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Processo n.º 198/2014
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 19/Março/2015


ASSUNTOS:
- Litigância de má-fé
    
    
    SUMÁRIO :
1. O nº 2 do art. 9º do CPC exige que as partes litiguem sem que formulem conscientemente pedidos ilegais e sem que articulem “factos contrários à verdade” ou requeiram “diligências meramente dilatórias”.
2. Na má-fé material o dolo pode surgir directo, caracterizado pela alteração consciente da verdade dos factos ou omissão de factos essenciais, ou indirecto, com dedução de pretensão cuja falta de fundamento se não ignora.
3. Não litiga de má-fé a parte se há elementos objectivos que justifiquem a sua dúvida quanto a uma sociedade que aparece na acção não exactamente identificada nos mesmos termos do contrato celebrado.
              O Relator,
              João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 198/2014
(Recurso Cível)
Data : 19/Março/2015

Recorrente : A

Recorrida : Companhia de Engenharia B, Lda.

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    A, Réu nos autos supra epigrafados (nos quais a Autora é a Companhia de Engenharia B, Limitada (B工程有限公司) que, contra si, intentou uma acção de prestação de contas em relação a três obras, na sequência de um contrato de associação e empreendedorismo que ambos fizeram), inconformado com a sua condenação como litigante de má-fé, vem interpor recurso, concluindo:

1. O recorrente só interpôs recurso da decisão do TJB na parte em que foi o recorrente declarado como litigante de má fé e condenado em multa.
2. No que diz respeito ao «Acordo de Cooperação para Exploração de Actividades» celebrado entre a Companhia de Construção e Engenharia C e a Empresa de Mobiliário e Obras de Decoração Interior D, a Autora não esclareceu nem provou na petição inicial as relações entre a Companhia de Construção e Engenharia C e a Autora Companhia de Engenharia B, Lda.
3. Concretamente dito, o empresário que explora a empresa comercial Companhia de Construção e Engenharia C é, afinal, a Autora Companhia de Engenharia B, Lda., ou E, ou outra pessoa? Na petição inicial não se deu resposta, levando o Réu a duvidar a legitimidade da Autora.
4. O Réu também não ignorou o reconhecimento de assinaturas na última página do «Acordo de Cooperação para Exploração de Actividades», reparando que nele só foi certificado que o signatário E apôs a respectiva assinatura enquanto membro do órgão administrativo da Companhia de Engenharia B, Lda., sem demonstrar ou referir se a empresa comercial Companhia de Construção e Engenharia C é explorada pela Autora Companhia de Engenharia B, Lda., o que, mais uma vez, conduziu o Réu a duvidar a legitimidade da Autora, vindo o mesmo, assim, colocar a respectiva questão prévia na contestação.
5. Ainda por cima, foi com base nos documentos comprovativos apresentados pela Autora três dias antes da audiência de discussão e julgamento e noutras provas produzidas durante a audiência que o Tribunal a quo chegou a dar como provado que a Autora goza de legitimidade.
6. Por isso, o Réu não alterou com dolo a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, já que só levantou a respectiva questão prévia na contestação porque na altura não havia nos autos provas suficientes que demonstrassem a legitimidade da Autora. Por causa desta promoção, a Autora teria de provar a sua legitimidade aquando da apresentação de provas, com vista à clarificação de todas as questões no caso vertente e à descoberta da verdade dos factos.
7. Face ao exposto, é incorrecta e contrária ao disposto no art.º 385.º do CPC a conclusão tirada pelo Tribunal a quo de que “é óbvio o Réu, com dolo, ter alterado a verdade dos factos relevantes para a decisão da presente causa, de maneira a negar à Autora o direito de lhe exigir contas.”

Pelo exposto, solicita-se que se julgue procedente o presente recurso, no sentido de anular o acórdão do TJB na parte em que foi o recorrente declarado como litigante de má fé e condenado em multa.

Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Foi proferida sentenção em que se fixaram os factos seguintes:
- A Companhia de Engenharia B, Limitada está registada em Macau, exerce principalmente a actividade de construção e manutenção de imóveis, nomeadamente, obras de construção, maquinaria, água e electricidade, prevenção de incêndios, ar condicionado e obras de canalização. (alínea A) dos factos assentes)
- O réu é dono da Empresa de Mobiliário e Obras de Decoração Interior D, sito no Beco dos Colonos n.º 2, Edf. Fa Wong 4º C, exerce a actividade de construção e decoração interior. (alínea B) dos factos assentes)
- O réu e E Subscreveram um acordo redigido em língua chinesa e cujo teor traduzido para a língua portuguesa é o seguinte: (alínea C) dos factos assentes)
ACORDO DE COOPERAÇÃO
PARA EXPLORAÇÃO DE ACTIVIDADES
Contraentes:
Parte A:
Companhia de Construção e Engenharia C, registada na Direcção dos Serviços de Finanças sob o estabelecimento n.º XXX (Processo de Contribuição Industrial)
Endereço: XXX, Macau
Telefone de contacto: XXX (adiante designada por “Engenharia C”)
Parte B:
Empresa de Mobiliário e Obras de Decoração Interior D, registada na Direcção dos Serviços de Finanças de Macau sob o estabelecimento n.º XXX (Processo de Contribuição Industrial)
Endereço: XXX, Macau
Telefone de contacto: XXX (adiante designada por “Construção D”)
Baseando-se no princípio de igualdade e benefício mútuo, a Parte A, “Engenharia C”, e a Parte B, “Construção D”, procedem à cooperação para exploração de actividades e celebram o presente acordo, sujeito às seguintes cláusulas e condições:
1. Prazo de cooperação: A “Engenharia C” e a “Construção D” procedem à cooperação de actividades a partir da celebração do presente acordo até que as duas partes ponham termo à cooperação conforme o mencionado na cláusula 9ª.
2. Forma de cooperação: A partir da celebração do presente acordo, a “Engenharia C” e a “Construção D” vão receber conjuntamente as obras deste ramo de actividade, incluindo as das empresas comerciais privadas, das empresas públicas ou de outros órgãos ou entidades da RAEM e públicos, obras essas serão executadas pela “Engenharia C” e pela “Construção D” em conjunto, devendo os mesmos introduzir as respectivas técnicas. Durante a negociação para recepção de obras, poderão as duas partes receber obras e celebrar os respectivos contratos em nome individual, sem prejuízo à alteração, no futuro, da execução da(s) determinada(s) obra(s) em nome associado mediante deliberação à parte. Independentemente de as obras serem recebidas em nome individual ou em nome conjunto ou em nome associado, serão executadas pela “Engenharia C” e pela “Construção D” em conjunto.
3. Distribuição de lucros e partilha de prejuízos: Os lucros e os prejuízos provenientes do funcionamento durante o período de cooperação entre a “Engenharia C” e a “Construção D” serão liquidados anualmente e distribuídos e partilhados pelas duas partes em proporção de 50% cada.
4. Investimento de capital: Relativamente às obras recebidas pela “Engenharia C” e pela “Construção D” em conjunto (independentemente de serem recebidas em nome da “Engenharia C”, ou em nome da “Construção D”, ou em nome associado), deverão as duas partes investir capital, equipamentos e recursos humanos em proporção de 50% cada.
5. Administração de funcionamento: Durante o período de cooperação, as duas partes gerem respectivamente o funcionamento do seu próprio estabelecimento. E em relação às obras recebidas em nome da “Engenharia C”, ou em nome da “Construção D”, ou em nome associado, terão que obter primeiro o consentimento de outra parte, de modo a proceder ao planeamento, preparação e execução das obras em conjunto. As obras recebidas pela “Engenharia C”, esta vai ser o responsável do projecto (representada pelo Sr. E), enquanto que as recebidas pela “Construção D”, este vai ser o responsável do projecto (representado pelo Sr. A), sem prejuízo à substituição pela outra parte, no futuro, do cargo de responsável do projecto da(s) determinada(s) obra(s), mediante deliberação à parte (sic). Durante o período de cooperação, deverão as duas partes negociar a distribuição de tarefas no âmbito de execução, administração e supervisão das obras, assim como responder perante o outro. No que diz respeito aos assuntos importantes para a cooperação, incluindo e não se limitando a recepção ou não de determinada obra, o empréstimo por financiamento e garantia para a execução das obras, o design das obras, a subempreitada das obras, o cálculo do preço das obras, o desenvolvimento das técnicas, o planeamento do projecto especializado, a distribuição de lucros e a partilha de prejuízos, os demais assuntos relacionados com contratos de recepção ou de subempreitada das obras, e as modificações e o termo da cooperação, as duas partes terão de realizar reuniões para se discutirem e tomarem deliberação, sob pena de serem nulos tais actos. Os assuntos discutidos na reunião serão registados por escrito.
6. Livro de contas: Em relação às obras objecto de cooperação, terá que ter livro de contabilidade e de contas independente, de modo a assegurar que o capital investido pelas duas partes tenha sido aplicado nas devidas modalidades, podendo cada um dos contraentes consultar tal livro e todas as informações respeitantes às obras.
7. Transmissão do estabelecimento: Durante o período de cooperação, as duas partes deixarão de poder transmitir para terceira pessoa o seu próprio estabelecimento comercial, ou seja a “Engenharia C” e a “Construção D”, sem o consentimento da outra parte.
8. Património comum: Não será criado qualquer património comum para a cooperação das duas partes, o que significa que os bens possuídos pela “Engenharia C” ou pelo seu proprietário antes de celebrar o presente acordo continuarão a pertencer aos mesmos, enquanto que os bens possuídos pela “Construção D” ou pelo seu proprietário antes de celebrar o presente acordo continuarão a pertencer aos mesmos. Desde a celebração do presente acordo até ao termo da cooperação, as duas partes não poderão criar qualquer património comum, ao abrigo das estipulações do Código Comercial em vigor. Para tal, os bens criados pelas duas partes em nome próprio durante o período de cooperação pertencerão a si próprio, não tendo nada a ver com a outra parte.
9. Termo de cooperação: As duas partes concordam que uma das partes poderá apresentar a cessação da cooperação por escrito, e deixarão de receber novas obras a serem executadas por ambas desde que a outra parte tenha recebido a notificação de tal cessação. No entanto, quanto àquelas obras que tinham sido recebidas antes da apresentação da cessação e ainda não foram acabadas, a cooperação será mantida até ao fim das obras, procedendo-se a liquidação e após as devidas distribuição de lucros e partilha de prejuízos, em relação aos patrimónios e dívidas, consoante a proporção, terminar-se-á esta cooperação.
10. Esta cooperação não impede que o proprietário da “Engenharia C” ou qualquer outro estabelecimento comercial da sua pertença receba obras individualmente ou em cooperação com terceira pessoa, nem tão pouco impede que o proprietário da “Construção D” ou qualquer outro estabelecimento comercial da sua pertença receba obras individualmente ou em cooperação com terceira pessoa.
11. Durante o período de cooperação, os contactos por escrito e telefónicos entre as duas partes terão como base o presente acordo. Caso haja qualquer modificação, terá que notificar imediatamente a outra parte, caso contrário, as notificações emitidas por qualquer uma das partes serão consideradas remetidas e recebidas pela outra parte.
12. Em casos omissos, o presente acordo reger-se-á em conformidade com a lei vigente em Macau.
13. O presente acordo é lavrado em duplicado e produz efeitos depois de devidamente assinado pelos proprietários das duas partes, ficando a “Engenharia C” e a “Construção D” com um exemplar para servir de prova.
Parte A: (assinatura - vide o original)
Contraentes:
Celebrado em Macau, aos 27 de Outubro de 2006
CARTÓRIO DO NOTÁRIO PRIVADO ARTUR ROBARTS
Certifico que a assinatura da Parte A, supra, foi feita pelo E (XXX) perante mim, cuja identidade verifiquei através da exibição do BIRPM n.º XXX emitido pela DSI no dia 29 de Maio de 2006. Ao mesmo tempo, certifico igualmente que o signatário é membro do órgão administrativo da “COMPANHIA DE ENGENHARIA B, LIMITADA” e que tem poderes necessários para a prática deste acto, através da exibição da certidão do registo comercial emitida pela Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau em 18/08/2006.

Macau, aos 27 de Outubro de 2006
O Notário Privado
Ass.: vide o original
N.º
Emolumento: $14,00
Certifico que a assinatura da Parte B, supra, foi feita pelo A (XXX) perante mim, cuja identidade verifiquei através da exibição do BIRPM n.º XXX emitido pela DSI no dia 18 de Março de 2005.
Macau, aos 27 de Outubro de 2006
O Notário Privado
Ass.: vide o original
N.º
Emolumentos: $7,00
- Conforme as cláusulas 2ª a 4ª do acordo, os contraentes acordaram em investir 50% de capital por cada obra recebida, a fim de a executarem. (alínea D) dos factos assentes)
- E a parte que recebesse qualquer obra, deveria lavrar um registo de conta independente para a obra recebida, para, após concluir a respectiva obra ou no final de cada ano, poderem fazer a liquidação das contas e a distribuição de lucros. (alínea E) dos factos assentes)
- Autora e réu ainda não fizeram as contas relativas às três obras que a autora alega. (alínea F) dos factos assentes)
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Base instrutória:
- Ma Io Ieong subscreveu o acordo referido em C) dos factos assentes em representação da autora. (ponto 1º da base instrutória)
- Em 27 de Outubro de 2006, a Empresa de Mobiliário e Obras de Decoração Interior D (exercida pelo Réu A) e a Autora Companhia de Engenharia B, Limitada, declararam por escrito cooperar entre si no âmbito da respectiva actividade nos termos de acordo referido em C) dos factos assentes. (ponto 3º da base instrutória)
- Em 2006, A. e R. conforme o acordo de associação celebrado por ambos, receberam a obra de optimização do gabinete I-109 do Instituto de Formação Turística de Macau (adiante, IFTM). (ponto 5º da base instrutória)
- Para a execução de tal obra, a A. pagou salários aos trabalhadores, materiais e aluguer de maquinaria no montante total de MOP$54.583,00. (ponto 8º da base instrutória)
- Em 2006, A. e R. conforme o acordo de associação celebrado por ambos, receberam a obra de expansão nas consultas externas de pneumologia e oftalmologia do Centro Hospitalar Conde São Januário. (ponto 9º da base instrutória)
- O preço inicialmente fixado da referida obra foi de MOP$1.703.322,50. (ponto 10º da base instrutória)
- O R. e o CHCSJ celebraram o acordo que denominaram de «Contrato de obras de expansão nas consultas externas de pneumologia e oftalmologia celebrados enre CHCSJ e A». (ponto 11º da base instrutória)
- O R. informou a A. sobre o conteúdo da referida obra. (ponto 12º da base instrutória)
- Pelo que, a Autora pagou as despesas notariais de contrato referido na resposta do quesito 11º no montante de MOP$11.920,00. (ponto 14º da base instrutória)
- Relativamente a tal obra, a A. depositou no Banco da China, sucursal Macau o montante de MOP$85.166,10, como caução. (ponto 15º da base instrutória)
- Relativamente a tal obra, a A. pagou salários aos trabalhadores, materiais, aluguer de maquinaria, para o contrato administrativo no montante de HKD$8.032,50 e de MOP$361.518,80. (ponto 17º da base instrutória)
- Em 2006, A. e R. conforme o acordo de associação celebrado por ambos, receberam a Obra de reconstrução da Anatomia Patológica do CHCSJ. (ponto 19º da base instrutória)
- O preço da referida obra foi de MOP$952.430,50. (ponto 20º da base instrutória)
- O R. e o CHCSJ celebraram o acordo para realização da «obra de reconstrução da Anatomia Patológica». (ponto 21º da base instrutória)
- Relativamente a tal obra, A. depositou no Banco da China, sucursal Macau o montante de MOP$47.621,50, como caução da referida obra. (ponto 23º da base instrutória)
- Relativamente a tal obra, as despesas pagas pela A. com salários dos trabalhadores, custo dos materiais e de aluguer de maquinaria, foram de MOP$228.545,00. (ponto 25º da base instrutória)
    
    III – FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa apenas por saber se se deve manter a condenação do R. A como litigante de má-fé.
    
    2. Por sentença de 3 de Setembro de 2013, a Mma Juíza ali fez exarar o seguinte:
“Quando analisava acima se a Autora é outorgante do acordo de cooperação para exploração de actividades, este Tribunal deu como provado que a Autora é realmente uma das partes contratuais.
Neste sentido, o Réu, sem dúvida, deduziu a impugnação quando tinha perfeito conhecimento de ser a Autora uma das partes do acordo. Na verdade, tal como disse a Autora, do acordo de fls. 21 a 23 dos autos (i.e., o acordo de cooperação para exploração de actividades datado de 27 de Outubro de 2006) consta explicitamente que o signatário E tem poderes necessários para celebrar o acordo em representação da Autora, através da exibição da certidão do registo comercial desta última, facto esse que também consta expressamente na alínea C) dos factos assentes. Daqui se vê que o Réu, ignorando tais factos, indicou que é a Companhia de Construção e Engenharia C (C工程公司) uma das partes do acordo. Sendo o Réu um dos contraentes, não se pode dizer que ele agiu com erro involuntário.
...
Nos termos acima expendidos, é óbvio o Réu, com dolo, ter alterado a verdade dos factos relevantes para a decisão da presente causa, de maneira a negar à Autora o direito de lhe exigir contas.
...”
3. Dispõe o art. 385º do CPC:
“1. Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.”
A má-fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de probidade que o art. 9º impõe às partes.1
As imperfeições e um ou outro excesso de alegação inserem-se ainda dentro de algum calor de patrocínio ou numa interpretação subjectiva dos factos, o que não basta para sofrer qualquer condenação como litigante de má-fé no âmbito de qualquer dos processos e meios processuais.
De realçar que o litigar conscientemente contra lei expressa integra lide temerária e menos proba sendo susceptível de integrar a previsão do artº 385º/2 do CPC.
Aí se distingue entre dolo substancial (1ª parte) e dolo instrumental (2ª parte).
Sendo que a má-fé material diz respeito ao fundo da causa, à relação substancial deduzida em juízo; a má-fé instrumental diz respeito a questões de natureza processual.2
Ora, o nº 2 do art. 9º do CPC exige que as partes litiguem sem que formulem conscientemente pedidos ilegais e sem que articulem “factos contrários à verdade” ou requeiram “diligências meramente dilatórias”.
Na má-fé material o dolo pode surgir directo, caracterizado pela alteração consciente da verdade dos factos ou omissão de factos essenciais, ou indirecto, com dedução de pretensão cuja falta de fundamento se não ignora.
Não obstante a existência de um nexo típico entre a alteração da matéria de facto e a intencionalidade do agente, a lei prescinde dele, desinteressando-se das finalidades últimas do agente. A ilicitude reside, desde logo, na actuação da parte, que viola os deveres de verdade e de boa fé processual.3
Já a má-fé instrumental consiste no uso de “meios processuais” reprováveis, “com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça”4.
Para que se verifique esta litigância de má-fé é necessário que a parte tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso, não apenas reprovável, mas manifestamente reprovável.
4. Está em causa uma pretensa litigância que abrange os dois tipos: enquanto se visa negar à contraparte o direito de pedir contas; enquanto se procura dificultar o exercício desse direito por via de uma questão adjectiva, em que o Réu, supostamente para dificultar e entorpecer a acção da justiça terá sustentado, pretensamente, fazendo-se de novas, de que não sabia que fora com a sociedade autora que fizera o negócio de parceria.
À primeira vista parece impressionar que alguém não saiba a quem se associa, mas importa atentar no facto de que o réu negoceia com pessoas, em particular com E e é natural que a partir desse momento seja essa pessoa que sobreleva na realização da contraparte, desvalorizando-se a sociedade que ele representa.
Uma coisa é indiscutível; o nome da C.ª C não é o mesmo que B e é aquele que aparece no cabeçalho do contrato.
A Autora intentou a acção de prestação de contas com base no «Acordo de Cooperação para Exploração de Actividades» celebrado entre a Companhia de Construção e Engenharia C (C工程公司) e a Empresa de Mobiliário e Obras de Decoração Interior D no dia 27 de Outubro de 2006.
Alega o R., ora recorrente, que a Autora afirmou na petição inicial que a Empresa de Mobiliário e Obras de Decoração Interior D, uma das outorgantes do dito «Acordo de Cooperação para Exploração de Actividades», é explorada pelo Réu, tendo ainda apresentado uma certidão emitida pela DSF relativa aos dados constantes do cadastro da contribuição industrial.Contudo, a Autora não esclareceu nem provou na petição inicial as relações entre a outra outorgante do «Acordo de Cooperação para Exploração de Actividades» - Companhia de Construção e Engenharia C - e a Autora Companhia de Engenharia B, Lda., ficando-se sem saber se o empresário que explora a empresa comercial Companhia de Construção e Engenharia C é, afinal, a Autora Companhia de Engenharia B, Lda., E, ou outra pessoa. Na petição inicial não se deu resposta, levando o Réu a duvidar da legitimidade da Autora.
Mais afirma que também não ignorou o reconhecimento de assinaturas na última página do «Acordo de Cooperação para Exploração de Actividades», reparando que nele só foi certificado que o signatário E apôs a respectiva assinatura enquanto membro do órgão administrativo da Companhia de Engenharia B, Lda., sem demonstrar ou referir se a empresa comercial Companhia de Construção e Engenharia C é explorada pela Autora Companhia de Engenharia B, Lda., o que, mais uma vez, conduziu o Réu a duvidar a legitimidade da Autora, vindo o mesmo, assim, colocar a respectiva questão prévia na contestação.
Afigura-se que as razões que se suscitaram ao Réu são legítimas e se justifica, vistas as discrepâncias, se interrogue sobre a pessoa jurídica que lhe vem pedir contas.
Tanto assim que, se as coisas fossem tão claras, o elemento que levou a concluir no sentido da má-fé, já resultava do facto especificado na alínea C) da base instrutória, então não teria sido quesitado nos dois primeiros artigos do questionário: E subscreveu o acordo referido em C) dos factos assentes em representação da autora? Subscreveu tal acordo em representação da Companhia de Construção e Engenharia C e não da autora?
Não podemos ignorar que a personalidade colectiva é uma ficção e por vezes esconde conglomerados ou relações entre pessoas físicas singulares e colectivas nem sempre facilmente perceptíveis
Tanto assim, que a dúvida era legítima, que só no dia 19 de Novembro de 2012, ou seja, três dias antes da data designada pelo Tribunal a quo para a audiência de discussão e julgamento (22 de Novembro de 2012), a Autora apresentou ao Tribunal a quo dois documentos complementares, nomeadamente os conhecimentos de cobrança de contribuição industrial (M/8) da Autora Companhia de Engenharia B, Lda. e da empresa comercial Companhia de Construção e Engenharia C, com vista a comprovar a sua legitimidade, tendo sido com base em tais documentos comprovativos e noutras provas produzidas na audiência de julgamento que o Tribunal a quo veio a dar como provado a mesma identidade entre as duas companhias diferentemente nominadas.
Entende-se, pois, não haver elementos para concluir no sentido de que o Réu litigou com má-fé, não se tendo assim por óbvio que o Réu, com dolo, tenha alterado a verdade dos factos relevantes para a decisão da presente causa, de maneira a negar à Autora o direito de lhe exigir contas ou de entorpecer a acção da justiça.
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelo recorrente.
Macau, 19 de Março de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Manuel de. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 356
2 - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado”, II, 263
3 Já antes da expressa consagração de um dever de boa fé processual no art. 266-A, escrevia ALBERTO DOS REIS : “As partes têm o dever de, conscientemente, não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade, não requerer diligências meramente dilatórias, numa palavra, têm o dever de proceder de boa fé”. Código de processo Civil anotado, vol. II, sub art. 465, p. 263.
4 - Prof. M. Andarde, ob. cit. 357
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