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Processo nº 693/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 19 de Março de 2015

ASSUNTO:
- Formulação do novo pedido
- Ampliação do pedido
- Artº 16º do CPT
- Artº 217º do CPCM
- Artº 42º, nº 2 do CPT
- Princípio do pedido


SUMÁRIO :
- O artº 16º do CPT prevê regra própria para formulação de novos pedidos na fase posterior da petição inicial, nos termos da qual só é admissível a formulação de novos pedidos quando ocorrerem factos que permitam para o efeito e desde que a todos os pedidos corresponda à mesma espécie de processo. Tratando-se de factos ocorridos antes da propositura da acção, o autor pode ainda deduzir novos pedidos desde que justifique a impossibilidade da sua inclusão na petição inicial. Não tendo sido cumprido o dever de justificação nos termos legais, o Tribunal a quo não podia admitir esse novo pedido, tendo-o admitido, violou o disposto no nº 2 do artº 16º do CPT.
- Tratando-se de uma alteração do anterior formulado no sentido de ampliar o valor inicialmente peticionado, já não se aplica a regra do artº 16º do CPT por não ser um pedido novo.
- Tendo o Autor pedido as diferenças salariais com base no salário diário acordado no valor de MOP$110,00 e para a compensação dos dias de descanso semanal não gozados, já no salário diário resultante da média do rendimento total de cada ano, está a contradizer a sua própria afirmação inicial, constituindo desde modo um acto de “venire contra factum proprium”, o que não é legalmente admissível, por incompatibilidade substancial da causa de pedir, ou sob pena de existir o eventual abuso de direito.
- O nº 3 do artº 42º do CPT permite que o Tribunal pode e deve, no âmbito do processo laboral, condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele, sempre que isso resulte da aplicação à matéria de facto de preceitos inderrogáveis das leis ou regulamentos.
- Este poder/dever processual do Tribunal prende-se com a indisponibilidade dos créditos do trabalho, com vista a proteger os trabalhadores por ser a parte mais fraca em relação à entidade patronal na constância da relação laboral.
- Contudo, após a cessação da relação laboral, o Tribunal deixa de ter o tal poder/dever, tem de decidir em conformidade com o pedido, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
O Relator,

Processo nº 693/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 19 de Março de 2015
Recorrente: A Soluções de Segurança (Macau), Limitada (Ré)
Recorrido: B (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho saneador de 30/07/2013, foi decidido admitir a amplição do pedido pelo Autor B.
Dessa decisão vem recorrer a Ré A Soluções de Segurança (Macau), Limitada, alegando, em sede de conclusões, o seguinte:
A. O objecto do recurso encontra-se delimitado pelo douto despacho de fls. 279 a 280, que decretou o deferimento do aumento do pedido e da causa de pedir formulado pelo Autor;
B. O Autor não justifica a impossibilidade da inclusão dos novos pedidos na PI, o que devia ter feito de acordo com o art.º 16.°, n.º 2, do CPT;
C. O que aliás não conseguiria ter feito, pois invocou factos ocorridos antes da propositura da acção dos quais explicitamente admitiu ter conhecimento quando encetou o corrente procedimento;
D. Não estão desde modo preenchidos os requisitos exigidos pelo art.º 16.° n.º 2 do CPT, sendo que esta norma é especial em relação à regra geral do n.º 2 do art.º 217.° do CPC, sobre esta prevalencendo, ao abrigo do art.º 1 do CPT;
E. Em suma, a Ré entende que o Tribunal a quo, ao deferir a ampliação do pedido e da causa de pedir requeridos pelo Autor, violou a letra e o espírito do n.º 2 do art.º 16.º do CPT.
F. Donde entende a Ré que o Tribunal a quo não devia ter deferido o requerimento da ampliação do pedido e por esta via, da causa de pedir do Autor, e consequentemente deve o despacho de fls. 279 a 280 ser revogado.
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Por sentença de 10/07/2014, julgou-se a acção parcialmente procedente e em consequência, condenou-se a Ré a pagar ao Autor na quantia de MOP$519,629.55, com os juros de mora legais.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, os seguintes:
A. A sentença recorrida não dá na respectiva fundamentação como provado que o Autor tivesse recebido um salário diário entre a sua data de admissão e a sua desvinculação da Ré recorrente de, respectivamente, MOP$220,13, MOP$219,18, MOP$244,84, MOP$272,45, MOP$251,74, MOP$246,08, MOP$247,92, MOP$246,65, MOP$259,01, MOP$269,40, MOP$286,62, MOP$245,99, MOP$231,79, e MOP$274,15;
B. Não tendo dado esses valores como provados e os mesmos sido devidamente discriminados nos factos provados da sentença, no sentido do Autor recorrido ter auferido um determinado valor de salário diário, não podia depois o Mm.º Juiz a quo dar como provada a existência de um determinado valor de salário diário em relação a cada um dos anos em causa, além de que se o tivesse feito devia ter explicado como o mesmo foi apurado;
C. A sentença deu como provado que o Autor recorrido auferia o salário mensal base de MOP$3.300,00;
D. O valor da média da remuneração base diária é calculada em função do disposto no artigo 26.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, segundo a qual o valor do salário mensal inclui o valor dos salários, dos períodos de descanso semanal e anual e dos feriados obrigatórios.
E. Daqui resulta que o valor médio diário auferido pelo trabalhador seria de MOP$110,00 (MOP$3.300,00/30 dias).
F. Por outro lado, o valor anual que a sentença recorrida deu como provado já incluía o valor das horas extraordinárias, os valores recebidos a título de subsídio de alimentação, os valores recebidos por conta do subsídio de efectividade e as remunerações e compensações pelo trabalho nos dias de descanso semanal;
G. A Ré estava obrigada a pagar um salário diário mínimo de MOP$110,00, que se provou ter pago, pelo que é com base neste valor, e não em qualquer outro, sem fundamento legal, que terá de ser calculada qualquer compensação por conta dos dias de descanso semanal não gozados, caso estes sejam devidos;
H. No despacho de 24 de Abril de 2014, o Mm.º Juiz a quo considerou que o Autor já tinha recebido as remunerações e compensações pelo trabalho dos dias de descanso semanal;
I. Se o Autor já tinha recebido estas compensações por estarem incluídas nos valores que lhe foram pagos ao "longo dos anos" não podia depois ignorar esse facto na sentença recorrida condenando de novo a Ré a pagar essas mesmas remunerações e compensações, donde resulta manifesta contradição entre a matéria de facto dada como provada no despacho de 24 de Abril de 2014 e aquela que veio a constituir a fundamentação da sentença proferida;
J. Contradição que se toma mais evidente pela invocação do Acórdão do TUI proferido no processo n.º 28/2007, que neste caso também se afigura desfasada face à decisão proferida, designadamente quanto ao cálculo final, pois que se assim não fosse então a Ré nunca poderia ser condenada a pagar o triplo;
K. Mesmo admitindo-se que o Autor teria direito a receber todos os dias de descanso semanal que a sentença recorrida considerou, jamais poderia atribuir ao Autor o valor de MOP$519.629,55 estando os cálculos realizados pela sentença recorrida, salvo o devido respeito, manifestamente errados;
L. O valor a pagar ao Autor, concluindo-se que é devido, sê-lo-á em dobro, mas tal valor global terá de levar em consideração o facto do trabalhador auferir um salário mensal por cada 30 dias de trabalho e de os dias de descanso semanal já terem sido pagos em singelo;
M. Uma vez que o Autor já recebeu os dias de descanso semanal em singelo, agora teria apenas direito a receber o dobro, isto é 100% do que já recebeu;
N. Se para além de já ter recebido um dia em singelo no salário, também recebeu, como esclareceu o despacho de 24 de Abril de 2014 "as remunerações e compensações pelo trabalho dos dias de descanso semanal" , então o Autor nada mais teria a receber;
O. Ainda que assim não fosse, nunca o valor a pagar poderia ser aquele a que a sentença recorrida chegou, porque nesse caso só haveria a pagar o dia de descanso semanal compensatório.
P. A douta sentença recorrida violou as disposições constantes dos artigos 571.°, n.º 1, alíneas b) e c) e 562.°, n.º 2 e 3 do CPC e, ainda, o artigo 17.°, n.º 6, alínea a), conjugada com a disposição do artigo 26.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
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O Autor respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 835 a 847 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foi considerada como provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
­ A Ré, anteriormente designada por SECURICOR MACAU LIMITADA é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alíneas A) dos factos assentes)
­ Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (alíneas B) dos factos assentes)
­ Entre 26/07/1994 e 14/10/2007, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”. (alíneas C) dos factos assentes)
­ Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alíneas D) dos factos assentes)
­ Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alíneas E) dos factos assentes)
­ Durante todo o período de tempo referido na alínea C), foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (alíneas F) dos factos assentes)
­ Ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º43/94, o Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e prestou a sua actividade para a Ré. (alíneas G) dos factos assentes)
­ Ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º07/97, o Autor, e os demais trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, teria o direito a auferir, no mínimo, MOP$110,00 diárias, acrescidas de MOP$20,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade “igual ao salário de quatro dias”, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (alíneas H) dos factos assentes)
­ Durante todo o período da relação entre a Ré e o Autor, excepto Janeiro de 2003 e Janeiro de 2005, nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho. (Resposta ao quesito 6º da base instrutória)
­ Durante todo o período da relação entre a Ré e o Autor, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal, nem concedido nenhum dia de descanso compensatório. (Resposta ao quesito 8º e 9º da base instrutória)
­ Durante o ano de 1994, o Autor trabalhou 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (Resposta ao quesito 10º da base instrutória)
­ Durante aquele período de tempo, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor. (Resposta ao quesito 11º da base instrutória)
­ Durante os anos de 1996 a 2003, o Autor trabalhou 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (Resposta ao quesito 12º da base instrutória)
­ Durante aquele período de tempo, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor. (Resposta ao quesito 13º da base instrutória)
­ O Autor auferiu da Ré a título de salário as seguintes quantias:
- MOP$35,000.00 em 1994;
- MOP$80,000.00 em 1995;
- MOP$89,611.30 em 1996;
- MOP$99,445.70 em 1997;
- MOP$91,884.00 em 1998;
- MOP$89,820.70 em 1999;
- MOP$90,737.18 em 2000;
- MOP$90,026.75 em 2001;
- MOP $94,539.50 em 2002;
- MOP $98,330.05 em 2003;
- MOP $104,904.20 em 2004;
- MOP $89,784.76 em 2005;
- MOP $84,604.97 em 2006;
- MOP $78,681.62 em 2007. (Quesito 14º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ O Autor era trabalhador não residente. (Resposta ao quesito 15º da base instrutória)
­ 被告已經向原告支付了其有權領取的膳食津貼。(Resposta ao quesito 17º da base instrutória)
­ 原告在2003年01月缺勤1天、在2005年01月缺勤1天。(Resposta ao quesito 19º da base instrutória)
­ 除原告已享受的周假及第19條所指的缺勤期間外,被告已向原告支付了膳食津貼。(Resposta ao quesito 20º da base instrutória)
­ 被告已經向原告支付了除第19條所指的缺勤的月份外的勤工獎。 (Resposta ao quesito 21º da base instrutória)
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III – Fundamentação
 Do recurso interlocutório
Após a apresentação da contestação, o Autor vem, com recurso aos nºs 1 e 2 do artº 217º do CPCM, pedir “a ampliação ou desenvolvimento” do pedido, formulando consequentemente, entre outros, os seguintes pedidos:
- o cálculo da compensação do não gozo dos dias de descanso semanal seja feito com base no salário diário resultante da média do rendimento total de cada ano, em vez do salário diário acordado; e
- a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de MOP$173.282,00, a título de compensação dos dias de descanso compensatório não gozados.
Por despacho saneador de 30/07/2013, foi deferida a requerida ampliação do pedido ao abrigo do artº 217º do CPCM.
Na óptica da Ré, ao caso sub justice deveria aplicar-se a regra própria prevista no artº 16º do CPT e não a do artº 217º do CPCM e a decisão a quo ao admitir a requerida ampliação do pedido, violou o referido artº 16º do CPT.
Quid iuris?
Dispõe o artº 16º do CPT que:
1. Se até à audiência de discussão e julgamento ocorrerem factos que permitam ao autor deduzir contra o réu novos pedidos, pode ser aditada a petição inicial, desde que a todos os pedidos corresponda a mesma espécie de processo.
2. Tratando-se de factos ocorridos antes da propositura da acção, o autor pode ainda deduzir novos pedidos, nos termos do número anterior, desde que justifique a impossibilidade da sua inclusão na petição inicial.
3. Nos casos previstos nos números anteriores, o réu é notificado para responder, tanto à matéria do aditamento como à da sua admissibilidade
Como se vê, o CPT prevê regra própria para novos pedidos na fase posterior da petição inicial, nos termos da qual só é admissível a formulação de novos pedidos quando ocorrerem factos que permitam para o efeito e desde que a todos os pedidos corresponda à mesma espécie de processo. Tratando-se de factos ocorridos antes da propositura da acção, o autor pode ainda deduzir novos pedidos desde que justifique a impossibilidade da sua inclusão na petição inicial.
Portanto, deve aplicar-se esta regra aos casos de formulação de novos pedidos.
O Autor aditou um novo pedido relativo à compensação dos dias de descanso compensatório não gozados.
Esse pedido não deriva de factos que ocorreram após a propositura da acção.
Bem pelo contrário, o facto do não gozo dos dias de descanso compensatório já constava da petição inicial, só que o Autor não formulou o respectivo pedido por razões que desconhecemos.
O Autor não justificou a impossibilidade da sua inclusão na petição inicial, conforme é exigido pelo nº 2 do artº 16º do CPT.
Tratando-se de factos anteriores e não tendo sido cumprido o dever de justificação nos termos legais, o Tribunal a quo não podia admitir esse novo pedido, tendo-o admitido, violou o disposto no nº 2 do artº 16º do CPT.
Em relação ao outro pedido, não se trata de um novo pedido, mas sim uma alteração do anterior formulado no sentido de ampliar o valor inicialmente peticionado, resultante da nova base de cálculo (no salário diário resultante da média do rendimento total de cada ano e não no salário diário acordado no contrato).
Esse pedido, a nosso ver, não cabe na previsão do artº 16º do CPT por não ser um pedido novo e uma vez que do CPT não consta o regime próprio para este tipo de situação, é de aplicar subsidiariamente o regime previsto no artº 217º do CPCM.
Estabelece o artº 217º do CPCM que:
1. Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor.
2. O pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em primeira instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
3. Se a modificação do pedido for feita na audiência de discussão e julgamento, fica a constar da acta respectiva.
4. O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 333.º do Código Civil, pode ser deduzido nos termos da segunda parte do n.º 2.
5. Nas acções de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância, a condenação do réu nos termos do artigo 561.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.
6. É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
Como é sabido, não existe o articulado com o nome de réplica nos processos de trabalho, existindo sim a chamada “resposta” (artº 33º do CPT), que tem no fundo a mesma função processual da réplica.
Neste contexto, ao aplicar subsidiariamente o artº 217º do CPCM aos processos de trabalho, o articulado “réplica” nele referido deve ser entendido como “resposta” a que se refere o artº 33º do CPT.
O legislador permite a ampliação livre, tanto da causa de pedir como do pedido, na réplica, desde que o processo admita esta peça processual.
Assim e num primeiro momento, poderá pensar que o Tribunal a quo andou bem ao admitir a requerida ampliação do pedido nesta parte.
No entanto e salvo o devido respeito, entendemos de forma contrária.
O Autor pediu as diferenças salariais com base no salário diário acordado no valor de MOP$110,00 (cfr. artºs 51º a 68º da petição inicial), e para a compensação dos dias de descanso semanal não gozados, já no salário diário resultante da média do rendimento total de cada ano.
Ou seja, está a contradizer a sua própria afirmação feita no pedido das diferenças salariais, constituindo desde modo um acto de “venire contra factum proprium”, o que não é legalmente admissível, por incompatibilidade substancial da causa de pedir, ou sob pena de existir o eventual abuso de direito1.
Nesta conformidade, se conclui pela não admissão da ampliação do pedido em causa e o recurso não deixará de se julgar provido.
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 Do recurso final
O Tribunal a quo condenou a Ré a pagar ao Autor na quantia de MOP$519,629.55, com os juros de mora legais, a título de compensação dos dias de descanso semanal não gozados, com base no cálculo do salário diário resultante da média do rendimento total de cada ano.
Salvo o devido respeito, não achamos que o Tribunal procedeu de forma correcta.
Vejamos.
Em primeiro lugar, nos termos acima expostos, concedemos provimento ao recurso interlocutório, no sentido de não admitir a formulação do novo pedido e a ampliação do pedido inicial.
A consequência do provimento daquele recurso implica que o Tribunal tem de decidir em conformidade com o pedido, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir – nº 1 do artº 564º do CPCM.
Ciente de que o nº 3 do artº 42º do CPT permite que o Tribunal pode e deve, no âmbito do processo laboral, condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele, sempre que isso resulte da aplicação à matéria de facto de preceitos inderrogáveis das leis ou regulamentos.
Este poder/dever processual do Tribunal prende-se com a indisponibilidade dos créditos do trabalho, com vista a proteger os trabalhadores por ser a parte mais fraca em relação à entidade patronal na constância da relação laboral.
No entanto, tem sido consolidado na jurisprudência da RAEM, tanto do TSI2 como do TUI3, o entendimento de que a indisponibilidade dos créditos do trabalho cessa com a extinção da relação laboral, a partir da qual o trabalhador fica livre de dispor os seus créditos resultantes do trabalho, na medida em que desapareceu já o factor determinante da sua protecção especial – a existência da relação laboral.
Isto significa que após a cessação da relação laboral, o Tribunal deixa de ter o tal poder/dever, tem de decidir em conformidade com o pedido, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, que é o caso.
Por outro lado, resulta da sentença recorrida que a Ré pagou ao Autor, ao longo da duração da relação laboral, os subsídios de alimentação e de efectividade, bem como as remunerações das horas extraordinárias acordadas.
Portanto, o rendimento anual do Autor incluía certamente os referidos pagamentos.
Essas remunerações não devem fazer parte integrante do salário diário para efeitos do cálculo da compensação dos dias de descanso semanal não gozados, na medida em que foi estipulado de forma expressa um salário diário próprio, aceite por ambas as partes, pelo que deve relevar esse salário diário para determinar o quantum da compensação dos dias de descanso semanal não gozados.
Segundo o mapa de apuramento constante da sentença recorrida, o número total dos dias de descanso semanal não gozados é de 687 dias.
No entanto, o Autor só pediu na petição inicial a compensação de 640 dias (artº 94º da p.i.).
Nesta conformidade, o Autor tem direito de receber a quantia de MOP$140.800,00, resultante da aplicação da seguinte fórmula:
Nº de dias não gozados e pedidos X salário diário acordado X 2
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- conceder provimento ao recurso interlocutório, revogando a decisão recorrida;
- conceder provimento parcial ao recurso final, revogando a sentença recorrida, passando a condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$140.800,00, a título de compensação dos dias de descanso semanal não gozados, com juros de mora a partir do trânsito do presente aresto.
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Custas pelas partes na proporção de decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido ao Autor.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 19 de Março de 2015.

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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
_________________________
Tong Hio Fong
(Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição”, este “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
Provado que o Autor ora recorrente já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a ser pago pelo quádruplo do valor diário.)
1 No mesmo sentido, temos os Ac. do TSI, de 29/05/2014 e 19/06/2014, proferidos, respectivamente, nos Procs. nºs 98/204 e 146/2013.
2 A título exemplificativo, vejam-se os Acs. de 11/04/2013 (Proc. nº 910/2012), 24/07/2014 (Proc. nº 710/2013) e 09/10/2014 (Proc. nº 210/2014).

3 Os Acs. de 25/07/2012 (Proc. nº 44/2012), 17/04/2013 (Proc. nº 13/2013), 05/06/2013 (Proc. nº 21/2013), etc.
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