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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Inconformada com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância nos presentes autos, recorreu A aliás A1 aliás A2 para o Tribunal de Última Instância, pedindo a revogação do Acórdão recorrido.
Por Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância, foi julgado procedente o recurso, revogando o Acórdão recorrido na parte impugnada, ficando a valer a decisão de 1.ª instância.
Notificada deste Acórdão, vem a recorrida B, aliás B1 reclamar para a conferência, requerendo que:
a) seja declarada a nulidade do Acórdão e que o mesmo seja substituído por outro que, conhecendo da arguição de invalidade com causa em dolo da Recorrente, conclua pela anulação do negócio; ou, no caso em que assim se não entenda
b) seja declarada a nulidade do Acórdão também com fundamento em omissão de pronúncia quanto a toda a matéria dos parágrafos 59 a 62, e parágrafos 29 e 30 das conclusões da alegação, com a consequente remessa dos Autos ao Venerando Tribunal de Segunda Instância para que o mesmo conheça da questão ali suscitada; e
c) seja declarada a nulidade do Acórdão com fundamento em ausência absoluta de fundamentação; e, no caso em que não seja dado provimento ao pedido deduzido sub a) supra,
d) seja declarada a nulidade do Acórdão com fundamento ainda em excesso de pronúncia e em conhecimento legalmente vedado de matéria de facto a esse Venerando Tribunal, com a subsequente emissão de novo acórdão que julgue verificado o requisito de relevância do erro vício previsto no n.º 1 do artigo 240.º do Código Civil;

Respondeu a recorrente A aliás A1 aliás A2, entendendo que deve ser indeferida a reclamação.

2. Fundamentos
Arguiu a reclamante a nulidade do Acórdão, invocando a omissão de pronúncia, a ausência absoluta de fundamentação e, subsidiariamente, o excesso de pronúncia.

2.1. Alega a reclamante que este Tribunal omitiu a pronúncia sobre a alegação de dolo da Recorrente como causa de invalidade e de consequente anulação do negócio.
No que concerne à questão do dolo, constata-se nos autos que tanto o Tribunal de 1.ª instância como o Tribunal de Segunda Instância se pronunciaram no mesmo sentido de julgar inexistente o dolo por parte da recorrente, sendo que a decisão do Tribunal de Segunda Instância foi tomada por unanimidade.
Na realidade e sobre a questão de fundo colocada no recurso interposto da sentença de 1.ª instância, o Tribunal de Segunda Instância fez consignar no seu Acórdão o seguinte:
“O Tribunal a quo julgou a acção improcedente por entender que:
a) Não existir o dolo por parte da 1.ª Ré; e
b) O erro da Autora não é essencial nem cognoscível pelo declaratário.
Quanto ao primeiro entendimento do Tribunal a quo, nada tem a alterar uma vez que não ficou provado que a 1.ª Ré, sabendo que não beneficiava do direito de preferência na aquisição das 10 acções em causa, invocou o exercício do mesmo para induzir ou manter a Autora em erro, a fim de alcançar o negócio pretendido.”
Daí resulta claramente que o Tribunal de Segunda Instância confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª instância quanto à questão do dolo, sem voto de vencido, julgando que não se verificava o fundamento de anulação em causa.
A questão foi decidida desfavoravelmente à recorrida, mas como foi vencedora no Acórdão recorrido não recorreu, nem o podia fazer. Para este Tribunal poder conhecer da questão tinha a recorrida de a ter suscitado, nos termos do artigo 590.° n.° 1 do Código de Processo Civil. Mas não o fez. Nem isso alega agora. Logo o Tribunal não podia ter conhecido da questão.
Ainda que assim não fosse, nunca seria de conhecer por ter havido confirmação da decisão sem voto de vencido, nos termos do artigo 638.° n.° 2 do Código de Processo Civil.
É consabido que, nos termos da mencionada norma, não é admitido o recurso para o Tribunal de Última Instância nos casos em que o Tribunal de Segunda Instância confirme, sem voto de vencido, a decisão proferida na primeira instância, ainda que o valor da causa seja superior à alçada do Tribunal de Segunda Instância.
É a situação verificada nos presentes autos.
Face à confirmação, sem voto de vencido, da decisão de 1.ª instância sobre a questão de dolo, o Tribunal de Última Instância não deve voltar a conhecer da questão, cuja impugnação não é admissível por força da regra de dupla conforme.
Assim sendo, não há omissão de pronúncia.

2.2. O segundo fundamento de nulidade por omissão de pronúncia refere-se ao “conhecimento de fundamento que a Recorrida não alegou e o não conhecimento de fundamento que a Recorrida havia alegado”, conforme a alegação da reclamante.
Está em causa a impugnação subsidiária da autora (então recorrida) ao abrigo do artigo 590.° n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil, quanto ao quesito 5.°.
O Acórdão sob arguição de nulidade dedica o seu ponto 3.4. à apreciação da questão, conhecendo-a. Entendeu – bem ou mal – que a recorrente na sua alegação para o Tribunal de Segunda Instância não impugnara a resposta ao quesito 5.°, antes pretendera a reformulação do quesito.
Ora, é jurisprudência deste Tribunal de Última Instância que quando o tribunal não conhece de questão, esclarecendo por que não o faz, não há omissão de pronúncia, mas eventual erro de julgamento (cfr. o acórdão de 14 de Novembro de 2014, no Processo n.° 112/2014, entre outros).
E não sendo caso de omissão de pronúncia, não pode haver nulidade de sentença, mas sim eventual erro de julgamento – questão de que não se conhece – sindicável apenas por meio de recurso, se for admissível, o que não é o nosso caso.
Improcede a arguição de nulidade.
Ainda que assim não fosse, mantém-se integralmente o decidido. Na alegação para o Tribunal de Segunda Instância, a ora recorrente, depois de dizer detalhadamente que não alegara o que constava do quesito 5.° (p. 16 e 17 da alegação), disse a p. 17 o seguinte, que a própria sublinhou, para que o Tribunal atentasse bem o que pretendia:
“Deverá, pois, desde logo, o referido quesito ser reformulado em conformidade com a alegação feita pela ora Recorrente na sua petição inicial e, em consequência, em face da prova produzida nos Autos, dado como provado”.
Por isso se decidiu que o pretendido não podia ter sido considerado como impugnação da resposta ao quesito 5.°, já que a ora recorrente queria algo que não cabia no âmbito da impugnação: transformação do quesito 5.° num quesito diferente e então o novo quesito ser dado como provado.
Não se verifica o vício invocado pela reclamante.

3.3. Quanto ao terceiro fundamento deduzido pela reclamante – nulidade por ausência absoluta de fundamentação, também não lhe assiste razão.
A parte do Acórdão posta em causa tem o seguinte teor integral:
“Em segundo lugar, a recorrida considera errada a decisão do Tribunal recorrido ao não apreciar a impugnação dos juízos sobre factos contidos na decisão da 1.ª instância (Capítulo II, ponto 3, páginas 24 e ss. do Acórdão recorrido), impugnando-a no artigo 61 da sua contra-alegação.
Ora, não é de conhecer tal impugnação, já que se trata de impugnar julgamento de mera matéria de facto, não havendo omissão de pronúncia. E como é sabido, este Tribunal de Última Instância não tem poder de cognição em matéria de facto, salvo nos caso expressamente previstos na parte final do n.º 2 do art.º 649.º do Código de Processo Civil.”
Começa a reclamante por alegar que ela não solicitou ao Tribunal de Última Instância que “conhecesse de matéria de facto mas, antes e diferentemente, que o mesmo ordenasse a remessa dos Autos ao Tribunal de Segunda Instância para que o mesmo emitisse decisão de mérito quanto ao recurso para o mesmo interposto … quanto à matéria de facto”, o que não corresponde à verdade.
Na realidade, a questão em causa foi colocada na sua contra-alegação no âmbito de “Alegação Subsidiária: Pedido de Ampliação do Objecto do Recurso” (fls. 969 e seg.s dos autos).
Por outro lado, resulta claramente da al. a) do ponto 31 das conclusões da sua contra-alegação que a reclamante entendeu dever o recurso ser ampliado nos termos do art.º 590.º do Código de Processo Civil, “dele constituindo objecto” a questão do “erro de julgamento do Venerando Tribunal a quo ao não apreciar a impugnação dos juízos sobre factos contidos na decisão da Primeira Instância (Capítulo II, ponto 3, páginas 24 e ss. da douta decisão recorrida” (fls. 978 dos autos).
Como o imputado erro de julgamento versa sobre a matéria de facto, o pedido formulado pela reclamante não pode ser conhecido, tendo em consideração os poderes de cognição do Tribunal de Última Instância.
Fica assim devidamente fundamentada a decisão de não conhecer a impugnação feita.
Não obstante ter a reclamante pedido, no ponto 30 das conclusões da sua contra-alegação, a baixa dos autos ao Tribunal de Segunda Instância para o conhecimento do recurso em matéria de facto, tal pedido diz respeita ao quesito 5.°, e não à matéria ora em causa.
Invoca ainda a reclamante a falta de fundamentação quanto ao entendimento de não haver omissão de pronúncia por parte do Tribunal de Segunda Instância.
Para além de não ser uma decisão propriamente dita, trata-se duma conclusão evidente, já que o Tribunal de Segunda Instância chegou a tomar decisão sobre a questão, considerando que a respectiva impugnação não constitui verdadeira impugnação da decisão da matéria de facto e negando provimento ao recurso, nesta parte, sendo ainda certo que nem a própria reclamante recorrente imputou o vício de omissão de pronúncia.
Improcede a arguição de nulidade por falta de fundamentação.

3.4. Finalmente e quanto ao excesso de pronúncia, é de frisar que tal vício se verifica quando o juiz “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil.
Põe em causa a reclamante a afirmação feita no Acórdão reclamado no sentido de que “o exercício do direito de preferência parcial não foi questionado por ninguém”, alegando que não se encontra qualquer assentamento quanto a esta afirmação.
Desde logo, é de reparar que a afirmação em causa foi feita no âmbito de apreciação sobre a questão de erro, quanto à provocação do erro por informação prestada pelo declaratário.
Por outro lado, da factualidade considerada provada nos autos decorre expressamente que, no processo que se culminou com a transferência das acções em causa, não foi questionado por ninguém o exercício do direito de preferência parcial.
Trata-se duma ilação tirada da matéria de facto provada, o que é legítimo nos termos da lei.
E a semelhante conclusão também consta da decisão de 1.ª instância, em que se pode ler que as partes prosseguiram com a celebração do contrato “sem ter questionado nada acerca da possibilidade da preferência parcial” (fls. 670 dos autos).
Não se vislumbra a imputada exorbitância dos poderes de cognição por parte deste Tribunal de Última Instância.

3. Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a presente reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 8 UC.
  
    Macau, 11 de Março de 2015
    
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima




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Processo n.º 81/2012