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Processo n.º 30/2014
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A, B e C
Recorrido: Secretária para a Administração e Justiça
Data da conferência: 4 de Fevereiro de 2015
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Pensão de aposentação
     - Revisão
- Art.º 264.º n.º 4 do ETAPM

SUMÁRIO

A revisão das pensões de aposentação contemplada no n.º 4 do art.º 264.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau não se faz automaticamente com a atribuição de novo índice a determinada categoria ou cargo dos funcionários, mas sim apenas com a actualização do valor do índice 100 da tabela indiciária, que beneficiam todos os trabalhadores da Administração Pública.
   
A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
A, B e C, melhor identificadas nos autos, interpuseram recurso contencioso de anulação do despacho da Senhora Secretária para a Administração e Justiça proferido em 11 de Maio de 2011, que lhes indeferiu o pedido de rectificação da pensão de aposentação.
Por Acórdão proferido em 27 de Fevereiro de 2014, o Tribunal de Segunda Instância decidiu negar provimento ao recurso, mantendo o acto administrativo recorrido.
Inconformadas com a decisão, vêm A, B e C recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª Vem o presente recurso jurisdicional interposto de decisão do Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao recurso contencioso apresentado pelas recorrentes contra a decisão da Excelentíssima Senhora Secretária para a Administração e Justiça, que por sua vez indeferira os pedidos de rectificação das suas pensões de aposentação.
2.ª O Tribunal de Segunda Instância consubstanciou a sua decisão numa interpretação restritiva da norma do art.º 264.º, n.º 4 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM).
3.ª Preceitua a norma a revisão das pensões de aposentação sempre e na medida em que forem revistos os vencimentos do pessoal no activo.
4.ª O Tribunal recorrido entende impropriamente que se deve proceder apenas a tal revisão quando se proceder à alteração do coeficiente 100 da tabela indiciária.
5.ª Nos termos do art.º 4.º, n.º 3 da Lei n.º 14/2009, efectivamente “[a] actualização dos vencimentos opera-se na proporção da alteração do valor do índice 100 da tabela [indiciária]”.
6.ª E o art.º 264.º, n.º 4 do ETAPM, preceitua, na sua primeira parte, que “[a]s pensões de aposentação são fixadas com referência a um índice da tabela indiciária”.
7.ª Sendo as pensões fixadas com referência a um índice da tabela indiciária, é inevitável que se tenha de desvendar o seu valor unitário para se resolver a fórmula matemática subjacente.
8.ª Sufragando o entendimento do tribunal recorrido, seria redundante, desnecessária e maçadora a segunda parte do art.º 264.º, n.º 4 em apreço.
9.ª O legislador, porém, não foi ingénuo, nem tampouco referiu que as pensões seriam revistas em função da actualização dos vencimentos do pessoal do activo.
10.ª O legislador foi acertado (nos dizeres do art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil) quando optou pelo termo revisão em detrimento do termo actualização.
11.ª O espírito do preceito legal efectivamente não pretende endereçar a actualização do valor do índice da tabela indiciária, mas sim a revisão dos valores indiciários dos vencimentos do pessoal no activo.
12.ª O Tribunal a quo faz uma alusão a dois diplomas legais para concluir que extrinsecamente definem o sentido que deve ser apurado na norma interpretada.
13.ª Tal tese tropeça no invocado preceito interpretativo do Código Civil, porque chamado à colação o n.º 1 do art.º 8.º, não pode este ser tido em conta isoladamente, mas sim sistematicamente com os restantes preceitos contidos no mesmo artigo.
14.ª O art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil presume que o “legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, enquanto o n.º 2 impede que se abandone cegamente a letra da lei.
15.ª O preceito legal ora interpretado parece ser claro e até enfático (“sempre e na medida em que”) – o que aparenta dissuadir uma interpretação restritiva – ao estabelecer que a revisão dos vencimentos do pessoal no activo implica também a revisão das pensões de aposentação.
16.ª O vencimento, efectivamente, é apurado, nos termos do art.º 4.º, n.º 2 da Lei n.º 14/2009, em função dum cálculo matemático que envolve dois factores multiplicadores, sendo um deles o índice da tabela indiciária e o outro o valor unitário desse índice.
17.ª O douto acórdão recorrido defendeu, não obstante, que se deve ter em conta apenas, para efeitos de revisão da pensão da aposentação, a actualização do valor do índice da tabela indiciária.
18.ª Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.
19.ª Não poderá também valer o argumento de que tendo havido, com a aposentação, uma quebra da ligação do aposentado com o lugar que ocupava, quaisquer revisões que alterem o vencimento do pessoal no activo não se repercutem na esfera jurídica daquele.
20.ª Tal consubstanciaria uma negação frontal da existência do preceituado no art.º 264.º, n.º 4 do ETAPM, esvaziando totalmente o seu conteúdo, o que num Estado de Direito, onde vige o Primado da Lei, não é, simplesmente, admissível.
21.ª É comum como «escala de precedência absolutamente infrangível» dos meios de interpretação da lei identificar esta ordem: 1.º o elemento gramatical; 2.º o racional; 3.º o sistemático; e 4.ª o histórico.
22.ª “Mas convém sublinhar que o intérprete não pode passar ao elemento seguinte se obteve do anterior uma resposta clara e inequívoca; apenas quando este lhe respondeu em alternativa é que o intérprete pode interrogar o seguinte, e mesmo então só para o efeito de resolver a alternativa em que ficou”.
23.ª A “referência” das pensões de aposentação a um índice da tabela indiciária e a estatuição na norma interpretada duma “revisão sempre e na medida em que o forem os vencimentos do pessoal no activo” são inequívocas numa interpretação gramatical, dispensando o recurso a quaisquer outros elementos.
24.ª O Decreto-Lei n.º 61/89/M veio dar cumprimento a um comando legal contido em preceito idêntico ao que ora vigora e se interpreta: o art.º 7.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 115/85/M.
25.ª O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 61/89/M é elucidativo e faz alusão a tal comando jurídico para justificar a valorização das pensões de aposentação, visto estarem previstas revisões do vencimento do pessoal no activo.
26.ª Tal diploma vem dar força à tese do recorrente, pois que vislumbra num idêntico preceito legal um imperativo para actualizar as pensões em função da revisão do vencimento do pessoal no activo.
27.ª O acórdão recorrido entende, porém, que, tendo havido intervenção do legislador, perde o recorrente razão ao procurar na letra da lei o espírito que dela emana.
28.ª Ora, também a Lei n.º 4/89/M (no seu art.º 2.º) veio dar cumprimento ao comando que impunha a revisão das pensões de aposentação aquando da actualização do valor do índice 100 da tabela indiciária, como vieram, aliás, todos os diplomas que tanto antes como depois actualizaram o valor do índice 100 da tabela indiciária.
29.ª E não foi por isso que deixou de ter vigência o preceituado no art.º 264.º, n.º 4 na óptica defendida pelo acórdão e entidade recorridos; antes, a aplicação legislativa subsequente tem-lhe conferido a possível eternidade.
30.ª Quanto ao Decreto-Lei n.º 27/92/M, de 25 de Maio, mister é interpretá-lo devidamente e salientar que apenas veio corrigir as pensões de aposentação e de sobrevivência calculadas com base nas remunerações em vigor anteriormente a 1 de Outubro de 1984 (vide art.º 1.º) e a 1 de Janeiro de 1989 (vide art.º 2.º).
31.ª Ora, tais datas coincidem, respectiva e propositadamente, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 87/84/M (vide art.º 30.º, n.º 1) e do Decreto-Lei n.º 86/89/M (vide art.º 106.º, n.º 1), diplomas que vieram revolucionar totalmente o sistema de carreiras na Administração Pública de Macau.
32.ª O Decreto-Lei n.º 87/84/M, que definiu as “Bases gerais das carreiras comuns da Administração Pública de Macau”, uniformizou as carreiras comuns da Administração e introduziu pela primeira vez no território o sistema da tabela indiciária.
33.ª O Decreto-Lei n.º 86/89/M, por sua vez, revolucionou o sistema de carreiras da função pública, adoptando uma nova filosofia na sua estruturação.
34.ª Ambos os diplomas representaram uma ruptura com o sistema anteriormente vigente, ao ponto das carreiras pré-existentes não terem equivalentes após a sua entrada em vigor.
35.ª Percebe-se que uma norma como a do art.º 264.º, n.º 4 do ETAPM, nesses termos, não poderia proteger eficazmente os direitos dos pensionistas, pelo que foi necessário o Governador intervir através deste Decreto-Lei.
36.ª De resto, este Decreto-Lei reforça também a tese que defende a aplicação do art.º 264.º, n.º 4 do ETAPM a qualquer tipo de revisão de vencimentos, e não o contrário, pelas mesmas razões suscitadas supra para o outro diploma legislativo governamental.
37.ª Sempre se deve acrescentar que o facto de tais intervenções legais terem sido feitas ao abrigo de Decretos-Lei – e não, como sempre sucedeu com a actualização do valor do índice 100 da tabela indiciária, através de Leis da competência da Assembleia Legislativa – aponta para um exercício das competência legislativas do Governador, ao abrigo do art.º 13.º, n.º 1 do Estatuto Orgânico de Macau, então vigente, visto que não incidia sobre matéria reservada à Assembleia Legislativa (nos termos, designadamente, do art.º 31.º, n.º 2, al. h) do citado diploma).
38.ª As recorrentes são subscritoras do Fundo de Pensões de Macau e foram respectivamente desligadas do serviço para aposentação em 12 de Janeiro de 2009, em 18 de Agosto de 2008 e em 5 de Janeiro de 2009; logo, antes da entrada em vigor da Lei n.º 18/2009, publicada em 17 de Agosto, que introduziu o novo Regime da Carreira de Enfermagem.
39.ª A Lei n.º 18/2009, revogando o regime anterior introduzido pela Lei n.º 9/95/M, fixou os novos vencimentos correspondentes às categorias da carreira de enfermagem (vide art.º 27.º e anexo I).
40.ª O art.º 31.º da Lei n.º 18/2009 estabelece as condições em que os enfermeiros transitam para as categorias da nova carreira de enfermagem constante do anexo I.
41.ª As recorrentes perfazem as condições estabelecidas no seu n.º 2, visto que todas obtêm o mínimo de 250 pontos nos cinco itens constantes do anexo II, pelo que se equiparam as novas categorias às antigas que detinham.
42.ª As recorrentes, porque perfizeram um mínimo de 30 anos de carreira (ou não se poderiam ter aposentado voluntariamente, nos termos do art.º 263.º do ETAPM), contabilizam pelo menos 180 pontos no item 5 do anexo II.
43.ª Se a esse número acrescentarmos os 100 pontos do item 1, porque todas estão habilitadas com o Curso de Enfermagem Geral, ultrapassamos a barreira dos 250 pontos, sem sermos sequer obrigados a fazer o confronto com os restantes itens da tabela.
44.ª Nos termos do art.º 40.º, n.º 2 da Lei n.º 18/2009, as valorizações indiciárias referidas decorrentes do art.º 31.º, n.ºs 1 a 3 (via art.º 34.º, n.º 1), retroagem a 1 de Julho de 2007, período em que as três recorrentes se encontravam ainda no activo, pelo que sempre deveriam ser contempladas pela revisão salarial, ainda que se sustentasse uma diferente interpretação do art.º 264.º do ETAPM.
45.ª O acórdão recorrido violou a norma do art.º 264.º, n.º 4 do ETAPM, assim como a do art.º 40.º, n.º 2 da Lei n.º 18/2009.

Contra-alegou a entidade recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
1.ª) Como bem decidiu o Tribunal de Segunda Instância, tendo presente as regras de hermenêutica jurídica, «a actualização automática das pensões contemplada no artigo 264.º, n.º 4 do ETAPM apenas haverá lugar quando haja alteração do valor do coeficiente 100 da tabela indiciária, e não nas situações em que for atribuído novo índice à categoria ou cargo com referência ao qual foi calculada a pensão do funcionário aposentado»;
2.ª) De facto, a interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo o artigo 8.º do Código Civil a disposição fundamental a proporcionar uma orientação para essa tarefa;
3.ª) Neste contexto, a doutrina considera que apreensão literal do texto é o ponto de partida de toda a interpretação e é já interpretação, mas que é contudo incompleta, sendo sempre necessária uma tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal;
4.ª) E nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica;
5.ª) O entendimento alcançado pelo Tribunal de Segunda Instância não deixa pois de assentar nos referidos critérios interpretativos da disposição em causa, pelo que não merece qualquer censura;
6.ª) Efectivamente importa considerar outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, bem como todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão e ainda averiguar da razão de ser da norma (ratio legis), do fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar;
7.ª) Desse modo, menciona-se no douto Acórdão recorrido o prescrito no Decreto-Lei n.º 115/85/M, que promulgou o Estatuto da Aposentação e Sobrevivência que produziu efeitos até à entrada em vigor do actual ETAPM e que previa, no artigo 7.º, n.º 4, um mecanismo de actualização das pensões em tudo idêntico ao consagrado no artigo 264.º, n.º 4 do ETAPM;
8.ª) Esse mecanismo que não obstou a que se procedesse posteriormente a um ajustamento das pensões de aposentação e sobrevivência, efectuado pelo Decreto-Lei n.º 61/89/M e pelo Decreto-Lei n.º 27/92/M, como referido no douto Acórdão recorrido;
9.ª) Como aí mencionado: «se a atribuição de novos índices salariais a determinados cargos e categorias tivesse o efeito de desencadear o mecanismo de actualização automática previsto no artigo 264.º, n.º 4 do ETAPM» «então não faria sentido haver actualização das pensões de aposentação e sobrevivência através de diplomas legais autónomos, já que os respectivos índices seriam actualizados automaticamente sem necessidade de intervenção do legislador»;
10.ª) Outra solução parece não ser possível, tendo em consideração as outras disposições que formam o complexo normativo do regime de aposentação e sobrevivência previsto no ETAPM;
11.ª) O artigo 44.º, n.º 1, alínea d) do ETAPM, prescreve que o exercício de funções em cargo público cessa por «desligação do serviço para efeitos de aposentação», e em consequência existe a desocupação do lugar preenchido;
12.ª) «O aposentado ( ... ) não ocupando lugar nos quadros e estando dispensado definitivamente de exercer cargos não tem direito ao lugar nem outros direitos decorrentes do exercício de funções» (Marcello Caetano);
13.ª) Na tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, o Tribunal a quo não deixou de fazer intervir esse elemento de ordem sistemática, ao referir que «com a aposentação se quebra a ligação funcional entre o aposentado e o lugar que o mesmo ocupava, e não se vê que as “revisões” que, posteriormente, tal lugar possa sofrer por força daquela reorganização, hajam, por força, que se impor automaticamente na evolução da aposentação»;
14.ª) De facto, qualquer alteração da carreira onde o aposentado se encontrava inserido quando no activo e que serviu de base ao cálculo da pensão não implica automaticamente a alteração da respectiva pensão, a menos que exista uma opção legislativa nesse sentido, o que não é o caso;
15.ª) A opção legislativa contida nas regras de transição na carreira de enfermagem constantes da Lei n.º 18/2009 (Regime da carreira de enfermagem), não foi a de abranger o pessoal aposentado, mas somente aqueles que se encontravam no activo. Nos artigos 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º e 40.º especifica-se o seu âmbito de aplicação, ou seja, trata-se de «enfermeiros do quadro», «enfermeiros contratados além do quadro e assalariados» ou «trabalhadores»;
16.ª) A Lei n.º 18/2009 entrou em vigor em 18.8.2009 e as pensões de aposentação das recorrentes foram fixadas por despachos do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 10.2.2009, para a recorrente Senhora A, de 4.9.2008, para a recorrente Senhora B, e de 22.1.2009, para a recorrente Senhora C;
17.ª) Pelo que as recorrentes não estavam sujeitas às regras de transição na carreira previstas naquela lei, porque apenas para o pessoal no activo nas condições aí mencionadas;
18.ª) Não se descortina, pois, em face do disposto no artigo 8.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil, que a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo ao disposto no artigo 264.º, n.º 4 do ETAPM e no artigo 40.º, n.º 2 da Lei n.º 18/2009 não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal ou que este não presumiu que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;
19.ª) Assim entende-se não existir qualquer ilegalidade quer no Acórdão recorrido quer no acto administrativo contenciosamente impugnado.

O Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de manter a decisão recorrida.
Foram corridos os vistos.

2. Factos Provados
Nos autos foi considerada assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
- As recorrentes são subscritoras do Fundo de Pensões de Macau e foram desligadas do serviço para aposentação em 12/01/2009, 18/08/2008 e 05/01/2009, respectivamente.
- Em 17/11/2010, apresentaram, cada uma por si, requerimentos separados, nos quais pediram a rectificação/actualização das respectivas pensões de aposentação com base nos índices para as categorias – de enfermeira especialista (para a 1ª recorrente), enfermeira chefe (para a 2ª recorrente) e enfermeira graduada (para a 3ª recorrente), – actualizados pelo novo regime da carreira de enfermagem aprovado pela Lei nº 18/2009.
- Em consequência dos pedidos das recorrentes, foi elaborado, em 09/03/2011, o parecer jurídico nº 2/2011, nos termos constantes a fls. 29 a 31v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pelo qual se concluiu que os pedidos em causa não tinham fundamento legal.
- Por despacho de 11/05/2011, a entidade recorrida indeferiu os pedidos formulados pelas recorrentes, nos termos e fundamentos constantes a fls. 26 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. Direito
Alegam as recorrentes que o Acórdão recorrido violou a norma do art.º 264.º n.º 4 do ETAPM, assim como a do art.º 40.º n.º 2 da Lei n.º 18/2009, pretendendo que as suas pensões de aposentação sejam actualizadas em conformidade com os novos índices atribuídos pela Lei n.º 18/2009 à carreira de enfermagem.

3.1. A primeira questão prende-se com a interpretação do art.º 264.º n.º 4 do ETAPM.
Ora, resulta da factualidade provada que as recorrentes são subscritoras do Fundo de Pensões de Macau e foram desligadas do serviço para aposentação em 12/01/2009, 18/08/2008 e 05/01/2009, respectivamente, e em 17/11/2010 pediram a rectificação/actualização das respectivas pensões de aposentação com base nos índices para as categorias – de enfermeira especialista (para a 1ª recorrente), enfermeira chefe (para a 2ª recorrente) e enfermeira graduada (para a 3ª recorrente) – actualizados pelo novo regime da carreira de enfermagem aprovado pela Lei nº 18/2009.
Na óptica das recorrentes, como a norma contida no art.º 264.º n.º 4 do ETAPM prevê a revisão das pensões de aposentação “sempre e na medida” em que forem revistas os vencimentos do pessoal no activo e tal vencimento é apurado em função dum cálculo matemático que envolve dois factores multiplicadores, sendo um deles o índice da tabela indiciária e o outro o valor unitário desse índice, a alteração de qualquer um desses factores influi, logicamente, no resultado da multiplicação e implica, consequentemente, a revisão do vencimento, pelo que a revisão das pensões de aposentação deve ser feita em conformidade com a alteração de um ou outro factor.
Por sua vez, entende o Tribunal recorrido que a actualização automática das pensões contemplada no art.º 264.º n.º 4 do ETAPM apenas tem lugar quando haja alteração do valor do coeficiente 100 da tabela indiciária, e não nas situações em que for atribuído novo índice à categoria ou cargo com referência ao qual foi calculada a pensão do funcionário aposentado.

Sobre a questão ora colocada, tivemos já ocasião para se pronunciar no Acórdão recente proferido em 16 de Dezembro de 2014 no Processo n.º 18/2014, onde dissemos:
< “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Decorre desta norma que a interpretação da lei deve ser feita com base na letra da lei, mas não se deve cingir à ela.
Sobre a mesma disposição, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela no seu Código Civil Anotado:
“1. Em lugar de impor um método ou consagrar uma corrente doutrinária em matéria de interpretação das leis, o Código limita-se a consagrar os princípios que podem considerar-se já uma aquisição definitiva na matéria, combatendo os excessos a que os autores objectivistas e subjectivistas têm chegado muitas vezes.
Afasta-se, assim, o exagero dos objectivistas que não atendem sequer às circunstâncias históricas em que a norma nasceu, na medida em que o n.º 1 do artigo 9.º manda reconstituir o pensamento legislativo e atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada. Como se condena igualmente o excesso dos subjectivistas que prescindem por completo da letra da lei, para atender apenas à vontade do legislador, quando no n.º 2 se afasta a possibilidade de qualquer pensamento legislativo valer como sentido decisivo da lei, se no texto desta não encontrar um mínimo de correspondência verbal.
E ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias (históricas) em que a lei foi elaborada, o preceito não deixa de expressamente considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada (nota vincadamente actualista).
O facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei (mens legis).
2. Resumindo, embora sem grande rigor, o pensamento geral desta disposição, pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo, como são os que constam do n.º 3.”1
E são os seguintes elementos que devem ser considerados na interpretação da lei: 1) Elemento literal ou gramatical; 2) Elementos lógicos, incluindo: a) o sistemático, que tem em conta a unidade do sistema jurídico; b) o histórico, constituído por precedentes normativos, trabalhos preparatórios e “occasio legis” e c) o teleológico, que é a justificação social da lei.

Nos termos do n.º 4 do art.º 264.º do ETAPM, “as pensões de aposentação são fixadas com referência a um índice de tabela indiciária, sendo revistas sempre e na medida em que o forem os vencimentos do pessoal no activo”.
Prevê-se, na segunda parte da norma, uma revisão automática das pensões de aposentação.
Importa apurar em que termos se opera tal revisão. Será que a atribuição de novo índice a um determinado cargo, resultante da actualização da tabela indiciária de vencimentos, implica também a revisão das pensões de aposentação, tal como pretende o recorrente?
À primeira vista, a letra da norma parece dar para entender no sentido defendido pelo recorrente, uma vez que o vencimento do funcionário público é calculado com base no respectivo índice correspondente à função ou ao cargo que desempenha, multiplicado pelo valor correspondente a cada ponto indiciário, daí que a alteração tanto do índice como do valor correspondente a cada ponto indiciário implica necessariamente a alteração no valor do vencimento.
Nota-se, no entanto, que a lei fala na revisão das pensões sempre e na medida em que forem revistos “os vencimentos do pessoal no activo”, expressão esta com que se quer referir à revisão geral de vencimentos que beneficiam todos os trabalhadores da Administração Pública, e não à revisão de vencimentos a favor de determinadas categorias de funcionários no activo.
Se a lei pretendesse que os aposentados tiveram sempre a pensão correspondente ao respectivo vencimento da categoria do activo teria dito isso, não falando da revisão dos “vencimentos do pessoal do activo”, em que se inculca manifestamente uma revisão geral de vencimentos.

Há que chamar ainda à colação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.
Ora, com a aprovação e publicação do DL n.º 107/85/M, de 30 de Novembro, os valores das aposentações e sobrevivências passaram a ser referidos a índices, tendo em conta a tabela indiciária constante do mapa I anexo ao DL n.º 87/84/M, de 11 de Agosto, que estabelece bases gerais das carreiras comuns da Administração Pública de Macau.
E o DL n.º 115/85/M, de 30 de Novembro (Estatuto da Aposentação e Sobrevivência), que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1986 e foi revogado pelo DL n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, que por sua vez aprovou o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, consagrou que estas prestações passariam a ser revistas “sempre e na medida em que o forem os vencimentos do pessoal no activo” (art.º 7.º n.º 4 do DL n.º 115/85/M, norma quase idêntica ao n.º 4 do art.º 264.º do ETAPM), “o que se tem vindo a verificar desde essa data, com o exemplo recente da Lei n.º 4/89/M, de 26 de Junho, que alterou o multiplicador indiciário de 24 para 26 patacas” (cfr. preâmbulo do DL n.º 61/89/M, de 18 de Setembro).
Neste último diploma, DL n.º 61/89/M, constata-se que, “estando prevista, para o acorrente ano, a afectação, aos aumentos e revalorizações do pessoal no activo, de um volume de disponibilidades próximo de 13% da correspondente massa salarial, parece justo tornar esse pressuposto extensivo às classes inactivas, pelo que foi decidido atribuir a todas as pensões uma valorização geral de 5 pontos indiciários, …”.
E ao abrigo do art.º 1.º n.º 1 do mesmo diploma, às pensões de aposentação e sobrevivência actualizadas nos termos previstos no art.º 2.º da Lei n.º 4/89/M, que prevê a actualização das pensões conforme o novo multiplicador indiciário alterado de 24 para 26 patacas, e ainda àquelas que venham a ser fixadas aos subscritores desligados do serviço para efeitos de aposentação e aos seus herdeiros hábeis até 31 de Dezembro de 1989, é aplicável um ajustamento de 5 pontos indiciários.
O que significa que o ajustamento dos pontos indiciários nas pensões se opera aparte da sua actualização conforme a alteração de multiplicador indiciário, actualização esta que se faz automaticamente, nos termos legais (art.º 7.º n.º 4 do DL n.º 115/85/M e art.º 264.º n.º 4 do ETAPM), sendo que aquele ajustamento é feita através duma lei própria para o efeito.
Posteriormente e com o Decreto-Lei n.º 27/92/M, de 25 de Maio, foram introduzidas novas correcções às pensões de aposentação e de sobrevivência na percentagem de 15% ou 5%, consoante se as pensões foram calculadas com base nas remunerações em vigor anteriormente a 1 de Outubro de 1984 ou 1 de Janeiro de 1989 e as correcções passaram a ser incorporadas no índice das pensões abrangidas (art.ºs 1.º a 3.º).
Consigna-se no preâmbulo deste diploma que tais correcções, aliás extraordinárias, decorrem do facto de que “as pensões de aposentação e sobrevivência têm sofrido uma gradual diminuição do seu valor real, atentas as reestruturações de carreiras e salariais supervenientes que vieram beneficiar apenas as classes activas”.
Daí que, “pelo presente diploma, incorpora-se nas pensões um factor correctivo do valor percentual diferente, atendendo ao momento da fixação das pensões que ora se pretendem revalorizar e, para evitar situações de fixação de pensões com valores manifestamente baixos, cria-se um valor mínimo para as pensões de aposentação e sobrevivência”, tendo o índice mínimo da pensão de aposentação fixado em 70 e o da pensão de sobrevivência em 35.
Encontra-se aqui mais um exemplo em que o aumento dos índices das pensões de aposentação foi feito com uma lei autónoma, e não automaticamente com as reestruturações de carreiras e salariais supervenientes, que “vieram beneficiaram apenas as classes activas”, como diz a própria lei.
Concluindo, afigura-se-nos que o aumento dos índices de determinados carreiras ou cargos não implica necessária e automaticamente o aumento das pensões de aposentação, que são fixadas, conforme a lei, com referência a um índice de tabela indiciária, à data de aposentação.
O que se prevê no art.º 264.º n.º 4 do ETAPM não é a alteração das pensões de aposentação já fixadas sempre que o vencimento do respectivo cargo no activo sofra alterações, mas antes a revisão (geral) das pensões sempre que houve revisão geral de vencimento do pessoal no activo.
Por outras palavras, as pensões de aposentação aumentam quando houver revisão geral de vencimento, o que sucede com as actualizações dos vencimentos dos trabalhadores da Administração Pública, feitas com as leis próprias.
Tal interpretação é reforçada ainda pelo facto de que, todas as vezes em que se regista uma actualização dos vencimentos para a generalidades dos funcionários, são também actualizadas as pensões de aposentação, o que resulta expressamente da disposição legal constante dos diplomas que mandaram proceder à actualização, desde a Lei n.º 2/86/M, a referida Lei n.º 4/89/M, até as Leis mais recentes n.º 6/2013 e n.º 6/2014, que aumentaram o valor do índice 100 da tabela indiciária, o que não sucede com os diplomas legais destinados à reestruturação do sistema de carreiras e a sua revalorização genérica (Decreto-Lei n.º 86/89/M), a regulamentar o regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos (Lei n.º 14/2009, que revogou o Decreto-Lei n.º 86/89/M) e ainda a estabelecer os princípios e disposições fundamentais do estatuto do pessoal de direcção e chefia (Lei n.º 15/2009), por exemplo, com referência ao ajustamento dos índices constantes da tabela indiciária.
Por razões de coerência e unidade do sistema jurídico, é de concluir que a revisão das pensões de aposentação contemplada no n.º 4 do art.º 264.º do ETAPM não se faz automaticamente com a atribuição de novo índice a determinada categoria ou cargo dos funcionários, mas sim apenas com a actualização do valor do índice 100 da tabela indiciária, que beneficiam todos os trabalhadores da Administração Pública.>>

No presente caso é de manter tal posição e julgar improcedente a pretensão das recorrentes.
O Acórdão recorrido fez boa interpretação e aplicação da lei, não se vislumbrando a violação da norma do n.º 4 do art.º 264.º do ETAPM.

3.2. Invocam ainda as recorrentes a violação da norma do art.º 40.º n.º 2 da Lei n.º 18/2009, que estabelece o regime jurídico da carreira de enfermagem.
Na tese das recorrentes, com a publicação da Lei n.º 18/2009, foram fixados os novos vencimentos correspondentes às categorias da carreira de enfermagem, revisão esta que deveria ter sempre aplicação na sua situação, face ao disposto no art.º 40.º n.º 2 da mesma Lei, que alterou, retroactivamente, os vencimentos dos enfermeiros.
Trata-se, no entanto, de uma questão nova, não suscitada no recurso contencioso, não tendo sido objecto de apreciação pelo Tribunal ora recorrido.
E por ser uma questão nova, que não é de conhecimento oficioso, não deve ser conhecida no presente recurso jurisdicional.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pelas recorrentes, com a taxa de justiça fixada em 6 UC.
  
   Macau, 4 de Fevereiro de 2015
  
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho
1 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, p. 58 e 59.
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Processo n.º 30/2014