打印全文
Processo nº 728/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 05 de Fevereiro de 2015

ASSUNTO:
- Divórcio por separação de facto

SUMÁRIO :
- Para decretar o divórcio com fundamento na separação de facto tem de verificar-se cumulativamente 2 elementos: o elemento objectivo, que é a divisão do habitat, a falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes por 2 anos consecutivos (este elemento é muitas vezes equívoco, pois o dever de coabitação, reveste-se de grande plasticidade, tudo depende das circunstâncias e há uma grande variedade de situações); e o elemento subjectivo, que consiste numa disposição interior - o “propósito” de ambos os cônjuges ou de um deles de não restabelecer a comunhão da vida matrimonial, não necessitando este último elemento de durar também 2 anos consecutivos.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 728/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 05 de Fevereiro de 2015
Recorrente: A (Autora)
Recorrido: B (Réu)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 23/05/2014, julgou-se a acção improcedente e consequentemente absolveu-se o Réu do pedido de divórcio.
Dessa decisão vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão, os seguintes:
A. Resultou provado na Sentença recorrida que em 2010 a A., ora Recorrente, já não queria manter a relação matrimonial com o R., ora Recorrido, e, ainda, que inexistia comunhão de vida entre os cônjuges desde 2009 (cfr. fls. 69 e 68v dos autos, respectivamente) .
B. No entanto, o Tribunal a quo concluiu a final que, apesar de o requisito objectivo plasmado no artigo 1638º n.º 1, 1ª parte do CC, se encontrar satisfeito, já o requisito subjectivo indicado na 2ª parte da mesma norma não se encontrava preenchido.
C. Sucede que, tendo o douto Tribunal a quo dado como provado que em 2010 já não havia interesse da parte da ora Recorrente em manter a relação conjugal, apenas se pode concluir que, desde essa data, já a Recorrente não tinha qualquer interesse em restabelecer a comunhão de vida entre os cônjuges, estando consequentemente preenchida ao previsão do artigo 1638°, n.º 1, 2ª parte do CC, uma vez que desde 2010 até à data da propositura da presente acção de divórcio em 16 de Abril de 2013 mediaram dois anos.
D. Não tendo o Mmo. Tribunal a quo determinado o decretamento do divórcio entre Recorrente e Recorrido quando se encontravam preenchidos os requisitos para o efeito, alicerçados na matéria de facto dada como provada, a sentença é nula por oposição dos seus fundamentos com a decisão, nos termos do artigo 571°, n.º 1, alínea c) do CPC.
Assim não se entendendo, o que se por mera hipótese se equaciona, sem conceder, sempre se dirá o seguinte:
E. O pedido de divórcio da ora Recorrente encontra-se sustentado na ruptura da vida em comum dos cônjuges em virtude de separação de facto por 2 anos consecutivos, tal como estabelece o artigo 1637°, alínea a) do CC.
F. Nos termos do disposto no artigo 1638°, n.º 1 do CC, a separação de facto traduz-se na inexistência de comunhão de vida entre os cônjuges (elemento objectivo) e na verificação do propósito de não a restabelecer (elemento subjectivo), seja da parte de ambos, ou de apenas um dos cônjuges.
G. Entendeu o Tribunal a quo que, para efeitos de apreciação do referido requisito subjectivo, o momento atendível da separação é o dia da propositura da presente acção de divórcio, ou seja, o dia 16 de Abril de 2013, concluindo, por isso, não ter decorrido o prazo de dois anos sobre o propósito de pelo menos um dos cônjuges não restabelecer a comunhão de vida conjugal.
H. No entanto, o prazo de 2 anos a que se refere o artigo 1637°, alínea a) do CC não se aplica ao requisito subjectivo, mas tão-somente ao requisito objectivo que, como sustenta a melhor jurisprudência, por ter natureza complementar, não está sujeito a tal prazo de 2 anos.
I. Efectivamente, bastará para a verificação de tal requisito subjectivo a efectiva propositura da acção de divórcio, desse comportamento se concluindo o propósito de a Recorrente não pretender restabelecer a vida em comum.
J. Verificado o requisito subjectivo nos termos acima indicados, e tendo ficado provado o requisito objectivo concernente à inexistência de comunhão de vida entre os cônjuges, forçoso será concluir pelo preenchimento dos pressupostos constantes do artigo 1638°, n.º 1 do CC, ex vi artigo 1637°, alínea a) do mesmo diploma, pelo que o pedido da ora Recorrente deveria ter sido julgado procedente e, em consequência, decretado o divórcio com culpa exclusiva do Recorrido.
K. Assim não tendo entendido, incorreu o Mmo. Tribunal a quo em erro sobre a matéria de direito, conforme o artigo 598°, n.º 2, alíneas b) e c) do CPC, pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada por V. Exas., substituindo-se por outra que decrete o divórcio entre a Recorrente e o Recorrido, nos termos do artigo 1637°, alínea a) do CC, com culpa exclusiva deste último nos termos do artigo 1638°, n.º 2 do mesmo diploma.
Assim não se entendendo, o que por mera hipótese se admite, sem conceder, sempre se dirá que:
L. Resultou provado nos autos que (i) o Recorrido abandonou a casa de morada de família em 2009, não tendo desde então dado quaisquer sinais de vida, (ii) não existiu desde 2009, por mor do comportamento deste, qualquer comunhão de mesa, leito ou habitação entre Recorrente e Recorrido e (iii) a Recorrente perdeu a vontade de manter a comunhão de vida com o Recorrido em data incerta em 2010.
M. Ora, se a ruptura conjugal se encontra por demais demonstrada nos presentes autos, independentemente da data exacta em que se terá dado o corte definitivo no relacionamento entre os cônjuges, é por demais evidente que se cimentou, desde a partida do Recorrido e a total ausência de notícias suas desde então, uma situação de ruptura conjugal entre Recorrente e Recorrido.
N. Acresce que o douto Tribunal a quo não poderia deixar de entender que o Recorrido não teria interesse em restabelecer a comunhão de vida, uma vez que saiu de casa em 2009 e nunca mais deu sinais de vida.
O. Pelo exposto, e atendendo à verificação do elemento objectivo desde 2009, forçoso será concluir que desde essa mesma data que, de parte a parte, inexistia qualquer intenção dos cônjuges em manter a vida em comum.
P. Estando preenchidos os requisitos objectivo e subjectivo constantes do artigo 1638°, n.º 1 do CC, ex vi artigo 1637°, alínea a) do mesmo diploma, não poderia o douto Tribunal a quo deixar de decretar o divórcio entre Recorrente e Recorrido.
Q. Assim não tendo entendido, incorreu o Mmo. Tribunal a quo em erro sobre a matéria de direito, conforme o artigo 598°, n.º 2, alíneas as alíneas b) e c) do CPC, pelo que deverá, também por este motivo, ser a sentença ora posta em crise anulada e revogada por V. Exas., substituindo-se por outra que defira o pedido de divórcio entre a Recorrente e o Recorrido, nos termos do artigo 1637°, alínea a) do CC, com culpa exclusiva deste último nos termos do artigo 1638°, n.º 2 do mesmo diploma.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Foi considerada como provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
- 原告與被告於1987年04月21日在廣東省台山市締結婚姻。
- 於婚姻存續期間,雙方於1984年及1987年育有二名子女,分別為C及D,二人均已成年。
- 於2004年,原告與雙方的次子移居澳門,入住澳門和樂街XXX單位,共同生活,並視該地址為家庭居所。
- 於2009年,被告最後一次回家後,便再沒有返回家庭居所。
- 自此,原告與被告失去聯絡。
- 自被告由2009年離開原告與被告的家庭居所起,原告亦嘗試聯絡被告,但未曾成功。
- 由於原告與被告的關係疏離,且自2009年起原告更與被告失去聯絡。
- 於不確定日期起,原告亦失去與被告維持婚姻關係的意願,再也沒有與被告共同生活的意圖。
- 自2009年後,原告與被告雙方不再共同生活,且被告沒有履行夫妻義務,亦再沒有任何夫妻生活,不再同食、同住及同睡。
- 於2012年06月08日,原告曾向治安警察局尋求協助,嘗試聯絡被告。
- 治安警局人員亦向被告傳遞了原告尋找被告的訊息。
- 原告於2012年05月12日於澳門日報刊登對被告之尋人啓示。
- 被告始終沒有主動與原告聯絡。
*
III – Fundamentação
O objecto do presente recurso consiste em saber se estão verificados os requisitos do divórcio por separação de facto pelo período de 2 anos.
Entendeu o Tribunal a quo no sentido negativo, por considerar que, não obstante se verificar a separação de convivência dos cônjuges por mais de 2 anos consecutivos, não está provado que o propósito de não restabelecer a vida em comum por parte dos cônjuges ou por um deles tivesse também perdurado por 2 anos consecutivos.
Quid iuris?
Sobre a questão em causa, este Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar no Proc. nº 793/2012 e por Ac. de 22/05/2014, no qual foram juízes adjuntos, os aqui Relator e 1º Adjunto, fixando-se aí a seguinte jurisprudência:
“…
3. Dispõe o artigo 1637°, a), do CC, que a separação de facto por 2 anos consecutivos é também fundamento de divórcio litigioso.
Nos termos do art. 1638, n.º 1, do CC, "Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer."
São assim elementos da separação de facto: a) elemento objectivo: falta de comunhão de vida entre os cônjuges; b) elemento subjectivo: haver da parte de ambos ou apenas de um deles um propósito de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial; c ) a separação por dois anos consecutivos.
4. A situação merece alguma atenção e ponderação.
Estamos num domínio em que, se o elemento objectivo é fácil de demonstrar, já não assim o elemento subjectivo.
Imaginemos uma discussão intra muros na casa de morada de família, o marido bate com a porta e sai de casa.
Ou pode até sair de casa sem discussão alguma .
Pode sair com a intenção imperscrutável de não mais viver com a sua mulher naquela ou noutra casa; pode sair apenas para apanhar fresco e seguro que dentro de umas horas ou dias as coisas irão serenar. Pode até ser dominado por aquele primeiro ânimo e voltar a reponderar por si ou porque as artes da esposa o convencem a tal.
É evidente que pode até bater com a porta e não mais ali voltar porque alguma fatalidade o faz desaparecer, numa situação como aquela em que as vagas levam o pescador ou um avião desaparece sem recobro do corpo.
E pode fechar a porta, por dias, meses e anos, por razões e necessidades várias, ponderosas ou não, da sua vida pessoal, familiar, profissional, quantas vezes, para ganhar o pão para a sua própria família.
Estas duas últimas situações não interessam para o caso, mas não são completamente desprezíveis, na medida em que materializam uma causa justificativa para a separação independentemente da intencionalidade no rompimento conjugal. Dir-se-á que mesmo nelas se revela apenas o elemento objectivo, mas diremos nós que esse elemento objectivo é irrelevante como fonte de divórcio (exceptuada a situação da al. b) do art. 1637º do CC). Já não assim no primeiro grupo das diferentes situações de separação, pesem embora, ainda aí, os seus diferentes contornos.
Estamos num domínio - referimo-nos ao elemento subjectivo - muito volátil e de difícil apreensão e percepção. Por vezes nem o próprio membro do casal sabe o que quer! Tanto assim que não é difícil configurar que haja casais que partilhem o mesmo tecto, mas que no fundo, no fundo, nada há mais de comum entre eles.
Daí que faça sentido integrar como pressuposto da separação relevante esse animus de separação, de corte, de cessação da relação conjugal.
É por isso que se acasalam esses dois elementos - o objectivo e o subjectivo - como requisitos do divórcio por separação de facto.
5. É assim que se deve compreender o invocado acórdão deste TSI - proc. n.º 74/2008 -, no qual se louvou a Mma Juíza que prolatou a douta sentença recorrida para julgar improcedente a presente acção de divórcio.
Temos, porém, para nós, que não se deve ser demasiado exigente na comprovação de uma matéria de facto fluida, do foro íntimo, sentimental, afectiva. A perda dos laços é, quantas vezes, pelo silêncio que melhor se expressa.
Nesta linha, o Prof. Pereira Coelho, “Esta causa de divórcio é integrada por dois elementos, um objectivo e outro subjectivo. O elemento objectivo é a divisão do habitat, a falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes. Este elemento é muitas vezes equívoco, pois o dever de coabitação, reveste-se de grande plasticidade. Tudo depende das circunstâncias e há uma grande variedade de situações. Pode haver residências separadas - o artº 1673º [1534º CC Macau] permite-o - e todavia haver uma comunhão de vida (v.g. o caso dos emigrantes). Outras vezes, respeitos humanos ou o interesse dos filhos levam os cônjuges a manter uma aparência de vida em comum que não corresponde à realidade. Ao elemento objectivo que é matéria da separação de facto, há-de, pois, acrescer um elemento subjectivo, que anima essa matéria e lhe dá forma e sentido; consiste ele numa disposição interior - o “propósito” como diz o artigo da parte de ambos os cônjuges ou de um deles de não restabelecer a comunhão da vida matrimonial (...)”1
Também a este respeito ensina o Prof. Antunes Varela “A forma como na lei (…) se define a separação de facto, tradutora da ruptura da vida em comum, mostra com efeito que ela pode resultar de uma actuação bilateral concertada entre ambos os cônjuges, como de um procedimento bilateral não acordado entre eles, como da atitude isolada de um só deles. Apesar de não ser essencial o acordo dos cônjuges quanto à separação, é evidente que esta separação compreende um elemento subjectivo (a intenção de ambos os cônjuges, ou de um deles de romper definitivamente com a vida em comum) ao lado de um elemento objectivo (não existência entre os cônjuges da comunhão de leito, mesa e habitação”.23
6. Perante este enquadramento somos a discorrer que o elemento subjectivo, numa situação em que se vem a invocar a ruptura conjugal, acompanha o elemento objectivo relevante, na certeza de que nesses casos ele se vai cimentando ao longo do tempo. É evidente que numa situação dessas, como aquelas que a vida nos mostra, não há um momento exacto e determinável para se poder dizer que naquele exacto momento passou a haver uma disposição de ruptura conjugal.
Daí que o levantamento da cortina se faça por um conjunto de factos e comportamentos, donde emerge, com maior relevo, a separação de facto material, objectiva. Pois se assim não fosse, não faltariam motivos ou razões que logo seriam aventados pela outra parte, de forma a fechar a cortina, alegando-se que não foi assim que as coisas se passaram, pois, não obstante aquela saída, ocorreu este e aquele facto demonstrativo de uma vontade em manter o casamento.
É verdade que a matéria fáctica nos presentes autos é muito curta, mas, pensamos, não ser impeditiva do decretamento do divórcio, relevando-se aqui, não obstante as regras do ónus da prova, a passividade do cônjuge, a esposa requerida no divórcio, que nada veio alegar ou contrapor ao afirmado e ao desiderato formulado pelo marido. Tudo conjugado, não nos será difícil compreender que aquela separação de facto que se prolongou, à presente data por cerca de nove anos, sem nada que a quebrasse ou sem que tal fosse invocado, não terá deixado de estar imbuída do elemento subjectivo pertinente. Como ensina o Prof. Antunes Varela, 4 a Segunda Instância, assento final da fixação da matéria de facto, pode, com base nos factos provados - e desde que não os altere - lançar mão dos juízos de experiência, ou das considerações de probabilidade/razoabilidade para dar como provados outros factos, assim como tem toda a liberdade de emitir juízos de valor sobre a matéria de facto, alterando ou reforçando os que foram emitidos pela 1ª Instância.
7. Esta sensibilidade temo-la visto colhida na Jurisprudência de Macau, em particular neste TSI, o que se recolhe da análise de três acórdãos que se seguiram àquele acima referido na douta sentença sob apreciação, aliás, também subscrito pelo presente relator. Não obstante, regista-se uma evolução no sentido acima desenhado, tal como reflectida na própria evolução da Jurisprudência concretizada nos acórdãos 388/2010, 158/2011 e 723/2013.
Do primeiro se pode retirar que “o simples facto de o autor intentar a acção de divórcio demonstra, só por si, o propósito de não reatamento da sociedade conjugal, já que traduz uma manifestação nesse sentido, desde que se tinha separado do outro há mais de dois anos consecutivos.”
Do segundo “O elemento objectivo consiste na divisão do habitat, na falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes; o elemento subjectivo consiste num propósito da parte de ambos os cônjuges ou de um deles, de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial.
É nitidamente um facto conclusivo que “não existe, pelo menos da parte do A., o propósito da restabelecer a comunhão de vida”.
Para a verificação deste requisito, só pode levar em conta os elementos fácticos concretamente acontecido, v.g. as partes não moravam no mesmo tecto; vivia numa outra casa; vivia com outra mulher ou homem, etc. O simples facto de o autor intentar a acção de divórcio demonstra, só por si, o propósito de não reatamento da sociedade conjugal, já que traduz uma manifestação nesse sentido, devendo considerar haver separação de facto quando se verificar o requisito objectivo e o pressuposto de “dois anos consecutivos”.
Do terceiro, este, então, incisivamente, “na matéria de divórcio com fundamento na separação de facto, ao exigir a duração mínima de dois anos de separação de facto, o nosso legislador está a olhar apenas para o requisito objectivo e não também o subjectivo. Pois este requisito, de natureza subjectiva, é um requisito de natureza complementar. Assim sendo, desde que tenha sido provada a separação de facto por dois anos e no momento de decisão persista a intenção de não restabelecer a comunhão de vida interrompida por dois anos consecutivos, é de decretar o divórcio.”
Aliás, relativamente ao elemento subjectivo, importa ainda esclarecer que, como vem sendo entendimento da Jurisprudência Comparada, a propositura da acção com fundamento na separação de facto, revela de forma inequívoca a intenção ou o propósito de não restabelecer a comunhão de vida entre os cônjuges .5
8. Voltando ao caso dos autos e não obstante reconhecer-se, repete-se, ser escassa a factualidade alegada, não pode deixar de se concluir que foram alegados e provados factos suficientes para a integração dos referidos elementos.
No caso é indiscutível a ocorrência do elemento objectivo da "separação de facto".
Por outro lado, tendo o autor, ora recorrido, proposto a acção de divórcio, manifestou com tal conduta a intenção de romper definitivamente com a vida em comum, verificando-se, desta forma, o elemento subjectivo da "separação de facto". Como se refere noutro aresto6 “ o simples facto de o autor intentar a acção de divórcio demonstra, só por si, o propósito de não reatamento da sociedade conjugal, já que traduz uma manifestação nesse sentido.”
Por outro, nada foi oposto que fizesse apartar daquela separação ao longo de vários anos qualquer circunstancialismo paralisante de um elemento subjectivo, como integrante, em princípio, de uma separação material objectiva.
9. Por último, se estas razões não bastassem, sempre podemos dizer que, passado todo este tempo, contado até o da pendência da acção, o elemento subjectivo não deixa de ocorrer, visto o princípio que decorre da actualidade que deve revestir a decisão judicial.
Esta argumentação mostra-se igualmente acolhida na Jurisprudência Comparada7, onde se afirma que, se, por um lado, a separação de facto como causa de divórcio exige, em primeiro lugar a verificação de um elemento objectivo, constituído pela falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes, a tal elemento, acresce a exigência de um elemento subjectivo, que anima essa matéria e lhe dá forma e sentido, o qual, - para efeitos da separação de facto por dois anos consecutivos -, consiste numa disposição interior, ou num propósito, da parte de ambos os cônjuges, ou de um deles, de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial, compreendendo-se, todavia, a menor imperatividade probatória quanto ao mesmo elemento, no caso da separação de facto como causa de divórcio, se este for requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro; ou seja, o elemento subjectivo vai em princípio implicado, quer na circunstância de um dos cônjuges requerer o divórcio, quer na circunstância de o outro não deduzir oposição;
Aí se afirmando ainda que o corpus material da separação em causa se encontrava provado, uma vez que no momento em que foi proferida a decisão final decorreu muito mais do que o tempo mínimo indispensável, desde que o réu saíra do domicílio conjugal, pelo que, considerando a data da propositura da presente acção (14/2/2011), sobre este marco de referência temporal não se deixará de lhe dar prevalência, em função do princípio da actualidade da decisão plasmado no artigo 566º do Código de Processo Civil.
Em face do exposto o recurso não deixará de proceder.”.
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso e com a qual concordamos na sua íntegra, pelo que, com a devida vénia, fazemos como nosso o conteúdo acima transcrito.
Nesta conformidade, é de conceder provimento ao recurso interposto, decretando o divórcio requerido com culpa exclusiva do Réu.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida, decretando-se o divórcio celebrado entre a Autora e o Réu com culpa exclusiva do último.
*
Custas pelo Réu em ambas as instâncias.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 05 de Fevereiro de 2015.

Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
1 - Reforma do Código Civil, Petrony, 1981, 36 e 37
2 - Direito da Família, ed. 1987, págs. 479 e segs
3 - Direito da Família, ed. 1987, págs. 479 e segs
4 - Revista de Legislação e Jurisprudência 122º, 223
5 - Acs. do STJ de 5/07/01, CJ/STJ T.II, pág. 166; de 3/04/2003 e de 25/11/2003
6 - Ac. do S.T.J. de 5/7/01, C.J/S.T.J., ano IX, tomo II, pág. 166
7 - Ac. do STJ, Proc. n.º 05B2266 de 20/1/2005
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




15
728/2014