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Proc nº 618/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 05 de Fevereiro de 2015
Descritores:
-Acidente de viação
-Indemnização
-Ampliação do pedido
-Perda da capacidade de ganho
-Danos não patrimoniais

SUMÁRIO:

I - A indemnização em dinheiro deve reportar-se à data mais recente (geralmente, a da sentença), por se considerar que a indemnização deve ter como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos (art. 560º, nº5, do Código Civil).

II - Podendo o autor formular um pedido ilíquido, se, em vez disso, formula um pedido de indemnização em quantia certa, é a este que o tribunal está vinculado e não a outro, nomeadamente o que resultaria da actualização alcançável em sede de audiência e determinável em sede de sentença.

III – A expressão “encerramento da discussão” a que alude o art.217º, nº2, do CPC, não se refere já à discussão sobre o aspecto jurídico da causa, que se manifesta através das respectivas alegações (art. 559º, do CPC), mas sim à discussão sobre a matéria de facto (art. 555º, do CPC). Na verdade, “o encerramento da discussão coincide com o fim dos debates sobre a matéria de facto”. Por isso “não é de admitir a ampliação do pedido feito nas alegações discussórias, que têm a mesma natureza das alegações escritas previstas no art. 657º do Cod. Proc. Civil”.

IV - Quer se queira conferir à perda de capacidade de ganho a natureza de dano actual, quer a de dano futuro/lucro cessante, o cálculo do valor indemnizatório correspondente não deve ser fruto de um resultado aritmético baseado exclusivamente na massa salarial recebida à data do acidente - ainda que possa tê-la por referência - e no número de anos em falta até à idade de 65 anos, mediante a aplicação do coeficiente da incapacidade. Em vez disso, a indemnização deve antes ser arbitrada segundo um juízo de equidade, tal como o determina o nº5 do art. 560º, do CC.

V - Se em consequência do acidente de que foi vítima, a autora foi submetida a duas intervenções cirúrgicas, não consegue encontrar posição confortável para dormir e passa noites irrequietas, não consegue permanecer na mesma posição, sentada ou em pé, por muito tempo sem que sinta incómodos e dores, dores que continua a ter nomeadamente na região lombar, se não irá recuperar da incapacidade de 25% atribuída, além dos sofrimentos que persistem, toda esta factualidade provada ilustra um quadro de danos não patrimoniais que merecem a tutela do direito (art. 489º, nº1, do CC), indemnizáveis em Mop$ 500.000,00, valor adequado, justo e equilibrado.





Proc. nº 618/2014

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
1.ª - A, casada, desempregada, residente em Macau, XXX; e
2.ª - B, INSURANCE (HONG KONG) LIMITED, com representação permanente na Avenida da Praia Grande, XXX, em Macau,
Intentaram no TJB (Proc. nº CV2-12-0019-CAO) acção declarativa de condenação, com processo ordinário
Contra
COMPANHIA DE SEGUROS C, LIMITADA, com sede na XXX, em Macau,
Pedindo a condenação desta no pagamento total de Mop$ 1.521.924,80 (Mop$ 1.204.620.89 à 1ª autora; 317.303,91 à 2ª autora), em consequência dos danos sofridos num acidente de viação, cuja culpa imputaram ao condutor que identificam, segurado da ré.
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Na oportunidade, foi proferida sentença, que julgou parcialmente provada e procedente a acção e condenou a ré a pagar à 1ª autora a quantia de Mop$ 629.526,09, bem como as que se viessem a revelar necessárias ao tratamento das lesões, liquidáveis em execução de sentença, e à 2ª autora a quantia de Mop$ 287.192,83.
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A 1ª autora recorre desta sentença, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
«1. Conforme decorre do acórdão que decidiu da matéria de facto, a convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, nomeadamente os de fls. 30 a 285, 303, 356 a 382, 398, 399, 405 a 478, 520 a 526, 541 a 565 e 569 a 572, no relatório do exame pericial e seu esclarecimento junto a fls. 482 e 491, nos esclarecimentos prestados pelos peritos, no depoimento das testemunhas, cujo teor se deu por reproduzido.
2. Relativamente às lesões sofridas pela Recorrente, suas sequelas e situação, o Tribunal afirmou que baseou a sua convicção no processo clínico, s atestados médicos e recibos dos serviços médicos prestados, bem como o conteúdo do relatório de exame pericial, seu esclarecimento e os esclarecimentos prestados pejos peritos em audiência de discussão e julgamento e ainda as declarações feitas pelo marido da 1.ª Autora.
3. Fez-se ainda constar o douto Acórdão que não consta dos factos assentes qual o número de dias que a Autora esteve totalmente incapacitada de trabalhar, por não ter sido possível esclarecer.
4. Considerando a justificação oferecida pelo douto Tribunal a quo, a Recorrente não percebe a resposta dada aos quesitos 18.º, 21.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º
5. Os peritos ouvidos em audiência foram claros ao afirmar que nos dias em que efectuaram os relatórios de fls. 482 e 491, datados, respectivamente, de 22/04/13 e 19/07/2013, a Autora não estava apta para trabalhar, tendo acrescentado que até à data da audiência de discussão e julgamento a Recorrente não estava apta a desempenhar o trabalho que desempenhava à data do acidente, pelo que foi sugerido que a Autora mudasse de emprego.
6. Concluindo -se que até à data do depoimento dos peritos na audiência a Recorrente encontrava-se em situação de incapacidade temporária absoluta.
7. Nos termos do disposto na al. h) do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, «Incapacidade temporária» é aquela a incapacidade que priva o trabalhador temporariamente da integralidade da sua capacidade de trabalho ou de ganho, sendo «Absoluta» se, durante o período de incapacidade, o trabalhador estiver impossibilitado em absoluto de trabalhar ou ganhar, e «Parcial» se, durante o mesmo período, o trabalhador puder prestar alguns serviços da sua actividade normal de trabalho ou de ganho.
8. Apurou-se que a Recorrente não pode voltar a desempenhar a sua actividade profissional normal, na medida em que não consegue carregar objectos de peso superior a 2 ou 3 quilogramas, nem consegue ficar muito tempo de pé ou sentada.
9. A testemunha D, marido da Recorrente foi claro na resposta afirmativa dada aos quesitos 21.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º e 27.º, não se percebendo qual a razão pela qual o Tribunal a quo deu resposta negativa aos indicados quesitos, na medida em que fundamentou que o depoimento da testemunha se dava por reproduzido e que relativamente às lesões, sequelas e actual condição de saúde, o tribunal houvera baseado a sua convicção nas declarações da testemunha.
10. O Tribunal não efectuou qualquer ressalva quanto à credibilidade da testemunha ou veracidade do seu depoimento.
11. Não foi produzida qualquer prova que infirmasse as declarações da testemunha.
12. Os relatórios de fls. 465 e 472, referem que a Recorrente não sofria de qualquer doença à data do acidente, inexistindo qualquer historial de doenças familiares.
13. Os documentos de fls. 541 a 565, demonstram claramente que por força do acidente a Recorrente desloca-se mais do que uma vez por semana ao Hospital e ao Centro de Saúde do Tap Seac para tratamento e administração de medicação.
14. Impondo-se assim a alteração das respostas a dar aos quesitos 18.º, 21.º e 23.º a 27.º da Base Instrutória.
15. Entendeu o douto Tribunal a quo que o aumento do valor da indemnização por perda do salário não podia ser atendido por não estar em conformidade com o disposto no art.º 217.º, n.º 2 do CPC.
16. Sem razão!
17. Da factualidade provada, designadamente, das respostas dadas aos quesitos 3.º, 18.º, 19.º, 20.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º e 34.º, comprova-se que estão reunidos todos os requisitos para a ampliação requerida.
18. Concretamente, o Tribunal a quo considerou como provado que a Recorrente auferia o salário de MOP$4.600.00 mensal, acrescido do 13.º mês; que em consequência das lesões sofridas, não poderá voltar a exercer as funções que desempenhava; que com 42 anos de idade tinha a expectativa de vir a trabalhar, pelo menos, até ao 65 anos de idade; que não consegue permanecer na mesma posição, sentada, deitada ou em pé, por muito tempo, sem que sinta incómodos e dores; e que se encontra desempregada, pelo que tem a Recorrente o direito a receber uma indemnização por lucros cessantes correspondentes, ou seja, o salário que iria auferir até aos 65 anos.
19. Pelo que lhe é devido o requerido montante de MOP$1.354.968.32, correspondente aos salários que deixou de auferir desde a data do acidente até aos 65 anos, uma vez que se trata de um desenvolvimento, de uma consequência do pedido inicial.
20. O autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em primeira instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo - n.º 2 do art.º 217.º do Código de Processo Civil.
21. O Prof. Alberto dos Reis defende igualmente que apenas existem as apontadas duas limitações.
22. Ao abrigo do princípio do dispositivo estipulado no art.º 5.º do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos constitutivos do seu direito, cabendo ao juiz fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes.
23. O art.º 567.º do mesmo diploma estipula que o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à interpretação e aplicação do direito, contudo deve servir-se dos factos articulados pelas partes.
24. Após o acidente ficou privada de prestar quaisquer serviços da sua actividade normal de trabalho ou de ganho, pois não consegue ficar na mesma posição, de pé, sentada ou deitada, durante muito tempo sem que sinta dores.
25. Em princípio, nada obsta a que qualquer pessoa desempenhe outro tipo de trabalho para além daquele que escolheu como sua ocupação habitual, usufruindo os referidos rendimentos, porém, no que respeita à Recorrente, essa possibilidade ficou irremediavelmente afectada, pois não pode voltar a desempenhar as funções que desempenhava, nem pode estar na mesma posição, sendo sentada, deitada ou em pé por muito tempo, pelo que não se vislumbra que profissão poderá escolher.
26. O art.º 35.º da Lei Básica confere aos residentes de Macau o direito de liberdade de escolha da profissão e emprego.
27. Conclui-se que mal andou o Tribunal ao decidir que o aumento do valor inicial, feito nas alegações de direito não pode ser atendido por não estar em conformidade com o art.º 217.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
28. Foi requerida perícia médico-legal, nos termos da qual os peritos médicos concluíram que as lesões decorrentes do acidente não se encontram recuperadas, a Recorrente ainda não se sente bem, não existe perspectiva de recuperação total e que a Recorrente sofre de incapacidade permanente de 25%.
29. Os peritos médicos esclareceram que à data da realização do exame pericial e seu exame complementar, a Autora não estava ainda recuperada, encontrando-se de atestados médicos que os peritos consideraram justos, não sendo razoável o entendimento do douto Tribunal a quo de que estava apta para trabalhar a partir de 17 de Janeiro de 2012.
30. Concluindo-se que o Acórdão sob censura deve ser alterado em conformidade.
31. A Recorrente alegou que lhe foi atribuída a incapacidade de 25% no aludido processo CV2-11-0011-LAE; que à data do acidente auferia MOP$4.600.00 por mês e tinha 42 anos de idade, com a expectativa de vir a trabalhar, pelo menos, até ao 65 anos de idade, concluindo que lhe deveria ser arbitrada a quantia de MOP$400.000.00 a título de indemnização pela incapacidade de 25% que lhe foi atribuída.
32. O Tribunal, por seu turno entendeu que a 1.ªAutora afirmou que perdeu toda a capacidade de trabalho, sendo manifesto que o Tribunal fez uma interpretação incorrecta do que havia sido alegado.
33. O cômputo da indemnização tem de ser efectuado com recurso à equidade, para o que devem ser equacionados diversos factores tais como a idade e saúde da vítima, a sua profissão e salário, entre outros factores não podendo efectuar-se por simples cálculo aritmético do salário auferido agora até à data da reforma, porque os salários estão sujeitos a aumentos, sendo altamente provável que caso a Autora, ora Recorrente não tivesse sofrido o acidente e continuasse a trabalhar para a mesma entidade patronal até aos 65 anos, o que se verificaria em 2031, certamente que o seu salário não permaneceria no montante de MOP$4.600.00.
34. O Tribunal de Última Instância já decidiu que no cômputo da indemnização por perda da capacidade de ganho, há que atender-se ao n.º 5 do art.º 560.º do Código Civil conjugado com a norma do n.º 6 do mesmo artigo, ou seja haverá que recorrer-se à equidade.
35. A Recorrente considera ser justo o montante de MOP$400.000.00.
36. A Recorrente pediu que lhe fosse arbitrada uma indemnização pelos danos não patrimoniais, no montante de MOP$800.000.00, tendo o Tribunal julgado adequado fixar a indemnização no montante de MOP$300.000.00.
37. Para além da factualidade considerada pelo douto Tribunal, ficou ainda demonstrado que a Recorrente foi submetida a 2 operações cirúrgicas; que não mais pode voltar a desempenhar as mesmas funções; que ainda continua em tratamento ambulatório; que continua a sofrer dores no pescoço, cintura, costas e pernas; que não consegue permanecer na mesma posição, sentada, deitada ou em pé, por muito tempo, sem que sinta dores e incómodos e que passa noites irrequietas, sem conseguir encontrar a posição confortável para dormir.
38. As indemnizações não devem ser miserabilistas, mas adequadas a funcionar, de acordo com a realidade económica própria da comunidade em que nos inserimos, como sucedâneos significativos de danos que são, pela sua natureza, irreparáveis, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
39. O Tribunal de Segunda Instância atribuiu uma indemnização” no montante de MOP$400.000.00 ao lesado que sofreu lesões no ombro, braço e mão, que determinaram 180 dias para recuperação; MOP$430.000.00 ao lesado que ficou impossibilitado de trabalhar pelo período de 10 meses e sofreu uma incapacidade permanente parcial de 5%; MOP$500.000.00 ao lesado de 65 anos que sofreu contusões e hemopneumotórax nos pulmões, fracturas da clavícula e 3 costelas fracturas em 2 vértebras que determinaram um período de tratamento de 9 meses, findo os quais se encontrava recuperada, sem que tenha sofrido qualquer incapacidade; MOP$600.000.00 ao lesado que sofreu com fractura aberta e cominutiva da clavícula esquerda e do segmento inferior do perónio esquerdo, com período de tratamento previsto em 12 meses, com dificuldades em ficar muito tempo de pé e com pouca força para agarrar objectos com a mão esquerda. (Cfr., respectivamente, Proc. 819/2012, de 17/1/2013; Proc. 233/2013, de 27/6/2013; 106/2014, de 6/3/2014; Proc. 622/2013, de 14/11/2013, in http://www.court.gov.mo)
40. No entender da Recorrente, o peticionado montante de MOP$800.000.00 é adequado e justo, sendo consentâneo com os valores que os Tribunais têm atribuído em casos similares, pelo que deve ser alterado o Acórdão sob censura, em conformidade.
41. O Tribunal a quo fez constar que à Recorrente tinha sido atribuído o grau de incapacidade permanente parcial de 25% no processo do acidente de trabalho que correu termos sob o Proc. CV2-11-0011-LAE, conforme a acta da tentativa de conciliação junta aos autos a fls. 525, de 16 de Dezembro de 2011.
42. Sucede que considerando que ficou provado que, pelo menos até Janeiro de 2014, data da realização da primeira sessão de julgamento, a Recorrente continua a receber tratamento, que continua a sofrer dores no pescoço, cintura, costas e pernas, que não consegue permanecer na mesma posição, seja sentada, deitada ou em pé, sem que sinta incómodos, que passa noites irrequietas sem dormir, que não voltará a poder exercer a mesma profissão nem irá recuperar da incapacidade sofria, deveria o douto Tribunal proceder à alteração do coeficiente de incapacidade atribuído pelos peritos.
43. Enquanto os peritos estão objectivamente vinculados aos valores mínimos e máximos fixados na tabela, o tribunal após o julgamento obteve todos os elementos necessários para apurar em que medida é que as lesões causadas influenciam e limitam efectivamente a vida diária da Recorrente.
44. Não subsistem quaisquer dúvidas que a Recorrente não pode exercer não só a profissão que a mesma escolheu, como nenhuma outra em que lhe seja imposto estar sentada, em pé, ou deitada, para além de que não conseguindo dormir, não tem condições para no dia seguinte se levantar e ir trabalhar.
45. O Tribunal não está vinculado à avaliação prévia feita por um médico assistente ou por qualquer outra entidade, podendo o Tribunal formar o seu próprio juízo de valor, desde que tenha elementos para o efeito e dentro dos limites da tabela de incapacidades, como foi entendido no Acórdão do Venerando Tribunal de Segunda Instância proferido no processo 659/2007, de 13 de Março de 2008.
46. Em conclusão, entende-se que a fixada incapacidade de 25% não é adequada, tendo conta a influência que as lesões causam na vida da Autora, designadamente, no desempenho da sua actividade profissional.
47. O Tribunal a quo violou o disposto nos art.º 355.º, 489.º e 560.º, 563.º, todos do Código Civil, bem como o art.º 49.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M.
Termos cm que deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, revogando-se o Acórdão proferido pelo douto Tribunal a quo, substituindo-se por outro, nos termos acima propugnados, por ser de inteira JUSTIÇA.».
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Não houve resposta ao recurso.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«Da Matéria de Facto Assente:
A responsabilidade cível perante terceiros, emergente da circulação do automóvel de matrícula MF-57-XX, entre o período de 01/09/2008 a 31/08/2009, foi transferida para a Ré, por XX Petroleum Co. Ltd., através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º XXX, do ramo automóvel, até ao limite de MOP$2.000.000,00 (alínea A) dos factos assentes).
Da Base Instrutória:
Em 20 de Fevereiro de 2009, a 1ª Autora trabalhou para a sociedade comercial XXX, desempenhando as funções de Assistente Escritório (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
As suas funções incluíam recolha e entrega de documentos internos e correspondência entre o escritório da entidade patronal e os 21 restaurantes do grupo a operar em Macau, bem como as deslocações a Bancos para operações de depósito de dinheiro e de cheques. (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
A título de salário a 1ª Autora auferia a quantia de MOP$4.600,00 mensais, a que acrescia o 13º mês (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
A 1ª Autora era proprietária do motociclo da marca Ronda, de matrícula CM-XXX, de 50 c.c., a que estava habituada a conduzir para uso pessoal, veículo que também passou a utilizar para o desempenho da profissão (resposta ao quesito 4ºda base instrutória).
No dia 20 de Fevereiro de 2009, a 1ª Autora iniciou, pelas 10 horas, as suas tarefas de entrega e recolha de documentos entre o escritório e os restaurantes (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
Por volta das 11 horas e 30 minutos, a 1ª Autora circulava na via de trânsito esquerda da Rua Cinco do Bairro da Areia Preta (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
A Rua Cinco do Bairro da Areia Preta é constituída por duas vias de trânsito de sentido único, com intersecção à esquerda com a Rua Seis do Bairro da Areia Preta, atento o sentido de marcha dos veículos (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
E conduzia o veículo pesado de mercadorias de matrícula MF-57-XX, na via de trânsito direita da Rua Cinco do Bairro da Areia Preta (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
Quando a 1ª Autora percorria a Rua Cinco do Bairro da Areia Preta e se preparava para atravessar a intersecção da Rua Seis do Bairro da Areia Preta, a parte traseira do seu motociclo foi embatida pelo veículo pesado de mercadorias conduzido por E (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
Quando E virou à esquerda entrando na via de trânsito em que a 1ª Autora circulava (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
E não confirmou se tinha espaço suficiente para efectuar a manobra com segurança (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
Pelo que embateu no motociclo conduzido pela 1ª Autora (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
Em consequência do embate, a 1ª Autora caiu no chão (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
Em consequência do embate, a 1ª Autora sofreu fractura no úmero direito, nódulos de Schmorl nas L2, L3 e L4 e prolapsos nas L4/5 e L5/S1 (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
No dia 17 de Julho de 2009, a 1ª Autora foi internada no Hospital Kiang Wu, onde veio a ser submetida a cirurgias para correcção dos prolapsos na L4/5 e L4/S1, tendo recebido alta no dia 31 de Julho seguinte (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
A 1ª Autora voltou a estar internada de 13 a 17 de Janeiro de 2012, para se submeter a mais tratamentos e intervenções cirúrgicas (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
Em consequência das lesões sofridas, a 1ª Autora não mais pode exercer as funções que desempenhava à data do acidente (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
A 1ª Autora não irá recuperar da incapacidade referida nas respostas aos quesitos 30º e 31º (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
A 1ª Autora continua a receber tratamento ambulatório, submetendo-se as consultas de ortopedia (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
À data da entrada de petição inicial, a filha da 1ª Autora tinha 15 anos de idade e requeria grande parte da atenção e cuidados da 1ª Autora (resposta ao quesito 22º da base instrutória).
A 1ª Autora sofre dores no pescoço, cintura, costas e pernas (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
Sofrimentos estes que persistem actualmente (resposta ao quesito 28º da base instrutória).
Com os internamentos, cirurgias, fisioterapia, medicina tradicional, outros tratamentos médicos e medicamentos, até à presente data, a 1ª Autora gastou a quantia de MOP$147.653,80, conforme os documentos juntos a fls. 115 a 195, 204 a 250, 356 a 379, 381, 543 e 544 (resposta ao quesito 29º da base instrutória).
Em virtude das lesões sofridas, a 1ª Autora ficou com uma incapacidade permanente para o trabalho de 25% (resposta aos quesitos 30º e 31 º da base instrutória).
À data do acidente, a 1ª Autora tinha 42 anos de idade, com a expectativa de vir a trabalhar, pelo menos, até aos 65 anos de idade (resposta ao quesito 32º da base instrutória).
A 1ª Autora não consegue permanecer na mesma posição, sentada, deitada ou em pé, por muito tempo, sem que sinta incómodos e dores (resposta ao quesito 33º da base instrutória).
Passa noites irrequietas, sem conseguir encontrar a posição confortável para dormir (resposta ao quesito 34º da base instrutória).
A 1ª Autora encontra-se desempregada (resposta ao quesito 35º da base instrutória).
Por força do tratamento ambulatório que recebe, a 1ª Autora continua a despender dinheiro para o respectivo pagamento (resposta ao quesito 37º da base instrutória).
No âmbito da sua actividade comercial, a 2a Autora celebrou com a XXX Corporations, entidade patronal da 1ª Autora, o contrato de seguros para protecção dos danos sofridos pelos seus trabalhadores, com o n.º apólice 61034150EC (resposta ao quesito 38º da base instrutória).
No processo do acidente de trabalho que correm os termos sob o n.º CV2-11-0011-LAE, à 1ª Autora foi atribuída o grau de incapacidade permanente parcial de 25% (resposta ao quesito 39º da base instrutória).
Nesse processo, as Autoras chegaram o acordo, nos termos do qual a 2a Autora pagaria à 1ª Autora a quantia global de MOP$287.192,83 dos quais MOP$73.770,60 a título da despesas médicas, por danos sofridos por esta no acidente ocorrido em 20 de Fevereiro de 2009 e mencionado na resposta ao quesito 10º (resposta ao quesito 40º da base instrutória).
A 2a Autora pagou à 1ª Autora o montante de MOP$287.192,83 referido na resposta ao quesito 40º (resposta ao quesito 41º da base instrutória)».
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Acrescenta-se ainda a seguinte factualidade resultante dos elementos existentes nos autos:
A autora recebeu da Companhia Seguradora a quantia de Mop$ 124.200,00 a título de indemnização por incapacidade parcial permanente de 25% perda de capacidade de ganho (fls. 525-526 dos autos e fls. 12 a 16 do apenso “traduções”).
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III – O Direito
1 – Da impugnação da matéria de facto
Insurge-se, em primeiro lugar, a recorrente contra a forma como foi dada a resposta aos arts. 18º, 21º, 23º, 24º, 25º, 26º da Base Instrutória (BI).
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1.1 - No quesito 18º perguntava-se “Em consequência das lesões sofridas, a 1ª Autora está de baixa médica desde a data do acidente até à presente data, não podendo trabalhar durante este período?”.
A resposta foi: “Em consequência das lesões sofridas, a 1ª Autora não mais pode exercer as funções que desempenhava à data do acidente”.
A recorrente acha que o quesito 18º deveria ter sido dado como provado na sua integralidade.
Cremos que, em parte, a recorrente tem razão. Efectivamente, a forma como a resposta foi dada “…não mais pode…” em vez de “…não mais pôde…”, sugere simplesmente a ideia de que a autora não mais poderá. Ou seja, parece estar ali patente a noção de que a impossibilidade será para futuro, em vez de se referir ao passado, isto é, ao período entre a data do acidente e a do julgamento.
Todavia, os peritos ouvidos e o próprio marido foram claros no sentido de que a autora, desde a data do acidente, nunca mais pôde trabalhar na profissão que até então exercia. Cremos, aliás, que a diferença entre “pode” e “pôde” se situa apenas na falta de um acento circunflexo, circunstância que se pode ter devido a mero lapso de escrita.
Consequentemente, a resposta adequada será, de acordo com os elementos dos autos, que “Em consequência das lesões sofridas, a 1ª autora, desde a data do acidente até à data do julgamento em 1ª instância, não mais pôde exercer a sua profissão”.
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1.2 – No quesito 21º intentava-se apurar se “À data do acidente a 1ª autora tinha uma boa forma física”
No quesito 23º perguntava-se se “A 1ª autora e a família adoravam viajar e conhecer novos lugares”
No quesito 24º procurava-se apurar se “Em consequência do acidente, a 1ª autora deixou de poder dedicar-se activamente às actividades desportivas e físicas que praticava com a filha e o marido, de viajar, de praticar badmington, passando a depender muito do marido e da filha”.
No art. 25º da BI a interrogação era ”A 1ª autora pode praticar natação, mas com muito menor intensidade e regularidade com que praticava antes do acidente?”
E no 26º, inquiria-se se “As situações descritas no art. 24º e 25º determinaram uma alteração drástica dos seus hábitos de vida da 1ª Autora, o que lhe trouxe bastante tristeza?”
No art. 27º perguntava-se: “A 1ª autora sofre a todo o momento dores intensas no pescoço, ombros, cintura, bacia, costas e pernas?”
Todos eles mereceram resposta negativa.
Ora, a esta matéria apenas respondeu a testemunha D, marido da autora.
Pretende agora a recorrente que o depoimento do marido e os documentos de fls. 465 e 472 sejam interpretados de molde a demonstrar a matéria do art. 21º da BI.
Bem. Os documentos em causa não revelam categoricamente aquilo que se perguntava no quesito. Quando muito, o que deles se retira é que a autora não padecia de qualquer doença especial. Ora, não ter qualquer doença conhecida não é o mesmo que dizer que ela gozava necessariamente de uma “boa forma física”. Aliás, o próprio marido, a esse respeito, limitou-se a responder que a esposa era “uma pessoa normal”, que podia fazer tudo.
De qualquer maneira, o marido – única testemunha que depôs sobre esta matéria – acabou por concluir que ela tinha uma boa forma física e que ambos passeavam muito, especialmente no Verão, que costumavam nadar e jogar badmington. O que agora ela já não faz. Portanto, uma resposta afirmativa ao quesito 21 é possível.
E quanto aos restantes artigos da BI acima citados, cremos que as respostas devem ser alteradas face ao que resulta dos dados do processo. O testemunho do marido não foi sequer posto em causa negativamente na fundamentação do acórdão de 2/02/2014 quanto ao julgamento da matéria de facto. Podia o testemunho dele ser considerado tendencioso, pouco credível, valorado com alguma cautela, sim. Mas isso deveria ter sido vertido expressamente na referida fundamentação, a fim de se ficar a saber qual o iter, qual o percurso tomado até à convicção final dos julgadores.
Além disso, os senhores peritos, chamados a depor em audiência para esclarecimentos, em boa parte confirmaram a matéria que tinha que ver com o seu estado actual, com as dores que ela sofre, com o facto de não conseguir caminhar durante muito tempo, de apanhar transportes, etc.
Quanto ao art. 23º da BI, não há razões para duvidar da afirmação do marido. Aceita-se, pois, como boa uma resposta afirmativa.
Assim, quanto à resposta ao art. 24º, é certo que a sentença acabou por aceitar na sua fundamentação que a autora ficou limitada no seu dia-a-dia e na sua mobilidade. No entanto, ele encerra materialidade que pode ser reconduzida a questões de ordem científica (saber se pode ou não dedicar-se a actividades desportivas), para a qual o marido não tem a necessária preparação para responder e, assim, convencer o tribunal. Da mesma maneira, não está feita suficientemente a prova da muita dependência do marido e da filha.
Assim, apenas se poderá dizer que “Depois do acidente, a 1ª autora deixou de praticar badmington”.
Quanto ao art. 25º, os dados apontam no sentido de uma resposta afirmativa.
Quanto ao art. 26º, pode dizer-se que a alteração dos hábitos de vida é explicada pelo marido e, até, em parte confirmada pelos peritos que depuseram em audiência. Inclusive, a sentença, na sua fundamentação, achou que «…as lesões que ainda persistem provocam sofrimento e incómodo, bem como tristeza pela limitação das actividades do seu dia a dia e na sua mobilidade».
E quanto ao art. 27º, de acordo com as declarações do marido e dos peritos, parece que se não pode deixar de aceitar a prova de que ela continua a ter dores, nomeadamente na zona lombar.
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2 – No capítulo III das suas alegações, prossegue a recorrente inconformada com a sentença na parte em que esta, com suporte no art. 217º, nº2, do CPC, não considerou o valor de Mop$ 1.354.968,321 indicado nas alegações de direito (fls. 581-590), como sendo aquele que lhe é devido, em função da perda de vencimento de Mop$ 4.600,00 desde a data do acidente até aos 65 anos de idade, altura até à qual contava vir a trabalhar.
Ora bem. Realmente, a autora computava inicialmente em Mop$ 187.067,00 o valor dos salários que deixou de auferir desde a data do acidente até à data da introdução do litígio em juízo (art. 55º, p.i.).
A sentença, contudo, não o considerou ao abrigo do art. 217º, nº2, do CPC. E bem o fez, em nossa opinião.
Realmente, a ampliação do pedido só pode ser feita ao abrigo do art. 217º, nº2, do CPC até ao “encerramento da discussão em primeira instância”, se ele for o desenvolvimento do pedido inicial, desde que a ampliação esteja contida virtualmente no pedido inicial.
Pois bem. A expressão “encerramento da discussão” a que alude o preceito não se refere já à discussão sobre o aspecto jurídico da causa, que se manifesta através das respectivas alegações (art. 559º, do CPC), mas sim à discussão sobre a matéria de facto (art. 555º, do CPC).
Na verdade, “o encerramento da discussão coincide com o fim dos debates sobre a matéria de facto”2
É por isso que “não é de admitir a ampliação do pedido feito nas alegações discussórias, que têm a mesma natureza das alegações escritas previstas no art. 657º do Cod. Proc. Civil”3.
Sendo assim, decidiu acertadamente o tribunal “a quo” quando invocou que a situação não se podia reconduzir ao disposto no art. 217º, nº2, do CPC.
Neste sentido, a invocação do art. 563º do CC mostra-se inoperante.
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3 – No capítulo IV das alegações, a recorrente invoca o erro de julgamento.
Está em causa o número de dias em que a autora terá ficado incapacitada para o trabalho e, em consequência disso, impossibilitada de receber o seu salário. Segundo a sentença ela apenas teria deixado de trabalhar desde o dia 20/02/2009, dia do acidente, até ao dia 17/01/2012, data em que teve alta da segunda operação cirúrgica a que foi submetida (cfr. pág. 16 da sentença recorrida; fls. 597 vº, dos autos).
A autora, contudo, acha que os senhores peritos revelaram que ela, à data do julgamento, ainda estava incapacitada para o trabalho.
Bem. Achamos que a autora até pode ter razão do ponto de vista fáctico. Efectivamente, desde a data do acidente, ela não mais terá podido exercer a profissão que desempenhava (resposta ao art. 18º, da BI), não irá recuperar da incapacidade (resposta ao art. 19º da BI), perdeu a capacidade de trabalho no futuro (resposta ao art. 30º, da BI) e apresenta uma incapacidade de 25% (resposta ao art. 31º, da BI).
Já não a tem do ponto de vista jurídico. É certo que a indemnização em dinheiro deve reportar-se à data mais recente (geralmente, a da sentença), por se considerar que a indemnização deve ter como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos (art. 560º, nº5, do Código Civil).
Simplesmente, a sentença deve ter em conta o valor do pedido, não podendo condenar em quantidade superior (art. 661º, nº1, do CPC). Assim, para se considerar o disposto no art. 560º, nº5 do CC é suposto que o impetrante não tenha formulado um pedido líquido de valor, o mesmo é dizer, que não tenha liquidado uma quantia certa. É o que sucede quando formula um pedido de pagamento em juros em termos amplos (art. 552º, CC), quando formula um pedido em importância ilíquida ou não exacta, quando liquida o pedido, mas sem prejuízo do que vier a provar-se em sede de actualização, ou quando amplia o pedido inicial na réplica ou até ao encerramento da discussão (art. 217º, nº2, CPC).
Podendo, portanto, o autor formular um pedido naquelas condições, se em vez disso formula um pedido de indemnização em quantia certa, é a ele que o tribunal está vinculado e não a outro, nomeadamente o que resultaria da actualização alcançável em sede de audiência e determinável em sede de sentença4
Portanto, em obediência ao princípio do dispositivo (art. 5º, do CPC) ou aos limites da condenação em função do pedido (art. 564º, nº1, do CPC), não pode ser atendido o que a autora agora pretende no seu recurso, que era o de fazer repercutir no quantum da indemnização a circunstância de em sua opinião ter perdido o salário desde a data do acidente até ao momento da audiência de discussão e julgamento e não apenas até 17/01/2012, como o considerou a sentença.
Improcede, pois, a alegação.
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4 – No capítulo V das suas alegações de recurso, a autora volta-se para o valor indemnizatório pela perda de capacidade de ganho.
Ela, que tinha pedido Mop$ 400.000,00 na sua petição inicial, viu ser-lhe atribuída pela sentença ora sindicada a quantia de Mop$ 295.067,04, tendo em conta o valor do salário auferido à data do acidente, a idade de 42 anos que ela tinha nessa altura e a expectativa de vida útil activa de 65 anos.
Entende a recorrente que o cálculo da indemnização não se deveria ter atido simplesmente ao montante da massa salarial no momento do acidente, uma vez que ela, ao longo da vida laboral e até ao ano de 2031 certamente iria registar aumentos salariais.
Esta questão já foi enfrentada pelo TUI. E é de um seu aresto que extraímos o seguinte segmento:
«(…)O lesado já sofreu um prejuízo. Não se trata de danos futuros, mas de danos presentes. O lesado ficou com a sua capacidade de ganho diminuída a partir do momento em que teve alta médica. Está definitiva e irremediavelmente incapacitado para o trabalho, no futuro, em 70% (incapacidade geral). Trata-se de um dano actual e não futuro. O que pode constituir um dano futuro é a diferença de rendimentos do trabalho que pode vir a sofrer se passar a auferir um salário inferior ao actual ou mesmo se deixar de auferir qualquer rendimento do trabalho por força da sua incapacidade. Como bem referiu a recorrente, apenas a perda de ganho é um dano futuro. A perda da capacidade de ganho é um prejuízo sofrido (já existente) e verificável.
Trata-se, portanto, de um dano emergente e não de um lucro cessante.
Mas o lesado não veio pedir ao processo os salários que deixaria de ganhar no futuro. O que o lesado pediu foi a indemnização pela afectação da sua capacidade de trabalho (embora no seu cálculo tenha utilizado o salário mensal que auferia).
Indiscutivelmente que o dano sofrido pelo lesado é ressarcível. Embora o seu salário se mantenha, a sua capacidade para o trabalho ficou afectada. Ora, nada obsta a que qualquer pessoa – salvo incompatibilidades legais – possa efectuar outro trabalho, para além da sua ocupação habitual, e usufruir os respectivos rendimentos. Esta possibilidade ficou afectada substancialmente no que toca ao lesado.
Da mesma maneira, mesmo que alguém não exerça um trabalho – por conta própria ou alheia – seja porque tem rendimentos de outra natureza, como de propriedade fundiária ou intelectual ou de capitais – seja porque não tem quaisquer rendimentos e vive a cargo de outrem, sempre terá direito a ser indemnizado pela incapacidade permanente parcial para o trabalho em geral, porque a sua capacidade para trabalhar, para realizar uma actividade física ou espiritual, foi afectada de forma definitiva e permanente. Foi um activo de que ficou privado para sempre e de que deve ser indemnizado nos termos gerais.
É neste sentido para que tem propendido a doutrina.
Por outro lado, actualmente, o lesado, como funcionário público, mantém as funções e o vencimento. Mas todos os residentes gozam do direito de liberdade de escolha de profissão e de emprego, conferida pelo art. 35.º da Lei Básica. O lesado dificilmente poderá usufruir deste direito, eventualmente para auferir salário superior, face à diminuição substancial da sua capacidade de ganho. Também por esta razão é evidente que o dano do lesado é actual.
4. Cômputo da indemnização por perda da capacidade de ganho. Equidade
No caso, como é óbvio, a reconstituição natural não é possível. O lesado ficou com uma incapacidade permanente de 70% e não é possível suprimi-la. Logo, a indemnização tem de ser fixada em dinheiro, como resulta do n.º 1 do art. 560.º do Código Civil.
De acordo com o n.º 5 do art. 560.º do Código Civil, “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.
Numa situação como a dos autos, em que está em causa a indemnização por perda da capacidade de ganho, a norma transcrita não resolve todos os problemas, por isso que o n.º 6 do mesmo artigo 560.º estatui:
“Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
É para casos como o dos autos que está indicado, pois, o recurso à equidade [cfr. também a alínea a) do art. 3.º do Código Civil], sem prejuízo de se atenderem aos outros factos provados pertinentes, como a idade da vítima, o seu estado físico antes da lesão, o seu salário actual e o seu emprego, as suas habilitações académicas, as suas perspectivas profissionais antes e depois da lesão»5
Ora bem. Quer se queira conferir a esta incapacidade a natureza de dano actual (supomos ser a tese do aresto parcialmente transcrito), quer a de dano futuro/lucro cessante6, o que importa concluir é que a indemnização atribuída a este título deveria ter observado outro critério, que não o seguido. Isto é, o cálculo do valor indemnizatório não deveria ser fruto de um resultado aritmético baseado exclusivamente na massa salarial recebida à data do acidente - ainda que pudesse tê-la por referência - e no número de anos em falta até à idade de 65 anos, mediante a aplicação do coeficiente de incapacidade de 25%. Em vez disso, a indemnização, mesmo que tivesse partido daqueles valores atendíveis, deveria antes ter sido arbitrada segundo um juízo de equidade, tal como o determina o nº5 do art. 560º, do CC.
Ora, considerando precisamente a equidade, a idade da autora à data do acidente e a esperança média de vida laboral activa, cremos que a quantia peticionada de Mop$ 400.000,00 se mostra adequada.
À quantia que a 1ª instância tinha apurado, fez abater o valor de 124.200,00, que a 1ª autora teria recebido da 2ª autora no âmbito do processo de acidente de trabalho, conforme termo de conciliação de fls. 524 a 526.
Assim sendo, entendemos que àquela importância apenas haverá que deduzir a quantia que a autora já recebeu a esse título, conforme auto de conciliação de fls. 524-526.
Sendo assim, a indemnização quanto a esta parte do pedido ascenderá a Mop$ 275.800,00.
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5 – No capítulo VI das alegações, a recorrente não concorda que a indemnização a título de danos não patrimoniais seja quantificada no valor de Mop$ 300.000,00, comparando com aquele que tinha pedido , de Mop$ 800.000,00 a esse título.
Como se sabe, a condenação do demandado por danos patrimoniais «…não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
Tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer, proporcionando-lhe momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, sendo também de considerar que inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados» – Ac. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 26/2014
No caso concreto, porque a autora foi submetida a duas intervenções cirúrgicas, não consegue encontrar posição confortável para dormir e passa noites irrequietas, não consegue permanecer na mesma posição, sentada ou em pé, por muito tempo sem que sinta incómodos e dores, dores que continua a ter nomeadamente na região lombar, não irá recuperar da incapacidade de 25% atribuída, além dos sofrimentos que persistem, pensamos que toda esta factualidade provada ilustra um quadro de danos não patrimoniais que merecem a tutela do direito (art. 489º, nº1, do CC).
Então, face a tudo o que a autora passou - sem deixar de se incluirem as dores7 - e haverá de passar ainda no futuro, achamos adequada, justa, equilibrada e proporcional a indemnização de Mop$ 500.000,00.
*
6 – Por fim, no capítulo VII a recorrente acomete a sentença recorrida no que concerne ao atribuído grau de incapacidade em 25%. Em seu entender, o tribunal não está limitado pelo coeficiente de desvalorização atribuído no processo de acidente de trabalho, podendo fixar um grau superior, tal como terá sido entendido em Ac. do TSI, de 13/03/2008, Proc. nº 659/2007.
Não discutimos essa possibilidade e tanto assim é que os arts. 30º e 31º da BI tinham subjacente essa intencionalidade.
A verdade, porém, é que os elementos dos autos não nos permitem ir mais longe do que o foi o tribunal “a quo”. A convicção a que ele chegou não se mostra minimamente abalada pelo conjunto da prova adquirida nos autos, de que é exemplo, a prova pericial e o esclarecimento dos senhores peritos que prestaram esclarecimentos em audiência.

Razão por que, se não acha que o princípio da livre convicção das provas (art. 558º, CPC) possa aqui ser postergado.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder parcial ao recurso e, em consequência:
1 - Altera-se a matéria de facto nos termos que se seguem:
- Art. 18º, da BI: Provado que em consequência das lesões sofridas, a 1ª autora, desde a data do acidente até à data do julgamento em 1ª instância, não mais pôde exercer a sua profissão;
- Art. 21º, da BI: A 1ª autora, à data do acidente, tinha uma forma física normal;
- Art. 23º, da BI: Provado.
- Art. 24º, da BI: Depois do acidente, a 1ª autora deixou de praticar badmington;
- Art. 25º, da BI: Provado;
- Art. 26, da BI: Provado que as situações descritas nas respostas aos arts. 24º e 25º lhe causam tristeza;
- Art. 27º, da BI: Provado que a 1ª autora sofre ainda dores, nomeadamente na região lombar.
2 – Revoga-se parcialmente a sentença e decide-se atribuir à autora a indemnização de Mop$ 775.800,00 (275.800,00 + 500.000,00, a título de perda de capacidade de ganho e indemnização por danos morais, respectivamente).
3 - No mais, vai improcedente o recurso.
Custas pelas partes em ambas as instâncias, conforme decaimento.
TSI, 05 de Fevereiro de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

1 Em plena audiência, as autoras ampliaram o pedido para o valor de Mop$ 1.536.269,80, correspondente ao aumento das despesas de fls. 356 a 382 e ainda das despesas ali apresentadas, respectivamente, de Mop$ 13.825.00 e Mop$ 520,00, o que foi deferido (fls. 566 e vº). Não é dessa importância que aqui se cuida no recurso.
2 Ac. RL, de 28/02/1991, CJ., 1991, I, pág. 168; Ac. STJ, de 5/12/1995, BMJ, nº 452, pág. 405. Na doutrina, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, I, pág. 485.
3 Ac. RP, de 17/01/1994, BMJ nº 433, pág. 617;
4 Ac. STJ, de 3/06/1993, BMJ nº 428/562; STJ, de 1/02/1995, CJ/STJ, 1995, 1º, pág. 54;
5 Ac. TUI, de 25/04/2007, Proc. nº 20/2007. Tb. Ac. TSI, de 26/07/2013, Proc. nº 230/2013.
6 Posição, em termos de direito comparado, e entre outros, dos Acs. do STJ, de 8/01/2004, Proc. nº 4083/03; 15/01/2004, Proc. nº 3926/03; Ac. STJ, de 27/05/2004, Proc. nº 1720/04; STJ, de 23/09/2004, Proc. nº 2209/04; 7/04/2005, Proc. nº 516/05; 30/11/2006, Proc. nº 3898/06.; de 10/04/2008, Proc. nº 866/08; !3/07/2010, Proc. nº 5547/06.
7 Sobre as dores e merecimento à indemnização, ver Ac. TSI, de 1/03/2012, proc. nº 239/2011.
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618/2014 29