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Processo n.º 7/2015. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Chefe do Executivo.
Assunto: Excepções ou questões prévias de conhecimento oficioso. Acto meramente confirmativo. Desocupação de Ponte-Cais. Acto administrativo. Estatuição autoritária. Acto opinativo.
Data da Sessão: 18 de Março de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – No recurso de decisões do Tribunal de Segunda Instância, pode o Tribunal de Última Instância conhecer de excepções ou questões prévias de conhecimento oficioso – como a da não impugnibilidade contenciosa do acto recorrido por ser meramente confirmativo - não decididas com trânsito em julgado.
II – O acto administrativo meramente confirmativo não é susceptível de recurso contencioso, uma vez que se limita a reproduzir o sentido do acto confirmado – embora por vezes, com argumentação diversa – sendo este impugnável contenciosamente, e visando-se com esta regra impedir que se defraude a norma que fixa prazos peremptórios para o recurso contencioso de actos anuláveis.
III – O despacho do Chefe do Executivo, que determinou a desocupação de Ponte-Cais, no prazo de 15 dias, com remoção de todos os objectos, na sequência de acto anterior do Secretário para os Transportes e Obras públicas, que havia indeferido pedido de renovação da licença de ocupação precária da mesma Ponte-Cais e determinado que o ora recorrente desocupasse o local em 30 dias, removendo todos os objectos, é meramente confirmativo deste último acto.
IV - O mesmo despacho do Chefe do Executivo, na parte em que diz que a desocupação não dá direito a indemnização, não configura uma estatuição autoritária, por não caber à Administração a definição do direito nos seus litígios com os particulares, não constituindo, assim, um acto administrativo recorrível. Trata-se de mero acto opinativo.
  V - O mesmo despacho do Chefe do Executivo, na parte em que diz que o interessado, se não remover os seus bens, tem de assumir as despesas de remoção, fazendo, ainda, uma estimativa de quanto poderá custar tal remoção, também não constitui uma estatuição autoritária. Estamos, ainda, perante um acto opinativo. Já seria diferente se, tendo a Administração removido os bens do recorrente, impusesse o pagamento de uma quantia concreta ao mesmo. Aqui já se trataria de um acto visando “produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” (artigo 110.º do Código de Procedimento Administrativo).
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A (doravante designado por recorrente), interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Chefe do Executivo, de 13 de Março de 2012, que determinou a desocupação da Ponte-Cais n.º XX, no prazo de 15 dias.
O recorrente invocou os seguintes vícios no recurso contencioso:
- Violação dos princípios da colaboração entre a Administração e os particulares, o princípio da protecção da confiança legítima, o princípio da boa-fé e o princípio da proporcionalidade;
- Quanto à alegada utilização da Ponte-Cais n.º XX – os princípios da igualdade e da proporcionalidade;
- O vício de desvio de poder;
- A violação de direitos constituídos, designadamente o direito de propriedade sobre as edificações.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 25 de Setembro de 2014, negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpôs A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), onde pende com o n.º 7/2015.
Sucede que por despacho do Secretário para os Transportes e Obras públicas, de 5 de Julho de 2011, este havia indeferido pedido de renovação da licença de ocupação precária da Ponte-Cais n.º XX, do Porto Interior, válida até 31 de Dezembro de 2010 e determinado que o ora recorrente desocupasse o local em 30 dias, removendo todos os objectos.
O ora recorrente interpôs recurso contencioso deste despacho, tendo invocado os seguintes vícios:
- Falta de fundamentação;
- Violação dos princípios da colaboração entre a Administração e os particulares, o princípio da protecção da confiança legítima, o princípio da boa-fé e o princípio da proporcionalidade;
- Erro sobre pressupostos de facto;
- Quanto à alegada utilização da Ponte-Cais n.º XX – os princípios da igualdade e da proporcionalidade;
- O vício de desvio de poder;
- A violação de direitos constituídos, designadamente o direito de propriedade sobre as edificações.
Este processo pende neste TUI, com o n.º 5/2015, para efeitos de recurso jurisdicional, interposto pelo ora recorrente.

II – O Direito
Acto confirmativo
O despacho ora recorrido, do Chefe do Executivo, na medida em que se limitou a confirmar o despacho do Secretário para os Transportes e Obras públicas, na parte em que este determinou que o ora recorrente desocupasse o local em 30 dias, removendo todos os objectos, é meramente confirmativo deste e, portanto, irrecorrível.
Por alguma razão, os vícios suscitados pelo recorrente, no presente recurso contencioso, coincidem com os invocados no recurso contencioso o despacho do Secretário para os Transportes e Obras públicas, sendo que neste invoca outros não suscitados nos presentes autos.
Se este Tribunal apreciasse o presente recurso jurisdicional e o n.º 5/2015, estaria a apreciar a mesma questão, correndo o risco de contradizer-se ou de reproduzir a anterior decisão, já que os sujeitos passivos se devem considerar os mesmos do ponto de vista da sua qualidade jurídica.
Na verdade todo o conteúdo do despacho do Chefe do Executivo está contido no despacho do Secretário para os Transportes e Obras públicas, sendo este mais extenso, na medida em que indeferiu pedido de renovação da licença de ocupação precária da Ponte-Cais n.º XX, do Porto Interior.
Como decidimos no Acórdão de 15 de Junho de 2010, no Processo n.º 22/2010, no recurso de decisões do Tribunal de Segunda Instância, pode o Tribunal de Última Instância conhecer de excepções ou questões prévias de conhecimento oficioso – como a da não impugnibilidade contenciosa do acto recorrido por ser meramente confirmativo - não decididas com trânsito em julgado.
E, no mesmo Acórdão, recordámos que o acto administrativo meramente confirmativo não é susceptível de recurso contencioso, uma vez que se limita a reproduzir o sentido do acto confirmado – embora por vezes, com argumentação diversa – sendo este impugnável contenciosamente, e visando-se com esta regra impedir que se defraude a norma que fixa prazos peremptórios para o recurso contencioso de actos anuláveis.
Pois bem, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, entende que o acto dos autos não é meramente confirmativo, pois que:
«Na verdade, enquanto neste se indefere o requerimento sobre a renovação de licença de ocupação provisória daquela Ponte-Cais, exigindo-se ao titular a remoção dos objectos desmontáveis daquele cais no prazo de 30 dias, "no sentido de devolver o mesmo ao Governo da RAEM", naquele outro, ordenando-se, de novo, aquela desocupação, no prazo de 15 dias, estipula-se, expressamente, a falta de "direito de pedir qualquer indemnização", para além de, referenciando as concretas operações para a falta de obediência à ordem de desocupação, se estipular que, nesse caso, "O interessado precisa de assumir todas as despesas relativas à remoção e ao tratamento pelo Governo da RAEM dos bens que permanecem na ponte-cais n° XX, incluindo, mas não se limitando, as despesas de transportes, armazenamento, guarda e limpeza, etc ", acrescentando-se, especificamente, que "Conforme alguns casos semelhantes em Macau, as despesas são aproximadamente de MOP200 mil a MOP600 mil"».
Mesmo que a tese do Ex.mo Magistrado do Ministério Público fosse exacta – e não é, como se verá – seguramente que o acto seria, no mínimo, parcialmente confirmativo do anterior, na parte em que determinou que o ora recorrente desocupasse o local em 15 dias, removendo todos os objectos.
A confirmatividade parcial de um acto administrativo não é uma questão desconhecida da doutrina e da jurisprudência.
Vejamos, agora, a parte do acto em ele inovaria, na tese do Ex.mo Magistrado do Ministério Público.
Seria na parte em que diria que o recorrente não teria "direito de pedir qualquer indemnização".
E na parte em que disse: "O interessado precisa de assumir todas as despesas relativas à remoção e ao tratamento pelo Governo da RAEM dos bens que permanecem na ponte-cais n° XX, incluindo, mas não se limitando, as despesas de transportes, armazenamento, guarda e limpeza, etc ", acrescentando-se, especificamente, que "Conforme alguns casos semelhantes em Macau, as despesas são aproximadamente de MOP200 mil a MOP600 mil".
Em primeiro lugar, o ora recorrente não dedicou uma palavra do seu recurso contencioso a estas questões. O acórdão recorrido também não. E neste recurso jurisdicional, o ora recorrente voltou a não dedicar uma palavra a tais matérias.
E a razão é esta: o recorrente bem se apercebeu que esses segmentos do acto são completamente irrelevantes. É que o acto nesta parte não é recorrível, porque não se trata de qualquer acto administrativo e, por isso, o recorrente não impugna tais segmentos do acto.
Dizer que o recorrente não teria "direito de pedir qualquer indemnização" não configura qualquer estatuição autoritária, pela simples razão de que não cabe à Administração a definição do direito nos seus litígios com os particulares, isto é, não lhe cabe definir se os particulares têm direito a pedir judicialmente indemnizações por actos ou actuações materiais da Administração. Será, quanto muito, um acto opinativo. Logo, não é acto administrativo, no sentido que este tem no artigo 28.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Quanto à parte em que diz que o recorrente tem de assumir as despesas de remoção dos seus bens, também se não trata de estatuição autoritária, limitando-se a até a dar uma estimativa de quanto poderá custar essa remoção. Estamos, ainda, perante um acto opinativo.
Já seria diferente se, tendo a Administração removido os bens do recorrente, impusesse o pagamento de uma quantia concreta ao mesmo. Aqui já se trataria de um acto visando “produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” (artigo 110.º do Código de Procedimento Administrativo).
Em suma, a parte do acto administrativo recorrido mencionada pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público como inovadora, sendo-o efectivamente, não é acto administrativo contenciosamente recorrível. E, por isso, essa parte não foi alvo da impugnação contenciosa, como se disse atrás.

IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam o recurso contencioso, por irrecorribilidade do acto administrativo recorrido.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 UC.
Macau, 18 de Março de 2015.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho



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