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Processo nº 118/2015/A
(Autos de suspensão de eficácia)

Data: 17/Fevereiro/2015

Assuntos: Suspensão de eficácia de acto administrativo
Cancelamento de autorização de residência temporária

SUMÁRIO
     - São três os requisitos de que depende a procedência da providência de suspensão de eficácia de acto administrativo: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso.
     - O requisito sobre o prejuízo de difícil reparação previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
     - Provado indiciariamente nos autos, nomeadamente por documento constante do próprio Processo Administrativo que o filho do requerente se encontra a frequentar o ensino primário em instituição escolar da RAEM, a execução imediata do acto implica necessariamente a interrupção dos seus estudos, representando desta forma um verdadeiro prejuízo para a sua formação educacional, sendo assim, preenchido está o requisito da alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC.
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 118/2015/A
(Autos de suspensão de eficácia)

Data: 17/Fevereiro/2015

Requerente:
- A

Entidade requerida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, portador do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM, melhor identificado nos autos, vem, nos termos do artigo 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho do Exmº. Secretário para a Economia e Finanças, de 12.11.2014, que determinou o cancelamento da autorização de residência temporária anteriormente concedida ao requerente e seu agregado familiar.
Invocou que o acto em causa lhes causa prejuízo de difícil reparação, que inexiste grave lesão para o interesse público caso seja decretada a suspensão, nem há fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Citada a entidade requerida para, querendo, contestar, defendeu a improcedência do pedido.
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Aberta vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, opinou no sentido de deferimento do pedido de suspensão (cfr. fls. 47 e 48 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Cumpre decidir.
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções e questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos e do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do procedimento:
O requerente e os seus familiares são titulares de autorização de residência temporária na RAEM, concedida ao abrigo do regime de aquisição de bens imóveis, cujo pedido foi concedido em 6.5.2009.
As autorizações de fixação de residência supra referidas foram sendo sucessivamente renovadas junto do IPIM.
A concessão da autorização de fixação de residência temporária a favor do requerente teve por base a aquisição de três bens imóveis: uma fracção autónoma e dois parques de estacionamento.
Em 1.6.2012, o requerente alienou os imóveis com base nos quais lhe havia sido conferida autorização de residência temporária na RAEM.
O requerente não informou o IPIM da alienação daqueles imóveis.
Em 8.10.2012, o requerente, a sua mulher e a sua irmã outorgaram um contrato-promessa de compra e venda, tendo prometido adquirir uma fracção autónoma sita em Macau, para finalidade de habitação, pelo preço de HKD$6.500.000,00; ao requerente e à sua mulher fica a pertencer uma quota de 9/10.
A escritura pública de compra e venda dessa mesma fracção foi celebrada em 7.1.2013.
Por ofício datado de 03.12.2014, o IPIM comunicou ao requerente que a sua autorização de fixação de residência, bem como a da sua mulher e do filho, foram canceladas, com fundamento no facto de o requerente ter procedido à venda dos imóveis que justificaram a atribuição da autorização de residência temporária, fazendo com que a situação juridicamente relevante que fundamentou a tal concessão deixou de existir, e sem que tivesse dado cumprimento do dever de comunicação ao IPIM, conforme o disposto no artigo 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
O requerente, a sua mulher e o filho vivem em Macau desde 2007, tendo na RAEM o seu centro de vida familiar e profissional.
O filho menor do requerente frequenta o ensino primário no Instituto Salesiano da Imaculada Conceição.
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A prova dos factos resulta tanto dos documentos juntos ao processo administrativo, sobretudo despachos proferidos pelas autoridades administrativas, cópia dos ofícios, contrato-promessa, escritura pública, etc.
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O caso
Foi concedida, em 2009, autorização de residência temporária na RAEM do requerente, sua mulher e seu filho menor, nos termos do artigo 1º, alínea 4) e do artigo 5º do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
A concessão da autorização de residência temporária dos requerentes teve por base a aquisição de bens imóveis.
As autorizações de residência do requerente e do seu agregado familiar foram sucessivamente renovadas junto do IPIM.
Contudo, por ofício de 03.12.2014, o requerente foi notificado do despacho do Exmº. Secretário para a Economia e Finanças, que ordenou o cancelamento da autorização de residência temporária do requerente e do seu agregado familiar, com fundamento no facto de o requerente ter procedido à venda dos imóveis que justificaram a atribuição da autorização de residência temporária, fazendo com que a situação juridicamente relevante que fundamentou a tal concessão deixou de existir, e sem que tivesse dado cumprimento do dever de comunicação ao IPIM, conforme o disposto no artigo 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
Pede agora o requerente a suspensão de eficácia do referido despacho.
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Acto de conteúdo positivo
Em regra, a interposição de recurso contencioso de acto administrativo visando a declaração da sua invalidade não tem efeito suspensivo, ao abrigo do artigo 22º do Código do Processo Administrativo Contencioso.
Mas há situações em que a imediata execução do acto administrativo pode trazer efeitos desfavoráveis ao requerente.
Precisamente para evitar a produção de tais resultados ou efeitos, foi criada pelo legislador a possibilidade de suspender a eficácia do acto.
Preceitua o artigo 120º do Código do Processo Administrativo Contencioso que há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Para Diogo Freitas do Amaral, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.1
Assim, o pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
No caso vertente, é de verificar que o acto administrativo em causa consiste no cancelamento da autorização de residência temporária do requerente e do seu agregado familiar, o qual consubstancia um acto de conteúdo positivo cuja eficácia é susceptível de ser suspensa em sede de procedimento cautelar, desde que sejam verificados os respectivos requisitos legais.
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Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Analisaremos, em seguida, se estão verificados os requisitos para a concessão da providência requerida pelo requerente.
Prevê-se no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso o seguinte:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
No fundo, para ser concedida a suspensão de eficácia do acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso, atendendo aos elementos carreados ao processo.
Bastará a falta de algum deles para que a providência requerida seja indeferida.
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Começamos por este último requisito negativo – da não ilegalidade do recurso.
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, no Processo 92/2002, “Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência”.
No caso vertente, não se nos afigura, pelo menos nesta fase processual, que o recurso contencioso a interpor em sede própria possa estar enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, assim entendemos estar verificado o requisito negativo previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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Em segundo lugar, passamos a analisar o requisito da inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão de eficácia do acto (requisito negativo previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Trata-se de um requisito negativo que deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto e o interesse público envolvido nele. Deve apreciar-se até que ponto a suspensão agride o interesse público em causa, por exemplo, da saúde, da segurança, da ordem pública, etc.2
Toda a actividade administrativa visa prosseguir o interesse público, por isso só pode ser deferida a suspensão de eficácia do acto se não se verificar lesão grave do interesse público prosseguido pelo acto.
Refere o Acórdão deste TSI, no Processo 84/2014/A, que “a expressão «grave lesão do interesse público» constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso”.
No vertente caso, não cremos que a suspensão de execução do acto praticado pelo Exmº. Secretário para a Economia e Finanças possa determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, aliás nem a entidade recorrida logrou contestar ou alegar essa circunstância, razão pela qual entendemos também estar preenchido este requisito negativo.
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Por último, compete ao requerente alegar e demonstrar o requisito de existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente causar ao requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso (requisito positivo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Nas palavras de José Cândido de Pinho, “cumpre ao requerente caracterizar de modo credível, ou seja, conveniente e convincentemente os prejuízos, expondo as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis”.3
Também entende a jurisprudência da RAEM que o requisito do prejuízo de difícil reparação exigido pela lei terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
A título exemplificativo, cita-se o Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo nº 328/2010/A, em que se refere:
“Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tidos como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto”.
No presente caso, defende o requerente que ele próprio, bem como a sua mulher e filho menor têm todo o seu centro de vida pessoal, familiar e profissional na RAEM, e se a decisão não for suspensa, irá causar-lhes a perda de qualidade de residente de Macau, fazendo com que os mesmos percam os respectivos empregos, sendo ainda obrigados a abandonar a RAEM num prazo de tempo muito curto.
Além disso, sublinha ainda que a não suspensão do acto vai obrigar a que o seu filho menor, que frequenta o 3º ano do ensino primário no Instituto Salesiano da Imaculada Conceição, se veja forçado a abandonar os seus estudos, a meio do presente ano lectivo, com graves consequências negativas para a sua formação pessoal e escolar.
Vejamos.
Em primeiro lugar, diz o requerente que a execução imediata do acto colocará ele e a sua mulher em situação de desemprego, ficando a família sem qualquer meio de sustento.
Entende o Venerando TUI, no Acórdão proferido no âmbito do Processo 6/2001 que “se trata de prejuízo de difícil reparação o consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares”.
A nosso ver, mesmo que seja verdade que, com o cancelamento da autorização de residência do requerente e da sua mulher, estes terão que abandonar a RAEM e, em consequência, irão perder os seus empregos em Macau, mas o requerente não alegou acerca da sua situação económica e financeira.
De facto, não sabemos se o requerente, para além dos rendimentos provenientes do exercício de actividades profissionais, teria também outras fontes de rendimentos não profissionais, e se as tiver, a perda de rendimentos profissionais pode não afectar o requerente em termos absolutos.
Aliás, nem se alegou por que razão não poderá arranjar outro emprego fora de Macau.
Daí que improcede, nesta parte, a alegação do requerente.
Em segundo lugar, alega ainda que a execução imediata do acto vai obrigar a que o seu filho menor, que frequenta o 3º ano do ensino primário no Instituto Salesiano da Imaculada Conceição, se veja forçado a abandonar os seus estudos, a meio do presente ano lectivo, com graves consequências negativas para a sua formação pessoal e escolar.
Quanto a isso, julgamos ter razão o requerente.
De facto, a jurisprudência tem entendido que a interrupção dos estudos, a meio do respectivo ano lectivo, seja a nível primário, secundário ou universitário, evidencia um prejuízo de difícil reparação.
A título exemplificativo, cita-se um recente Acórdão deste TSI, no Processo 824/2014/A, o qual afirmou que há prejuízo relevante e de difícil reparação para efeitos do preenchimento dos requisitos de suspensão de eficácia do acto de revogação de autorização de residência, se o filho do interessado tiver que interromper os estudos a meio do ano escolar.
Ora bem, provado indiciariamente nos autos, nomeadamente por documento constante do próprio Processo Administrativo (fls. 74), que o filho do requerente se encontra a frequentar o ensino primário no Instituto Salesiano da Imaculada Conceição, isso significa que a execução imediata do acto implica necessariamente a interrupção dos seus estudos, representando desta forma um verdadeiro prejuízo para a sua formação educacional, sendo assim, preenchido está o requisito da alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC.
Nesta conformidade, uma vez lograda a verificação cumulativa de todos os requisitos para o efeito, julgamos procedente o pedido de suspensão de eficácia do acto em causa.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em deferir o pedido de suspensão de eficácia do acto que ordenou o cancelamento da autorização de permanência temporária do requerente, da sua mulher e do seu filho menor.
Sem custas, dada a isenção subjectiva da entidade requerida.
Registe e notifique.
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Macau, 17 de Fevereiro de 2015
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira

Fui presente
Mai Man Ieng


1 Diogo Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, vol III, Lisboa, 1989, pág 155
2 José Cândido de Pinho, in Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2013, pág 299
3 Obra citada, pág 294
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