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Processo n.º 1/2015
Recurso penal
Recorrente: A e B
Recorrido: Ministério Público
Data da conferência: 4 de Fevereiro de 2015
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Crime de contrafacção de moeda
- Cartão de crédito
- Medida da pena


SUMÁRIO
Para que um cartão seja qualificado como cartão de crédito falsificado, o que importa é que na sua banda magnética foram ilegalmente introduzidos os elementos necessários para valer como cartão de crédito legítimo, sendo irrelevante a sua configuração externa.

A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 25 de Julho de 2014, A e B, arguidos nos presentes autos, foram condenados, pela prática em co-autoria e na forma consumada e continuada, de um crime de contrafacção de moeda p.p. pelo art.º 252.º n.º 1, conjugado com o art.º 257.º n.º 1, al. b), ambos do Código Penal de Macau, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva.
E em relação ao crime imputado de burla informática p.p. pelo art.º 11.º n.º 1, al.s 1) e 2) e n.º 3, al. 1) da Lei n.º 11/2009, conjugado com o art.º 196.º, al. a) do Código Penal, o Tribunal entendeu que os factos provados integravam apenas um crime de burla informática p.p. pelo art.º 11.º n.º 1, al. 1) da Lei n.º 11/2009; e devido à falta de apresentação de queixa, foi declarada extinta a responsabilidade criminal dos arguidos.
Inconformados com a decisão, recorreram os arguidos para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Vêm agora os arguidos recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
1- Os recorrentes não se conformam com a aplicação da lei ao caso vertente, pois consideram que o Tribunal não poderia ter, salvo o devido respeito, condenado os arguidos, ora recorrentes, pelo crime previsto e punido pelo artigo 252º do Código Penal com a equiparação efectuada no artigo 257º do mesmo Código, pois os factos praticados pelos recorrentes não se enquadram na previsão desses artigos.
2- Na verdade, os recorrentes não praticaram o crime de contrafacção de cartões de crédito pois, nunca utilizaram quaisquer cartões de crédito.
3- O crime previsto no artigo 252º do Código Penal, implica a contrafacção ou seja a falsificação ou adulteração do cartão de crédito, isto é, exige que a falsificação seja operada no cartão de crédito em si, o que não foi o que se passou com os recorrentes.
4- A factualidade perpetrada pelos recorrentes foi diferente, concretamente, os recorrentes introduziram, através do computador, dados falsos nas bandas magnéticas de cartões brancos emitidos por um supermercado da Alemanha, por forma a permitir o levantamento de dinheiro com esses cartões brancos em máquinas “ATM”, e por essa forma obter um enriquecimento ilícito.
5- O crime cometido pelos arguidos foi o crime de burla informática que se encontra previsto e punido pelo artigo 11º da Lei nº 11/2009, no qual se refere expressamente que as normas do Código Penal apenas deverão ser aplicadas subsidiariamente aos crimes previstos nessa Lei.
6- Pois, a lei nº 11/2009, sendo especial, prevalece sobre a lei geral.
7- O acórdão recorrido interpretou erradamente a lei no que diz respeito à medida da pena aplicada aos recorrentes, a qual é, de todo, excessiva;
8- A pena de prisão que lhes foi aplicada não é justa, nem adequada, nem proporcional ao crime cometido e à culpa dos recorrentes;
9- A pena aplicada aos recorrentes é demasiado severa numa perspectiva de evidente desigualdade face a situações semelhantes, nas quais arguidos foram condenados a penas de prisão com uma duração temporal muito inferior;
10- E, é também demasiado severa também porque não foi tomado em conta o circunstancialismo que rodeia tanto a culpa do agente, como o facto de eles serem primários, terem confessado e terem colaborado activamente com a Policia;
11- O acórdão recorrido deverá ser anulado e substituído por outro que condene os recorrentes numa pena não superior a 2 anos e 4 meses de prisão efectiva, uma vez que esta se mostra bem mais adequada ao caso vertente.

Respondeu o Ministério público, terminou a sua resposta com as seguintes conclusões:
1. O cartão de crédito tem duas diferentes funções de moeda, isto é, os seus titulares podem fazer consumo directamente com o cartão ou levantar dinheiro directamente através de máquinas ATM.
2. Na última situação, as operações de confirmação dos dados bancários dos titulares constantes dos cartões são completamente mecânicas, sem nenhuma intervenção humana.
3. Pelo que, a aparência do cartão nada afecta o processo de transacção.
4. O que é o mais importante é confirmar os dados dos titulares constantes dos cartões através das bandas magnéticas ou chips incorporados nos cartões, de forma a conceder dinheiro àqueles que efectuam o levantamento de dinheiro.
5. Conforme os factos provados, as condutas dos dois recorrentes preenchem completamente o “crime de contrafacção de moeda” p. e p. pelo artigo 252.º em conjugação com o artigo 257.º n.º 1 alínea b), ambos do Código Penal.
6. Aliás, os bens jurídicos protegidos pelo “crime de contrafacção de moeda” e pelo “crime de burla informática” são diferentes, pelo que, entre os dois crimes só pode existir a relação de concurso material.
7. Quanto à medida da pena, tendo em conta que os dois recorrentes não confessaram todos os factos que lhes forma imputados e o grau de ilicitude dos factos praticados pelos dois recorrentes, não entendemos que o Tribunal a quo e o Tribunal de Segunda Instância incorreram no erro quanto à medida concreta da pena.

Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição já assumida na resposta à motivação do recurso.
Foram corridos vistos.

2. Factos
O Tribunal de 1.ª instância considerou assentes os seguintes factos:
Realizada a audiência de julgamento, o tribunal a quo confirmou os seguintes factos:
1. Os recorrentes A (1.º arguido) e B (2.º arguido) são de nacionalidade búlgara e conhecem-se entre si.
2. Em 14 de Setembro de 2013, depois de se terem reunido nas Filipinas, os recorrentes A e B entraram conjuntamente na RAEM e alojaram-se no quarto n.º 1131 do [Hotel(1)]. Tal quarto do hotel foi previamente reservado pelo recorrente A via internet e foi este que fez o check-in do referido quarto.
3. Antes de entrar em Macau, os dois recorrentes aceitaram, nas Filipinas, a proposta de um homem de identidade desconhecida e combinaram entre si que se aproveitando de que os bancos não funcionam aos sábados e domingos nem fazem exame a máquinas ATM, efectuariam levantamento de dinheiro nas máquinas ATM com os “cartões brancos” por si trazidos para Macau (isto é, cartões com bandas magnéticas sem marca nem designação de instituição financeira) e poderiam, para isso, obter retribuições.
4. Os referidos “cartões brancos” foram fornecidos pelo homem de identidade desconhecida acima mencionado. Os dois recorrentes sabiam perfeitamente que nas bandas magnéticas dos referidos “cartões brancos” foram introduzidos ilegalmente os dados de cartões de crédito ou cartões de levantamento de dinheiro de terceiros, incluindo os seus números, emitidos por bancos ou instituições emitentes dos cartões de crédito, e os dois recorrentes também sabiam que nos versos dos referidos “cartões brancos” foram escritas as senhas dos respectivos cartões de crédito ou cartões de levantamento de dinheiro. Nos “cartões brancos” são impressas as expressões “DEUTSCHLAND CARD” e “EDEKA”, sendo a última o nome de um supermercado da Alemanha.
5. O aludido homem de identidade desconhecida também forneceu ao recorrente B um computador portátil e um leitor de bandas magnéticas, de forma que os dois recorrentes poderiam reproduzir ilegalmente em Macau os dados de cartões de crédito ou cartões de levantamento de dinheiro para as bandas magnéticas dos “cartões brancos” através dos referidos equipamentos.
6. Desde 15 de Setembro de 2013 (domingo), os dois recorrentes, conforme previamente combinado, começaram a praticar individual ou conjuntamente crimes em Macau. Alguns factos ilícitos praticados pelos dois recorrentes foram gravados pelos equipamentos do sistema de câmara de vídeo instalados nas máquinas ATM dos referidos bancos.
7. Na madrugada do dia 15 de Setembro de 2013, das 00h37 às 01h50, os recorrentes A e B, agindo individual ou conjuntamente, inseriram pelos menos 4 “cartões brancos” (nos quais foram introduzidos os dados dos cartões de crédito de terceiros n.ºs XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX e XXXX XXXX XXXX XXXX) na máquina ATM do “[Banco(1)]” situado no NAPE, efectuaram no total 7 operações de levantamento de dinheiro e conseguiram levantar uma quantia de dois mil dólares de Hong Kong (HKD2.000,00) com um desses “cartões brancos” (XXXX XXXX XXXX XXXX), e quanto às operações efectuadas com os restantes três “cartões brancos”, a referida máquina ATM recusou o pagamento de dinheiro por verificar serem transacções duvidosas ou insuficiência de dinheiro e reteve um dos referidos “cartões brancos” (XXXX XXXX XXXX XXXX).
8. Na madrugada do mesmo dia, das 00h53 às 00h55, os dois recorrentes A e B, agindo individual ou conjuntamente, inseriram, pelos menos 3 “cartões brancos” na máquina ATM do “[Banco(2)]” instalada fora da porta do [Hotel(2)] e efectuaram no total 3 operações de levantamento de dinheiro, porém, a referida máquina ATM recusou o pagamento de dinheiro por verificar serem transacções duvidosas e reteve os referidos “cartões brancos”. Nas bandas magnéticas dos referidos três “cartões brancos” foram introduzidos os dados do cartão de levantamento de dinheiro de terceiro n.º XXXX XXXX XXXX XXXX XXX.
9. Na tarde do mesmo dia, das 14h42 às 16h24, os recorrentes A e B, agindo individual ou conjuntamente, inseriram pelos menos 10 “cartões brancos” (nos quais foram introduzidos os dados dos cartões de crédito de terceiros n.ºs XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX e XXXX XXXX XXXX XXXX) na máquina ATM do “[Banco(1)]” situado no NAPE, efectuaram no total 14 operações de levantamento de dinheiro e conseguiram levantar uma quantia total de 4 mil dólares de Hong Kong (HKD4.000,00) com três dos aludidos “cartões brancos” (XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX e XXXX XXXX XXXX XXXX), e quanto às operações efectuadas com outros cinco “cartões brancos” que foram introduzidos os dados dos cartões de crédito de terceiros n.ºs XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX e XXXX XXXX XXXX XXXX (entre os quais, dois foram do mesmo número XXXX XXXX XXXX XXXX), a máquina ATM recusou o pagamento de dinheiro por verificar serem transacções duvidosas e reteve os referidos “cartões brancos”
10. Na tarde do mesmo dia pelas 16h45, os recorrentes A e B, agindo individual ou conjuntamente, inseriram pelos menos 1 “cartão branco” (no qual foram inseridos os dados do cartão de crédito de terceiro n.º XXXX XXXX XXXX XXXX) na máquina ATM do “[Banco(1)]” instalada no [Hotel(3)] e efectuaram uma operação de levantamento de dinheiro, porém, a referida máquina ATM recusou o pagamento de dinheiro por verificar ser transacção duvidosa e reteve o referido cartão.
11. Na tarde do mesmo dia, das 16h51 às 19h16, os recorrentes A e B, agindo individual ou conjuntamente, inseriram pelos menos 5 “cartões brancos” (nos quais foram introduzidos os dados dos cartões de levantamento de dinheiro ou dos cartões de crédito de terceiros n.ºs XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX XXX, XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX e XXXX XXXX XXXX XXXX) na máquina ATM do “[Banco(2)]” instalada no [Hotel(2)] e efectuaram no total 7 operações de levantamento de dinheiro, porém, a referida máquina ATM recusou o pagamento de dinheiro por verificar serem transacções duvidosas ou insuficiência de dinheiro e reteve um dos referidos “cartões brancos” (XXXX XXXX XXXX XXXX).
12. Na tarde do mesmo dia, das 17h01 às 17h07, os recorrentes A e B, agindo individual ou conjuntamente, inseriram pelos menos 5 “cartões brancos” (nos quais foram introduzidos os dados dos cartões de crédito de terceiros n.ºs XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX e XXXX XXXX XXXX XXXX)) na máquina ATM do “[Banco(1)]” situado na Alameda Dr. Carlos d'Assumpção e efectuaram no total 5 operações de levantamento de dinheiro, porem, a referida máquina ATM recusou o pagamento de dinheiro por verificar serem transacções duvidosas ou insuficiência de dinheiro e reteve um dos referidos “cartões brancos” (XXXX XXXX XXXX XXXX).
13. Para além das aludidas operações ilícitas de levantamento de dinheiro que foram gravadas pelo sistema de vigilância, os dois recorrentes ainda efectuaram várias operações de levantamento de dinheiro em máquinas ATM em Macau com os referidos “cartões brancos” e conseguiram obter numerários de valor indeterminado.
14. Nas operações de levantamento de dinheiro acima referidas, a máquina ATM do [Banco(2)] instalada fora da porta do [Hotel(2)] reteve no total 4 “cartões brancos” inseridos pelos dois recorrentes; as máquinas ATM dos “[Bancos(1)]” situados respectivamente no NAPE, no [Hotel(3)] e na Alameda Dr. Carlos d'Assumpção retiveram no total 8 “cartões brancos” inseridos pelos dois recorrentes. Os bancos emitentes dos cartões de crédito ou cartões de levantamento de dinheiro cujos dados e números foram introduzidos nos aludidos 12 “cartões brancos” são, na sua maioria, da França, da Alemanha, da Suécia, da Noruega, da Finlândia, entre outros, e os referidos “cartões brancos” encontram-se apreendidos nos autos.
15. Os recorrentes A e B planearam originalmente sair de Macau e deslocar-se às Filipinas no dia 16 de Setembro de 2013, pelas 22h00 e já compraram os bilhetes de avião, porém, pelas 17h30 daquele dia, ao prepararem-se para sair do [Hotel(1)] onde se alojaram com as suas bagagens, os dois recorrentes foram interceptados pelos investigadores da Polícia Judiciária.
16. Com o consentimento do recorrente A, os investigadores encontraram e apreenderam na posse e nos objectos pessoais dele numerários no valor total de onze mil e oitocentos e dez dólares americanos (USD11.810,00), quatro mil e duzentos e oitenta e cinco euros (EUR4.285,00), 22 “cartões brancos” com a expressão “DEUTSCHLAND CARD”, quinhentas patacas (MOP$500,00), setecentos dólares de Hong Kong (HKD700,00), 1 camisa de cor branca, um calção listrado de cor clara, um boné de cor escura, um boné de cor azul, dois bilhetes de avião electrónicos (em nome dos dois recorrentes), duas canetas MARKER, dois telemóveis e suas baterias, dois suportes de armazenamento USB e dois cartões de SIM e um computador portátil de cor preta, da marca SONY, e no quarto onde o recorrente se alojou também encontraram e apreenderam um papel em que foi escrito um conjunto de números. As roupas acima referidas foram vestidas pelos recorrentes na prática do crime.
17. Com o consentimento do recorrente B, os investigadores encontraram e apreenderam na posse dele um cartão de crédito Mastercard com a expressão “AIPHA BANK” (a sua frente encontra-se separada do seu verso), uma roupa com xadrez de cor branca, um chapéu de cor preta, um telemóvel com cartão de SIM, dois cartões de SIM, um cartão de memória, vinte e três “cartões brancos” com a expressão “DEUTSCHLAND CARD”, um computador portátil da marca TOSHIBA e seu transformador, um leitor de cartão e seu transformador, duas canetas MARKET (sic), três telemóveis, um cartão de SIM e numerários no valor de trezentos euros (EUR300,00) e de novecentos dólares americanos; e no quarto n.º 1311 do hotel onde o recorrente se alojou também encontraram e apreenderam dois “cartões brancos” com a expressão “DEUTSCHLAND CARD”. As roupas acima referidas foram vestidas pelo recorrente na prática de crime e o computador portátil e o leitor de cartões foram fornecidos pelo homem de identidade desconhecida acima referido.
18. Após perícia feita pelo Departamento de Ciências Forenses da Polícia Judiciária, verificou-se que o cartão de crédito Mastercard com a expressão “AIPHA BANK” (a sua frente encontra-se separada do seu verso) apreendido na posse do recorrente B é falsificado.
19. Após a leitura dos dados constantes dos referidos cartões efectuada pelo pessoal da Polícia Judiciária, verificou-se que nas bandas magnéticas dos aludidos 47 cartões de crédito encontrados e apreendidos na posse dos dois recorrentes foram introduzidos dados dos cartões de levantamento de dinheiro ou cartões de crédito de terceiros (nos 43 cartões foram introduzidos dados de cartões de crédito de terceiros e nos restantes 4 foram introduzidos dados de cartões de levantamento de dinheiro de terceiros). Os dados constantes dos 4 dos cartões brancos encontrados na posse do recorrente A (nos quais foram introduzidos os dados dos cartões de levantamento de dinheiro ou dos cartões de crédito de terceiros n.ºs XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX, XXXX XXXX XXXX XXXX e XXXX XXXX XXXX XXXX) são idênticos aos dos cartões com os quais foram efectuadas as operações de levantamento de dinheiro nas máquinas ATM do “[Banco(2)]” e do “[Banco(1)]” e os dados constantes dos 3 dos cartões brancos encontrados na posse do recorrente B (nos quais foram introduzidos os dados dos cartões de levantamento de dinheiro ou dos cartões de crédito de terceiros n.ºs XXXX XXXX XXXX XXXX XXX, XXXX XXXX XXXX XXXX e XXXX XXXX XXXX XXXX) são idênticos aos dos cartões com os quais foram efectuadas operações de levantamento de dinheiro nas máquinas ATM do “[Banco(2)]” e do “[Banco(1)]”.
20. Após perícia ao computador portátil da marca SONY do recorrente A feita pela Divisão de Informática Forense da Polícia Judiciária, verificou-se que o referido computador portátil armazenou 10 ficheiros contendo 110 conjuntos de números dos cartões de levantamento de dinheiro ou cartões de crédito. Conforme as regras gerais das instituições mundiais que emitem os cartões, o primeiro número do cartão de crédito VISA é o 4, o do cartão de crédito MASTER é o 5 e o do cartão de levantamento de dinheiro é o 6.
21. Após uma comparação realizada pela Polícia Judiciária entre os aludidos 110 conjuntos de números dos cartões de crédito ou cartões de levantamento de dinheiro e os números dos 47 cartões de crédito ou cartões de levantamento de dinheiro encontrados na posse dos dois recorrentes, os números dos cartões de crédito ou cartões de levantamento de dinheiro retidos pelas máquinas ATM e os números mostrados nos registos das transacções efectuadas nas máquinas ATM, verificou-se que 28 conjuntos de números dos cartões são iguais e todos esses são os números dos cartões de crédito.
22. Os referidos 28 conjuntos de números dos cartões de crédito e os seus dados foram ilegalmente introduzidos nas bandas magnéticas dos referidos “cartões brancos” pelos dois recorrentes através do computador portátil e do leitor de cartões apreendidos nos autos, de forma a falsificar os cartões de crédito, com intenção de pôr em circulação como legítimos esses cartões de crédito falsificados.
23. Além disso, com intenção de obter para si benefício ilegítimo, os dois recorrentes, agindo de comum vontade e acordo, com divisão de tarefas, em colaboração mútua e em conluio com outrem, utilizaram, várias vezes e de forma sucessiva no mesmo dia, os “cartões brancos” nos quais já tinham sido introduzidos ilegalmente os dados e os números dos cartões de crédito ou dos cartões de levantamento de dinheiro de terceiros, inseriram-nos nas máquinas ATM dos bancos de Macau, acederam ilegitimamente ao sistema informático e introduziram os dados informáticos ilegalmente obtidos, o que causou prejuízos aos bancos locais ou instituições que emitem os verdadeiros cartões de levantamento de dinheiro ou cartões de crédito, ou aos verdadeiros titulares dos cartões.
24. Os recorrentes A e B agindo de forma voluntária, livre e consciente, praticaram dolosamente as aludidas condutas, bem sabendo que as suas condutas eram ilegais e punidas por lei.
25. O recorrente A (1.º arguido) declarou ser agricultor, auferindo mensalmente cerca de 4.000,00 euros.
26. Tendo como habilitações académicas o ensino universitário, tendo a seu cargo a fiancée e dois filhos.
27. O recorrente B (2.º arguido) declarou ser comerciante, auferindo mensalmente cerca de 2.000,00 euros.
28. Tendo como habilitações académicas o ensino universitário, tendo a seu cargo a mulher e dois filhos.
29. Conforme o CRC, os dois recorrentes são primários.
30. Segundo os elementos constantes dos autos, os ofendidos que sofrem prejuízos pecuniários, nomeadamente o “[Banco(1)]” e o “[Banco(2)]”, não exerceram validamente o seu direito de queixa.

Factos não provados:
1. Os dois recorrentes poderiam obter, pelo menos, 10% do dinheiro levantado como retribuições.
2. Nas operações do levantamento de dinheiro com os aludidos “cartões brancos” nas máquinas ATM em Macau, os dois recorrentes obtiveram, pelo menos, uma quantia de cerca de MOP$93.600,00.

3. Direito
Os recorrentes invocam como fundamentos do recurso o erro na qualificação jurídico-penal dos factos e o excesso na pena aplicada.

3.1. Sobre a qualificação jurídica dos factos
Na óptica dos recorrentes, os factos por eles praticados não se enquadram no crime p.p. pelo art.º 252.º do Código Penal com a equiparação efectuada no art.º 257.º do mesmo diploma, pois eles introduziram, através do computador, dados falsos nas bandas magnéticas de cartões brancos emitidos por um supermercado da Alemanha, não estando em causa cartões de crédito.
E o crime por eles cometido foi o crime de burla informática que se encontra previsto e punido pelo art.º 11.º da Lei n.º 11/2009, no qual se refere expressamente que as normas do Código Penal apenas deverão ser aplicadas subsidiariamente aos crimes previstos nessa Lei, que, sendo especial, prevalece sobre a lei geral.
Vejamos se assiste razão aos recorrentes.

Ora, nos termos do n.º 1 do art.º 252.º do CPM, é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos o agente que pratica contrafacção de moeda, com intenção de a pôr em circulação como legítima.
E ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 257.º do CPM, para efeitos do disposto nos art.ºs 252.º a 256.º do mesmo diploma, são equiparados a moeda “os cartões de garantia ou de crédito”.
Há que ver se os cartões envolvidos no caso vertente se integram, ou não, no conceito de cartão de crédito.
Entende-se que o cartão de crédito é o documento emitido por uma entidade nos termos de um contrato de acordo com o qual a entidade emissora suporta o pagamento de bens e serviços do beneficiário, que o beneficiário reembolsa posteriormente.1
Conforme a factualidade provada nos autos, os recorrentes entraram na RAEM, trazendo consigo os “cartões brancos” bem como o computador portátil e o leitor de bandas magnéticas, a fim de reproduzir ilegalmente em Macau os dados de cartões de crédito ou cartões de levantamento de dinheiro para as bandas magnéticas dos “cartões brancos”.
E utilizaram, por várias vezes, os “cartões brancos” nos quais já tinham sido introduzidos ilegalmente os dados e os números dos cartões de crédito ou dos cartões de levantamento de dinheiro de terceiros, inseriram-nos nas máquinas ATM dos bancos de Macau, tendo conseguido levantar dinheiro com alguns cartões. E os outros cartões foram retidos pelas máquinas ATM que recusaram o pagamento de dinheiro.
Por outro lado, foram encontrados na posse dos recorrentes um cartão de crédito Mastercard com a expressão “AIPHA BANK” e 47 “cartões brancos” com a expressão “DEUTSCHLAND CARD”.
Após a perícia e a leitura dos dados constantes dos referidos cartões feita pela Polícia Judiciária, verificou-se que o cartão de crédito Mastercard com a expressão “AIPHA BANK” apreendido era falsificado e nas bandas magnéticas dos aludidos 47 cartões brancos tinham sido introduzidos dados dos cartões de levantamento de dinheiro ou cartões de crédito de terceiros (43 cartões introduzidos dados de cartões de crédito e 4 introduzidos dados de cartões de levantamento de dinheiro), alguns idênticos aos dos cartões com os quais foram efectuadas as operações de levantamento de dinheiro nas máquinas ATM dos bancos.
E após perícia ao computador portátil apreendido nos autos, verificou-se que tal computador armazenou 10 ficheiros contendo 110 conjuntos de números dos cartões de levantamento de dinheiro ou cartões de crédito; e feita a comparação entre estes 110 conjuntos de números dos cartões de crédito ou cartões de levantamento de dinheiro e os números dos 47 cartões encontrados na posse dos dois recorrentes, os números dos cartões de crédito ou cartões de levantamento de dinheiro retidos pelas máquinas ATM e os números mostrados nos registos das transacções efectuadas nas máquinas ATM, verificou-se que 28 conjuntos de números dos cartões são iguais e todos esses são os números dos cartões de crédito.
Por fim, os referidos 28 conjuntos de números dos cartões de crédito e os seus dados foram ilegalmente introduzidos nas bandas magnéticas dos referidos “cartões brancos” pelos dois recorrentes através do computador portátil e do leitor de cartões apreendidos nos autos, de forma a falsificar os cartões de crédito, com intenção de pôr em circulação como legítimos esses cartões de crédito falsificados.
Daí que se afigura evidente que estão em causa os cartões de crédito.
Não obstante constar da matéria de facto provada que nos cartões brancos apreendidos nos autos são impressas as expressões “DEUTSCHLAND CARD” e “EDEKA”, sendo este último o nome de um supermercado da Alemanha, o que importa é que ficou provado que nesses cartões foram ilegalmente introduzidos, nas suas bandas magnéticas, os números dos cartões de crédito e os respectivos dados para valerem como cartões de crédito legítimos, sendo irrelevante a aparência dos cartões em causa.
Nota-se que os recorrentes chegaram a utilizar os cartões de crédito falsificados para levantar dinheiro, sendo esta também a função dos cartões de crédito, como é consabido.
Trata-se dum processo com natureza automática, sendo que a confirmação da veracidade dos cartões é feita mecanicamente através dos dados introduzidos nas bandas magnéticas, sem nenhuma intervenção humana.
Vale a pena citar aqui as seguintes considerações do Prof. A.M. Almeida Costa sobre os cartões de crédito e a semelhança que apresentam os cartões falsificados com os verdadeiros:
<>2
Daí decorre a essencialidade dos dados gravados na banda magnética do cartão, e não a sua configuração externa.
Concluindo, não merece censura a condenação dos recorrentes pelo crime de contrafacção de moeda p.p. pelo art.º 252.º n.º 1, conjugado com o art.º 257.º n.º 1, al. b), ambos do Código Penal de Macau.

Por outro lado, é irrelevante no presente recurso a discussão sobre o crime de burla informática invocado pelos recorrentes, já que em ambas as instâncias foi declarada extinta a responsabilidade criminal dos recorrentes.
E mesmo verificado tal crime, não se mostra afastada a punição pelo crime de contrafacção de moeda.
Alegam os recorrentes que a Lei n.º 11/2009 prevê expressamente que as normas do Código Penal apenas deverão ser aplicadas subsidiariamente aos crimes previstos nessa Lei; e sendo esta lei especial, prevalece sobre a lei geral.
Trata-se do entendimento equívoco dos recorrentes.
Ora, não se pode misturar as duas condutas em causa, que integram os delitos diversos: uma a falsificação dos cartões de crédito, e outra a utilização dos cartões falsos, inserindo os mesmos nas máquinas ATM dos bancos, acedendo ilegitimamente ao sistema informático e introduzindo os dados informáticos ilegalmente obtidos, causando assim prejuízos a terceiro.
E existe uma relação de concurso efectivo entre os dois crimes, na medida em que são distintos os bens jurídicos a proteger.
Improcede o argumento dos recorrentes.

3.2. Sobre a medida concreta da pena
Entendem os recorrentes que a pena concretamente aplicada, de 4 anos e 6 meses de prisão, é excessiva, injusta, inadequada e desproporcional, face às penas aplicadas em situações semelhantes e às circunstâncias apuradas no caso.
Quanto à desigualdade das penas invocada pelos recorrentes, é de salientar que a medida concreta de pena deve ser determinada caso a caso, devendo atender a todas as circunstâncias referidas no art.º 65.º do Código Penal de Macau, não se pode ver atenuada a pena apenas com fundamento na dosimetria da pena aplicada noutros casos sem revelação de restantes elementos concretos.

Nos termos do art.º 40.º n.º 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do artigo.
No caso ora em apreciação, afigura-se-nos justa e equilibrada a pena concretamente aplicada, face à moldura penal abstracta e ao circunstancialismo apurado nos autos.
O crime pelo qual foram condenados os recorrentes, de contrafacção de moeda, é punível com a pena de 2 a 12 anos de prisão.
Não decorre dos autos nenhuma circunstância que milite a favor dos recorrentes, com excepção de serem delinquentes primários.
Houve apenas confissão parcial dos factos ilícitos, verificando-se discrepâncias sensíveis entre as declarações prestadas em audiência de julgamento e as prestadas perante o Magistrado do Ministério Público, pelo que se procedeu à leitura destas declarações nos termos do art.º 338.º n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal (cfr. acta de audiência de julgamento).
Não se vislumbra o arrependimento sincero nem colaboração activa com a Polícia invocada pelos recorrentes.
A factualidade apurada nos autos revela que o dolo dos recorrentes é intenso e são muito graves os factos ilícitos.
No que tange às finalidades da pena, são prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que põe em crise a integridade ou intangibilidade do sistema dos cartões de crédito bem como o normal funcionamento das instituições financeiras, tendo em consideração a sua prática cada vez mais frequente em Macau.
Atentas todas as circunstâncias apuradas nos autos e as disposições dos art.ºs 40.º e 65.º do Código de Processo Penal, não se afigura excessiva nem injusta nem ainda desproporcional a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
E tal como tem entendido este Tribunal, “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”3, pelo que se não se estiver perante essas situações, como é no caso vertente, o Tribunal de Última Instância não deve intervir na fixação da dosimetria concreta da pena.
É de concluir pela improcedência da pretensão dos recorrentes.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em julgar improcedente o presente recurso.
Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça fixada em 5 UC.
  
   Macau, 4 de Fevereiro de 2015
  
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  

1 Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, p. 692.
2 Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, p. 814.
3 Cfr. Ac. do TUI, de 23-1-2008, 19-9-2008, 29-04-2009 e 28-9-2011, nos Processos n.ºs 29/2008, 57/2007, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
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Processo n.º 1/2015