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Processo nº 395/2014
Data do Acórdão: 05FEV2015


Assuntos:

Acção de regresso
Seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel
A
Sub-rogação
Direito de regresso
Solidariedade passiva própria
Solidariedade passiva imprópria



SUMÁRIO

1. Decorre da conjugação das disposições nos artºs 23º e 25º do Decreto-Lei nº 27/94/M que perante o lesado que não fica protegido por via de seguro obrigatário, o A tem de assumir o papel de assegurar o pagamento da indemnização e que, uma vez efectuado o pagamento da indemnização ao lesado, o A fica ope legis investido na sub-rogação, passando a ocupar a posição jurídica de credor que tinha o lesado contra os responsáveis do acidente. O que a lei incumbe ao A é apenas garantir transitoriamente a satisfação do direito à indemnização do lesado pelos danos por ele sofridos, e num segundo momento, isto é, logo após a satisfação, permite o A a exercer o direito em que ficou investido, de demandar, em lugar do lesado, os verdadeiros responsáveis para reaver o dinheiro que tenha adiantado.

2. Face ao disposto no artº 25º/4, in fine, do Decreto-Lei nº 57/94/M, mesmo que não tenha sido responsável ou co-responsável pela produção do acidente, o proprietário do veículo que, estando sujeito à obrigação legal de segurar o seu veículo, não tenha efectuado o tal seguro, pode ser demandado, na acção de regresso, para o ressarcimento do A, e só depois poderá exercer o seu direito de regresso contra os responsáveis.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 395/2014


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV1-13-0060-CAO, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

  O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
  As partes gozam de capacidade e personalidade judiciárias, têm legitimidade e estão devidamente representadas em juízo.
  
  *
  Da ineptidão da petição inicial:
  A Ré defendeu-se na sua contestação invocando a ineptidão da petição inicial por falta de indicação da causa de pedir.
  Para tanto o Réu alega, em síntese, que na petição inicial o Autor somente indicou os factos relativos à sua condenação, e efectivo pagamento de uma indemnização ao lesado, como fundamento do seu pedido de reembolso, no entanto, não indica qual é o direito de crédito que o lesado tem contra si, nem os factos com relevância jurídica de que deriva tal direito de crédito, que deveriam servir como causa de pedir. E acrescenta que se na aludida sentença penal ficou decidido que a Ré não tem qualquer responsabilidade no acidente de viação em causa, terá de se concluir que o lesado não tem qualquer direito de crédito contra si.
  Em resposta o Autor pugna pela improcedência de tal excepção dilatória.
  Cumpre decidir.
  
  Salvo o devido respeito pela opinião do Réu, julgamos que os argumentos por si utilizados não consubstanciam qualquer ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, e estão relacionados, apenas, com a possibilidade de procedência da acção.
  Vejamos
  O artigo 139.º, n.º 1 do Código de Processo Civil declara que é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial, elencando como causas de ineptidão: a falta do pedido ou da causa de pedir.
  Como bem salienta o Autor, a causa de pedir deve assentar nos concretos factos da vida a que se virá a reconhecer, ou não, força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos.
  Da leitura da petição inicial percebemos que a causa de pedir está consubstanciada na factualidade alegada nos respectivos artigos 1.º, 4.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º e 11.º, onde o Autor descreve o facto de ter sido condenado ao pagamento da indemnização à lesada, identifica o veículo causador do acidente, afirma ser o Réu o proprietário de tal veículo e a circunstância de o mesmo não ter seguro obrigatório, defendendo que foi a falta desse seguro que conduziu à sua condenação no pagamento da dita indemnização e que acarretou outras despesas com a cobrança desse alegado crédito.
  Segundo a tese da Ré deste conjunto de factos não se pode retirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, pelo que, concluímos nós, a existir tal vício, deveria ser configurado como de inconcludência jurídica, ou seja, é alegada uma causa de pedir da qual não se pode extrair, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da acção.
  Sucede, porém, que ao contrário do que defende a Ré, no nosso modesto entendimento, esses factos são suficientes e aptos para conduzir ao sucesso da acção, uma vez que para tal não se torna necessário alegar e provar que o lesado tenha um direito de crédito sobre a Ré, como infra se analisará.
  Em face do exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade.
  *
  Não há outras nulidades, nem se verificam quaisquer outras excepções ou questões prévias obstativas do conhecimento do mérito da causa e que cumpra, desde já, conhecer, sendo certo que será em sede de decisão de mérito que apreciaremos a excepção peremptória invocada pela Ré.
  *
  O processo contém os elementos necessários para se conhecer do mérito desta acção o que se passará a fazer de acordo com o disposto no artigo 429.º, n.º 1 b) do CPC.
  *
  A, pessoa colectiva de direito público, propôs a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra B, com os demais sinais identificadores constantes dos autos, alegando, em síntese, que foi condenado a pagar a C, uma indemnização de MOP$248.655,20, obrigação que já cumpriu, pelo facto de o veículo automóvel de matrícula MK-XX-XX, propriedade da ora Ré, B, circular sem seguro válido ou eficaz, e ter sido a causadora do acidente de viação que originou a obrigação de indemnizar.
  O Autor termina pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de MOP$248.655,20, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos até 30 de Julho de 2013, no montante de MOP$5.161,26, bem como dos que se vencerem a partir desta data, até efectivo e integral pagamento; a pagar-lhe o montante despendido com despesas administrativas e com os honorários dos mandatários do Autor que na data da propositura da acção, ascendem a MOP$36.360,00, acrescido dos juros vincendos à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; e ainda, a pagar-lhe todas as outras despesas com a cobrança que o Autor venha futuramente a realizar, nomeadamente no âmbito de uma eventual acção executiva, montantes a liquidar em execução de sentença.
  *
  Contestou a Ré arguindo a excepção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, e argumentando que tendo o A sido condenado na sentença penal como devedor solidário, não cumpriu a obrigação na qualidade de terceiro e, como tal, não se lhe aplica o regime da sub-rogação previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.°57/94/M de 28 de Novembro, mas o regime de solidariedade entre devedores previsto nos artigos 511.º e seguintes do Código Civil, pelo que o pagamento ou satisfação de crédito pelo Autor produziu a extinção do crédito do lesado do acidente de viação em causa, inexistindo qualquer direito do lesado em que o Autor se possa sub-rogar.
  *
  Na réplica apresentada, o Autor pugna pela improcedência das excepções deduzidas.
  *
  Com interesse para a decisão desta acção encontra-se provada, por acordo das partes e prova documental não impugnada, a seguinte matéria de facto:
  A) Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base e datada de 14 de Março de 2012, no âmbito do processo autuado sob o n.º CR3-09-0006-PCC, que correu termos pelo 3.º Juízo Criminal deste Tribunal, o A – A, foi condenado a pagar à demandante naqueles autos, C, a título de indemnização, a quantia global de MOP$248.655,20, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da mencionada sentença condenatória até efectivo e integral pagamento, tendo tal decisão transitado em julgado em 6 de Maio de 2013.
  B) Em conformidade com o decidido, o A satisfez a indemnização em 13 de Maio de 2013, pagando à demandante a quantia de MOP$248.655,20, de que esta deu a respectiva quitação.
  C) O referido pagamento foi realizado através do cheque bancário n.º MDXXXX, sacado pelo A sobre o Banco D, datado de 2 de Maio de 2013 e emitido a favor da dita C.
  D) Constituiu objecto dos referidos autos com o n.º CR3-09-0006-PCC, um acidente de viação ocorrido em 30 de Agosto de 2007, pelas 10 horas da manhã, do qual foi vítima a mencionada demandante.
  E) No âmbito daquele processo penal, ficou provado que o acidente de viação em causa foi originado pelo veículo automóvel com a chapa de matrícula MK-XX-XX, propriedade da ora Ré, B, 5.ª demandada naqueles autos.
  F) O referido veículo automóvel pertencia, na data da ocorrência do acidente de viação (30 de Agosto de 2007), à ali demandada B, ora Ré.
  G) O referido veículo automóvel não beneficiava de seguro válido ou eficaz, junto de qualquer companhia seguradora ou por qualquer outra instituição autorizada a explorar as actividades de seguro.
   H) O A despendeu ainda, até presente data, a quantia de MOP$36.360,00 (trinta e seis mil trezentas e sessenta Patacas) a título de serviços prestados pelos seus mandatários e a título de despesas administrativas incorridas.
  *
  Expostos os factos importa enquadrá-los com o direito aplicável.
  O Autor assenta a sua pretensão no regime do artigo 25.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.° 57/94/M de 28 de Novembro, defendendo que tendo satisfeito a indemnização devida à lesada do acidente de viação, fica sub-rogado nos direitos da mesma, podendo demandar as pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro, «tendo ainda direito aos juros de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança».
  Da matéria de facto dada como assente resulta, efectivamente, que a Ré era, à data do dito acidente, a proprietária do veículo nele interveniente, estando consequentemente sujeita à obrigação de efectuar um seguro de responsabilidade civil automóvel sobre o mesmo veículo, tal como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do referido Decreto-Lei, o que não fez (cfr. alínea G).
  Ora, o artigo 2.º, n.º 1 do citado diploma legal estatui que a obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade, regime de locação financeira e de direitos de uso estipulados em contratos de alienação de veículos, em que a obrigação recai respectivamente sobre o usufrutuário, adquirente com reserva de propriedade, locatário ou usuário do veículo.
  Por sua vez, o artigo 25.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.° 57/94/M de 28 de Novembro esclarece que Satisfeita a indemnização, o A fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito aos juros de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança. Acrescentando o seu n.º 4, para o que o caso interessa, que as pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro podem ser demandadas pelo A, nos termos do n.º 1, beneficiando do direito de regresso contra outros responsáveis pelo acidente, se os houver, relativamente às quantias que tiverem pago.
  Ora, a articulação entre as duas normas não carece de grandes explicações interpretativas… Segundo o n.º 4 conjugado com o n.º 1 do citado diploma legal, o A adquire todos os direitos da esfera jurídica do lesado, ou seja, os direitos da vítima deste acidente, C, incluindo o direito de demandar o responsável civil pelo acidente, mas também as pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar não o tenham efectuado (proprietário, usufrutuário ou locatário).
  Deve interpretar-se, pois, o disposto nos n.ºs 1 e 4 do citado artigo 25º no sentido de que o A beneficia de direito de regresso contra todos os responsáveis pelo acidente, além das pessoas sujeitas à obrigação de segurar.
  Significa isto que, nesta acção, o Autor não tem de alegar qualquer direito de crédito da lesada sobre a ora Ré, o que o Autor tinha de alegar e provar é que satisfez a indemnização da lesada e que por esse motivo ficou sub-rogado nos seus direitos contra a pessoa que estava obrigada a ter um seguro válido, que transferisse a responsabilidade civil decorrente da circulação do seu automóvel.
  Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Portugal1, relativamente a uma situação idêntica à dos autos I - O proprietário de veículo sem seguro interveniente em acidente de viação e seu responsável, em que o A pagou indemnização, é responsável perante este pela quantia paga. II - O n.3 do artigo 25 do Decreto-Lei n.522/85 (equivalente ao n.º 4 do citado artigo 25.º da lei de Macau), alarga as possibilidades de ressarcimento do A às pessoas que estando sujeitos à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro.
  Em conclusão, o A fica sub-rogado nos direitos do lesado a quem satisfez a indemnização relacionada com acidente causado por automóvel sem o seguro obrigatório, e não tem o seu direito de acção restringido, podendo demandar os sujeitos da obrigação de segurar, ou qualquer dos responsáveis civis sobre quem recaia a obrigação de indemnizar garantida e satisfeita pelo A, por ter posto a circular veículo sem que a responsabilidade estivesse coberta por contrato de seguro, quando obrigatório.
  Por outro lado, na acção de responsabilidade civil, o A surgiu como comparte com o lesante e respondia solidariamente com este, não porque se verifiquem quanto a ele os pressupostos da responsabilidade civil, mas como garante do pagamento da indemnização aos lesados, cabendo-lhe depois direito de regresso sobre os responsáveis civis na medida daquilo que desembolsou.
  O A intervém, pois, na relação controvertida tão-só como mero garante de uma obrigação de terceiro, em que a sua condenação solidária é imposta por lei. Trata-se, no entanto, como bem salienta o Autor, de uma solidariedade imprópria ou imperfeita, atendendo a que no plano das relações externas (relação entre os responsáveis), a responsabilidade dos obrigados é solidária, uma vez que o lesado pode exigir a qualquer dos responsáveis (lesante ou A) a satisfação do seu crédito, mas já nas relações internas, só o A é que fica sub-rogado, dada a sua posição de garante, mantendo-se intacto o seu direito de exigir o que pagou.
  Improcede, assim, a invocada excepção de extinção do direito de crédito da lesada pelo cumprimento de um dos obrigados solidários.
  Analisemos, então, se o Autor tem direito à totalidade das prestações que reclama, sendo certo que relativamente à indemnização que satisfez à lesada já se concluiu afirmativamente.
  Esta provado que, para além da indemnização que satisfez, em 13 de Maio de 2013, pagando à demandante a quantia de MOP$248.655,20, o A despendeu ainda, até presente data, a quantia de MOP$36.360,00 (trinta e seis mil trezentas e sessenta Patacas) a título de serviços prestados pelos seus mandatários e a título de despesas administrativas incorridas.
  Ora, conforme supra se referiu, o n.º 1 do artigo 25.º do citado diploma legal, garante também ao A ser reembolsado dos juros de mora legais e das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança, pelo que a sua pretensão há-de proceder, igualmente, relativamente aos montantes já despendidos.
  Decisão:
  Por tudo o que se deixou exposto, julgo a acção procedente e, em consequência, condeno a Ré B a pagar ao Autor:
  a) a quantia de MOP$253.816,46 (duzentas e cinquenta e três mil, oitocentas e dezasseis Patacas e quarenta e seis avos), acrescida dos juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos, a partir de 31 de Julho de 2013, até efectivo e integral pagamento.
  b) a quantia de MOP$36.360,00, acrescida dos juros vincendos à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
  c) no pagamento das despesas que o Autor comprovadamente realize para cobrança das quantias aludidas em a) e b), a liquidar em execução de sentença;
  Custas pela Ré.
  Notifique.
  Registe.


Não se conformando com o decidido, veio a Ré recorrer da mesma concluindo e pedindo:

I. A interpretação defendida pelo tribunal a quo do artigo 25.°, n.ºs 1 e 4, do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro, padece de erro, e viola o disposto no artigo 8.° do C.C.
II. É claro do teor destas duas disposições legais que na esfera jurídica do A não nasce um novo direito [como aconteceria caso a lei lhe conferisse um direito de regresso], mas que, simplesmente, beneficia de um simples regime de subrogação legal.
III. A sub-rogação é havida no nosso direito como uma forma de transmissão do crédito.
IV. Se o lesado do acidente de viação não tiver um direito de crédito (mais precisamente, um direito a indemnização) contra as pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro, o A não pode demandar as mesmas, porque na esfera jurídica do lesado, não há qualquer direito em que o A se possa sub-rogar.
V. O tribunal a quo suporta-se ainda no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (de 07/03/2003, JTRP00036232), para suportar a sua interpretação, mas não se concorda com a tese aí defendida que ao A é conferido um direito de regresso contra o obrigado ao seguro automóvel, ainda que este não possa ser civilmente responsabilizado pelos danos causados pelo acidente, para além de que a situação de facto descrita nesses autos não é idêntica à situação de facto do caso sub judice.
VI. O referido acórdão considera o direito atribuido ao A pelo n.º 3 do artigo 25.° do DL 522/85 (cuja redacção é equivalente à do n.º 4 do artigo 25.° da citada lei de Macau), um direito de regresso - ignorando a expressão nos termos do n.º 1 contida na provisão legal, que impõe que esteja a exercer o direito de sub-rogação legal que lhe é conferido pelo n.º 1 do mesmo artigo - e, assim, considera que o A não tem de alegar ou provar a responsabilidade civil dos sujeitos que omitiram a feitura de seguro, ou seja, que o lesado tem um direito de indemnização contra os mesmos, bastando a alegação e prova de que o A satisfez um direito de indemnização do lesado para poder solicitar o reembolso do mesmo do sujeito ou sujeitos obrigados a segurar.
VII. Salvo o devido respeito, é óbvio que esta interpretação não tem um mínimo de correspondência na letra da lei, pois o legislador continua em tal norma a referir o direito de sub-rogação legal conferido ao A no n.º 1, nessa disposição do n.º 4, como se pode claramente apreender da expressão utilizada pelo mesmo na sua letra “nos termos do n.º 1”.
VIII. Portanto, o intérprete nunca poderia alcançar da letra da lei o sentido atribuído e propugnado pelo Acórdão relativamente ao que se dispõe no referido n.° 4, - interpretação que não segue as regras de interpretação do artigo 8.° do Código Civil, e ignora o que se dispõe na letra da lei.
IX. Relativamente à unidade do sistema jurídico, também se encontra facilmente ser errada a interpretação aí defendida.
X. Conforme defende Almeida e Costa, direito de regresso é o direito atribuído ao devedor solidário, que satisfez integralmente a prestação ao credor, de exigir, dos outros devedores, o reembolso das quotas que lhes competiam, ou seja, para se constituir um direito de regresso é necessária a pre-existência de uma obrigação solidária, e devem os sujeitos activos e passivos do direito de regresso ser os condevedores daquela obligação solidária.
XI. Mas, no quadro jurídico da lei civil, não se encontra qualquer obrigação que haja de ser assumida, solidariamente, pelo A e pelo sujeito que omitiu o seguro, nesta acção, a R
XII. Como salienta o douto Tribunal de Segunda Instância no Acórdão n.º 393/2012 de 2012.06.14 o A “é apenas um terceiro (legalmente sub-rogado nos direitos do lesado, uma vez satisfeita a indemnização), e não um condevedor (a quem caberia exercer depois o direito de regresso nos termos do art. 517.° do Código Civil).”
XIII. Portanto, a lei não atribui qualquer direito de regresso ao A a exercer contra o sujeito que omitiu o seguro, como se pretende ler do texto da mencionada disposição, conforme se pode verificar da letra da disposição, o legislador atribui um direito de regresso não ao A, mas ao sujeito da obrigação de segurar que haja omitido o seguro, para este o exercer contra os OUTROS / DEMAIS RESPONSÁVEIS PELO ACIDENTE, ou seja, para ser exercido contra aqueles que com ele tiveram ou tivessem que assumir responsabilidade civil solidária na satisfação do direito de indemização ao lesado, nos termos do art. 500.° do C.C.
XIV. Quando o legislador exara na letra da lei a expressão “outros responsáveis pelo acidente”, é claro que está a inferir, para efeitos de aplicação do disposto no n.º 4, que “as pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro” devem também ter a qualidade de responsáveis pelo acidente.
XV. Se a R., nunca considerada uma das responsáveis civis pelo acidente, na sentença proferida nos autos n.º CR3-09-0006-PCC, que formou caso julgado entre as partes da presente acção, for condenada a reembolsar o A, a mesma não poderá nunca vir a exercer qualquer direito de regresso contra o responsável civil pelo acidente, o lesante F, por inexistir qualquer relação de responsabilidade solidária entre eles.
XVI. Por isso, quer atendendo ao elemento literal, quer ao elemento sistemático da lei, quer considerando ainda a unidade do sistema jurídico, para que o A possa exercer o direito consagrado no n.º 4 do artigo 25.° do D.L 57/94/M, o A tem que alegar e provar que o lesado pelo acidente tinha um direito de indemnização contra a R, ora recorrente.
XVII. No caso do Acórdão, verifica-se que se o obrigado ao seguro tivesse segurado, a seguradora deveria assumir a responsabilidade de indemnizar o lesado, por a responsabilidade do lesante, condutor do veículo, se encontrar coberta pelo âmbito do seguro automóvel; nesse caso, defende-se pois que porque o A satisfez o direito de indemnização do lesado em vez da seguradora, tem, assim, o direito de exigir o reembolso da indemnização paga do sujeito que omitiu o seguro.
XVIII. Nesses autos, o responsável civil do acidente, o lesante, é o condutor do veículo; mas, nestes autos, o lesante e o único responsável civil pelo acidente, F, (v. autos n.º CR3-09-0006-PCC), é passageiro do veículo.
XIX. No caso do Acórdão, é certo que, nos termos do artigo 3.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro (similar ao artigo 8.°, n.ºl , do DL 522/85), o lesado teria adquirido direito de indemnização contra a seguradora, se o seguro houvesse sido efectivamente celebrado, porque o responsável civil pelo acidente era o condutor de veículo que deveria estar obrigatóriamente seguro pelo seu proprietário.
XX. Mas, nesta acção, a lesada nunca podia ter adquirido tal direito contra a seguradora, porque a responsabilidade civil do passageiro não é garantida pelo seguro, ainda que o seguro houvesse sido efectivamente celebrado.
XXI. Assim, mesmo seguindo a interpretação defendida pelo Acórdão para a disposição legal em causa, certo é que, no presente caso, o A não pode nunca exigir da R. o reembolso da indemnização paga por a mesma nem, sequer em abstracto, poder ser exigida da seguradora.
XXII. A interpretação correcta para o n.º 4 do art. 25.°, do Decreto Lei 57/94/M de 28 de Novembro e que tem total correspondência na letra da mencionada norma legal, sua inserção sistemática e unidade do sistema jurídica, é a que se segue:
A) Uma vez satisfeito pelo A o direito de indemnização do lesado, este não se extingue, ficando nele legalmente subrogado o mesmo A, que fica investido no direito de crédito que se encontrava na esfera jurídica do lesado; a lei não lhe confere qualquer direito de regresso (ou seja, a lei não constitui na sua esfera jurídica um novo direito, por como devedor solidário haver satisfeito integralmente a prestação devida ao credor, cujo direito de crédito, assim, com tal pagamento, se extinguiu) contra os responsáveis civis pelo acidente.
B) Para que o A possa exigir o reembolso da indemnização paga, das ''pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro", deveria a responsabilidade civil dos lesantes estar coberta pelo seguro automóvel obrigatório (ou, seja, tem que ser considerado responsável civil pelo acidente aquele que tem a direcção efectiva ou legítima detenção do veículo ou o condutor do veículo),
C) Só assim o A pode, na qualidade de sub-rogado nos direitos do lesado, exercer o direito de crédito que existia na esfera jurídica do lesado contra aquele(s) que estava(m) vinculado(s) a contratar obrigatóriamente o seguro automóvel, demandando-o(s).
D) Uma vez que as mesmas hajam reembolsado o A da indemnização por este paga, o direito de indemnização extingue-se.
E) É na esfera jurídica das pessoas obrigadas a contratar seguro automóvel obrigatório que nasce, se condenado como devedor solidáriamente com outros responsáveis, nos termos do art. 500.° do C.C. (ou seja, no âmbito da relação interna da solidariedade), um direito novo, um direito de regresso contra os outros responsáveis solidários.
XXIII. Portanto, nesta acção, para efeitos da aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro, o A tinha que alegar e provar que a lesada tinha um direito de indemnização contra a R, ora recorrente.
XXIV. O que não consta dos factos assentes.
XXV. Pelo contrário, formou caso julgado entre as partes que a R. não tem qualquer responsabilidade no acidente de viação em causa, pelo que, se tem de concluir, que o lesado do acidente de viação não tem qualquer direito de crédito contra a R.
XXVI. Pois, mesmo que se entenda aplicar as disposições do n.º 4 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro, deve julgar se improcedente a acção do A., ora recorrido.
C. Da errada aplicação da lei - artigo 25.°, n.ºs 1 e 4, do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro
90. Salvo o devido respeito, a R. não concorda, como supradito, que seja aplicável o art. 25.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro.
91. Isto porque, no caso julgado já mencionado nos arts. 1 a 4 da contestação (alínea A) dos factos assentos, foi decidido que o A, ora A., era devedor solidário conjuntamente com o 2.º arguido da obrigação de indemnização.
92. Quanto à qualidade de devedor solidário do A. relativamente à obrigação de indemnização, já foi a mesma abordada no acórdão do Tribunal de Segunda Instância,
93. Refere o douto tribunal nesse acórdão que, "( ... )本院其實已於第393/2012號案2012年6月14日合議庭裁判書內,特別就11月28日第57/94/M號法令第25條第1、第3和第4款的條文,闡述了如下的法律見解:基金本身在汽車民事責任關係中衹屬一名第三者,而非共同債務人(...)而值得一提的是,基於上述同一法律見解,原審法庭基實也不得判處第二嫌犯須與基金連帶負上賠償責任,但由於第二嫌犯和基金均沒有就此部份的判決提出上訴,本院也不得在本上訴程序內對該部份判決作出更裁”[cfr. Doc. 2 da P.I-(p.20), (p.21)].
94. O que tudo quer dizer que,
95. Embora o Tribunal da Segunda Instância entenda que o A, para os efeitos do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro, é terceiro no que concerne à relação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, não devendo, pois, o tribunal a quo condenar o A como devedor solidário conjuntamente com o 2.º arguido na obrigação de indemnização,
96. Porque o A não recorreu contra aquela parte da decisão do tribunal a quo, ficou precludido o direito de ver tal parte da decisão revista pelo tribunal ad quem, e assim, a mesma transitou em julgado.
97. Em conclusão, o A não cumpriu em vez de um devedor, na qualidade de "terceiro", mas na qualidade de "devedor solidário".
98. Portanto, é óbvio que se não aplica o regime de sub-rogação previsto no art. 25.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro,
99. Como diz Antunes Varela, a sub-rogação “tem, no entanto, por base o pagamento (cfr. Rui Alcarcão e Manuel Mesquita, Sub-rogação nos direitos do credor, Rio, 1979) ou cumprimento da obrigação, feito por terceiro......”2.
100. Mas sim, o regime de solidariedade entre devedores previsto nos art. 511.° e ss. Do C.C.,
101. Diz Antunes Varela sobre a sub-rogação legal, “(...)O exemplo do devedor solidário não nos parece exacto. O crédito não se transfere, mas extingue-se (art. 523.º do C.C); o devedor não é terceiro e o seu direito (regresso) tem natureza e regime próprios (art. 524.º do C.C)(...)”3
102. O pagamento ou satisfação de crédito da lesada pelo A., ou seja, o cumprimento da obrigação solidária, produz a extinção do crédito do lesado do acidente de viação em causa (v. art. 516.° do C.C.).Estando extinto o direito de crédito do lesado pelo cumprimento por parte de um dos devedores, inexiste qualquer direito do lesado em que o A. se possa sub-rogar,
103. Nestes termos, o A., o devedor solidário que cumpriu a obrigação, só tem direito de regresso contra F, o outro devedor solidário, nos termos do art. 517.° do C.C.
104. Quanto a opinião do tribunal a quo sobre a relação solidariedade constituída pelo caso julgado, “O A intervém, pois, na relação controvertida tão-só como mero garante de uma obrigação de terceiro, em que a sua condenação solidária é imposta por lei. Trata-se, no entanto, como bem salienta o Autor, de uma solidariedade imprópria ou imperfeita, atendendo a que no plano das relações externas (relação entre os responsáveis), a responsabilidade dos obrigados é solidária, uma vez que o lesado pode exigir a qualquer dos responsáveis (lesante ou A) a satisfação do seu crédito, mas já nas relações internas, só o A é que fica sub-rogado, dada a sua posição de garante, mantendo-se intacto o seu direito de exigir o que pagou.
(...)"
105. A R. não concorda com isto.
106. Como salienta o douto Tribunal de Segunda Instância no Acórdão n.º 393/2012 de 2012.06.14 o A “é apenas um terceiro (legalmente sub-rogado nos direitos do lesado, uma vez satisfeita a indemnização),e não um condevedor (a quem caberia exercer depois o direito de regresso nos termos do art. 517.º do Código Civil).”
107. A condenação solidáira não é imposta por lei.
108. Quanto a solidariedade imprópria ou imperfeita que o tribunal a quo e o Autor alegaram,
109. No âmbito da relação externa, os sujeitos destas relações são compostos de: a lesada pelo acidente, o A, e o lesante F (responsável civil),
110. Pelo cumprimento do A, um dos devedores solidários, a relação externa extinguiu-se (art. 516º do C.C),
111. Permanece ainda a relação interna, entre os devedores solidários, o A e F,
112. O A só é atribuido direito de regresso na relação interna contra o outro devedor solidário,
113. Mas não o direito de regresso contra a R. que nunca é vinculada na relação de solidariedade constituida por decisão transitada em julgado.
114. Seguindo a interpretação defendida pelo tribunal a quo, vamos alcançar um resultado irracional,
115. Se a R., nunca considerada uma das responsáveis civis pelo acidente, na sentença proferida nos autos n.º CR3-09-0006-PCC, que formou caso julgado entre as partes da presente acção, for condenada a reembolsar o A, a mesma não poderá nunca vir a exercer qualquer direito de regresso contra o responsável civil pelo acidente, o lesante F, por inexistir qualquer relação de responsabilidade solidária entre eles.
Conclusões:
I. A R. não concorda, como supradito, que seja aplicável o art. 25.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro nesta acção.
II. Porque no caso julgado já mencionado na alínea A) dos factos assentes, foi decidido que o A era devedor solidário conjuntamente com o 2.° arguido da obrigação de indemnização.
III. O A não cumpriu a prestação de indemnização em vez de um devedor, na qualidade de "terceiro", mas na qualidade de "devedor solidário".
IV. Por isso, é óbvio que se não aplica o regime de sub-rogação previsto no art. 25.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro,
V. Como diz Antunes Varela, a sub-rogação tem por base o pagamento ou cumprimento da obrigação, feito por terceiro,
VI. Mas sim, o regime de solidariedade entre devedores previsto nos art. 511.° e ss.
do C.C.,
VII. Nestes termos, o A., o devedor solidário que cumpriu a obrigação, só tem direito de regresso contra F, o outro devedor solidário, nos termos do art. 517.° do C.C.
VIII. Portanto, deve julgar se improcedente a acção do A., ora recorrido.
III. Conclusões
1. A selecção da matéria de facto feita no despacho recorrido padece de deficiência, por não haverem sido seleccionados todos os factos relevantes para a decisão de mérito, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, nomeadamente, os factos essenciais à procedência das excepções deduzidas, que se encontram já provados - o despacho faz indevida interpretação e aplicação dos arts. 5.°, n.º 3 e artigo 430.°, n.º1 do C.P.C, deve esta ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância.
2. No regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, o A serve como o garante ou substituto da seguradora no pagamento da indemnização (art. 23.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro) - outro entendimento faria indevida interpretação e aplicação do disposto no art. 23.° do D.L. n.º 57/94/M.
3. Portanto, em caso em que o responsável seja conhecido, é pressuposto para que o , A seja condenado a satisfazer a indemnização, que a indemnização do responsável devesse estar coberta pelo seguro automóvel obrigatório, é o que o legislador expressa na al. a), do n.º 2, do art. 23.° do mencionado Decreto-Lei quando exara "Ao A compete satisfazer as indemnizações... quando: O responsável... não beneficie de seguro válido ou eficaz;"- pelo que, entendimento contrário faria indevida interpretação e aplicação da al. a) do n. ° 2 do artigo 23 do mesmo Decreto-Lei.
4. Do preceituado do artigo 3.°, n.º 1, verifica-se que o seguro só garante a responsabilidade civil das pessoas que tiverem a direcção efectiva do veículo ou que sejam seus condutores, mas nunca a responsabilida dos passageiros do veículo.
5. No acidente em causa, encontra-se definitivamente decidido (por decisão transitada em julgado) que o único responsável civil é o passageiro F.
6. Não deveria pois o tribunal nos autos que correram termos sob o n.º CR3-09-0006-PCC ter condenado o A a pagar a indemnização ao lesado, nos termos do artigo 23.°, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro, por se não encontrar preenchido o pressuposto da sua aplicação.
7. Portanto, porque o A não deveria ter sido condenado a satisfazer a indemnização à lesada do acidente na causa, ainda que na realidade o haja feito, não pode exercer o direito que lhe é conferido pelo artigo 25.° do mesmo Decreto-Lei.
8. A interpretação defendida pelo tribunal a quo do artigo 25.°, n.ºs 1 e 4, do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro, padece de erro, e viola o disposto no artigo 8.° do C.C.
9. É claro do teor destas duas disposições legais que na esfera jurídica do A não nasce um novo direito [como aconteceria caso a lei lhe conferisse um direito de regresso], mas que, simplesmente, beneficia de um simples regime de subrogação legal.
10. A sub-rogação é havida no nosso direito como uma forma de transmissão do crédito.
11. Se o lesado do acidente de viação não tiver um direito de crédito (mais precisamente, um direito a indemnização) contra as pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro, o A não pode demandar as mesmas, porque na esfera jurídica do lesado, não há qualquer direito em que o A se possa sub-rogar.
12. O tribunal a quo suporta-se ainda no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (de 07/03/2003, JTRP00036232), para suportar a sua interpretação, mas não se concorda com a tese aí defendida que ao A é conferido um direito de regresso contra o obrigado ao seguro automóvel, ainda que este não possa ser civilmente responsabilizado pelos danos causados pelo acidente, para além de que a situação de facto descrita nesses autos não é idêntica à situação de facto do caso sub judice.
13. O referido acórdão considera o direito atribuido ao A pelo n.º 3 do artigo 25.° do DL 522/85 (cuja redacção é equivalente à do n.º 4 do artigo 25.° da citada lei de Macau), um direito de regresso - ignorando a expressão nos termos do n.º 1 contida na provisão legal, que impõe que esteja a exercer o direito de sub-rogação legal que lhe é conferido pelo n.º 1 do mesmo artigo - e, assim, considera que o A não tem de alegar ou provar a responsabilidade civil dos sujeitos que omitiram a feitura de seguro, ou seja, que o lesado tem um direito de indemnização contra os mesmos, bastando a alegação e prova de que o A satisfez um direito de indemnização do lesado para poder solicitar o reembolso do mesmo do sujeito ou sujeitos obrigados a segurar.
14. Salvo o devido respeito, é óbvio que esta interpretação não tem um mínimo de correspondência na letra da lei, pois o legislador continua em tal norma a referir o direito de sub-rogação legal conferido ao A no n.º 1, nessa disposição do n.º 4, como se pode claramente apreender da expressão utilizada pelo mesmo na sua letra “nos termos do n.º 1”.
15. Portanto, o intérprete nunca poderia alcançar da letra da lei o sentido atribuído e propugnado pelo Acórdão relativamente ao que se dispõe no referido n.º 4, - interpretação que não segue as regras de interpretação do artigo 8.° do Código Civil, e ignora o que se dispõe na letra da lei.
16. Relativamente à unidade do sistema jurídico, também se encontra facilmente ser errada a interpretação aí defendida.
17. Conforme defende Almeida e Costa, direito de regresso é o direito atribuído ao devedor solidário, que satisfez integralmente a prestação ao credor, de exigir, dos outros devedores, o reembolso das quotas que lhes competiam, ou seja, para se constituir um direito de regresso é necessária a pre-existência de uma obrigação solidária, e devem os sujeitos activos e passivos do direito de regresso ser os condevedores daquela obligação solidária.
18. Mas, no quadro jurídico da lei civil, não se encontra qualquer obrigação que haja de ser assumida, solidariamente, pelo A e pelo sujeito que omitiu o seguro, nesta acção, a R.
19. Como salienta o douto Tribunal de Segunda Instância no Acórdão n.º 393/2012 de 2012.06.14 o A "é apenas um terceiro (legalmente sub-rogado nos direitos do lesado, uma vez satisfeita a indemnização), e não um condevedor (a quem caberia exercer depois o direito de regresso nos termos do art. 517.° do Código Civil)."
20. Portanto, a lei não atribui qualquer direito de regresso ao A a exercer contra o sujeito que omitiu o seguro, como se pretende ler do texto da mencionada disposição, conforme se pode verificar da letra da disposição, o legislador atribui um direito de regresso não ao A, mas ao sujeito da obrigação de segurar que haja omitido o seguro, para este o exercer contra os OUTROS / DEMAIS RESPONSÁVEIS PELO ACIDENTE, ou seja, para ser exercido contra aqueles que com ele tiveram ou tivessem que assumir responsabilidade civil solidária na satisfação do direito de indemização ao lesado, nos termos do art. 500.° do C.C.
21. Quando o legislador exara na letra da lei a expressão "outros responsáveis pelo acidente", é claro que está a inferir, para efeitos de aplicação do disposto no n.º 4, que "as pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro" devem também ter a qualidade de responsáveis pelo acidente.
22. Se a R., nunca considerada uma das responsáveis civis pelo acidente, na sentença proferida nos autos n.º CR3-09-0006-PCC, que formou caso julgado entre as partes da presente acção, for condenada a reembolsar o A, a mesma não poderá nunca vir a exercer qualquer direito de regresso contra o responsável civil pelo acidente, o lesante F, por inexistir qualquer relação de responsabilidade solidária entre eles.
23. Por isso, quer atendendo ao elemento literal, quer ao elemento sistemático da lei, quer considerando ainda a unidade do sistema jurídico, para que o A possa exercer o direito consagrado no n.º 4 do artigo 25.° do D.L 57/94/M, o A tem que alegar e provar que o lesado pelo acidente tinha um direito de indemnização contra a R, ora recorrente.
24. No caso do Acórdão, verifica-se que se o obrigado ao seguro tivesse segurado, a seguradora deveria assumir a responsabilidade de indemnizar o lesado, por a responsabilidade do lesante, condutor do veículo, se encontrar coberta pelo âmbito do seguro automóvel; nesse caso, defende-se pois que porque o A satisfez o direito de indemnização do lesado em vez da seguradora, tem, assim, o direito de exigir o reembolso da indemnização paga do sujeito que omitiu o seguro.
25. Nesses autos, o responsável civil do acidente, o lesante, é o condutor do veículo; mas, nestes autos, o lesante e o único responsável civil pelo acidente, F, (v. autos n.º CR3-09-0006-PCC), é passageiro do veículo.
26. No caso do Acórdão, é certo que, nos termos do artigo 3.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro (similar ao artigo 8.°, n.º1, do DL 522/85), o lesado teria adquirido direito de indemnização contra a seguradora, se o seguro houvesse sido efectivamente celebrado, porque o responsável civil pelo acidente era o condutor de veículo que deveria estar obrigatóriamente seguro pelo seu proprietário.
27. Mas, nesta acção, a lesada nunca podia ter adquirido tal direito contra a seguradora, porque a responsabilidade civil do passageiro não é garantida pelo seguro, ainda que o seguro houvesse sido efectivamente celebrado.
28. Assim, mesmo seguindo a interpretação defendida pelo Acórdão para a disposição legal em causa, certo é que, no presente caso, o A não pode nunca exigir da R. o reembolso da indemnização paga por a mesma nem, sequer em abstracto, poder ser exigida da seguradora.
29. A interpretação correcta para o n.º 4 do art. 25.°, do Decreto Lei 57/94/M de 28 de Novembro e que tem total correspondência na letra da mencionada norma legal, sua inserção sistemática e unidade do sistema jurídica, é a que se segue:
A) Uma vez satisfeito pelo A o direito de indemnização do lesado, este não se extingue, ficando nele legalmente subrogado o mesmo A, que fica investido no direito de crédito que se encontrava na esfera jurídica do lesado; a lei não lhe confere qualquer direito de regresso (ou seja, a lei não constitui na sua esfera jurídica um novo direito, por como devedor solidário haver satisfeito integralmente a prestação devida ao credor, cujo direito de crédito, assim, com tal pagamento, se extinguiu) contra os responsáveis civis pelo acidente.
B) Para que o A possa exigir o reembolso da indemnização paga, das "pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro", deveria a responsabilidade civil dos lesantes estar coberta pelo seguro automóvel obrigatório (ou, seja, tem que ser considerado responsável civil pelo acidente aquele que tem a direcção efectiva ou legítima detenção do veículo ou o condutor do veículo),
C) Só assim o A pode, na qualidade de sub-rogado nos direitos do lesado, exercer o direito de crédito que existia na esfera jurídica do lesado contra aquele(s) que estava(m) vinculado(s) a contratar obrigatóriamente o seguro automóvel, demandando-o(s).
D) Uma vez que as mesmas hajam reembolsado o A da indemnização por este paga, o direito de indemnização extingue-se.
E) É na esfera jurídica das pessoas obrigadas a contratar seguro automóvel obrigatório que nasce, se condenado como devedor solidáriamente com outros responsáveis, nos termos do art. 500.° do C.C. (ou seja, no âmbito da relação interna da solidariedade), um direito novo, um direito de regresso contra os outros responsáveis solidários.
30. Portanto, nesta acção, para efeitos da aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro, o A tinha que alegar e provar que a lesada tinha um direito de indemnização contra a R, ora recorrente.
31. O que não consta dos factos assentes.
32. Pelo contrârio, formou caso julgado entre as partes que a R. não tem qualquer responsabilidade no acidente de viação em causa, pelo que, se tem de concluir, que o lesado do acidente de viação não tem qualquer direito de crédito contra a R.
33.
34. Pois, mesmo que se entenda aplicar as disposições do n.º 4 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro, deve julgar se improcedente a acção do A., ora recorrido.
35. A R. não concorda, como supradito, que seja aplicável o art. 25.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro nesta acção, porque no caso julgado já mencionado na alínea A) dos factos assentes, foi decidido que o A era devedor solidário conjuntamente com o 2.° arguido da obrigação de indemnização.
36. O A não cumpriu a prestação de indemnização em vez de um devedor, na qualidade de "terceiro", mas na qualidade de "devedor solidário".
37. Por isso, é óbvio que se não aplica o regime de sub-rogação previsto no art. 25.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M de 28 de Novembro, mas sim, o regime de solidariedade entre devedores previsto nos art. 511.0 e ss. do C.C.,
38. Nestes termos, o A., o devedor solidário que cumpriu a obrigação, só tem direito de regresso contra F, o outro devedor solidário, nos termos do art. 517.º do C.C., portanto, deve julgar se improcedente a acção do A., ora recorrido.
  Nestes termos,
  Requer que seja revogado o despacho (com o valor material de sentença) recorrido e substituído por outro que dê acolhimento às conclusões,
  COM O QUE SE FARÁ A HABITUAL JUSTIÇA!


Ao recurso respondeu o Autor pugnando pela improcedência do recurso.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição do recurso, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a de saber se, face ao decidido na acção civil intentada pela lesada/ofendida insertada no processo-crime, a recorrente pode ser agora demandada pelo A e condenada pelo Tribunal nos termos consignados na sentença recorrida.

Apreciemos.

Na sentença ora recorrida, foi tida por assente a seguinte matéria de facto :

A) Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base e datada de 14 de Março de 2012, no âmbito do processo-crime com pedido cível inserto, autuado sob o n.º CR3-09-0006-PCC, que correu termos pelo 3.º Juízo Criminal deste Tribunal, o A – A, foi condenado a pagar à demandante naqueles autos, C, a título de indemnização, a quantia global de MOP$248.655,20, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da mencionada sentença condenatória até efectivo e integral pagamento, tendo tal decisão transitado em julgado em 6 de Maio de 2013.
B) Em conformidade com o decidido, o A satisfez a indemnização em 13 de Maio de 2013, pagando à demandante a quantia de MOP$248.655,20, de que esta deu a respectiva quitação.
C) O referido pagamento foi realizado através do cheque bancário n.º MDXXXX, sacado pelo A sobre o Banco D, datado de 2 de Maio de 2013 e emitido a favor da dita C.
D) Constituiu objecto dos referidos autos com o n.º CR3-09-0006-PCC, um acidente de viação ocorrido em 30 de Agosto de 2007, pelas 10 horas da manhã, do qual foi vítima a mencionada demandante.
E) No âmbito daquele processo penal, ficou provado que o acidente de viação em causa foi originado pelo veículo automóvel com a chapa de matrícula MK-XX-XX, propriedade da ora Ré, B, 5.ª demandada naqueles autos.
F) O referido veículo automóvel pertencia, na data da ocorrência do acidente de viação (30 de Agosto de 2007), à ali demandada B, ora Ré.
G) O referido veículo automóvel não beneficiava de seguro válido ou eficaz, junto de qualquer companhia seguradora ou por qualquer outra instituição autorizada a explorar as actividades de seguro.
H) O A despendeu ainda, até presente data, a quantia de MOP$36.360,00 (trinta e seis mil trezentas e sessenta Patacas) a título de serviços prestados pelos seus mandatários e a título de despesas administrativas incorridas.

Além dos factos dados por assente no saneador-sentença, resulta dos autos ainda a seguinte matéria com relevância à boa decisão do presente recurso:

Por Acórdão proferido no processo-crime nº CR3-09-0006-PCC, com pedido cível inserto, de que foram demandados, entre outros, o A, ora recorrido, F, arguido da parte crime, e B, e ficou provada a seguinte matéria de facto:

  2007年8月30日約10時,嫌犯E駕駛輕型汽車MK-XX-XX載著嫌犯F沿南灣大馬路左邊行車道由八角亭往殷皇子大馬路方向行駛。當時嫌犯F坐在MK-XX-XX的後排乘客座位上。
  當駛至南灣大馬路近門牌602號附近時,因前方的交通燈為紅燈,嫌犯E於是將MK-XX-XX停下等候。當時由於嫌犯F趕時間,於是決定下車。當嫌犯F便推開MK-XX-XX的右後車門準備下車時,MK-XX-XX的右後車門不小心碰撞到正從MK-XX-XX右側駛過的輕型電單車CM-XXXXX,導致CM-XXXXX的駕駛者,即被害人C連人帶車倒地受傷。
  意外發生時為晴天,地面乾爽,交通密度暢通。
  意外發生後,被害人由救護車送至鏡湖醫院,留院治療至同年9月22日出院。
  上述碰撞直接造成被害人第2腰椎椎體壓縮性骨折,需要90日康復,傷殘率評定為12%(參閱卷宗第56頁的臨床法醫學鑑定書,在此視為全部轉載)。
  嫌犯E及F在自由、自願及有意識的情況下,明知應在確定不會對其他道路使用者構成危險或阻礙後,方可開啟車門,且應儘可能從靠近路緣或行人道一方下車,但嫌犯E及F沒有這樣做,因而導致是次交通意外,其過失對被害人的身體完整性及健康造成嚴重傷害。
  兩名嫌犯清楚知道其行為是法律所不容,且會受法律制裁。
*
  民事請求狀及答辯狀中以下對判決重要之事實獲證明屬實:
  因上述意外,民事賠償請求人受傷期間被其所任職之公司視為停薪留職,有77日不獲發薪金,民事賠償請求人每月月薪為澳門幣壹萬陸仟圓正(MOP$16,000.00)。
  故民事賠償請求人因著上述意外受傷,而無法工作77日,導致損失了澳門幣肆萬壹仟零陸拾柒圓正(MOP$41,067.00)。
  在所受傷害方面,民事賠償請求人自上述意外發生,一直留院治療至2007年9月22日。
  這一段期間,民事賠償請求人共用去了醫療費用、住院費用,合計為澳門幣壹萬叁仟陸佰玖拾壹圓(MOP$13,691.00)。
  在2007年9月22日出院之後,民事賠償請求人仍需接受治療至2007年11月30日。
  這一段期間,民事賠償請求人共用去了醫療費用合計為澳門幣壹仟玖佰玖拾叁圓正(MOP$1,993.00)。
  隨後,民事賠償請求人仍感傷患處疼痛、無力,亦導致行動不便,不能長時間站立、坐下、蹲下,甚至睡覺亦出現障礙。
  故在2007年11月30日之後,仍需定時醫治。
  這一段期間,民事賠償請求人共用去了醫療費用合計為澳門幣肆仟零陸拾捌圓正(MOP4,068.00)。
  因著上述意外,民事賠償請求人身體受到嚴重損害。
  在醫治期間,其承受了的痛苦。
  民事賠償請求人在出院後,返回工作地方工作;
  第三民事賠償被請求人G為MK-XX-XX輕型汽車購買的保險期限為2007年4月22日至2008年4月21日截止。
  2007年4月30日,本案交通意外發生之前,第三民事賠償被請求人G將MK-XX-XX輕型汽車的所有權轉讓與第一誘發參加人A。
  第一誘發參加人沒有立即重新購買交通意外第三者意外保險。
  澳門保險有限公司與第一誘發參加人A所訂立之保險合同編號為XXXXXX之保險合同,有效期間為2008年8月20日至2009年8月19日。
*
  另外證明下列事實:
  根據刑事紀錄證明,兩嫌犯為初犯。
  第一嫌犯聲稱為建築商人,每月收入約港幣30000圓,需照顧父母、外母、妻子及兩名未成年子女,其學歷為中學五年級程度。
  第二嫌犯建築工人,每月收入為港幣15,000至20,000圓,需照顧妻子及撫養兩名未成年子女。嫌犯學歷為小學畢業程度。

E pelos quais, na parte do pedido civil, foram o demandado civil F e o A condenados solidariamente, no pagamento à demandante civil C a quantia de MOP$248.655,20, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e morais que lhe foram causados, acrescida de juros contados a partir da data de sentença e até ao integral pagamento;

A ora recorrente B, enquanto interveniente provocada passiva na parte cível daquele processo-crime, foi absolvida do pedido civil;

Então apreciemos.

In casu, está em causa uma questão de reembolso suscitada pelo A numa acção de regresso movida por ele contra a proprietária do veículo que, à data do acidente de viação, não estava validamente segurado.

Esta matéria encontra-se regulada no Decreto-Lei nº 27/94/M que, para além de instituir o regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil emergente de acidentes de viação, criou, no seu artº 23º, o A, adiante abreviadamente designada por A.

O artº 23º do Decreto-Lei nº 27/94/M diz que:

1. O A, adiante designado abreviadamente por A, é uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, instituída no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
2. Ao A compete satisfazer as indemnizações por morte ou lesões corporais consequentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório, quando:
a) O responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz;
b) For declarada a falência da seguradora.
3. Em todos os actos e contratos relativos aos seus direitos e obrigações, o A está sujeito à jurisdição do direito privado.
4. O limite, por acidente, das indemnizações a satisfazer pelo A é determinado pelas quantias fixadas na tabela constante do Anexo I ao presente diploma.

Desses normativos decorre que, em determinadas situações em que não funciona a esperada protecção mediante o seguro obrigatório dos legítimos interesses dos lesados por acidentes de viação, nomeadamente quando as pessoas referidas no artº 2º do mesmo decreto não tiverem segurado validamente o veículo, é ao A que compete satisfazer as indemnizações decorrentes de acidentes originados por veículos sujeitos a seguro obrigatário.

Por seu turno, o artº 25º/1 do mesmo decreto estatui que “satisfeita a indemnização, o A fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito aos juros de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança.”.

Diz ainda o artº25/3 que “o lesado pode demandar directamente o A, o qual tem a faculdade de fazer intervir no processo o obrigado ao seguro e os co-responsáveis.”.

Do preceituado nesse artº 25/3 e 5 resulta claramente a intenção por parte do nosso legislador de que, em vez de se substituir definitivamente aos responsáveis do acidente para assumir o papel de um devedor principal, o A, enquanto terceiro alheio à produção do acidente, se limita a desempenhar a função de um garante do ressarcimento dos danos sofridos pelo lesado do acidente de viação.

Neste aspecto, a obrigação de indemnizar do A não se deve confundir com a obrigação da seguradora, para quem é transferida a eventual responsabilidade civil do acidente quando o seguro obrigatório tiver sido validamente efectuado.

Portanto, uma vez satisfeita a indemnização do lesado, o A deve ser reembolsado na medida daquilo que tenha adiantado no pagamento da indemniação ao lesado.

Interessa averiguar por via de que instituto o A deve ser reembolsado.

Ora, face ao regime instituído no Decreto-Lei, o reembolso do A deve fazer-se através da figura de sub-rogação, tal como expressamente designada na lei – artº 25º/1 do Decreto-Lei nº 57/94/M.

Ao passo que, em face do decidido no processo-crime nº CR3-09-0006-PCC, o A e o responsável do acidente F foram solidariamente condenados no pagamento da indemnização à lesada C pelos danos por ela sofridos. O que significa que o A só pode reembolsar-se por via do direito de regresso contra o seu co-devedor F.

Como se sabe, o direito de regresso é um direito a exercer pelo co-devedor, que tenha realizado a prestação integral e extintiva da dívida para com o credor, contra os restantes co-devedores nas relações internas das obrigações solidárias passivas.

É o que sucede na chamada solidariedade passiva própria.

Ao passo que há lugar à sub-rogação quando um terceiro cumpre uma dívida de outrem, adquirindo os direitos do credor originário dessa dívida em relação ao devedor originário.

Trata-se de uma forma de transmissão de créditos do credor originário para o terceiro que cumpriu a dívida, portanto não extintiva da obrigação em relação ao devedor originário.

A propósito das características comuns e diferenciadoras das figuras de solidariedade passiva própria, solidariedade passiva imprópria, direito de regresso e sub-rogação, o Acórdão do STJ de 05NOV2009, em processo nº 3162/085TBLRA.C1.S1, aqui citado a título da doutrina no direito comparado, fez a seguinte abordagem, para nós, muito pertinente à boa solução do caso sub judice:

As figuras do direito de regresso e da sub-rogação legal, diferenciando-se claramente na sua estrutura e fisionomia jurídica, desempenham, do ponto de vista prático ou económico, uma análoga «função recuperatória» no âmbito das «relações internas» entre os vários sujeitos que estavam juridicamente vinculados ao cumprimento de certa obrigação ou, embora não o estando, acabaram por realizar efectivamente, na veste de garantes ou interessados directos no cumprimento, a prestação devida, permitindo que o interessado que, no plano das «relações externas», satisfez um valor superior ao correspondente à sua quota de responsabilidade nas «relações internas» possa repercutir tal valor sobre os restantes co-obrigados ou sobre o principal e definitivo devedor.

No CC, a figura do direito de regresso aparece coligada à modalidade e ao regime das obrigações solidárias: a satisfação do direito do credor por um dos devedores solidários produz, nos termos do artº 523º, a extinção da obrigação, outorgando o artº 524º um inovatório direito de regresso ao devedor que satisfez o direito do credor para além da quota que, nas relações internas, lhe cumpria suportar a título definitivo.

Por outro lado, e como é sabido, nas situações de «solidariedade própria» em que todos os devedores solidários assumem definitivamente uma quota parte do débito comum, o co-devedor que satisfez na íntegra o direito do credor pode sempre repercutir sobre os restantes uma parcela do valor que foi obrigado a suportar perante o titular activo da obrigação solidária; pelo contrário, nas situações qualificadas como de «solidariedade imprópria», os vários devedores não estão situados num mesmo plano, incumbindo a um deles, em primeira linha, assegurar perante o credor a plena e total realização da prestação devida, mas podendo, num segundo momento, repercutir a totalidade daquilo que foi chamado a pagar sobre o património do devedor, principal e definitivo: há, pois, neste tipo de situações configuráveis como de solidariedade imprópria, um escalonamento ou hierarquização de responsabilidades, incumbindo a um dos devedores assumir ou garantir transitoriamente a satisfação do direito do credor, mas beneficiando, num segundo momento, logo após o cumprimento, da faculdade de se reembolsar inteiramente à custa do património do devedor principal e definitivo da obrigação.

Por seu lado, a figura da sub-rogação legal tem o seu assento normativo no âmbito do instituto da transmissão de créditos e dívidas envolvendo, deste modo, quando se verifiquem os respectivos pressupostos, a sucessão do terceiro que cumpriu a obrigação no próprio direito do credor que, deste modo, se não extingue com o cumprimento, nos termos do artº 593º do CC.

E, por força do preceituado no artº 592º, nº1, a sub-rogação legal ocorre:

- nos casos especialmente previstos na lei;

- quando terceiro, directa e juridicamente interessado na satisfação do crédito, realiza o interesse do credor;

- quando o sujeito que tiver realizado a prestação devida tiver garantido o cumprimento da obrigação.

Importa ainda realçar que, fora das situações típicas de solidariedade passiva própria - em que o direito ao reembolso do devedor se opera inquestionavelmente ao abrigo da figura do direito de regresso – e de cumprimento da obrigação por um terceiro, não vinculado no confronto do credor, ou típico devedor «subsidiário» e mero garante pessoal do débito – em que tal direito se efectiva claramente no quadro do instituto da sub-rogação (cfr. v. g., as situações previstas respectivamente nos artºs 477º, nº2 , e 644º do CC)- nem sempre é evidente e incontroversa a qualificação do meio jurídico idóneo e adequado para se efectivar o dito reembolso: vejam-se, por exemplo, as dúvidas suscitadas a propósito da efectivação pelo Estado do direito a repercutir no responsável por acidente, simultaneamente de viação e de serviço, as quantias dispendidas com vencimentos processados ao funcionário público, incapacitado para o serviço; ou a oscilação legal acerca da qualificação do instrumento adequado para a entidade patronal repercutir a indemnização devida a título de acidente laboral sobre o terceiro que causou culposamente as lesões sofridas pelo trabalhador, vítima de acidente configurável como de viação e simultaneamente de trabalho, perspectivado no âmbito da sub-rogação na Lei 1942, mas já sob a égide da figura do direito de regresso na Lei 2127, que lhe sucedeu.

Por outro lado, a circunstância de os pressupostos da figura da sub-rogação legal serem definidos pelo citado artº 592º com razoável amplitude, com base em conceitos relativamente indeterminados (interesse «directo» no cumprimento, posição de «garante » da obrigação) ,tem levado a jurisprudência, com fundamento em razões de equidade e razoabilidade, a configurar como sendo a sub-rogação o instrumento jurídico adequado para - fora do domínio da típica solidariedade passiva e na ausência da previsão legal de um direito de regresso, constituído «ex novo» no momento do cumprimento – o devedor que, cumprindo a obrigação, não deva ser definitivamente responsabilizado pelo valor da prestação, se reembolsar à custa de quem deva, segundo juízos de justiça e equidade, em última análise, suportar a prestação devida, evitando, nomeadamente, um injustificado benefício do lesante……

Sem dúvida esse segmento do Acórdão do STJ é para nós a doutrina útil e pertinente à correcta interpretação dos artºs 23º e 25º do nosso Decreto-Lei nº 27/94/M.

E habilita-nos a afirmar com segurança que, decorre da conjugação das disposições nos artºs 23º e 25º do Decreto-Lei nº 27/94/M que perante o lesado que não fica protegido por via de seguro obrigatário, o A tem de assumir o papel de assegurar o pagamento da indemnização e que, uma vez efectuado o pagamento da indemnização ao lesado, o A fica ope legis investido na sub-rogação, passando a ocupar a posição jurídica de credor que tinha o lesado contra os responsáveis do acidente.

O que a nossa lei incumbe ao A é apenas garantir transitoriamente a satisfação do direito à indemnização do lesado pelos danos por ele sofridos, e num segundo momento, isto é, logo após a satisfação, permite o A a exercer o direito em que ficou investido, de demandar, em lugar do lesado, os verdadeiros responsáveis para reaver o dinheiro que tenha adiantado.

Ou seja, no primeiro momento, o A cumpre a obrigação de indemnização de outrem (os responsáveis do acidente), adquirindo desta forma ao lesado (credor originário à indemnização) o direito à indemnização em relação a responsáveis do acidente, e no segundo momento, já na veste do transmissário do crédito à indemnização, irá reagir contra os verdadeiros responsáveis do acidente.

Assim, cremos que, secundando a doutrina Doutamente enunciada no Acórdão do STJ acima citado, podemos configurar a sub-rogação legal a que se refere no artº 25º/1 do Decreto-Lei nº 57/94/M, como um instrumento jurídico adequado para que o A, que tenha cumprido a obrigação de indemnização, se possa reembolsar à custa de quem deva, segundo juízos de justiça e equidade, em última análise, suportar a prestação devida, evitando, nomeadamente, um injustificado benefício do lesante.

Assim, ao contrário do que foi decidido naquele processo-crime nº CR3-09-0006-PCC, o A não deveria ter sido condenado solidariamente com outros responsáveis do acidente de viação, mas sim condenado sozinho a satisfazer a indemnização a favor do lesado.

Todavia, por força da decisão transitada em julgado no processo n.º CR3-09-0006-PCC, já ficou assente que o A foi efectivamente condenado, como co-devedor, solidariamente, com o 2º demandado civil F, considerado responsável na produção do acidente naquele processo, e que foi absolvida a 1ª interveniente provocada B, aqui Ré e ora recorrente.

Então perguntamos se é justo que, face ao assim decidido, após a satisfação da indemnização a favor do lesado, ao A, condenado como co-devedor, não resta outra alternativa que não seja a de exercer o direito de regresso contra o responsável F para reaver o dinheiro que adiantou e deixar sair ilesa a proprietária do veículo B que não cumpriu a sua obrigação de segurar o seu veículo, pura e simplesmente por esta ter sido absolvida e apenas aquele F ter sido considerado como único responsável do acidente e nessa qualidade condenado ?

Claro que não é justo.

É certo que o A pode demandar o responsável F e deixar em paz a proprietária do veículo B.

Todavia isso não deve ser a única alternativa disponível com vista ao reembolso do dinheiro que adiantou.

Por razões de justiça e equidade, ao A deve ser assegurada a opção de demandar a proprietária do veículo, ora recorrente.

Pois, in casu, temos presente que:

* O A não tem culpa na produção do acidente;

* O solidariamente condenado F no processo-crime CR3-09-0006-PCC foi julgado culpado na produção do acidente;

* A proprietária B, ora recorrente, tem culpa, por não ter segurado o seu veículo, no não funcionamento do mecanismo da protecção da sinistrada por via do seguro obrigatório, impossibilitando a chamada socialização da responsabilidade civil pelo risco inerente à circulação dos veículos motorizados, concebida para proteger os sinistrados contra o risco de insolvência dos responsáveis;

* Foi por causa do incumprimento culposo da sua obrigação legal de segurar o seu veículo por parte da ora recorrente B que foi chamado o A para pagar primeiro à sinistrada;

* Foi pelo risco de insolvência dos responsáveis do acidente de viação que a lei instituiu o sistema de seguro obrigatório;

Assim, temos de concluir que:

* O risco de insolvência do responsável do acidente deve recair em última análise sobre a proprietária do veículo e não sobre o A que tenha satisfeito, como mero garante, em primeira linha, a indemnização perante a lesada; e

* É portanto de todo em todo justificável e razoável fazer intervir a proprietária do veículo, como parte principal, na presente acção de regresso para primeiro reembolsar o A.

Cremos que essas conclusões nossas são justamente as razões que estão subjacentes à feitura do normativo do artº 25º/4 do Decreto-Lei nº 57/94/M, à luz do qual “as pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro podem ser demandadas pelo A, nos termos do n.º 1, beneficiando do direito de regresso contra outros responsáveis pelo acidente, se os houver, relativamente às quantias que tiverem pago.”.

E pelas mesmas razões que acabámos de expor, esse normativo deve ser interpretado no sentido de que, mesmo que não tenha sido julgado e condenado na primeira acção como responsável ou co-responsável pela produção do acidente, o proprietário do veículo que, estando sujeito à obrigação legal de segurar o seu veículo, não tenha efectuado o tal seguro, pode ser demandado, na acção de regresso, para o ressarcimento do A, e só depois poderá exercer o seu direito de regresso contra os outros responsáveis – artº 25º/4, in fine, do Decreto-Lei nº 57/94/M.

Com esse entendimento, o caso julgado no processo-crime nº CR3-09-0006-PCC não fica posto em causa, uma vez que ao abrigo do disposto no artº 25º/4 do Decreto-Lei nº 57/94/M, à ora recorrente é sempre assegurado o poder de demandar o responsável F para reaver o dinheiro que adiantará no reembolso do A.

Assim sendo, é de concluir que bem andou a Exmª Juiz a quo e que nada temos a censurar a sentença recorrida.



Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto pela Autora, mantendo da sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 05FEV2015
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng

1 De 07/03/2003, JTRP00036232, disponível in www.dgsi.pt.
2 Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, "Código Civil Anotado", VoI I, 3.° edição, p. 573
3 Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, "Código Civil Anotado", VoI I, 3.° edição, p. 577
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