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  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
A, arguido no processo de recurso penal n.º 160/2014 do Tribunal de Segunda Instância, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para o Tribunal de Última Instância do Acórdão proferido nos mencionados autos, alegando que esta decisão judicial se encontrava em oposição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, com o Acórdão proferido em 23 de Julho de 2014 pelo Tribunal de Última Instância nos autos de recurso penal n.º 43/2014.
Na óptica do recorrente, verifica-se a oposição das soluções sobre a questão de saber se o assistente tem legitimidade e interesse em interpor recurso da sentença penal condenatória, com fundamento na sua discordância com a escolha e medida da pena, uma vez que, nos autos de recurso penal n.º 43/2014, o Tribunal de Última Instância decidiu que o assistente não pode recorrer quanto à escolha e medida da pena, a menos que demonstre, concretamente, um interesse próprio nessa impugnação, enquanto o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância sustentou que a assistente tem legitimidade e interesse em recorrer quanto à escolha e medida da pena.
Devidamente notificada, não respondeu a assistente.
Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Adjunta entendeu que estão reunidos todos os pressupostos legalmente exigidos para o recurso extraordinário, pelo que deve ser admitido o recurso, com prosseguimento dos respectivos trâmites.

2. Fundamentos
2.1. Os requisitos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, em processo penal
O art.º 419.º do Código de Processo Penal de Macau, na redacção introduzida pelo art.º 73.º da Lei n.º 9/1999, de 20 de Dezembro, prevê os fundamentos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, com a seguinte disposição:
“1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Tribunal de Última Instância proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou a parte civil podem recorrer, para uniformização de jurisprudência, do acórdão proferido em último lugar.
2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando o Tribunal de Segunda Instância proferir acórdão que esteja em oposição com outro do mesmo tribunal ou do Tribunal de Última Instância, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Tribunal de Última Instância.
3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.”

Decorre da norma transcrita que são requisitos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência:
- Existência de dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas;
- As decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação;
- O acórdão fundamento é anterior ao acórdão recorrido e se transitou em julgado;
- Não é admissível recurso ordinário do acórdão recorrido;
- O recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2.2. O caso concreto
Relativamente ao pressuposto sobre a existência de dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, tanto a doutrina como a jurisprudência apontam para a identidade da questão decidida em dois acórdãos e que a oposição entre as decisões deve ser expressa e não meramente implícita, não sendo bastante que numa das decisões possa ver-se aceitação tácita de doutrina contrária a outra decisão.1
No Acórdão proferido em 23 de Julho de 2014 e nos autos de recurso penal n.º 43/2014, e também no Acórdão proferido em 18 de Setembro de 2013 e no processo n.º 45/2013, o Tribunal de Última Instância decidiu o seguinte:
- O assistente não pode recorrer quanto à escolha e medida da pena, a menos que demonstre, concretamente, um interesse próprio nessa impugnação, como nos casos em que o assistente tenha deduzido acusação, aderido à acusação do Ministério Público ou pretendido que a suspensão da execução da pena aplicada deve ser decretada com a condição de pagamento da indemnização.
No Acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância decidiu em sentido oposto:
- Uma vez que a assistente considerou demasiado leve a pena de prisão aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido e a execução de tal pena não devia ter sido suspensa, a decisão do Tribunal a quo neste sentido foi proferida necessariamente contra a assistente, afectando-a, pelo que a assistente tem legitimidade e interesse para recorrer quanto à medida da pena e à suspensão da execução da pena. A legitimidade e o interesse da assistente não dependem da dedução da acusação penal na anterior fase judicial ou da adesão à acusação pública deduzida pelo Ministério Público, pois tais pressupostos não são enumerados no art.º 391.º n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código de Processo Penal.
Verifica-se, assim, a divergência das soluções vertidas nos dois Acórdãos sobre a mesma questão de direito, respeitante à legitimidade e interesse do assistente em interpor recurso da sentença condenatória com fundamento na sua discordância com a escolha e medida da pena.
Estamos no âmbito da mesma legislação, o Código de Processo Penal de Macau, reparando-se que as normas fundamentais para a solução da questão – os art.ºs 58.º e 391.º n.º 1, al. b) – não sofreram qualquer alteração.
O Acórdão fundamento é anterior ao Acórdão recorrido e já transitou em julgado.
Do Acórdão recorrido não é admissível recurso ordinário para o Tribunal de Última Instância, face à disposição no art.º 390.º n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal de Macau.
O presente recurso para a fixação de jurisprudência foi interposto no prazo legal, isto é, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, tendo este transitado em 9 de Outubro de 2014, tal como consta da certidão de fls. 17 dos autos.
E até à presente data este Tribunal de Última Instância não fixou jurisprudência sobre a questão em causa.
Estão assim preenchidos todos os pressupostos para que o Tribunal de Última Instância profira acórdão de uniformização de jurisprudência.

4. Decisão
Face ao expendido, determina-se o prosseguimento do recurso.
Notifique os sujeitos processuais interessados para apresentarem alegações (art.º 424.º n.º 1 do Código de Processo Penal de Macau).

Macau, 28 de Janeiro de 2015

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


1 Cfr. Acórdãos do TUI, de 14 de Maio de 2008 e de 11 de Março de 2009, nos Processos nº 10/2008 e 6/2009.
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Processo n.º 128/2014