.º 49/90/M, de 27 de Agosto), este Decreto-Lei dispõe expressamente, no seu artigo 4.º n.º 2, que aos portadores do Título de Permanência Temporária não é reconhecida a qualidade de residente de Macau. Sob a análise do contexto da concessão do Título de Permanência Temporária em 1982, segundo as reportagens dos jornais (vide anexo 1 e 2), em 1982 a Associação Comercial de Macau, encarregada pelo Governo de Macau, efectuou o registo dos trabalhadores e seus agregados familiares ambos indocumentados e dos familiares indocumentados dos trabalhadores com documento de identificação, e aos registados foram emitidos os talões de registo, procurando colaborar com o Governo, no sentido de obter estatísticas do número dos trabalhadores indocumentados, em articulação com a definição de um planeamento tecnicamente viável, não é uma iniciativa de "amnistia ", não significa que confere aos registados o direito de residir legalmente em Macau ou a possibilidade de obter de imediato a Cédula de Identificação Policial. Após a respectiva operação de registo, aos registados foram emitidos pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública, títulos de permanência temporária com prazo de validade, cuja renovação estava dependente da decisão da entidade emissora em função da situação do portador desse documento, isto até 1984, ano em que se levou a cabo a concessão da Cédula de Identificação Policial aos portadores do Título de Permanência Temporária. Da análise do contexto e da natureza da concessão do Título de Permanência Temporária, o objectivo da atribuição do Título de Permanência Temporária era só para posteriormente emitir aos titulares do TPT a Cédula de Identificação Policial, daqui percebe-se que o TPT era um documento de carácter transitório e não atribuía aos seus portadores o estatuto de residente de Macau, se o portador do TPT não reunisse as condições jamais poderia atribuir-lhe a Cédula de Identificação Policial. Além disso, naquela altura, era atribuída a qualidade de residente de Macau a portadores da Cédula de Identificação Policial do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau (Decreto-Lei n.º 40/81/M, de 11 de Novembro), portadores da autorização de residência (Diploma Legislativo n.º 1796) e portadores do Bilhete de Identidade (Decreto-Lei n.º 79/84/M, de 21 de Julho).
Sendo assim, a posse do Título de Permanência Temporária não pode ser contado para efeitos da contagem do tempo de residência habitual em Macau. Somente foi possível confirmar que o ora recorrente residiu habitualmente em Macau durante o período compreendido entre o ano de 1984, data em que foi lhe concedida a Cédula de Identificação Policial n.º XXXXXX do CPSP de Macau e o ano de 1987, data em que foi extraditado para a China Continental, daqui conclui-se que não têm sido completados os 7 anos consecutivos de residência habitual em Macau, não se considera demonstrado o preenchimento dos requisitos previstos na alínea 2) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 《Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau》, o ora recorrente não tem o estatuto de residente permanente de Macau.
Se não estiver de acordo com a interpretação acima exposta, e se partilhássemos o entendimento do advogado do ora recorrente, significaria que o tempo da residência do ora recorrente deve ser contado a partir da data em que lhe foi atribuído o Título de Permanência Temporária, ou seja, a partir de 1982, mas, consoante o referido pelo próprio recorrente e pelo seu advogado, o ora recorrente começou a cumprir a pena em prisão na China Continental em 1987, o que obsta perfazer 7 anos de residência habitual em Macau, contados a partir de 1982 até 1987, pelo que também não se mostra satisfeito o previsto na alínea 2) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999.
2) O prazo excepcional definido no n.º 1 do art.º 30.° do Decreto-Lei n.º 6/92/M, de 27 de Janeiro
Do Decreto-Lei n.º 6/92/M, de 27 de Janeiro, no seu artigo 30.º n.º 1, resulta que "Os utentes internados em instituições públicas ou privadas de solidariedade social e os reclusos dos estabelecimentos prisionais, titulares de cédula de identificação policial ou de bilhete de identidade, estão dispensados da apresentação do pedido de BIR nos prazos referidos nos artigos 26.º e 29.º e está regulado no n.º 2 do mesmo artigo que "Para efeitos de emissão de BIR a favor dos indivíduos referidos no número anterior, os SIM farão deslocar pessoal às instituições e estabelecimentos prisionais em data previamente acordada. "
É certo que o Decreto-Lei n.º 6/92/M, no seu artigo 30.º n.º 1, não especificou expressamente que abrange apenas as "instituições públicas ou privadas de solidariedade social" e os "estabelecimentos prisionais" de Macau, mas também não determinou expressamente que engloba "instituições públicas ou privadas de solidariedade social" e os "estabelecimentos prisionais" fora de Macau. No entanto, independentemente do lugar das "instituições públicas ou privadas de solidariedade social" e os "estabelecimentos prisionais" referidas no articulado supra citado, o n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 6/92/M vem prever a possibilidade de fazer-se deslocar pessoal, na data previamente acordada, às "instituições públicas ou privadas de solidariedade social" e os "estabelecimentos prisionais" para ajudar os indivíduos incapacitados fisicamente para poder deslocar-se aos serviços competentes e os reclusos a tratarem do BIR. Na realidade, à DSI não é possível conhecer nem é possível saber quantas pessoas, titulares da Cédula de Identificação Policial ou Bilhete de Identidade, estão em "instituições públicas ou privadas de solidariedade social" e "estabelecimentos prisionais" no estrangeiro, por isso, as respectivas pessoas devem tomar iniciativa de requerer à DSI o serviço externo, dando-nos a conhecer o motivo que o impossibilite a sua deslocação à DSI para tratamento do documento de identificação para que a DSI possa providenciar arranjos. Todavia, no caso vertente, o ora recorrente não tinha apresentado qualquer requerimento à DSI, a solicitar o envio de pessoal ao local onde ele se encontrava para tratamento do BIR.
Ademais, o Decreto-Lei n.º 6/92/M foi revogado pelo disposto do n.º 1 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 19/99/M e este, no seu artigo 39.º, veio a prever que "São nulos e não podem ser usados para qualquer efeito as cédulas de identificação policial e os bilhetes de identidade de cidadão estrangeiro emitidos pelos serviços competentes do Território". O prazo excepcional referido no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 6/92/M já não tem eficácia, em consequência da revogação desse Decreto-Lei. O ora recorrente não pode requerer o BIR com base na posse da Cédula de Identificação Policial emitida pelo CPSP, subsumindo os factos a uma legislação já revogada. Pelo que, a DSI só pode realizar a apreciação, verificando se o ora recorrente tem ou não o estatuto de residente permanente de Macau, nos termos da legislação ora em vigor (que é a Lei n.º 8/1999, art.º 1.º n.º 1, alínea 2)).
3) A questão da extradição do ora recorrente para a China Continental, pela Polícia Judiciária
O advogado do ora recorrente alegou que o seu constituinte foi extraditado ilegalmente pela Polícia Judiciária, caso não fosse a actuação ilegal da Polícia Judiciária, o ora recorrente poderia requerer o Bilhete de Identidade de Residente. Relativamente à questão da extradição ilegal do ora recorrente, por um lado, é de referir que tendo em conta que a extradição foi executada pela Polícia Judiciária e por o assunto não se enquadra na esfera das atribuições da DSI, esta Direcção de Serviços não tem competência para tomar decisão sobre o assunto em causa. Por outro lado, no entendimento da DSI, mesmo que a extradição fosse inadequada, não configuraria impedimento à DSI na apreciação do período da residência em Macau do ora recorrente. É da competência da DSI realizar a apreciação dos factos para verificar se o interessado tem ou não 7 anos consecutivos de residência habitual em Macau, em conformidade com o definido na alínea 2) do n. º 1 do artigo 1.º e no artigo 4.º da Lei n.º 8/1999. Após análise das informações do ora recorrente, a DSI somente reconhece que o ora recorrente residiu habitualmente em Macau entre os anos de 1984 e 1987, ou seja, o período compreendido entre a data da emissão da CIP n.º XXXXXX do CPSP de Macau e a data da sua extradição para a China Continental.
O advogado do ora recorrente afirmou que se não fosse a actuação ilegal da Polícia Judiciária, o ora recorrente poderia requerer o Bilhete de Identidade de Residente, esta afirmação não passa de uma mera hipótese do advogado do ora recorrente, pois não há prova concreta de que o ora recorrente poderia indubitavelmente requerer a tempo o Bilhete de Identidade de Residente se não fosse extraditado para a China, mesmo que não tenha ocorrido o acto da extradição, também possa haver eventualmente o aparecimento de outros motivos que lhe impeçam a requerer o Bilhete de Identidade de Residente dentro do prazo definido.
4) Emitir o BIR ao recorrente por razões humanitárias
Face ao referido pelo advogado do ora recorrente, referindo que pela expiração do prazo de validade da Cédula de Identificação Policial do ora recorrente emitida pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, o ora recorrente não conseguiu obter documento de identificação no Interior da China depois de expiado da cadeia, e o mesmo também não conseguiu obter estatuto legal em Macau, esta Direcção de Serviços tinha solicitado ao Departamento da Segurança Pública da Província de Guangdong, por meio de oficio, datado de 15.02.2013, informações sobre o ora recorrente estabelecer-se na China Continental, aguardando agora pela resposta da referida Autoridade”.


III – O Direito
1. As questões suscitadas e a apreciar
A primeira questão é a de saber o TUI deve dar como provado factos que o Tribunal recorrido não deu por provados.
A segunda questão consiste em saber se o recorrente residiu habitualmente em Macau por sete anos consecutivos, antes do estabelecimento da RAEM, para poder ser considerado residente permanente da RAEM e, portanto, se o acórdão recorrido, ao assim não entender, violou o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea 2) e 2.º, n.º 2 da Lei n.º 8/1999.
Por último importa apurar se o acórdão recorrido violou princípios de direito internacional.

2. Factos
Trata-se de saber se o TUI deve dar como provado factos que o Tribunal recorrido não deu por provados:
1) Que o Recorrente passou parte da sua vida de adulto em Macau;
2) Que o Recorrente passou 20 anos internado num Estabelecimento Prisional da China;
3) Que, segundo informações prestadas pelo Departamento de Polícia de Segurança Pública da Província de Guangdong em resposta à Direcção dos Serviços de Identificação de Macau, para que o Recorrente possa instalar-se no Interior da China, tem que apresentar certidão do Documento de Identificação emitido pela DSI (Macau); certidão do registo predial e prova de relação de parentesco com alguém residente da China. No caso de não ter propriedade predial, pode inscrever-se no livro de família dos seus parentes em linha recta, certo sendo que a familiar directa que tem é residente na RAEM.
Como se sabe, em recurso jurisdicional em matéria administrativa, “O recurso dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância apenas pode ter por fundamento a violação ou a errada aplicação de lei substantiva ou processual ou a nulidade da decisão impugnada” (artigo 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), assim se afastando da regra do n.º 1 do artigo 47.º da Lei de Bases da Organização Judiciária.
Não obstante, se na fixação dos factos provados, se imputar ao TSI violação da lei processual (ou mesmo substantiva), já o TUI pode conhecer da questão.
O primeiro facto é conclusivo e nunca poderia ter sido dado como provado. Mas deu-se como provado que:
- Em data não determinada, mas sempre anterior a 26 de Abril de 1982, entrou ilegalmente em Macau;
- Em 10 de Abril de 1982, no âmbito de operação do registo dos trabalhadores indocumentados, foi-lhe emitido o Título de Permanência Temporária;
- Em 4 de Outubro de 1984, foi-lhe emitida pela PSP a Cédula de Identificação Policial, com o prazo de validade até 04OUT1989;
- Em 20 de Novembro de 1987, foi entregue pelas autoridades policiais às autoridades chinesas – vide a matéria de facto provada na sentença condenatória do Tribunal Intermédio da Cidade de Zhuhai e na sentença que a confirmou proferida pelo Tribunal Superior da Província Guargdong;
- E a partir dai, ficou formalmente internado na China pelas autoridades chinesas.
Nada a censurar a esta fixação dos factos.
O segundo facto está provado. Basta consultar a respectiva súmula.
O 3.º facto não foi dado provado e não se vislumbra que o mesmo esteja provado por meio de prova plena.

3. Residente permanente
A segunda questão consiste em saber se o recorrente residiu habitualmente em Macau por sete anos consecutivos, antes do estabelecimento da RAEM, para poder ser considerado residente permanente da RAEM e, portanto, se o acórdão recorrido, ao assim não entender, violou o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea 2) e 2.º, n.º 2 da Lei n.º 8/1999.
Examinemos a questão.
O recorrente é cidadão chinês nascido no Interior da China.
Em data não determinada, mas sempre anterior a 26 de Abril de 1982, entrou ilegalmente em Macau.
Em 10 de Abril de 1982, no âmbito de operação do registo dos trabalhadores indocumentados, foi-lhe emitido o Título de Permanência Temporária.
Em 4 de Outubro de 1984, foi-lhe emitida pela PSP a Cédula de Identificação Policial, com o prazo de validade até 4 de Outubro de 1989.
Em 20 de Novembro de 1987, foi entregue pelas autoridades policiais às autoridades chinesas e, após prisão preventiva, cumpriu pena de prisão no Interior da China até 25 de Setembro de 2008.
Pretende o recorrente o reconhecimento da situação de residente de Macau. Aplica-se a lei actualmente vigente, de acordo com as regras de aplicação da lei no tempo, previstas no artigo 11.º do Código Civil.
Assim decidiu o acórdão recorrido, o que o recorrente aceita. Como veremos, o ponto de discórdia é outro.
São os artigos 24.º da Lei Básica e o artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 que dispõem sobre quem são os residentes de Macau e como se pode aceder a tal estatuto.
Dispõe o artigo 24.º da Lei Básica:
“Artigo 24.º
Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente denominados como residentes de Macau, abrangem os residentes permanentes e os residentes não permanentes.
São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes;
3) Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau;
4) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
5) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 5), com idade inferior a 18 anos, nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
As pessoas acima referidas têm direito à residência na Região Administrativa Especial de Macau e à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau.
Os residentes não permanentes da Região Administrativa Especial de Macau são aqueles que, de acordo com as leis da Região, tenham direito à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, mas não tenham direito à residência”.
   Estatui o artigo 1.º da Lei n.º 8/1999:
“Artigo 1.º
Residentes permanentes
  1. São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
  1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
  2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
  3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alíneas 1) ou 2);
  4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
  5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
  6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
  7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
  8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
  9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
  10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9).
  2. O nascimento em Macau prova-se por registo de nascimento emitido pela conservatória competente de Macau”.

Ora, sendo o recorrente cidadão chinês não nascido em Macau e não sendo filho de residente de Macau, para que possa ser considerado residente permanente de Macau, aplicam-se-lhe os requisitos previstos no artigo 24.º, alínea 2), da Lei Básica e no artigo 1.º, n.º 1, alínea 2), da Lei n.º 8/1999: é necessário ter residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM.
O recorrente nunca residiu em Macau após o estabelecimento da RAEM. Logo, para se saber se residiu legalmente em Macau, tem de se recorrer às leis vigentes antes do estabelecimento da RAEM.
Ora, é neste ponto que o recorrente e o acórdão recorrido divergem. Para o acórdão recorrido não se pode aplicar as normas anteriormente vigentes, por colidirem com as normas da Lei Básica.
Salvo o devido respeito, não é bem assim.
É evidente que, pretendendo o recorrente ser reconhecido agora como residente permanente da RAEM, os requisitos aplicáveis para tal são os das leis actualmente vigentes, como se disse, o artigo 24.º da Lei Básica e o artigo 1.º da Lei n.º 8/1999.
Mas já quanto a saber se o recorrente residiu legalmente em Macau, antes de 20 de Dezembro de 1999, será às leis então vigentes que temos de recorrer, face às regras de aplicação da lei no tempo, previstas no artigo 11.º do Código Civil, a que atrás nos referimos, a mais importante das quais é esta: a lei só dispõe para o futuro.
Examinemos, pois, tais leis.

4. Título de Permanência Temporária. Cédula de Identificação Policial
Recordemos que:
Em data não determinada, mas sempre anterior a 26 de Abril de 1982, o recorrente entrou ilegalmente em Macau.
Em 10 de Abril de 1982, no âmbito de operação do registo dos trabalhadores indocumentados, foi-lhe emitido título de permanência temporária.
Em 4 de Outubro de 1984, foi-lhe emitida pela PSP a cédula de identificação policial, com o prazo de validade até 4 de Outubro de 1989.
Em 20 de Novembro de 1987, foi entregue pelas autoridades policiais às autoridades chinesas e, após prisão preventiva, cumpriu pena de prisão no Interior da China até 25 de Setembro de 2008.
Como refere o acto recorrido, por remissão para parecer dos serviços, o título de permanência temporária não atribuiu a qualidade de residente de Macau aos seus portadores. Foram títulos de identificação que foram entregues aos indivíduos que estavam ilegalmente em Macau, isto é, indocumentados vindos do Interior da China, aquando de duas operações de legalização de imigrantes ilegais, ocorridas em 1982 e 1990. Tais títulos habilitavam os seus titulares a trabalhar em Macau [artigos 2.º e 3.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º18/82/M, de 12 de Abril e 5.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 50/85/M, de 25 de Junho], mas não lhes reconhecia qualidade de residentes de Macau, como dizia expressamente o n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 49/90/M, de 27 de Agosto. Assim sendo, não se vislumbra fundamento para a tese do recorrente, segundo a qual, apesar desta norma expressa, o tempo durante o qual o recorrente foi titular de título de permanência temporária deve ser considerado como tempo de residência em Macau, visto ter-lhe sido emitida, em 4 de Outubro de 1984, cédula de identificação policial, com o prazo de validade até 4 de Outubro de 1989.
A cédula de identificação policial foi um documento emitido pelas autoridades de Macau destinado aos anteriores titulares de título de permanência temporária.
Tais cédulas de identificação policial já conferiam a qualidade de residente. Isso resulta, por exemplo, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 40/81/M, de 11 de Novembro. E tinham um regime semelhante ao do bilhete de identidade (artigos 2.º, 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 40/81/M).
Os diplomas que regularam a emissão de bilhete de identidade previram a possibilidade de os titulares de cédula de identificação policial requererem a substituição desta pela emissão de bilhete de identidade em prazo a fixar pelo Governo (artigos 3.º, n. os 3 e 4, 23.º, n.º 2 e 44.º do Decreto-Lei n.º 79/84/M, de 21 de Julho, artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 27/86/M, de 22 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 2/88/M, de 11 de Janeiro e artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 62/92/M, de 27 de Janeiro).

5. O caso do recorrente
Certo é que o recorrente nunca requereu a substituição da cédula de identificação policial por bilhete de identidade.
Como se disse, em 20 de Novembro de 1987, foi o recorrente entregue pelas autoridades policiais às autoridades chinesas e, após prisão preventiva, cumpriu pena de prisão no Interior da China até 25 de Setembro de 2008.
Assim, o recorrente residiu habitual e legalmente em Macau desde 4 de Outubro de 1984 até 20 de Novembro de 1987, o que é insuficiente para perfazer o tempo de 7 anos previsto na lei, para obter o estatuto de residente permanente.
A tese do recorrente é a de que, mesmo estando preso no Interior da China se deve considerar tal tempo como residindo em Macau, além do mais, porque considera ilegal a sua entrega à China.
Será assim?
Afigura-se-nos não ser essa a melhor interpretação da lei. O recorrente desde que ficou preso no Interior da China, deixou de residir habitualmente em Macau, embora tivesse o direito de aqui residir.
Para os efeitos previstos no artigo 24.º, alínea 2), da Lei Básica e no artigo 1.º, n.º 1, alínea 2), da Lei n.º 8/1999, o que releva é que o interessado tenha residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM. Não releva que o interessado em Macau tivesse o direito de residência, mas aqui não residisse efectivamente.
Por outro lado, a residência do recorrente baseava-se na titularidade da cédula de identificação policial e esta só era válida até 4 de Outubro de 1989.
E a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 19/99/M, de 10 de Maio, que ocorreu a 24 de Maio de 1999 (artigo 41.º deste diploma legal), as cédulas de identificação policial deixaram de ter validade (artigo 39.º).
A eventual ilegalidade da sua entrega às autoridades da China – que não cabe apreciar até porque não fundamentada pelo recorrente - não altera os dados do problema. Não modifica a sua residência. Nem os requisitos para se tornar residente de Macau. Como se disse, a lei exige a residência habitual em Macau durante 7 anos consecutivos. E não o direito de residência em Macau durante 7 anos consecutivos.
Aquela eventual ilegalidade pode fundamentar, quanto muito, reparação por danos causados pela perda de chance de obter o estatuto de residente permanente da RAEM, questão que não cumpre apreciar. Restaria saber a quem pedir tal reparação, dado que os factos que a motivaram foram praticados por órgãos de pessoa colectiva – Território de Macau – que já não existe.

6. Princípios de direito internacional
Não tem cabimento a invocação de violação de princípios de direito internacional, com base no direito de todo o indivíduo a uma ligação jurídica e afectiva com um país. A haver alguma ligação do recorrente é certamente com o Interior da China, já que em Macau residiu pouco mais de 5 anos.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC.
Macau, 28 de Janeiro de 2015.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho



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Processo n.º 115/2014