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Processo n.º 25/2015. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Segurança.
Assunto: Suspensão da eficácia do acto. Recurso jurisdicional. Requerimento de interposição de recurso sem alegação. Preclusão.
Data da Sessão: 29 de Abril de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
Tendo sido apresentado requerimento de interposição de recurso jurisdicional, em processo urgente, no contencioso administrativo, sem que no prazo para tal interposição tenha sido incluída ou junta a respectiva alegação, como impõe o n.º 1 do artigo 160.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, dá-se a preclusão da prática do acto processual em questão, não devendo o juiz do processo ou o relator, proferir despacho a convidar a parte a apresentar a alegação em falta, em prazo a fixar, mas já fora do prazo previsto na lei para a interposição de recurso com a alegação.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório e factos pertinentes
A requereu a suspensão da eficácia do despacho do Secretário para a Segurança, de 8 de Outubro de 2014, que lhe impôs a proibição de entrada em Macau pelo período de um ano.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI) indeferiu o requerido.
Notificado deste acórdão, veio o requerente A interpor recurso para o Tribunal de Última Instância (TUI), do mencionado acórdão, em simples requerimento, sem juntar a respectiva alegação, como impõe o artigo 160.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), por força do artigo 6.º, n.º 1, alínea d) do mesmo diploma legal.
Presente o processo ao Ex.mo Relator do TSI, determinou este se aguardasse a junção da alegação, por estar ainda a correr o prazo para junção do requerimento com a mesma alegação.
Decorrido o prazo sem ter sido junta a alegação de recurso, proferiu o mesmo Relator despacho de não admissão do recurso.
Reclamou o requerente A deste despacho para a conferência do TSI que, por acórdão de 12 de Fevereiro de 2015, julgou a reclamação improcedente, mantendo o despacho de não admissão do recurso.
Inconformado, interpõe o requerente A recurso jurisdicional para o TUI, invocando as seguintes questões e argumentos:
- A lei não prevê uma cominação para o incumprimento do dever de motivação imediata, i.e., para os casos em que, devendo o recurso ser interposto mediante requerimento que inclua ou junte a respectiva alegação (cf. artigo 160.º, n.º 1, do CPAC), as alegações não vão incluídas ou juntas no requerimento de interposição de recurso.
- Com efeito, a norma que estatui a cominação da não admissão de recurso, prevista no n.º 1 do artigo 594.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1.º do CPAC, não contém, na sua previsão, o incumprimento do dever de motivação imediata.
- Trata-se, pois, de uma lacuna, que deve ser integrada com recurso às regras da hermenêutica e aos mecanismos próprios de integração de lacunas;
- A solução do caso concreto não deverá passar pela não admissão do Recurso, mas antes pela notificação do recorrente para, num prazo fixado para o efeito, juntar aos autos as alegações do recurso e, assim, suprir a irregularidade formal de que o mesmo padece, sob pena, aí sim, de não admissão do recurso.
O Ex.mo Procurador Adjunto emitiu parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II – O Direito
1. A questão a apreciar
Trata-se de saber se, tendo sido apresentado requerimento de interposição de recurso jurisdicional, mas não a respectiva alegação, em processo urgente, como impõe o n.º 1 do artigo 160.º do CPAC, deve o juiz do processo ou, no caso, o relator, proferir despacho a convidar a parte a apresentar a alegação em falta, em prazo a fixar, mas já fora do prazo previsto na lei para a interposição de recurso com a alegação.

2. Apresentação de alegação em processos urgentes, no contencioso administrativo
A resposta à questão colocada no parágrafo anterior é negativa.
Vejamos porquê.
Em processo civil e na generalidade das situações em processo administrativo contencioso, notificada a decisão judicial, corre um prazo de 10 dias para o vencido interpor recurso jurisdicional (artigo 591.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável também na generalidade das situações em processo administrativo contencioso por força do artigo 1.º do respectivo Código, aplicável subsidiariamente)1.
O recurso interpõe-se por meio de requerimento, no qual o recorrente só tem de exprimir a vontade de recorrer e indicar a espécie do recurso e nada mais2. Mesmo a omissão sobre a espécie do recurso não tem nenhuma consequência (artigos 593.º, n.º 1 e 594.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
O juiz ou, no TSI, o relator, proferem despacho admitindo ou não o recurso. Notificado este, tendo o recurso sido admitido, corre um prazo de 30 dias para o recorrente apresentar a sua alegação (artigos 594.º e 613.º, n.º 2, do Código de Processo Civil)3.
No recurso de decisões jurisdicionais proferidas em processos urgentes, regulados no CPAC, notificada a decisão judicial, corre um prazo de 10 dias para o vencido interpor recurso jurisdicional (artigo 591.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente). Só que nestes processos, o recurso interpõe-se por meio de requerimento, que inclui ou junta a respectiva alegação (artigo 160.º, n.º 1, do CPAC).
A suspensão de eficácia de actos administrativos é qualificada como processo urgente [artigo 6.º, n,º 1, alínea d) do CPAC].
Trata-se, no fundo, de um regime semelhante ao do processo penal (artigo 401.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), o qual se explica pela celeridade que a lei pretende na decisão final destes processos urgentes.
O que é que acontece quando, no processo de suspensão de eficácia de actos administrativos, o vencido interpõe recurso por meio de requerimento, mas sem que no prazo respectivo inclua a alegação ou a junte ao processo?
É evidente que se dá a preclusão da apresentação da alegação de recurso, preclusão essa que é a situação que ocorre quando uma parte não pratica um acto processual no prazo peremptório previsto por lei.
Argumenta o recorrente que a norma aplicável (o artigo 594.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente) não prevê a não admissão do recurso para a situação dos autos, pelo que existe uma lacuna.
Mas não é o caso.
Dispõe a mencionada norma que “A interposição do recurso é indeferida quando a decisão o não admita, o recurso seja interposto fora de tempo, ou o requerente não tenha as condições necessárias para recorrer”.
Ora, em processo civil nunca o requerimento de interposição de recurso tem de incluir ou juntar a alegação, como se prevê no artigo 160.º, n.º 1, do CPAC. Por isso, manifestamente, ao fazer-se a aplicação subsidiária do artigo 594.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tem de sofrer as necessárias adaptações, de modo a incluir a situação que nele não se prevê expressamente – como não poderia prever, já este Código que não conhece tal tramitação. Trata-se de mera interpretação extensiva, de sorte a fazer coincidir a letra da lei com o seu espírito.
Não há, portanto, nenhuma lacuna a carecer de integração.
Mas, dir-se-á, não obstante, não deve aplicar-se, analogicamente, o disposto no n.º 4 do artigo 598.º, do Código de Processo Civil, segundo o qual “Quando as conclusões faltem, sejam deficientes ou obscuras, ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2, o recorrente é convidado a apresentá-las, completá-las ou esclarecê-las, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada”?
Esta norma visa a correcção de uma irregularidade menor, que acontece quando a parte, tendo apresentado alegação, mas nesta tenham faltado as conclusões, que são a síntese da peça processual em questão, ou as mesmas sejam deficientes ou obscuras, ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2.
Já a irregularidade dos autos constitui uma irregularidade maior, porque faltam os fundamentos do recurso, a totalidade da alegação. A situação está assim, muito mais próxima da prevista no n.º 3 do artigo 598.º do Código de Processo Civil: “Na falta de alegação, o recurso é logo julgado deserto”.
Logo, não está em causa qualquer violação do princípio da cooperação. Este não visa a superação de violação de normas ou princípios jurídicos por parte das partes, designadamente, quando ocorre preclusão, como foi o caso.
Bem andou, pois, o Ex.mo Relator em não conceder um prazo adicional para o recorrente juntar a alegação.
O acórdão recorrido não merece censura.

III – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 UC.
Macau, 29 de Abril de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho





     1 Por simplificação não se alude aqui às situações em que os interessados antes da interposição do recurso argúem a nulidade da decisão ou pedem a sua aclaração (artigos 573.º, n.º 3 e 592.º, n.º 1, do Código de Processo Civil)
     2 Excepto na situação prevista na parte final do n.º 1 do artigo 593.º do Código de Processo Civil, que não está agora em causa.
     3 Não se têm aqui em conta situações específicas, previstas no artigo 613.º do Código de Processo Civil, em que o prazo para a alegação é superior.
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