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Processo n.º 2/2015. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Requerente: A.
Requeridos: B, C, D, E e F.
Assunto: Aclaração. Procedimentos cautelares. Artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Arrendamento. Renda. Conceito de direito.
Data do Acórdão: 22 de Abril de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima



ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A requereu a aclaração do acórdão proferido nos autos, a 4 de Março de 2015, na providência cautelar de restituição provisória da posse do rés-do-chão do prédio com o n.º 65 da [Endereço (1)], em Macau, que moveu contra B, C, D, E e F.

II – Fundamentação
1. Pretende a requerente saber a que acção principal se alude a fls. 11 do acórdão.
No requerimento inicial da providência a requerente alega que intentou uma acção de usucapião do prédio em questão. Embora a acção principal seja de restituição de posse – e a referência a principal foi um lapso do acórdão – é evidente que qualquer leitor do acórdão percebeu que a acção mencionada é a de usucapião, aquela a que a requerente alude em vários passos do requerimento.
2. O acórdão referiu que “percorre-se o requerimento da providência e não se detecta que a requerente tenha alegado factos que consubstanciem a posse pública e pacífica do direito de propriedade do domínio útil do prédio n.º 65 da [Endereço (1)]. Não a mera posse, mas a posse pública e pacífica”. E ainda que “Ora, a requerente limitou-se a alegar os conceitos de direito respeitantes à posse da loja, nem sequer do prédio que entendia ter adquirido. Mas não alegou factos. Posse pública e pacífica são conceitos de direito”.
Pretende a requerente saber como se compagina tal pretensa não invocação de factos com as circunstâncias de a locação do rés-do-chão ser um arrendamento de pretérito, ter havido uma investigação promovida pelas Finanças e de ter a requerente chamado ao local a PSP para identificar invasores.
Bom, quanto a este ponto, parece que a requerente deve pedir o esclarecimento a quem elaborou o requerimento inicial da providência, pois é a este requerimento que o acórdão apontou as debilidades.
3. Pretende a requerente saber que em que segmentos do requerimento inicial estará corporizada a invocação a actos de posse dirigidos à loja instalada no rés-do-chão do n.º 65 da [Endereço (1)].
No artigo 1.º do requerimento da providência diz-se que “A presente providência visa a restituição da posse relativamente ao rés-do-chão do n.º n.º 65 da [Endereço (1)], em Macau, até há alguns meses ocupado por uma loja, sendo sua senhoria a aqui requerente…”.
Ora, nos artigos 25.º e seguintes do mesmo requerimento, a requerente limita-se a alegar factos que consubstanciam posse quanto a este rés-do-chão.
Os segmentos são, pois, estes.
  4. Tendo o acórdão referido que “o Ex.mo Juiz não podia ter dado provados factos não alegados (artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), sem ter dado cumprimento ao disposto no artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Na verdade, transformou conceitos de direito (de forma pública, pacífica) em factos provados (com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém)”, pretende a requerente saber como se compagina tal pretensa preterição do contraditório com a circunstância de a subjacente providência ter sido requerida preliminarmente, com o pedido expresso para que o Tribunal decretasse, se assim o entendesse, sem a prévia audiência dos requeridos, tal como permite o artigo 330.º do Código de Processo Civil?
  Bom, tal como os esclarecimentos anteriormente solicitados, não está em causa qualquer falta de clareza do acórdão. O que talvez necessitasse de aclaração é esta pretensão da requerente, já que não se vislumbra nenhuma relação entre o cumprimento do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com o pedido do requerente de providência para que esta seja decretada sem audiência do requerido.
Por outro lado, esclarece-se a requerente que o disposto no artigo 330.º do Código de Processo Civil não é aplicável à restituição provisória da posse, sendo a disposição pertinente a do artigo 339.º, n.º 1, do mesmo Código, donde resulta que neste procedimento juiz não pode citar nem ouvir o requerido.
Pergunta, ainda a requerente, como se compagina tal pretensa preterição do contraditório com a circunstância de ter sido deduzida oposição por parte de alguns dos 5 requeridos.
Esclarece-se a requerente (não que o acórdão seja menos claro, mas apenas porque a requerente precisa mesmo de ser elucidada) que o contraditório previsto no artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, é especificamente dirigido à parte que não alegou os factos necessários, isto é, à requerente (e também à parte contrária), sobre a consideração pelo tribunal de tais factos essenciais à procedência das pretensões formuladas e não tem nenhuma relação com a citação para contestar, ou mais concretamente para deduzir oposição. São coisas diversas, como é bem de ver.
5. Tendo o acórdão referido que “que os factos resultantes da transformação dos conceitos de direito referem-se à posse da loja do prédio com o n.º 65, o que não permitiriam nunca a aquisição do prédio com o n.º 65”, pergunta a requerente onde no requerimento inicial tais factos são direccionados à loja e não ao imóvel e como se compagina a alusão ao uso da loja a circunstância de esse espaço físico ter estado dado sempre em locação.
Resposta: no artigo 83.º do requerimento inicial, como se retira claramente do acórdão. Quanto ao resto, não cabe fazer qualquer comentário dado que não está em causa qualquer ambiguidade do acórdão.
6. Tendo o acórdão referido que «após produção da prova, o Ex.mo Juiz considerou provados alguns dos factos do requerimento, mas neles não consta o artigo 83.º (fls. 811 e 812). Considerou-o como não provado (“O demais articulado pela requerente na petição inicial não se provou…”)», pergunta a requerente como se compagina tal menção com a circunstância de, em audiência, o respectivo Juiz ter referido que esse artigo 83.º fora por si considerado parcialmente provado.
Que no julgamento da matéria de facto o Ex.mo Juiz considerou provados alguns dos factos do requerimento, mas neles não consta o artigo 83.º (fls. 811 e 812). Considerou-o como não provado (“O demais articulado pela requerente na petição inicial não se provou…”) isso resulta da acta constante do processo que a requerente pode ler, se é que não o fez já, como era sua obrigação antes de deduzir o presente pedido de esclarecimento. Quanto ao mais, parece que a requerente deve dirigir o pedido de aclaração ao Ex.mo Juiz de 1.ª Instância.
7. Tendo o acórdão referido que “É que a renda que o G pagava à requerente refere-se à loja do n.º 65, sendo que a renda que a requerente pagava referia-se ao prédio com o n.º 67. A arrendatária deixou de pagar rendas, mas não disse ao senhorio, nem a ninguém, que o fazia por considerar o prédio seu”, pretende saber a requerente o seguinte:
“Como se compagina tal referência a um dito, putativo e pretenso pagamento de rendas por parte da recorrida em relação ao n.º 67 (ou, em bom rigor, face a qualquer imóvel), quando ficou assente e demonstrado que o que quer que a aqui recorrida pagasse a quem quer que fosse o era tão-somente e não mais que uma contribuição ou quantia mensal, que não “renda”, tal qual os requeridos haviam alegado e, após produção de prova em juízo com pleno contraditório, o Tribunal como que “reduziu” à mera medida do pagamento de uma “quantia mensal”, como se alcança dos pontos 2 e 8 da decisão citada a fls. 8 e 9 do douto Acórdão aclarando?”
O que ficou provado foi o pagamento de uma quantia pela utilização de um imóvel (A Requerente, até ao ano 2007, sempre pagou uma quantia mensal à Associação B, relativamente ao n.º 67 da [Endereço (1)]. Em 2007, a Requerente deixou de pagar as quantias mensais que pagavam a “B”. A Requerente efectuou o último pagamento em 27 de Abril de 2007).
O Tribunal de 1.ª Instância não podia ter dado como provado que se tratava de renda, dado que esta constitui um conceito de direito, a contraprestação relativa a locação de imóvel (artigo 969.º do Código Civil). Se o tivesse feito, tal resposta seria de considerar como não escrita (artigo 549.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
A qualificação jurídica feita pelo acórdão recorrido da retribuição paga pela utilização de imóvel pode ser contestada, mas não se vislumbra vantagem na utilização do incidente de aclaração para a requerente expressar discordância sobre o sentido do acórdão.
  
III - Decisão
Com o que se indefere na totalidade o pedido de aclaração, com custas do incidente pela requerente.
Macau, 22 de Abril de 2015.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
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