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Processo n.º 813/2014/A
(Suspensão de eficácia)

Data : 12/Fevereiro/2015


ASSUNTOS:
- Suspensão de eficácia de acto de revogação do autorização de residência

SUMÁRIO:
Há prejuízo relevante e de difícil reparação para efeitos do preenchimento dos requisitos de suspensão de eficácia do acto de revogação de autorização de residência, se a esposa do requerente tem de suspender o tratamento de foro oncológico que está a desenvolver em Macau, não se vislumbrando prejuízo para o interesse público em aguardar por mais algum tempo até que a situação seja clarificada na acção principal.


Relator,
  

(João Gil de Oliveira)




Processo n.º 813/2014/A
(Suspensão de Eficácia)

Data : 12 de Fevereiro de 2015

Requerente: A

Entidade Requerida: Secretário para a Economia e Finanças

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A (XXX8 XXX8 XXX8), mais bem identificado nos autos, não se conformando com o Despacho n.º P0264/2007/02R, exarado pelo Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças, proferido em 14/10/2014, no âmbito da Renovação do Pedido de Fixação de Residência Temporária que a indeferiu, por alegada violação do disposto nos artigos 18.º e 19.º, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 vem, nos termos conjugados dos artigos 120.º e segs. do Código de Processo Contencioso Administrativo, requerer, por apenso e na pendência do Recurso Contencioso n.º 813/2014, a
SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO
    O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
    1. Entende o requerente ser premente requerer a suspensão do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças, datado de 14 de Outubro de 2014, que aderiu aos pressupostos de facto e de direito, bem como às conclusões da proposta do IPCIM, na qual foi exarado.
    2. Concretiza-se o Despacho na concordância com as conclusões da Proposta no sentido do indeferimento da autorização de renovação do pedido, concluindo que se verificou alteração da "situação juridicamente relevante" que fundamentou a concessão dessa autorização, tendo sido violado o determinado no artigo 18.º e no n.º 2 do artigo 19.º, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
    3. Fundamentalmente, pelos seguintes motivos:
    A) Porque, o bem imóvel exigido pelo n.º 1 do artigo 3º, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, foi onerado acima do valor-limite previsto no artigo 4º, nº 1, do mesmo Regulamento.
    B) Porque o requerente não comunicou a penhora determinada pelo Tribunal Judicial de Base, nos termos do nº 3 do artigo. 18º, do Regulamento Administrativo nº 3/2005
    e,
    C) Porque o requerente A e a cônjuge B, “(…) contrariamente ao que afirma o advogado, são casados no "Regime da Separação" e não no "Regime da Comunhão de Adquiridos (…)”.
    4. Inconformado o requerente ao abrigo do n.º 2 do artigo 150.º do CPA, reclamou e pediu a suspensão de eficácia do acto administrativo em 20.11.2014, tendo-lhe sido notificado, no dia 26.01.2015, o conteúdo do despacho de indeferimento do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 16.12.2014 (cfr. doc. l, que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos).
    5. O despacho de indeferimento do pedido de suspensão de eficácia é formulado com base nas razões de facto e de direito invocadas no artigo 4.º n.ºs 1, 2 e 3 da proposta n.º 01724/GJFR/2014, de 9.12.2014, do IPCIM (cfr. o citado doc. 1), na qual se alega "défice de prova" para se poder proceder à análise objectiva dos factos invocados pelo requerente no seu pedido.
    6. A concordância com as conclusões desta Proposta do IPCIM pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, demonstram falta de objectividade na aplicação do poder discricionário, atendendo aos danos que resultam directa, imediata e necessariamente do acto cuja execução se pretende travar.
    7. Ora, sendo que a suspensão de eficácia dos actos administrativos pode ainda ser requerida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso;
    8. E implica que se verifiquem cumulativamente os três requisitos previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, para que possa proceder o pedido de suspensão de eficácia, nomeadamente: 1º - existência de periculum in mora; 2º - que haja um fumus boni juris; 3º - que exista proporcionalidade e adequação da providência (cfr. Ac. do STA de 15/9/2004-Proc. nº 620/2004).
    9. Devendo a verificação destes requisitos ser cumulativa (Ac. do STA [2ª Secção], de 30/5/2007-rec. nº 49/07, de 1/2/2007-rec. nº 27/07 e de 25/7/2007-rec. nº 462/07) e sendo que,
    10. A sua concessão depende da invocação e demonstração de factos dos quais se conclua pela verificação dos requisitos acima enunciados (Acs. do STA de 10/1/06-rec. nº 938/05, de 25/7/2007-rec. nº 462/07 e de 14/7/2008-rec. nº 381/08).
    Vejamos, então, se os citados requisitos se verificam:
    11. Da existência de periculum in mora - será que a execução do acto causa prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, ao requerente e ao seu agregado familiar, composto pela cônjuge B e pelas filhas C e D?
    12. Em termos jurisprudenciais e doutrinais são considerados e aceites como prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação os danos morais que pela sua intensidade e objectividade mereçam a tutela do direito, em termos de responsabilidade por danos não patrimoniais, nos termos admitidos pelo artigo 489.º do Código Civil e não apenas os que consistem na verificação de um prejuízo económico causado pela decisão administrativa.
    13. Como também é aceite que a existência de fundado receio depende, ou da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que se visam assegurar no processo principal (cfr. Ac. de 25/7/2007-rec. nº 462/2007, do STA).
    14. Verifica-se preenchido, no caso sub judice, o requisito da existência de periculum in mora, atendendo a que a execução do acto administrativo poderá causar ao requerente e seu agregado familiar importantes prejuízos, irreparáveis ou de difícil reparação.
    Isto porque,
    15. A cônjuge do requerente padece de doença de foro oncológico, o que já implicou duas intervenções cirúrgicas, uma no ano de 2010 em Fuzhou e outra no ano de 2013 em Xangai, as quais determinaram a necessidade de longos períodos de ausência de Macau para tratamento (cfr. doc. 2, que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos).
    16. Porém, o tratamento da doença de foro oncológico decorre, actualmente, no Hospital E, sendo pois certo que o cancelamento da autorização de residência temporária implicará prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para a cônjuge do recorrente em primeiro lugar mas, consequente e naturalmente, também para si e suas filhas (cfr. doc. 3, que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos).
    17. Tanto mais que o requerente tem como casa de morada de família o imóvel que deu para investimento, e centrou a sua vida, com o seu agregado familiar em Macau, tendo inclusive as filhas frequentado estabelecimento de ensino sediado na RAEM.
    18. A determinação em centrarem a residência em Macau levou até que, em 16 de Setembro de 2010, adquirissem outra fracção habitacional na RAEM para as filhas, ambas estudantes Universitárias a terminarem estudos superiores em Los Angeles USA e interessadas em perspectivarem o seu futuro profissional em Macau (Cfr. Proc. IPClM).
    19. Mais, é notório, mas poderá ser confirmado pelo Hospital E ou, mesmo, pela Direcção dos Serviços de Saúde de Macau através de junta médica, o estado crítico de saúde da cônjuge do requerente.
    20. Pelo que facilmente se constata que o dano que acarretará para o requerente e seu agregado familiar, a execução do acto recorrido, se computará num prejuízo que não pode ou dificilmente poderá ser reparado.
    21. Diga-se, ainda, que também no que respeita aos danos patrimoniais causados pela decisão impugnada são estes de elevado valor, porquanto a presença do recorrente e da cônjuge, B, na defesa dos seus direitos nas demandas judiciais em curso com a Sociedade F (MACAU), S.A., e com a Sociedade G, S.A. (cfr. proc. nº CV2-12-0001-CFI, 2º Juízo Cível, Tribunal Judicial de Base de Macau), independentemente de terem constituído advogado, é imprescindível, dada a complexidade administrativa e judicial que envolvem.
    22. Aliás, não fosse terem residência temporária em Macau e, estarem determinados em salvaguardar os direitos que lhes assistem, e teria sido impossível, no passado dia 11 de Setembro de 2014, terem rectificado o registo na Conservatória do Registo Predial, onde passou a constar que A e a cônjuge B, à data da aquisição do imóvel, adquirido para os efeitos do n.º 1, do artigo 3.º, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, eram, e são, casados no "Regime da Comunhão de Adquiridos", e não como casados no "Regime da Separação", como por lapso estava exarado (cfr. docs. 4 e 5 que aqui se dão por reproduzido para os devidos efeitos).
    23. Como também dificilmente se concretizaria a conferência de interessados, realizada no passado dia 23 de Setembro e poderia ter sido proferido o despacho de 29 de Outubro último, no âmbito do processo judicial citado, onde foi decidido que a meação de A e da cônjuge B será preenchida na fracção para habitação objecto deste processo, respectivamente, pela metade indivisa, na proporção de 1/2 para cada um, por ter sido um bem adquirido na constância de matrimónio em regime da comunhão de adquiridos (cfr. docs. 6, 7 e 8 que aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos).
    24. E, consequentemente, não teria sido possível retirar a conclusão jurídica que por força de uma penhora ilegal, estão o requerente e o seu agregado familiar confrontados com o acto recorrido sub judice que, caso não lhe seja conferido efeito suspensivo, implicará também um elevadíssimo prejuízo económico, por não poder aguardar em Macau pelos ulteriores termos do processo judicial e ficar desta forma impedido de usar da prerrogativa legal de poder, pessoalmente, efectuar concordata com os seus credores, ao abrigo do disposto no artigo 1194º, do Código Processo Civil.
    25. Conclui-se assim, que o indeferimento da suspensão da eficácia do acto poderá provocar ao requerente danos ou prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, pelo que se verifica a existência do periculum in mora, requisito exigido na al. b) do nº 1 do artigo 121º do CPTA .
    26. Da existência fumus boni juris
    Haverá probabilidade da existência do direito de que o requerente se arroga?
    Que, segundo o Prof. José Alberto dos Reis, implica o seguinte:
    " ... o tribunal, antes de emitir a providência, não se certifica, com segurança, da existência do direito que o requerente se arroga: limita-se a formar um juízo de verosimilhança, a verificar a aparência do direito (fumus bani iuris)" (cfr. A Figura do Processo Cautelar, fls.72).
    27. O fumus bani juris tem uma formulação positiva e uma formulação negativa.
    - Na formulação positiva é preciso acreditar na probabilidade de êxito do recurso principal isto é, tem de se verificar uma aparência de que o recorrente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa;
    - Na formulação negativa basta que o recurso principal não pareça, à primeira vista, desprovido de fundamento.
    28. Daí seja de concluir que: "o fumus boni juris tem de dar-se como verificado sempre que a falta de fundamento da pretensão subjacente à providência não seja manifesta (ostensiva, notória), evidentemente, à luz de uma apreciação meramente perfunctória. Para este efeito a aparência de uma acção viável é suficiente" (Ac. do STA [2ª Secção] de 30/5/2007- rec. nº 49/07, de 1/2/2007).
    29. Acontece que em 5 de Dezembro de 2014, na sequência da emanação do Despacho supra identificado, o requerente interpôs, tempestiva e legalmente, recurso contencioso junto desse Venerando Tribunal, onde impugna o acto administrativo recorrido alegando que enferma do vício de violação de lei que o torna inválido ao abrigo artigo 124.º do C.P.A., por desconformidade entre os pressupostos em que o mesmo se fundou e a realidade concreta, sendo como tal anulável (cfr. autos principais).
    O recurso foi recebido e distribuído, tendo recebido o n.º 813/2014.
    30. Sendo que, em termos de conclusões, o requerente alegou no recurso contencioso interposto e acima referenciado, que o acto administrativo recorrido faz uma aplicação errónea do disposto nos artigos 18.º e 19.º, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e, consequentemente, faz também uma errada interpretação do n.º 4 do artigo 18.º, ao considerar inexistir justa causa para o não cumprimento da obrigação de comunicação prevista no n.º 3 do mesmo diploma, pondo em causa os princípios da proporcionalidade e da justiça, previstos nos artigos 5.º, n.º 2 e 7.º do Código de Procedimento Administrativo.
    31. Assim e numa visão meramente perfunctória, face ao alegado pelo requerente não se pode ter como evidente a improcedência da pretensão de fundo da mesma. E como também não é manifesta a existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito, tanto bastará para se concluir pela verificação do requisito da ausência de "fumus malus iuris", enunciado na al. b) do nº 1 do artigo 121º do CPTA.
    32. No que concerne ao presente requerimento importa dizer que o acto de indeferimento (contido no Despacho recorrido) tem conteúdo positivo, pois equivale a acção tida pela Administração no âmbito de um processo de residência contra o recorrente e seu agregado familiar, impedindo-os de continuarem a residir em Macau.
    33. Por fim, de acordo com o requisito estabelecido na alínea c) acima transcrita, a suspensão de eficácia só será concedida caso a execução do acto "não determine grave lesão do interesse público",
    Haverá proporcionalidade e adequação da providência?
    34. Somos em crer que sim, não obstante de facto, ser verdade que a suspensão da eficácia de um acto administrativo, atento o interesse público que ele persegue, provocar sempre alguma lesão decorrente da sua satisfação adiada.
    35. Contudo e atentos à natureza do caso em apreço, não se vislumbra que possa ocorrer uma lesão grave, tanto mais que nem tão pouco esteve subjacente ao indeferimento do acto recorrido, qualquer eventual violação dessa índole, a qual dificilmente poderá ser alegada e muito menos provada pela entidade requerida.
    36. Por todo o exposto se conclui que estão preenchidos todos os requisitos legais e que deverá ser de imediato decretada a suspensão da eficácia do acto.
    Da Execução do Acto
    37. No dia 2 de Dezembro de 2014, os Serviços de Migração notificaram o recorrente para entregar o Bilhete de Identidade de residente não permanente, inibindo-o de poder continuar a residir na RAEM (cfr. doc. 9, que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos).
    38. Motivo porque, ao abrigo do disposto nos artigos 122.º e 126.º do CPAC se requer que, autuado e recebido o presente pedido, sejam urgentemente notificados os Serviços de Migração, com a menção de que deverão suspender provisoriamente a execução da ordem de entrega do Bilhete de Identidade de residente não permanente, até decisão deste PEDIDO DE SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO.
    
    NESTES TERMOS, se requer que seja recebido o presente pedido e, com carácter de urgência, notificada a entidade requerida para responder, querendo, e a fim de a mesma imediatamente, suspender provisoriamente a execução do acto, bem como que sejam informados os Serviços de Migração da decisão e, a final, decretada a suspensão da eficácia do acto do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
    
    A entidade recorrida oferece o merecimento dos autos.
    
    O Exmo Senhor Procurador-Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    Vem A requerer a suspensão de eficácia do Secretário para a Economia e Finanças de 14/10/14 que indeferiu pedido de renovação de autorização de residência na RAEM, devido à alteração da "situação juridicamente relevante" que fundamentou a concessão dessa autorização, com violação do disposto nos artigos 18° e 19°, n° 2 do R.A.3/2005.
    Serve o sublinhado a que procedemos para realçar a "tentação" que nos poderá desde logo assaltar relativamente à consideração do acto suspendendo como acto de conteúdo negativo, insusceptível de suspensão de eficácia, uma vez que deixaria o requerente na mesma situação em que se encontrava antes da sua prática, dele não decorrendo efeitos acessórios ou secundários de carácter ablativo de bem jurídico preexistente, sendo que um eventual deferimento do pedido nunca poderia valer como "ordem" de renovação da residência, o mesmo é dizer não produziria quaisquer efeitos jurídicos.
    Mas, talvez não seja bem assim.
    Um acto de conteúdo negativo propriamente dito é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de, por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um "status" anterior. Ou seja, trata-se de um acto "neutro" em que nada se adquire ou se perde. Relativamente a tal tipo de actos, tem-se uniformemente entendido não serem os mesmos susceptíveis de suspensão de eficácia, quer por que tal poderia ser entendido como usurpação de poderes administrativos pelos tribunais, quer porque dessa suspensão não adviria qualquer efeito útil para o interessado, designadamente o afastamento das situações danosas caracterizadas na al. a) do art. 121º CPAC.
    Começou, porém, recentemente, a ponderar-se e a obter consagração uma nova categoria de actos que, embora aparentemente de conteúdo negativo, têm efeitos positivos, existindo, dessa forma, uma utilidade na suspensão da respectiva execução, na medida em que dela derivam efeitos secundários positivos, enquadrando-se, desde logo, em tal categoria os actos de que resulte o indeferimento da manutenção de uma situação jurídica anterior, como é o caso, denegando-se renovação de situação jurídica preexistente, ferindo-se as expectativas legítimas de conservação de efeitos jurídicos de acto administrativo anterior, considerando-se que, em tais situações existe, de facto, uma alteração da situação jurídica e de facto do requerente.
    Mas, mais : vem-se também entendendo que se alguma utilidade puder advir da suspensão, a ponto de o requerente ir obtendo algum "ganho" até à decisão em definitivo da questão do recurso contencioso, a suspensão será de conceder.
    Seja como for e pelos motivos supra anunciados, cremos que, no caso, o acto, se bem que tenha conteúdo negativo, apresenta vertente positiva, a essa vertente tendo o requerente circunscrito o seu pedido, pele que será de admitir o presente meio processual, nos termos da al. b) do art. 120°, CPAC.
    Assim sendo, tanto quanto se alcança da redacção introduzida no art. 121.° do CPAC, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do seu n.º 1 para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são cumulativos, bastando a inexistência de um deles para que a providência possa ser denegada.
    Tais requisitos são, um positivo (existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar) e dois negativos (inexistência de grave lesão do interesse público e não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do mesmo).
    Aceitamos a verificação "in casu" dos dois requisitos negativos, já que se não divisam indícios (e muito menos, fortes) de ilegalidade na interposição do recurso, sendo que, por outro lado, se não vê que os motivos que, fundamentalmente, conduziram ao indeferimento registado - oneração de imóvel acima do valor limite previsto no n.º 1 do art. 4° do R.A. 3/2005, não comunicação de penhora determinada pelo T.J.B., nos termos do n.º 2 do art. do mesmo Regulamento e comunicação errónea quanto ao regime de bens do casamento - assumam gravidade tal que justifiquem decorrer da eventual suspensão da execução do acto grave prejuízo para o interesse público pela sua presença na Região até decisão do recurso contencioso.
    Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tido como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto.
    No caso, argumenta o requerente com doença, do foro oncológico, da sua mulher, presentemente a ser acompanhada no hospital E, com o facto de as suas duas filhas, a finalizarem os seus estudos superiores em Los Angeles, perspectivarem a sua vida futura em Macau, razões por que, entretanto, lhes comprou fracção habitacional para o efeito e com a existência de pleitos judiciais a carecerem da sua presença, para acautelamento dos seus interesses.
    Pois bem:
    Conforme o próprio requerente informa, a sua mulher, no âmbito da enfermidade de que padece, já foi sujeita a duas intervenções cirúrgicas no interior da China (Fuzhou e Xangai), ali passando "longos períodos de ausência de Macau para tratamento ", razões por que se não vê que a visada não possa, da mesma forma, continuar a ser devidamente acompanhada e tratada clinicamente fora da Região, não sendo caso (nem tal vindo alegado) de apenas aqui poder receber tais cuidados.
    Depois, a execução do acto em nada impede que, face à nova realidade, o requerente não possa alienar a nova fracção que entretanto adquiriu para as suas filhas ou, porventura, conservá-la, com o rendimento inerente, quiçá na perspectiva de aquelas futuramente aqui poderem residir.
    Finalmente, quanto aos pleitos judiciais que adianta, de natureza cível, pode o requerente dispor (e, pelos vistos, dispõe já) de advogado que o represente na matéria, não se vendo que, a ser imprescindível a sua presença em qualquer acto (conferências de interessados, registos notariais, a que se reporta), o mesmo fique inibido de se deslocar à Região para o efeito.
    Daí que, por não registo do requisito cumulativo contemplado na al. a) do art. 121º, CPAC, se entenda ser de indeferir o requerido.
    Quanto à notificação ao recorrente, por parte da Administração, para entrega do BIR em função do acto (fls. 63 e 64), afigura-se-nos ser de alertar os serviços competentes para o rigoroso cumprimento do estipulado no n.º 1 do art. 126°, CPAC.
    Este, o nosso entendimento.
Foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS

O requerente foi notificado do despacho do Exmo Sr. Secretário para a Economia e Finanças que revogou a sua autorização de residência, decisão que foi tomada com base na seguinte proposta e parecer:

Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau

Parecer:
Concordo com a proposta, sendo a mesma levada à apreciação do Sr. Secretário para a Economia e Finanças.
(Assinatura vide o original)
XX/Presidente
10.12.2014

Concordo com o conteúdo da presente proposta. Os documentos comprovativos apresentados pelo requerente na reclamação em apreço não são suficientes para apurar que o mesmo tenha criado a nova situação jurídica atendível ou a alteração da situação jurídica do mesmo seja admissível, bem como não provam a ilegalidade ou irregularidade do despacho, de 14 de Outubro de 2014, do Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o pedido de renovação de autorização de residência temporária do requerente e dos elementos do seu agregado familiar, pelo que venho propor (1) o indeferimento do pedido de suspensão da execução do despacho de indeferimento proferido, em 14 de Outubro de 2014, pelo Secretário para a Economia e Finanças e (2) a manutenção da decisão do referido despacho de indeferimento, rejeitando a reclamação ora deduzida pelo requerente.

Submeto à apreciação da Comissão Executiva.
(Assinatura vide o original)
XX/Directora-Adjunta do G.J.F.R.
10 de Dezembro de 2014
Despacho:
Defiro a proposta.
(Assinatura vide o original)
16/12/14


Assunto: Autorização de residência temporária – Rejeição de reclamação n.º 0264/2007/02R

PROPOSTA N.º: 01724/GJFR/2014
      Data: 09/12/2014

Ex.ma Sr.ª Directora-Adjunta do G.J.F.R., Lei Chi Wai

1. O requerente A apresentou, em 29 de Janeiro de 2007, o pedido de autorização de residência temporária de si próprio, abrangendo seu cônjuge B e descendentes D e C, com fundamento em aquisição do bem imóvel, sito na Taipa, na Rua de XX, n.º XX, Edf. XX Garden, XXº andar XX (no valor de MOP1.492.050,00), e em depósito a prazo no Banco da China do valor de HKD500.000,00. Tal pedido foi deferido em 9 de Novembro de 2007, posteriormente, a autorização de residência temporária dos supramencionados indivíduos foi renovada em 17 de Junho de 2010 e estendida a 1 de Julho de 2013.
2. Em 4 de Junho de 2013, o requerente formulou o pedido de renovação de autorização de residência temporária, no entanto, conforme os documentos do imóvel por ele apresentados, averigua-se que se encontrava penhorado pelo tribunal o imóvel que fundamentou o seu pedido, cuja penhora foi registada em 27 de Março de 2012, desencadeou assim a alteração da situação jurídica que fundamentou a concessão dessa autorização, além do mais, não se verificaram a manutenção dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial nem a comunicação escrita, no prazo previsto na lei, a este Instituto da alteração da situação jurídica. Após o procedimento de audiência, vê-se que o requerente não reuniu os requisitos consagrados no Regulamento Administrativo n.º 3/2005, pelo que o Secretário para a Economia e Finanças proferiu despacho em 14 de Outubro de 2014 que indeferiu o pedido de renovação de autorização de residência temporária do requerente. Da aludida decisão foi notificado o requerente em 24 de Outubro de 2014, através do ofício n.º 12219/GJFR/2014.
3. Em 20 de Novembro de 2014, o requerente delegou os seus poderes ao advogado para deduzir reclamação ao Secretário para a Economia e Finanças e formulou os seguintes pedidos (vide anexo 1):
(1) Pediu a suspensão da execução do despacho de indeferimento proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças, com, em síntese, os seguintes fundamentos:
a) O reclamante considera o imóvel adquirido em Macau como a sua residência permanente;
b) O cônjuge do reclamante submeteu-se a duas cirurgias fora de Macau devido ao tumor, bem como não permaneceu em Macau durante um longo período de tempo devido ao tratamento médico, cuja situação deste pode ser confirmada em dois hospitais em Macau;
c) Os filhos do reclamante que estão a estudar em universidade nos Estados Unidos da América, pretendem trabalhar futuramente em Macau;
d) Devido à complexidade do processo civil relacionado com “F Macau (S.A.)” e “G (S.A.)”, o reclamante considera que é necessário permanecer em Macau para tratar do respectivo assunto;
(2) Pediu a anulação do despacho de indeferimento proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças, com, em síntese, os seguintes fundamentos:
a) É entendido que o requerente não violou o limite do valor previsto no n.º 1 do art.º 4º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005;
b) É entendido que o requerente não alterou a “situação juridicamente relevante”, mencionada no Regulamento Administrativo n.º 3/2005;
c) Conforme a certidão de registo predial, constata-se que o requerente mudou do regime da separação de bens para o regime da comunhão de adquiridos, afigurando-se que não foi afectado o direito de propriedade sobre a metade do imóvel penhorado, pelo que se entende que a situação do requerente ainda é compatível com o disposto na lei.
4. Face ao conteúdo da reclamação em apreço, procede-se à análise seguinte:
(1) Nos termos do art.º 150º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo: “A reclamação de acto de que caiba recurso contencioso não tem efeito suspensivo, salvo nos casos em que a lei disponha o contrário ou quando o autor do acto, oficiosamente ou a pedido dos interessados, considere que a execução imediata do acto causa prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação ao seu destinatário”.
(2) In casu, na fundamentação do pedido de suspensão da execução do despacho de indeferimento, o ónus da prova também cabe ao requerente, no sentido de relatar, detalhada e concretamente, os fundamentos do pedido, já que é insuficiente quando apenas se fundamente o pedido na existência de lesão. No que concerne ao ónus da prova, do relatório geral e vago do facto não resulta análise objectiva. Obviamente, na reclamação só existem relatórios vagos e conclusões meramente subjectivas. Quanto à doença do cônjuge do requerente, o requerente apenas apresentou a certidão que comprova que o seu cônjuge tinha doença, além disso, os alegados certificados médicos emitidos por dois hospitais em Macau apenas mostram que o cônjuge do requerente não sofre de mudança patológica e sugerem exames periódicos.
(3) Assim sendo, na reclamação existem meramente relatórios vagos e gerais e não se vislumbra o cumprimento devido do ónus da prova, bem como não se apura que a execução do acto administrativo recorrido cause prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, por conseguinte, não é admissível o pedido de suspensão da execução do despacho de indeferimento proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças.
(4) O valor da garantia constituída sobre o imóvel do requerente é de MOP6.608.613,90, sendo altamente superior à diferença dos valores legal alegada pelo requerente, pois se verifica a violação efectiva do limite do valor previsto no n.º 1 do art.º 4º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
(5) Ademais, o dito imóvel foi realmente penhorado, o que traduz a falta de manutenção pelo requerente dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial, a par disso, nos termos dos artigos 18º e 19º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o requerente não só não respeitou esse ponto, como também, quanto à alteração da situação jurídica, não cumpriu a obrigação de comunicação.
(6) Consultadas as informações do requerente, constata-se que o requerente adopta sempre o regime da separação de bens (tanto no pedido inicial como no pedido de renovação, não foram mencionados outros regimes de bens em vários documentos obtidos e até isso não foi questionado no procedimento de audiência), nesta conformidade, não é possível opor-se do despacho, de 14 de Outubro de 2014, do Secretário para a Economia e Finanças com base no alegado regime da comunhão de adquiridos.
(7) Não se deve deixar de referir que, visando apurar o verdadeiro regime de bens do casamento do requerente e respeitar o princípio de boa fé (por requerente ter dois regimes de bens), a certificação do regime de bens do casamento deve ser efectuada pela Conservatória do Registo Civil ou pelos órgãos competentes em vez da Conservatória do Registo Predial. Assim sendo, os factos e fundamentos invocados pelo requerente na ora reclamação são insuficientes, além disso, os documentos comprovativos apresentados pelo requerente não são suficientes para apurar que este tenha criado a nova situação jurídica atendível ou a alteração da situação jurídica do mesmo seja admissível.
5. Pelo acima exposto, os documentos comprovativos apresentados pelo requerente na reclamação em apreço não são suficientes para apurar que o mesmo tenha criado a nova situação jurídica atendível ou a alteração da situação jurídica do mesmo seja admissível, bem como não provam a ilegalidade ou irregularidade do despacho, de 14 de Outubro de 2014, do Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o pedido de renovação de autorização de residência temporária do requerente e dos elementos do seu agregado familiar, pelo que se propõe (1) o indeferimento do pedido de suspensão da execução do despacho de indeferimento proferido, em 14 de Outubro de 2014, pelo Secretário para a Economia e Finanças e (2) a manutenção da decisão do referido despacho de indeferimento, rejeitando a reclamação ora deduzida pelo requerente.

À consideração superior.

O Técnico superior,
(Assinatura vide o original)
XXX
    Resulta ainda dos autos que as filhas do recorrente estudaram em Macau e encontram-se a estudar em Los Angeles.
    A esposa sofre de uma doença do foro oncológico e anda a ser observada no E.

    IV - FUNDAMENTOS
    1. O caso
    Trata-se de um não residente que foi autorizado a residir em Macau até 2013, por investimento, para aqui tendo transferido o seu agregado familiar, esposa e duas filhas, tendo visto agora indeferido o pedido de renovação de residência por alteração da situação jurídica relevante.
    As filhas estudaram em Macau e encontram-se a estudar em Los Angeles.
    A esposa sofre de uma doença do foro oncológico e anda a ser observada no E.
    Transferiu-se com a sua família para Macau, aqui se mostrando integrado profissional e socialmente.
    Alega prejuízos de variada ordem, em particular de ordem patrimonial, tendo em vista os litígios que terá de acompanhar em Macau contra a F e a G.
    
    2. Dos requisitos da suspensão de eficácia do acto
    Para a procedência do pedido, não basta estarmos perante um acto positivo ou negativo com conteúdo positivo.
Prevê o art. 121º do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
    Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
    Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009, proferido no processo n. 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.1
A suspensão dessa eficácia depende, no essencial, da verificação dos três requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do supra citado artigo 121º do C.P.A.C.:
   - previsível prejuízo de difícil reparação para o requerente,
   - inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão
   - e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
    Resulta da Doutrina e Jurisprudência uniformes que os requisitos previstos no art. 121º supra citado são de verificação cumulativa - importando, no entanto, atentar na excepção do n.º 2, 3 e 4 desse artigo e do art. 129º, n.º 1 do CPAC-, pelo que, não se observando qualquer deles, é de improceder a providência requerida.2
    Daí que a ponderação da multiplicidade de interesses, públicos e privados, em presença, pode atingir graus de complexidade dificilmente compagináveis com a exigência de celeridade da decisão jurisdicional de suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Sem falar no facto de o interesse público na execução do acto não se dissociar de relevantes interesses particulares e o interesse privado da suspensão tão pouco se desligar de relevantes interesses públicos, sendo desde logo importantes os riscos económicos do lado público e do lado privado, resultantes quer da decisão de suspensão dos efeitos quer da decisão de não suspensão.
    É importante reconhecer que a avaliação da juridicidade da decisão impugnada em tribunal reside hoje, muitas vezes, no refazer metódico da ponderação dos diferentes interesses em jogo.
    
    3. A lei não impõe o conhecimento de tais requisitos por qualquer ordem pré determinada, mas entende-se por bem que os requisitos da al. c), relativos aos indícios de ilegalidade do recurso, por razões lógicas e de precedência adjectiva deverão ser conhecidos antes dos demais e ainda, antes de todos, o pressuposto relativamente à legitimidade do requerente, já que a norma fala exactamente em quem tenha legitimidade para deles interpor recurso e, seguidamente, nos requisitos elencados nas diversas alíneas.
    Até porque a existência de fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso reporta-se às condições de interposição ou pressupostos processuais e não às condições de natureza substantiva ou procedência do mesmo.3
    
    4. Da não ilegalidade do recurso
Impõe o preceito acima citado que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
A instrumentalidade desta medida cautelar, implica uma não inviabilidade manifesta do recurso contencioso a interpor.
Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência.4
    Não obstante não virem aqui elencados os fundamentos do pedido da impugnação a desenvolver no recurso contencioso, não se deixa de entender que, pelo menos, estará em causa o defesa da expectativa ao direito de residência, baseada em vício invalidante do acto que lhe a denegou.
    Perante este quadro, não é difícil ter por integrado o requisito da legalidade do recurso, afigurando-se como evidente o direito, pelo menos, à definição jurídica da situação controvertida, daí decorrendo claramente a legitimidade e o interesse processual do requerente, titular directo do interesse que diz ter sido atingido, não havendo dúvidas, nem elas sendo levantadas - haja em vista o teor da contestação -, quanto aos outros pressupostos processuais relativos à actuação do recorrente.
Não se está, pois, perante uma situação de manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se ainda aqui verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado C.P.A.C..
    Este tem sido, aliás, o entendimento deste Tribunal.5
    
5. Dos prejuízos de difícil reparação para o requerente
    Fixemo-nos, então, no requisito positivo, relativo à existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para o requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
    Conforme tem sido entendimento generalizado, compete ao requerente invocar e demonstrar a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto cuja suspensão de eficácia requer, alegando e demonstrando, ainda que em termos indiciários, os factos a tal atinentes.
    Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto.6
    
    Vejamos que prejuízos alega o requerente.
A este nível invoca o requerente o facto de resultarem da imediata execução do acto, além do mais, a cessação da referida actividade estudantil, a gravidade de uma cessação de ordem patrimonial, resultante da complexidade dos litígios que trava neste momento com aquelas companhias, precisando de estar em Macau, não obstante a sua representação por advogado.
Não cremos que este argumento tenha a força para suspender a executoriedade do acto, não se vislumbrando qua a defesa desses interesses não possa ser feita à distância, bem podendo e devendo o requerente ter-se aprecatado com situações económicas, patrimoniais, de investimento, numa situação em que devia contar sempre com a provisoriedade da situação.
    Quanto às expectativas das filhas que já estudaram em Macau e pretendem, após os estudos, no exterior, aqui vir a fixar-se, tal não se mostra impeditivo à concretização desse desiderato.
    Já a doença da esposa nos merece alguma atenção e preocupação. Fala o Digno Magistrado do MP que nada obsta a que a esposa continue os tratamentos na China, onde, aliás, foi operada por duas vezes. Este argumento parece impressionar num primeiro momento, mas o certo é que é aqui, em Macau, mais propriamente no Hospital E, que a senhora está a ser observada e acompanhada. Toda a gente sabe que o tratamento de um doente oncológico é muito delicado, exigente e difícil e a mudança desse acompanhamento poderia ter resultados imprevisíveis, sendo incerto dizer-se quando se está curado, sendo a recidiva uma constante nas doenças desse foro.
    Pode-se morrer em qualquer lado, mas não se vê razão para deixar de ponderar essa razão e dar uma nota de vida e de esperança, enquanto for possível, não se vendo que a contemporização com mais algum tempo de espera ponha em causa o sistema, a autoridade, o regime, valorando as razões de humanidade que emergem da situação em presença.
     Evidencia-se deste acervo um prejuízo de difícil reparação para a esposa do requerente e consequentemente para aquele casal.
    
    6. Lesão de interesse público
    Sobre a lesão do interesse público já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivas a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. E neste particular aspecto o que se observa é que a entidade requerida não se mostra intransigente, limitando-se a oferecer o merecimento dos autos, nada trazendo de substancial que evidencie aquele prejuízo.
A força da autoridade e da Administração ficará abalada por, ainda que provisoriamente, até à prolação de uma decisão devidamente ponderada e definitiva, aguentar mais algum tempo? Estamos em crer que a resposta não deixará de ser negativa.
    E questão que desde logo se pode colocar é se a posição da entidade requerida nos autos não preenche o condicionalismo do artigo 129º, n.º 1 do CPAC, o que levaria, sem outros desenvolvimentos, a ter este requisito por integrado.
Perante o acto impositivo concreto há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave o interesse público. A expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso.
    Temos dito e redito que não cabe aos tribunais imiscuírem-se na governação.
Mas, não é difícil avaliar a situação em que o interesse público não fica beliscado com uma suspensão de um acto que nem sequer se manifesta numa imposição em si, numa qualquer expulsão, sendo a saída de Macau uma decorrência secundária do acto em causa. Isto, para acentuar que nem sequer a autoridade ou imagem de autoridade fica posta em causa perante o público que, estamos em crer, não deixará de aceitar que aquela senhora não seja obrigada a suspender um tratamento delicado do foro oncológico em curso.
A ponderação que a suspensão irá gerar não se deixa até de compreender e compreendê-la a opinião pública, vista a particularidade do caso que não deixa até de assumir alguns contornos de humanidade, isto, sem embargo de, na acção principal, no recurso contencioso, ponderando todo o circunstancialismo, se vier a decidir que aquela família não poderá continuar em Macau.
Concretamente, das razões invocadas não se vislumbra uma premência que não se compagine com uma tolerância de algum tempo de espera pela definição jurídica da situação.
Ocorre, em consequência, o requisito negativo da alínea b) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC.
    Face ao exposto, somos a concluir no sentido da verificação dos diferentes requisitos, da alínea a), bem como nos das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
    Razões por que, por verificação cumulativa de todos os requisitos para o efeito, na esteira do objecto da providência, se julgará procedente o pedido de suspensão de eficácia do acto em causa.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento à providência, deferindo o pedido formulado pelo requerente de suspensão de eficácia do acto que revogou a autorização de residência temporária do requerente A.
    
    Sem custas, dada a isenção subjectiva da entidade recorrida.
                
Macau, 12 de Fevereiro de 2015,

_________________________ _________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Mai Man Ieng
(Fui presente)
_________________________
José Cândido de Pinho
_________________________
Ho Wai Neng
(com declaração de voto vencido em anexo)
    
    
    
    
Processo nº 813/2014/A

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO
Salvo o devido respeito, não posso acompanhar a posição maioritária do Colectivo no sentido de que a execução imediata do acto iria causar prejuízo de difícil reparação para o cônjuge do requerente visto que, segundo os certificados clínicos juntos aos autos, a sua situação clínica é estável, não necessitando, por ora, qualquer tratamento especial e os médicos recomendaram simplesmente o exame periódico para acompanhar a evolução do estado de saúde.
Não se afigura que o exame periódico recomendado pelos médicos não possa ser feito noutros hospitais do interior da China, sendo certo que muitos deles têm ainda melhores condições do que os hospitais da RAEM.
Nesta conformidade, por não se verificar o requisito previsto na al. a) do nº 1 do artº 121 do CPAC, o pedido da suspensão de eficácia do requerente deveria ser indeferido.
*
RAEM, aos 12 de Fevereiro de 2015.

_________________________
Ho Wai Neng

    
1 - Ac. TUI 37/2009, de 17/Dez.
2 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, proc.299/03
3 - Ac. STA 46219, de 5/772000, www//:http.dgsi.pt
4 - Ac. do TSI de 30/5/02, proc. 92/02
5 - Como resulta do acórdão de 25/1/07, n.º 649/2006/A.
6 - Acs. STA de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes
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813/2014/A 33/33