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Processo n.º 613/2014
(Conflitos de Competência)
    
Data : 19/Março/2015


ASSUNTOS:
- Conflito de competência entre o juízes do Juízo Laboral e do Juízo Cível.


SUMÁRIO :
    É o Juiz Laboral o competente para conhecer e julgar uma acção de responsabilidade civil na sequência de um acidente de trabalho, em acção movida pelo empregador contra a entidade patronal e responsável pela obra, não obstante ter já corrido um processo de acidente de trabalho em que interveio a Seguradora que terminou por conciliação entre as partes.
    
              O Relator,





Processo n.º 613/2014
(Conflitos de Competência)
Data : 19/Março/2015

Autor : - A

Rés : - B裝飾配套工程有限公司
- C工程有限公司 C Engenharia, Lda.

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
1. Vem suscitada pelo Digno Magistrado do Ministério Público a resolução de um conflito negativo de competência entre os Mmos Juízes Laboral e Cível, cada um deles dizendo não ser o competente para conhecer de uma acção de responsabilidade civil na sequência de um acidente de trabalho, contra o empregador e empreiteiro, tendo corrido outra acção pelos juízos laborais em que foi demandada a Seguradora pelos valores cobertos pela respectiva apólice, dentro dos limites previsto no DL n.º 40/951M aí tendo sobrevindo conciliação.

    2. O Mmo Juiz Laboral justifica a sua posição nos termos seguintes:
    “Tivemos a honra de ser notificados por V. Exa. para, em 10 dias, nos pronunciarmos relativamente ao conflito negativo de competência suscitado pelo Digno Magistrado do Ministério Público (emergente dos autos de acção de processo comum do trabalho n.º LB1-13-0098-LAC, deste Juízo Laboral) nos termos que melhor se colhem do seu requerimento junto aos autos e cujo conteúdo damos aqui por integralmente reproduzido.
    Muito sucintamente as razões que aduzimos para sustentar que o Juízo Laboral não deve ser competente para tramitar acções cujo processo aplicável não seja o previsto no Código de Processo do Trabalho (adiante designado por CPT) são as seguintes:
    1) Nos termos do art. 1.º, n.º 1 do C.P.T. "O processo do trabalho é regulado pelo presente Código e, subsidiariamente, pelo disposto na legislação relativa à organização judiciária e na legislação processual comum civil ou penal que se harmonize com o processo do trabalho", sendo que, conforme o n.º 2 do mesmo artigo: "Nos casos omissos em que as disposições deste Código não puderem observar-se por analogia, recorre-se, sucessivamente, à regulamentação dos casos análogos previstos na legislação processual civil ou penal, aos princípios do gerais de direito processual do trabalho e aos princípios gerais de direito processual comum".
    2) Nos termos do art. 16.°, n.º 3 da Lei de Bases da Organização Judiciária "As leis de processo fixam as circunstâncias de atribuição de competência aos tribunais das várias instâncias de Macau ...".
    3) E, nos termos do art. 29.° C da mesma Lei de Bases da Organização Judiciária: "Sem prejuízo de outras que por lei lhes sejam atribuídas, são da competência dos Juízos Laborais as acções, incidentes e questões cíveis e contravencionais emergentes de relações jurídicas de natureza laboral às quais se aplica o Código de Processo do Trabalho" (sublinhado nosso).
    4) Isto quer dizer que não basta, sob o ponto de vista material, que estejam em causa matérias de natureza laboral, impondo a lei que só são da competência dos Juízos Laborais as acções relativamente às quais se aplique o Código de Processo do Trabalho.
    5) Assim é o próprio legislador que prevê, por raciocínio a contrario, a possibilidade de serem discutidas matérias laborais às quais não se pode aplicar o CPT e, nessas situações, por força do supra citado art. 29.° C da Lei de Bases da Organização Judiciária, não é o Juízo Laboral o competente.
    6) Nos termos do disposto no art. 27.°, n.º 1 CPT, que prevê a forma como se inicia qualquer acção laboral comum em juízo, constatamos que a fase de conciliação exclui do processo declarativo comum laboral as matérias relativas a acidente de trabalho, na medida em que apenas remete para as alíneas 1) a 5) do n.º 2 do art. 2.° e não já para a alínea 6) do mesmo número.
    7) Por outro lado, o CPT não prevê a tramitação da acção especial por acidente de trabalho para tratar de outras matérias que não as previstas nos arts. 47.° e ss. de tal diploma e, sobretudo, atendendo à fase contenciosa suposta nos presentes autos (e não discutida sequer na fase conciliatória perante o MP), prevista nos arts. 57.° e ss.
    8) E os arts. 44.° e 45.° prevêem as matérias relativas a acidentes de trabalho a discutir no âmbito do CPT e, destes, resulta claro o âmbito material de discussão, sendo que as "entidades responsáveis" aí referidas e a determinar devem ser entendidas como as "entidades laborais responsáveis" e não outras que possam ter concorrido para a produção do sinistro.
    9) Tal como se mostra configurado o regime previsto no DL n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, o sinistrado, sob o ponto de vista do direito a receber indemnização por força do acidente de trabalho ou doença profissional, está limitado aos direitos, e consequentes pedidos, permitidos nesse diploma, que como é pacífico não abrange, por exemplo, os danos não patrimoniais, mas tão só as prestações a que alude o art. 46.° desse diploma, com os detalhes previstos nos seus arts. 47.° e ss. e com os limites indemnizatórios expressamente previstos, por exemplo, nos arts. 47.°, n.º 2, 50.°, n.º 4.
    10) E se, por exemplo, estiver em discussão um acidente que seja simultaneamente de viação e de trabalho e assim esteja em causa a responsabilidade civil extracontratual e não só a responsabilidade objectiva subjacente a 'qualquer acidente de trabalho em sentido estrito (tal como o seu regime se mostra previsto no referido DL n.º 40/95/M), as questões que não se circunscrevem à previsão das normas que regem as relações laborais e, portanto, também o seu processo será o previsto no Código de Processo Civil e não já no CPT.
    11) Daí que quando o acidente de trabalho envolva responsabilidade por facto ilícito por parte de outros trabalhadores ou terceiros ou da entidade patronal a lei faça referência "acção de indemnização" ou "acção de reembolso" (cf. arts. 56.°, n.ºs 2 e 3 e 57.°, n.º 2 do DL n.º 40/95/M) e essa não pode seguir os seus termos no âmbito do CPT, por não estar aí prevista, mas antes os termos previstos no Código de Processo Civil e, nesses casos, o Juízo Laboral não é o competente por força da citada norma da Lei de Bases da Organização Judiciária.
    12) Por esta razão, é possível encontrar processos a correrem os seus termos no T.J.B. (antes da criação do Juízo Laboral), em que as acções inicialmente propostas como "acções laborais" tenham sido "requalificadas" como "acções com Processo Ordinário, o que, manifestamente, afasta a competência do Juízo Laboral para as tramitar, pois não seguem a tramitação do CPT;
    13) Ver, a mero título de exemplo, despacho de fls. 421 a 423 proferido, em 15 de Outubro de 2010, nos autos de Proc. CV1-06-0039 (entretanto redistribuído como LB1-06-0008 - LAE) e que entretanto terminou com homologação de um acordo alcançado entre as partes.
    No nosso modesto entendimento e sempre respeitando que se possa sustentar o contrário - ou não fosse o Direito, por natureza, uma ciência retórico-argumentativa e, portanto, dialéctica -, cremos serem estes, sucintamente, argumentos que permitem sustentar a posição por nós assumida nos autos em referência nos despachos proferidos a 3 de Março de 2014 e 5 de Junho de 2014 no sentido de o Juízo Laboral não poder ser o competente para apreciar as matérias que não se mostrem susceptíveis de ser tramitadas no âmbito do CPT.
    Com a mais elevada estima e consideração.”
    
    3. Por seu turno, o Mmo Juiz Cível sustenta a sua posição na forma seguinte:
    “Em resposta ao ofício n.º 1876 da V.ª Ex.ª, datado de 8 de Outubro de 2014, referente aos autos de conflitos de competência e de jurisdição n.º 613/2014, cumpre-me responder à matéria do conflito em questão nos termos seguintes:
    A questão que está em causa prende-se com a de saber se o processo intentado pelo Autor deve ser dirimido no Juízo Cível ou no Juízo Laboral.
    Como é sabido, a competência material de um determinado Tribunal afere-se de acordo com os termos em que a acção é proposta, atendendo-se ao direito invocado perante o pedido formulado e respectivos fundamentos, que o Autor pretende ver reconhecidos judicialmente, ou seja, pela natureza da relação material, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante.
    Continuamos a entender, salvo o absoluto respeito pela opinião diferente, que conforme a causa de pedir invocada pelo Autor e tendo em conta os pedidos concretamente peticionados, a relação material traçada na douta PJ. é uma relação de natureza laboral.
    Na nossa modesta opinião, este facto não se altera com fundamento em que o Autor já tinha recebido as indemnizações até ao limite máximo previsto no art. 41° n.º 5° do DL n.º 40/95/M, num outro processo de trabalho (n.º CV2-10-0012-LAE). Os pedidos de indemnizações devido a acidente de trabalho tanto pode basear-se no mero risco, como também na culpa da entidade patronal ou até do terceiro.
    Tanto quanto se colhe da alegação do Autor, este já recebeu da entidade seguradora as indemnizações até ao limite máximo previsto no DL n.º 40/951M (ou seja, pelas regras de risco). Porém, estamos em crer que isto em nada impede que o Autor, invocando novamente o mesmo acidente de trabalho bem como a culpa dos respectivos responsáveis, venha a pedir outras indemnizações para além daquilo já recebera, como sequelas do referido acidente de que não sofreria se não existisse o acidente causado pela culpa daqueles.
    Prevê o art. 2° n.° 1° do Código de Processo do Trabalho (doravante por CPT), que o processo regulado neste Código aplica-se às questões emergentes de relações jurídicas de natureza laboral. Por outro lado, conforme o art. 2º n.º 2º itens 6) e 7) do CPT que são de natureza laboral e seguem os termos do processo civil regulado neste Código as questões emergentes de acidentes de trabalho ou doenças profissionais, e as questões emergentes da prestação de serviços clínicos, de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos, aparelhos de prótese e de ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efectuados ou pagas em beneficio de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais.
    Na douta PJ., foram alegados os factos essenciais para caracterizar o acidente como o de trabalho (cfr. entre outros, os art. 10° a 14°).
    E com base nesse acidente, sustenta o Autor a culpa da sua entidade patronal na ocorrência deste, bem como a responsabilidade solidária do empreiteiro geral da construção civil, nos termos do disposto no art. 1° n.º 2° do DL n.º 44/91/M, «Regulamento de Higiene e Segurança no Trabalho da Construção Civil», acabando por pedir indemnizações respeitantes a despesas com substituição e reparação do aparelho de prótese e ortopedia, a danos patrimoniais sofridos pelo autor e a danos patrimoniais sofridos pelas pessoas alimentadas pelo autor e a intervenção provocada.
    Deste modo, na nossa modesta opinião, a estrutura da acção do Autor é alicerçada no alegado acidente de trabalho de que era vítima, a qual, na óptica do Autor, não ocorreria se não fosse a culpa dos respectivos responsáveis, e daí, cabe a mesma acção nas previsões do art. 2° n.º 1°, n.º 2° itens 6) e 7) do CPT.
    Apenas com o objectivo de reforçar a nossa opinião, citamos aqui, a título do direito comparativo, as doutas palavras do Acórdão da Relação de Lisboa datado de 2000/11/22, no proc. n.º 0074644, no sentido de que "Os Tribunais do trabalho são competentes em razão da matéria para conhecer das acções em que se reclamem indemnizações com base em danos não patrimoniais emergentes de acidente de trabalho causado por culpa da entidade patronal, sendo o meio processual adequado para a efectivação desses direitos o processo especial previsto nos artigos 102° a 138° do CPT/81. O facto de já ter corrido um processo, respeitante ao mesmo acidente, em que foi apenas demandada a seguradora, com base no risco da actividade do segurado, não impede que os pais da vítima instaurem outro processo especial de acidente de trabalho, agora contra o patrão e o dono da obra, reclamando a reparação dos danos não patrimoniais sofridos, por inobservância das normas de segurança."
    Nos termos do disposto no art. 2° do Regulamento Administrativo n.º 23/2013, a qual prevê que "todos os processos e papéis de competência dos Juízos Laborais serão remetidos ao Juízo Laboral", foi mandado a remessa da acção em causa para o Juízo Laboral.
    Pelos fundamentos acima expostos, mantemos a nossa posição já exposta no despacho datado de 15 de Novembro de 2013, no sentido de caber ao Juízo Laboral a competência para conhecer da acção em causa.
    Em anexo: cópia do ofício n.º 1876 com entrada n.º 107275/2014
    Com os melhores cumprimentos.”

    4. C ENGENHARIA LIMITADA, R. nos autos de Acção Declarativa Ordinária n.º CV2-12-0053-CAO, em que foi suscitado o conflito negativo de competência, sustenta o seguinte:
“I. Da posição assumida pelo juiz do juízo laboral para sustentar que este não é o tribunal competente para julgar a questão dos autos porque, para além de ser necessário que as acções, incidentes, questões cíveis e contravencionais sejam emergentes de relações jurídicas de natureza laboral, necessário se torna ainda que às mesmas se aplique o Código de Processo do Trabalho
    1. É facto assente, incontestado e aceite por todos os intervenientes que a acção proposta se destina a dirimir questão cível emergente de relação jurídica de natureza laboral - mais precisamente questão de resarcimento de danos emergentes de acidente de trabalho com recurso ao instituto jurídico da responsabilidade cível.
    2. O acidente de trabalho ocorreu em 10.11.2008, pelas 15h00, numa obra de decoração a decorrer no Centro de XX, na Av. Dr. XX, XXº andar, de que a R., representada pela ora mandatária era subempreiteira, sendo o A. seu trabalhador.
    3. Como já afirmado no articulado de contestação da acção apresentado pela R.:
    4. Nos termos do art. 3.°, al. a), do Decreto-Lei n.º 40/95/M de 14 de Agosto - Regime jurídico da reparação por danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais - considera-se ''Acidente de trabalho", o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou incapacidade temporária ou permanente de trabalho ou de ganho.
    5. Sendo responsáveis pela reparação e demais encargos previstos, nos termos do art. 4.° do mesmo diploma legal, as entidades patronais relativamente aos trabalhadores ao seu serviço.
    6. Nos termos do art. 5.°, as licenças para a realização de obras só podem ser concedidas, quando os requerentes tiverem feito prova bastante de que a responsabilidade por acidentes de trabalho e doenças profissionais se encontra garantida nos termos do presente diploma (n.º 1), devendo as entidades competentes para a concessão das licenças certificar no documento que titula a licença a identidade da seguradora e o número da apólice do seguro (n.º 2), regime aplicável à adjudicação de obras públicas, em qualquer modalidade (n.º 3).
    7. Dispõe o art. 10.°, n.º 1, al. a), que a lesão ou doença contraída pelo trabalhador se considera, até prova em contrário, consequência de acidente de trabalho quando se verificar no local e no tempo de trabalho.
    8. Nos termos do art. 2.°, n.ºs 1 e 2, al. 6), do Código de Processo de Trabalho, doravante designado por "CPT", o processo regulado nesse Código aplica-se às questões emergentes de relações jurídicas de natureza laboral, sendo de natureza laboral e seguindo os termos do processo civil regulado em tal Código. as questões emergentes de acidentes de trabalho,
    9. Seguem também os termos do processo do trabalho, sempre que o seu conhecimento seja da competência dos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau, as questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho por acessoriedade, complementaridade ou dependência, sempre que o pedido se cumule com outro de natureza laboral (art. 3.°, al. 1), do CPT).
    10. Não tem, assim, manifestamente razão o Mmo. Juiz do Juízo Laboral quando diz que a esta acção se não aplica o Código de Processo de Trabalho.
II. Da posição assumida pelo juiz do juízo laboral para sustentar que este não é o tribunal competente para julgar a questão dos autos por, nos termos do disposto no arte 27.°, n.º 1, do CPT, estarem excluídas do processo comum laboral as matérias relativas a acidente de trabalho, previstas na al. 6) do n.º 2 do arte 2.°, por o mesmo ser só aplicável às matérias constantes das alíneas 1) a 5) do mesmo n.º 2 do arte 2.°
    11. É certo que a questão dos autos porque emergente de acidente de trabalho, está excluída do processo comum laboral,
    12. E tem que ser tramitada nos termos previstos no Capítulo III, com a epígrafe "Processos relativos a acidentes de trabalho e doenças profissionais", ou seja, nos termos dos artigos 44.° e ss. do CPT.
    13. Mas, é nesta acção especial, contrariamente ao afirmado, pelo Mmo. Juiz a fls. 85 dos autos, que devem ser efectivados todos os direitos das vítimas dos acidentes de trabalho.
    14. Assim, no mencionado capítulo III do CPT que dispõe sobre os processos relativos a acidentes de trabalho e doenças profissionais, no art. 44.°, n.º 1, prescreve-se que os processos desse capítulo compreendem os destinados à efectivação dos direitos das vítimas de acidentes de trabalho, bem como as acções interpostas com vista à declaração de extinção desses mesmos direitos e as destinadas à efectivação dos direitos de terceiros conexos com acidentes de trabalho, seguindo estas últimas os termos do processo declarativo comum, por apenso ao processo relativo ao acidente a que respeitem, se o houver.
    15. Os processos destinados à efectivação dos direitos dos direitos das vítimas de acidentes de trabalho (e, como se pode verificar, dos pedidos formulados pelo A. restam ora sómente pedidos de efectivação de direitos do mesmo, vítima de acidente de trabalho, destinados a ressarcir danos decorrentes do acidente de trabalho, alegadamente cobertos pelo instituto de responsabilidade civil), compreendem uma fase conciliatória e, eventualmente uma fase contenciosa (art. 44.º, n.º 2, do CPT),
    16. E iniciam-se pela fase conciliatória, dirigida pelo Ministério Público, que tem por base a participação respectiva (art. 47.º n.º 1, do CPT).
    17. Sempre que do acidente tiver resultado incapacidade permanente, como foi o caso dos autos, em que a vítima perdeu a parte inferior da perna a partir do joelho, o Ministério Público designa, de imediato, as datas para a realização do exame médico e da tentativa de conciliação, e se possível esta terá lugar logo após a realização daquele (art. 49.°, n.ºs 1 e 2, do CPT).
    18. Na tentativa de conciliação o Ministério Público promove o acordo dos intervenientes, de harmonia com os direitos consignados na legislação em vigor (art. 53.°, n.º 1, do CPT), sendo chamadas à tentativa de conciliação, além da vítima, as entidades patronais ou seguradoras, conforme os elementos da participação (art. 53.°, n.º 2, CPT).
    19. A tentativa de conciliação inicia-se exactamente, pela tomada de declarações ao sinistrado sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente e demais elementos necessários à determinação dos respectivos direitos (art. 53.°, n.º 6, do CPT), que não é só aplicável caso a entidade responsável falte à tentativa de conciliação, mas em toda e qualquer tentativa de conciliação,
    20. Ressalvando somente tal dispositivo legal que, mesmo em caso de falta da entidade responsável - o que inviabiliza a tentativa de conciliação -, ainda assim, em tal acto há que proceder a essa tomada de declarações ao sinistrado para apurar das circunstâncias em que ocorreu o acidente e recolher os demais elementos necessários à determinação dos seus direitos,
    21. Que como, se verifica do teor literal do art. 53.°, n.º 1, do CPT, são todos aqueles consignados na legislação em vigor,
    22. Concordando-se assim, com o que na resposta apresentada pelo Mmo. Juiz do Juízo Cível, a fls. 89, se declara que os pedidos de indemnização devidos a acidentes de trabalho, tanto se podem basear na responsabilidade objectiva ou pelo risco, como na responsabilidade com culpa da entidade patronal ou de terceiro.
    23. Se das declarações prestadas no acto de tentativa de conciliação resultar a necessidade de convocação de outras entidades (entendem-se, pois aqui incluídas, contráriamente ao afirmado, outras entidades responsáveis para além das entidades patronais ou seguradoras, aí, em princípio, presentes, nos termos do art. 53.°, n.º 2, do CPT), o Ministério Público designa data para nova tentativa, a realizar num dos 15 dias seguintes.
    24. Se houver acordo relativamente aos direitos determinados ao sinistrado, consagra-se no auto de acordo, a identificação completa dos intervenientes na tentativa de conciliação e a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhe são atribuídos e a descrição pormenorizada do acidente (…) e dos factos que servem de fundamento a esses mesmos direitos e obrigações (art. 54.°, n.º 2, do RCT),
    25. E o juiz homologa o acordo por simples despacho exarado no próprio auto, salvo se verificar que o mesmo se encontra em desconformidade com os elementos fornecidos pelo processo, com as normas legais e regulamentares aplicáveis e com a tabela das incapacidades (art. 54.°, n.º 3, do RCT).
    26. No presente caso, foi obtido acordo nas duas tentativas de conciliação realizadas pelo Ministério Público tendo sido feita a indicação precisa dos direitos e obrigações que foram atribuídos aos intervenientes, a descri cão pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento a esses mesmos direitos e obrigações, havendo os acordos sido homologados por decisão judicial (v. art. 54.° do CPT), havendo o referido processo findado com o trânsito em julgado dessa decisão.
    27. Ou seja, todos os intervenientes na tentativa de conciliação e o julgador entenderam que no auto:
    - foi feita uma descrição pormenorizada do acidente e dos factos que serviam de fundamento aos direitos e obrigações dos intervenientes;
    - que a indicação dos direitos e obrigações atribuídos aos intervenientes era precisa.
    28. E, assim, porque foi possível obter acordo relativamente aos direitos determinados nos termos da legislação em vigor ao sinistrado e o mesmo foi homologado, não teve lugar a fase contenciosa.
    29. Seria nesta fase contenciosa, que teria por base uma petição inicial apresentada pelo sinistrado, patrocinado oficiosamente em regra pelo Ministério Público, que tem obrigação de a apresentar em 20 dias contados do final da fase conciliatória (v. art. 60.°, n.º 1, do RCT), prorrogável por igual período caso se verifique insuficiência dos elementos de facto necessários para o efeito (se decorridos, qualquer dos parazos, não houver sido apresentada a petição, o processo é concluso ao juiz, que deve declarar a instância suspensa, sem prejuízo do dever do M.P. propor a acção assim que tenha reunido os elementos necessários - v. n.º 4 do mesmo normativo legal), que deveriam ter sido pedidos quaisquer outros direitos que lhe fossem atribuídos nos termos da lei com base no acidente e factos ocorridos, às entidades que entendesse responsáveis pelo seu ressarcimento, nos termos do art. 57.°,
    30. Sendo o valor da causa fixado nos termos do artigo 8.° do Regime das Custas nos Tribunais, que se transcreve por poder servir de elemento de interpretação, que dispõe:

Artigo 8.°
(Valores das causas de natureza laboral)
Nas causas de natureza laboral considera-se como valor para efeitos de custas:
a) Nos processos destinados a efectivar ou a declarar extintos os direitos dos ofendidos ou dos seus familiares por acidente de trabalho ou por doença profissional, o do total das indemnizações; é, porém, de cinco vezes o valor anual da indemnização se a incapacidade invocada for temporária, e igual ao montante de todas as prestações se se tratar de indemnizações vencidas;
b) Nos processos destinados a efectivar ou a declarar extintos direitos de terceiros conexos com acidente de trabalho ou doença profissional, o do pedido;
c) Nos processos de revisão da incapacidade, o da diferença entre o anterior e o que venha a ser fixado, ou o da diferença entre o valor anterior e o do pedido quando não seja alterada a incapacidade;
d) Nas acções de anulação e interpretação de cláusulas de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, o da alçada do Tribunal de Segunda Instância.
    31. A este processo principal que tem lugar na fase contenciosa dos processos para a a efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho aplicam-se as regras do processo declarativo comum (art. 65.º do RCT), com as especialidades constantes dos artigos 66.º e ss. do RCT.
    32. Alega ainda o Mmo. Juiz do Juízo Laboral para sustentar a incompetência desse tribunal "daí que quando o acidente de trabalho envolva responsabilidade por facto ilícito por parte de outros trabalhadores ou terceiros ou da entidade patronal a lei faça referência a "acção de indemnização" ou "acção de reembolso" (cfr. arts. 56.º n.ºs 2 e 3, 57.º n.° 2, do D.L. n.° 40/95/M) e essa não pode seguir os seus termos no âmbito do CPT, por não estar aí prevista, mas antes os termos do Código de Processo Civil e, nesses casos, o Juízo Laboral não é o competente por força da citada norma da Lei de Bases da Organização Judiciária".
    33. Mas, a mandatária do R. considera que mesmo não tem razão, pois o que se prescreve no Código de Processo de Trabalho é o seguinte, que não é mais do que uma concretização do princípio da suficiência:
Artigo 46.°
Regime das acções destinadas à efectivação de direitos de terceiros
1. As acções destinadas à efectivação de direitos de terceiros conexos com acidentes de trabalho ou doenças profissionais, propostas ao abrigo do disposto na alínea 7) do n.º 2 do artigo 2.°, seguem os termos do processo declarativo comum, por apenso ao processo relativo ao acidente ou doença a que respeitem, se o houver.
2. As decisões proferidas no processo relativo ao acidente ou doença que tenham por objecto a qualificação do acidente ou doença como de trabalho ou profissional, bem como as que respeitem à determinação da entidade responsável, têm, quando transitadas, valor de caso julgado para estes processos.
    34. Aduz, ainda e muito bem, o Mmo. Juiz do Juízo Cível, para sustentar a competência do Juízo Laboral para o julgamento da questão, o Ac. da Rel. de Lisboa de 22.11.2000, no proc. 74644, que vai nesse sentido - embora no mesmo, quem esteja a pedir o reconhecimento de direitos de serem ressarcidos pelos danos, sejam os pais de vítima mortal de acidente de trabalho, e assim podem estes a qualquer tempo e enquanto não prescreverem os seus direitos nos termos do instituto da responsabilidade civil, propor nova acção a correr por apenso à principal para reclamarem o seu direito a indemnização dos danos não patrimoniais sofridos do patrão e dono da obra por observância das normas de segurança,
    35. O que, na humilde opinião da signatária, já não é aplicável quando é o sinistrado a fazê-lo, pois relativamente a este todos os seus direitos que tenham por causa o acidente de trabalho devem ser pedidos na acção principal, como acima se defendeu.
    36. Ora, como se verifica, nesses autos de acção laboral emergente de acidente de trabalho, nada mais foi pedido pelo sinistrado pelo que se tem que considerar precludido o direito do sinistrado de, com base no mesmo acidente laboral, vir ora invocar outros direitos contra os intervenientes com quem foi obtido acordo no auto de conciliação, onde mais nenhuns outros direitos lhe foram determinados nos termos das leis em vigor, nem quaisquer outras obrigações foram impostas às entidades consideradas responsáveis aí intervenientes.
III. De que se entende que a posição correcta relativamente à competência é a defendida pelo Mmo. Juiz do Juízo Cível
    37. Como se pode constatar dos citados normativos legais, verifica-se na verdade que a competência para dirimir a questão compete aos Juízos Laborais, entendendo-se assim como correcta a decisão do Mmo. Juiz do Juízo Cível.”
    
    5. A Companhia de Obras de Decoração B, Lda., ora 1ª ré do processo em epígrafe, aí mais bem identificada, defende:

    “Fundamentos de facto e de direito:
I. Conflito negativo de competência
    1º
    A origem desta causa: em 27 de Abril de 2012, o autor apresentou a petição inicial ao 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, contra a parte do processo do trabalho n.º CV2-10-0012-LAE referente ao excesso do limite máximo da quantia de indemnização, previsto no Decreto-Lei n.º 40/95/M, peticionando que a 1ª ré, como empreiteira geral, e a 2ª ré, como entidade empregadora na ocorrência do facto, pagassem indemnização, a título dos custos da renovação e reparação de aparelhos de prótese e ortopedia, bem como dos danos não patrimoniais. (Vide fls. 2 a 12 dos autos)
    2º
     Os Mmos. Juízes do 2º Juízo Cível e do Juízo Laboral ambos do TJB entenderam que não eram competentes para conhecerem da presente causa e proferiram os respectivos despachos, pelo que, em 18 de Setembro de 2014, o Ministério Público requereu perante o TSI a resolução do conflito negativo de competência suscitado entre o Juízo Laboral e o Juízo Cível ambos do TJB.
    3º
     Na verdade, tal como referido na petição inicial do autor, esta acção é fundamentada nos danos por acidentes de trabalho sofridos pelo autor, sendo directamente derivada das relações jurídicas de natureza laboral.
    4º
     Prevê-se no art.º 1º do Código de Processo do Trabalho: “1. O processo do trabalho é regulado pelo presente Código e, subsidiariamente, pelo disposto na legislação relativa à organização judiciária e na legislação processual comum civil ou penal que se harmonize com o processo do trabalho. 2. Nos casos omissos em que as disposições deste Código não puderem observar-se por analogia, recorre-se, sucessivamente, à regulamentação dos casos análogos previstos na legislação processual comum civil ou penal, aos princípios gerais de direito processual do trabalho e aos princípios gerais de direito processual comum”.
    5º
     Dispõe-se no n.º 1 do art.º 2º do Código de Processo do Trabalho: “1. O processo regulado neste Código aplica-se às questões emergentes de relações jurídicas de natureza laboral”.
    6º
     O n.º 2 do art.º 2º do Código de Processo do Trabalho prevê o âmbito da jurisdição de trabalho, no qual as alíneas 6) e 7) dispõem: “6) As questões emergentes de acidentes de trabalho ou doenças profissionais; 7) As questões emergentes da prestação de serviços clínicos, de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos, aparelhos de prótese e de ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efectuados ou pagas em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais;”
    7º
     O n.º 1 do art.º 44º do Código de Processo do Trabalho prevê os processos relativos a acidentes de trabalho e doenças profissionais: “Os processos regulados no presente capítulo compreendem os destinados à efectivação dos direitos das vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais, ou dos beneficiários legais da indemnização por morte resultante de qualquer daqueles factos, bem como as acções interpostas com vista à declaração de extinção desses mesmos direitos e as destinadas à efectivação dos direitos de terceiros conexos com acidentes de trabalho ou doenças profissionais”.
    8º
     Daí se vê que o pedido do autor é fundamentado no acidente de trabalho directamente emergente das relações jurídicas de natureza laboral, pelo que pertence ao âmbito da jurisdição de trabalho, ao abrigo do art.º 1º, art.º 2º, n.ºs 1 e 2 e art.º 44º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
    9º
     E, nos termos do n.º 2 do art.º 27º da Lei n.º 9/1999 – “Lei de bases da organização judiciária”: “A organização do Tribunal Judicial de Base compreende Juízos Cíveis, Juízos de Instrução Criminal, Juízos de Pequenas Causas Cíveis, Juízos Criminais, Juízos Laborais e Juízos de Família e de Menores”.
    10º
     O art.º 29º - C da Lei n.º 9/1999 – “Lei de bases da organização judiciária” dispõe a competência dos Juízos Laborais: “Sem prejuízo de outras que por lei lhes sejam atribuídas, são da competência dos Juízos Laborais as acções, incidentes e questões cíveis e contravencionais emergentes de relações jurídicas de natureza laboral às quais se aplica o Código de Processo do Trabalho”.
    11º
     Nos termos do art.º 28º da Lei n.º 9/1999 – “Lei de bases da organização judiciária”: “Competem aos Juízos Cíveis as causas de natureza cível que não sejam da competência de outros juízos, bem como as causas de outra natureza que não caibam na competência de outros juízos ou tribunais, incluindo todos os seus incidentes e questões”.
    12º
     A competência em razão da matéria distribui-se pelas diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas. Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram.1
    13º
     Assim sendo, nos termos da Lei n.º 9/1999 – “Lei de bases da organização judiciária”, todas as secções especializadas, incluindo os Juízos Laborais, têm a sua competência exclusiva no domínio jurídico específico e só competem aos Juízos Cíveis que têm competência genérica, as causas que não sejam da competência exclusiva, isto é, os Juízos Cíveis perdem a sua competência genérica quando se tratem dos casos da competência exclusiva.
    14º
     Face ao exposto, a causa e o pedido do autor são directamente provenientes das relações jurídicas de natureza laboral, por conseguinte, nos termos dos dispostos no Código de Processo do Trabalho e na Lei n.º 9/1999 – “Lei de bases da organização judiciária”, a presente causa é da competência do Juízo Laboral do TJB que tem competência exclusiva, mas não dos Juízos Cíveis do mesmo Tribunal.
    
II. Pedido
     Nestes termos e pela douta opinião dos Venerandos Juízes na interpretação da lei, solicita-se aos Venerandos Juízes que declarem competente o Juízo Laboral do TJB que tem competência exclusiva no âmbito de direito do trabalho, para conhecer da presente causa.”

6. O Exmo Senhor Procurador-Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    "A petição inicial cuja cópia se encontra de fls. 5 a 15 destes autos toma absolutamente incontroverso que os pedidos de indemnização dos prejuízos, materiais e não patrimoniais, se estribou num acidente de trabalho referido nos arts.15° a 23° da dita petição.
    Em termos mais concretos, os pedidos destinam-se a ressarcir os prejuízos não cobertos pelo Acordo de Conciliação aludido no art.45° da contestação (vide. fls.27 a 48 dos autos). Daí decorre que é de natureza laboral a relação jurídica subjacente.
    Por força da regra geral no n.º 1 do art. 2° do mencionado Código de Processo de Trabalho aprovado pela Lei n.º 9/2003, aplica-se este Código à todas as questões emergentes de relações jurídicas de natureza laboral, salvas as expressamente excluídas.
    Dispõe o art. 29°-C da Lei n.º 9/1999, na redacção introduzida pela Lei n.º 9/2004: Sem prejuízo de outras que por lei lhes sejam atribuídas, são da competência dos Juízos Laborais as acções, incidentes e questões cíveis e contravencionais emergentes de relações jurídicas de natureza laboral às quais se aplica o Código de Processo de Trabalho.
    Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que destinada a evitar conflito de competência, a frase «às quais se aplica o Código de Processo de Trabalho» neste art. 29°-C implica apenas exclusões da competência de Juízos Laborais expressamente consagradas.
    Nesta linha de vista, e por não se descortinar, no ordenamento jurídico de Macau, qualquer exclusão legal expressa, e ainda sufragando as doutas considerações na Resposta de fls. 89 a 92 dos autos, entendemos modestamente que compete aos Juízos Laborais julgar o caso sub iudice.”
    7. Foram colhidos os vistos legais.
    
II - FACTOS
Em 27/04/2012, deu entrada na secretaria do TJB, proposta por A, uma Acção de indemnização civil, a qual foi distribuída, sob o n.º CV2-12-0053-CAO ao 2° Juízo Cível, em 16/07/2012.
Por despacho de 15/11/2013 o Mmo Juiz titular do processo no 2°Juízo Cível julgou-se incompetente para a causa, considerando que a competência era do Juizo Laboral, ordenando, em conformidade, a remessa dos autos ao Juízo Laboral.
Tal despacho transitou em julgado em 03/12/2013.
No Juízo Laboral foram os autos A. e R. sob o n.º LB1-13-0098-LAC.
Por despacho de 05/06/2014 o Mmo Juiz deste Juízo julgou-se, também, incompetente para a tramitação dos autos, por entender que a competência cabia aos Juízos Cíveis.
Tal despacho transitou em julgado em 23/06/2014.
Há conflito negativo de competência (art. 35°, n.º 1, do CPCM), porquanto dois tribunais de Macau, da mesma ordem jurisdicional - Juízo Cível e Juízo Laboral, - se consideram incompetentes para conhecer da mesma questão.
A solução do presente conflito incumbe ao Tribunal de Segunda Instância de Macau.
O magistrado do Ministério Público neste Juízo Laboral vem, assim, suscitar a resolução deste conflito negativo de competência, entendendo nós que a competência deverá ser atribuída ao 2° Juízo Cível pelas razões aduzidas pelo Mmo Juiz do Juízo Laboral, no seu, já referido, despacho de 05/06/2014:

    III – FUNDAMENTOS
1. A questão que está em causa prende-se com a de saber se o processo intentado pelo Autor deve ser dirimido no Juízo Cível ou no Juízo Laboral.
2. Analisando a mui douta argumentação do Mmo Juiz Laboral observa-se que o cerne da sua argumentação, para além dos argumentos adjuvantes, se baseia no facto de o Código de Processo de Trabalho não estar talhado para a tramitação de uma acção que se deve reconduzir à efectivação de uma responsabilidade civil que deve correr seus temos numa acção comum normal a tramitar nos juízos cíveis.
Está em causa uma questão de competência.
O problema está em saber em função de que critérios se afere a competência e se ela passa pela adequação das regras do processo à respectiva tramitação.
Está em causa uma questão de competência.
A competência é um pressuposto processual que reflecte o poder de julgar determinada causa, resultante do fraccionamento do poder jurisdicional entre os diferentes tribunais (no caso, juízos) que se determina em conformidade com a configuração do pedido e respectiva causa de pedir, tal como são apresentadas pelo A. e a sua determinação constitui, portanto, questão prévia ao conhecimento do mérito da causa, que, aliás, condiciona, na medida em que o juiz só pode conhecer do fundo se para tal lhe for reconhecida competência material.2
Entre uma determinada causa e o tribunal há um nexo jurídico a que Castro Mendes chama nexo de competência.3 Esse nexo de competência afere-se pelo “quid disputatum”, o objecto do litígio, em face da formulação balizada pelo A. na sua petição inicial. Isto é, «a competência material afere-se pela relação litigiosa submetida à apreciação do Tribunal, nos exactos termos unilateralmente afirmadas pelo autor da pretensão e pelo pedido formulado. Como ensina o Prof. Manuel de Andrade (Noções):
“A competência do Tribunal não depende ... da legitimidade das partes nem da procedência da acção.
É ponto a resolver de acordo com os termos da pretensão do autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos desta pretensão”. 4
Por isso mesmo a competência dos tribunais judiciais fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, tal como as modificações de direito (quanto a estas com duas excepções, que aqui não interessam considerar). “
Para determinar a competência de um tribunal, o primeiro critério será atender “à matéria da causa ao objecto da relação jurídica processual, tal como configurada pelo autor.»5
Podemos afirmar que as regras da competência são essencialmente definidas na Lei de Bases de Organização Judiciária, onde se define a competência pelos diferentes juízos e é assim que nos termos do art. 29.°- C se atribui aos juízos laborais a competência nos seguintes termos "Sem prejuízo de outras que por lei lhes sejam atribuídas, são da competência dos Juízos Laborais as acções, incidentes e questões cíveis e contravencionais emergentes de relações jurídicas de natureza laboral às quais se aplica o Código de Processo do Trabalho".
Se utilizamos o advérbio essencialmente é porque essa disposição parece remeter para um outro critério, qual seja o da causa a que se aplique o Processo de Trabalho.
Ora, é aqui que se agarra o Mmo Juiz laboral na defesa da sua tese, dizendo que a esta relação jurídica não se aplica o Código de Processo de Trabalho, não deixando de invocar em seu abono, o que dispõe o art. 16.°, n.º 3 da Lei de Bases da Organização Judiciária "As leis de processo fixam as circunstâncias de atribuição de competência aos tribunais das várias instâncias de Macau ...".
Tememos não poder acompanhar a sua douta posição.
3. Vamos começar pela interpretação do artigo 29º.C da LBOJ. O que aí se diz é algo diferente do que se pretende, ou seja de que a presente acção, na medida em que extravasa o pedido coberto pelo seguro, se reconduz a uma mera acção comum de responsabilidade civil que deveria correr na jurisdição comum; o que aí se diz são duas coisas: (i) correm nos juízos laborais as acções de natureza laboral; (ii) lhes seja aplicável o Código de Processo de Trabalho.
Que a acção tem natureza laboral, parece que ninguém põe em causa. É na sequência de um acidente de trabalho, no âmbito de uma relação laboral, que ocorre o facto gerador de responsabilidade civil e por isso o trabalhador demandou o construtor e subempreiteiro para quem trabalhava, não obstante ter corrido seus termos outra acção no Juízo Laboral respectivo.
Será que não se verifica o segundo requisito; o CPT não se lhe aplica?
Como tivemos ensejo de dizer, não interessa se este tipo de acção está ou não previsto no CPT; o que interessa apurar é se esse diploma se aplica à acção.
Nos termos do art. 1.º, n.º 1 do C.P.T. "O processo do trabalho é regulado pelo presente Código e, subsidiariamente, pelo disposto na legislação relativa à organização judiciária e na legislação processual comum civil ou penal que se harmonize com o processo do trabalho", sendo que, conforme o n.º 2 do mesmo artigo: "Nos casos omissos em que as disposições deste Código não puderem observar-se por analogia, recorre-se, sucessivamente, à regulamentação dos casos análogos previstos na legislação processual civil ou penal, aos princípios do gerais de direito processual do trabalho e aos princípios gerais de direito processual comum".
Não podemos deixar de ter presente outras normas que relevarão na dilucidação do tema.

O artigo 2º, a propósito do âmbito da jurisdição do trabalho, prevê logo no n.º 1 que “O processo regulado neste Código aplica-se às questões emergentes de relações jurídicas de natureza laboral” e no n.º 2, ressalvando a possibilidade de existirem outras, que se devam considerar como relações jurídicas de natureza laboral, prevê-se um acervo de situações que vão muito para além da relação laboral “stricto sensu”, como:
1) As questões emergentes de relações de trabalho subordinado, bem como as relativas ao respectivo contrato;
2) As questões emergentes de contratos celebrados para a prestação dum serviço concretamente definido, sempre que a actividade for prestada na dependência económica da contraparte, ainda que o mesmo deva ser realizado por um grupo de pessoas e o contrato não tenha sido celebrado directamente com cada uma delas;
3) As questões emergentes de contratos de aprendizagem;
4) As questões entre trabalhadores ao serviço duma mesma entidade patronal, que respeitem a direitos e obrigações individuais e resultem de actos praticados em comum na execução da actividade devida ou de acto ilícito praticado por um deles na execução dessa mesma actividade ou por motivo dela, cuja responsabilidade civil não deva ser apurada no âmbito do processo penal comum em conexão com a responsabilidade criminal;
5) As questões emergentes das relações estabelecidas no âmbito da actividade das agências de emprego, designadamente as que respeitam à selecção e colocação dos trabalhadores, bem como as que concernem aos direitos e obrigações de umas e outros;
6) As questões emergentes de acidentes de trabalho ou doenças profissionais;
7) As questões emergentes da prestação de serviços clínicos, de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos, aparelhos de prótese e de ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efectuados ou pagas em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais;
(…)”
Se isto não bastasse, logo no art. art. 3º se dispõe:
“Ainda que não tenham natureza laboral, seguem os termos do processo do trabalho, sempre que o seu conhecimento seja da competência dos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau:
1) As questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho por acessoriedade, complementaridade ou dependência, sempre que o pedido se cumule com outro de natureza laboral;
(…)”
Daqui se vê que há intenção de alargar ao conhecimento dos Juízos laborais todas as acções em que esteja em causa uma relação laboral e as matérias com ela conexas.

4. O argumento do não cabimento processual da tramitação prevista para o acidente de trabalho não cabe, na medida em que a questão que importa é saber se se reconduz a acção a uma acção a tramitar dessa forma ou pelo meio processual adequado e compatível com uma acção de efectivação de responsabilidade civil extra-contratual, nomeadamente por recurso ao processo declarativo comum, importando não esquecer que o juiz tem sempre ao seu dispor a possibilidade de integrar a lei adjectiva laboral com os instrumentos conferidos pelo n.º 2 do artigo 1º do CPT.

5. O argumento que se procura extrair do art. 16º da LBOJ também não colhe, porquanto as circunstâncias de que fala a norma – 16º, n.º 3 – referem-se a uma outra realidade, qual seja a que vem, por exemplo, concretizada no artigo 4º do CPT, respeitando aos elementos de conexão que reclamem o chamamento de um determinado tribunal.

6. Também, como está bem de ver, não é por ter existido entendimento diferente ou correrem nos juízos cíveis outras acções do mesmo género que, por isso, se tenha de seguir esse entendimento que poderá até nem ser o mais adequado. Independentemente disso, o que importa, é que de modo algum podem constituir critério, orientador que seja.

7. Tanto quanto se colhe da alegação do Autor, este já recebeu da entidade seguradora as indemnizações até ao limite máximo previsto no DL n.º 40/951M (ou seja, pelas regras de risco). Porém, estamos em crer que isto em nada impede que, invocando novamente o mesmo acidente de trabalho bem como a culpa dos respectivos responsáveis, venha a pedir outras indemnizações para além daquilo já recebera, como sequelas do referido acidente de que não sofreria se não existisse o acidente causado pela culpa daqueles.

Não será, pois, por o Autor já ter recebido as indemnizações até ao limite máximo previsto no art. 41° n.º 5° do DL n.º 40/95/M, num outro processo de trabalho (n.º CV2-10-0012-LAE) que as coisas se alteram, pois os pedidos de indemnização devido a acidente de trabalho podem basear-se em diferentes causas, tanto podendo basear-se no mero risco, como também na culpa da entidade patronal ou até do terceiro, nada impedindo que o trabalhador ponha duas acções de acidente de trabalho, a processar até como acidente de trabalho, em função de diferentes causas de pedir, bastando imaginar na possibilidade de supervenientemente sobrevirem danos ulteriores.

8. Importa ainda enquadrar a discussão sob o ponto de vista da compreensão dos objectivos do sistema quanto à repartição de competências entre os tribunais. Por um lado, visa-se assegurar que a decisão seja tomada pelo juiz mais bem colocado para decidir do mérito da causa e, por outro, efectivar a máxima racionalização dos recursos afectos à realização da justiça, com a finalidade última de “tornar breve e útil a instrução e discussão e justa a decisão”6
Acresce que, no limite, em caso de um non liquet sobre a questão da distribuição da competência material, esta deve enquadrar-se no âmbito da actividade jurisdicional no seu todo, sob pena de “o princípio jura novit curia poder ser posto em causa. O tribunal conhece o Direito e não parte do Direito. É certo que este princípio poderia ser forçado a ceder em concreto perante o princípio da especialização. Mas este não tem força suficiente para obrigar a uma apreciação material parcelada da questão: já vimos que o princípio da especialização da competência é não raramente flexibilizado e deve lembrar-se a competência do tribunal para apreciar questões prejudiciais que escapam à sua competência. (…) Assim, deve entender-se que, perante o conflito entre os princípios jura novit curia e da economia processual e o princípio da especialização em função da matéria, os primeiros devem prevalecer em concreto, impondo-se, em conclusão, o alargamento da competência do tribunal às causas para as quais não era, prima facie, competente.”7

9. O entendimento que ora se sustenta e que vai no sentido de considerar o juízo laboral para conhecer da presente acção encontra suporte na Jurisprudência Comparada, ainda que haja que observar a especificidade de cada ordenamento.8
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em considerar que é o Juízo Laboral o competente para conhecer e julgar o presente caso.
    Sem custas, por não serem devidas, vista a natureza do conflito.
Macau, 19 de Março de 2015,

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
José Cândido de Pinho

1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, “Manual de Direito Processual Civil”, Tradução da 2ª edição de Ip Son Sang e Lou Ieng Ha, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2009, p. 104.
2 - A. Varela, Man. Proc. Civil, Coimbra Ed., 2ª ed., 195
3 - Dto Proc. Civil, I, Ver. E Act., AAFDL, 558
4 - Ac. STJ, de 31/5/2011, Proc. n.º 865/10.8TVLSB-A.L1.S1
5 - Cândida Pires, Lições de Proc. Civil, I, 2005, 265
6 - Alberto dos Reis, Comentário ao Código Processo Civil, vol. III, Coimbra, 1960, 9.
7 - Madalena Perestrelo de Oliveira, Conflitos de princípios na repartição da competência material dos tribunais, O Direito 142º., 2010,, III, 614 e 615
8 - Ac. RL, de 6/6/2006, Proc. n.º 741/2006-7; Ac. RC, de 3/8/2006, Proc. n.º 210/06; Ac. RL, de 22/11/2000, Proc. n.º 0074644 (ainda que numa situação adjectiva diferente); Ac. STJ, de 3175/2011, Proc. n.º 865/10.8TVLSB-A.L1.S1 (indirectamente), entre outros.
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613/2014 32/32