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Processo n.º 23/2015. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Segurança.
Assunto: Suspensão da eficácia do acto. Prova testemunhal. Lei Básica.
Data da Sessão: 6 de Maio de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
  O procedimento de suspensão da eficácia de acto administrativo não admite prova testemunhal, o que não contraria a Lei Básica.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A requereu a suspensão da eficácia do despacho do Secretário para a Segurança, de 6 de Janeiro de 2015, que rejeitou recurso hierárquico interposto da decisão do Comandante do Corpo de Policia de Segurança Pública, que revogou a autorização de permanência em Macau concedida à requerente.
Por acórdão de 12 de Fevereiro de 2015, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) indeferiu o requerido, por entender que não se verificava o requisito de que a execução do acto causasse previsivelmente prejuízo de difícil reparação para a requerente.
Inconformada, interpõe a requerente recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- Deve ser admitida a prova testemunhal no procedimento de suspensão de eficácia de actos administrativos;
- O acórdão recorrido não abordou as questões da doença resultante do rompimento da relação de namoro, o plano de permanência da recorrente em Macau e o impacto da perda do animal de estimação;
- Da perda de emprego em Macau resultará perda de oportunidade de promoção em Macau;
- Os prejuízos provenientes da perda de namorado e do animal de estimação devem ser tidos como comprovados e considerados de difícil reparação.
O Ex.mo Procurador Adjunto emitiu parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
Estão provados os seguintes factos:
1. A requerente é residente de Hong Kong, prestava trabalho para [Companhia (1)], em seguida, foi colocada em Macau, passando a exercer funções de coordenadora de restaurante em [Restaurante (1)], auferindo um salário mensal de HKD20.000,00.
2. Detectou-se que a requerente prestava trabalho sem que estivesse autorizada, pelo que a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais aplicou-lhe multa com fundamento na violação do disposto na alínea 1) do n.º 5 do art.º 32º da Lei n.º 21/2009, decisão essa já se tornou inimpugnável.
3. Por esta razão, o Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau revogou, por despacho, a autorização de permanência concedida à requerente.
4. Inconformada com a aludida decisão, a requerente interpôs recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Segurança de Macau.
5. Em 6 de Janeiro de 2015, o Secretário para a Segurança de Macau proferiu despacho que rejeitou o recurso hierárquico interposto pela requerente, revogando a autorização de permanência que lhe foi concedida.
  
III – O Direito
1. As questões a apreciar
O Acórdão recorrido entendeu que, para que a providência cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos pudesse ser decretada, seria necessária a verificação cumulativa dos três requisitos previstos no artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC). E que não se verificava o requisito segundo o qual a execução do acto causaria à requerente previsivelmente prejuízo de difícil reparação, pelo que indeferiu o requerido. Esta discorda da não verificação deste requisito.
É esta a questão a apreciar.
Por outro lado, importa saber se neste procedimento é possível produzir prova testemunhal.
Ver-se-á, ainda, se existiu omissão de pronúncia, como vem alegado.

2. Omissão de pronúncia.
No caso dos autos é requisito da concessão da suspensão de eficácia dos actos administrativos que a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso.
O acórdão recorrido considerou que não se verificava tal requisito, de que a ora recorrente discorda.
Na petição de recurso contencioso a requerente invocou os seguintes factos integradores de prejuízo de difícil reparação para a requerente, decorrentes da execução do acto administrativo recorrido:
- A requerente é coordenadora de restaurante. A empresa onde trabalha irá abrir mais três restaurantes em Macau, pelo que a requerente irá ser promovida a gerente e, posteriormente, a gerente distrital. Em Hong Kong, onde é residente, não terá estas oportunidades;
- Neste momento coabita com um residente de Macau e pretende casar com ele. A separação do namorado causará à requerente um choque profundo;
- A requerente está em Macau para ganhar mais dinheiro e para ajudar um irmão;
- A requerente gosta mais de viver em Macau do que em Hong Kong;
- Uma amiga deixou-lhe um cão há três anos e caso abandone Macau não tem a quem o deixar, sendo que existe uma relação profunda entre a requerente e o cão.
Ao contrário do que a requerente alega, o acórdão recorrido abordou todos os factos por si invocados como integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, apenas não tendo mencionado expressamente o desejo de a requerente viver em Macau. Compreende-se porquê. Tal desejo é compreensível, mas não é fácil comprová-lo documentalmente. Adiante, abordaremos a questão.
As outras questões foram conhecidas. Assim, se não considerou que a separação física fosse causal da ruptura da ligação sentimental da requerente, não fazia sentido estar a abordar as consequências para a saúde resultantes do rompimento da relação de namoro. E quanto ao animal de estimação, se é certo que o acórdão recorrido não equacionou os transtornos causados ao dono do animal pela separação, não menos certo que o acórdão argumentou que tal separação não era inevitável, já que a requerente podia levar o cão para Hong Kong. Quanto a este argumento é que não vemos dito nada pela ora recorrente no presente recurso. Aqui sim, parece haver uma verdadeira omissão de pronúncia por banda da ora recorrente.

3. Prova testemunhal
Não se conforma ora recorrente com a decisão de não admitir prova testemunhal no procedimento de suspensão de eficácia de actos administrativos.
Alega que tal meio de prova tem de ser admissível face ao disposto no artigo 386.º do Código Civil, que dispõe que a prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada.
Ora, no caso do procedimento cautelar em questão a prova por testemunhas é afastada.
O legislador podia afastar tal prova, por dois meios: ou dispunha expressamente nesse sentido ou estabelecia um processamento donde resultava não haver uma fase de produção de prova, designadamente, prevendo apenas prova documental.
A lei vai neste segundo sentido, dizendo que o requerente deve juntar documentos que entenda necessários – omitindo qualquer referência a testemunhas (artigo 123.º, n.º 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso) - e que logo após as contestações ou o respectivo prazo, o processo vai com vista ao Ministério Público, a que se segue a decisão (artigo 129.º, n.º 2, do Código de Processo Administrativo Contencioso), o que é inteiramente conforme ao disposto no artigo 386.º do Código Civil. Ainda que o não fosse, não estava o legislador impedido de afastar o regime da lei civil, posto que não violasse lei de grau hierarquicamente superior, ou seja, a Lei Básica.
A ora requerente invoca, um tanto enigmaticamente, que há violação de um princípio constitucional de justiça, mas não se vislumbra em que princípio ou preceito da Lei Básica é que se proíbe a interpretação de que o Código de Processo Administrativo Contencioso não admite prova testemunhal na suspensão de eficácia de actos administrativos.
Na conformação concreta da tramitação dos procedimentos cautelares, em particular da suspensão de eficácia de actos administrativos, o legislador defronta-se com interesses muitas vezes opostos. Por um lado, com o interesse público na execução pronta dos actos administrativos. Por outro, com o interesse dos prejudicados com a execução imediata do acto administrativo, que é o da suspensão da eficácia do acto até à decisão do recurso contencioso. Como o mero requerimento da providência e consequente citação do órgão administrativo impedem, em regra, este de iniciar ou prosseguir a execução do acto, então o procedimento deve ser célere, o que também satisfaz os interesses do requerente. Ora, a produção de prova testemunhal é, muitas vezes, incompatível com a celeridade processual. Acresce que a decisão da providência é provisória. Daí não de poder dizer que a limitação à prova documental fira, gravemente, os interesses da Justiça.
Improcede a questão suscitada.

4. Prejuízos de difícil reparação
O acórdão recorrido não merece, igualmente, censura na conclusão de que a requerente não provou os prejuízos de difícil reparação.
Quanto à oportunidade de promoção, não fez a requerente qualquer prova de que:
- A empresa onde trabalha irá abrir mais três restaurantes em Macau;
- Ainda que isso aconteça, que a requerente, mera funcionária de um restaurante, irá ser promovida a gerente deste restaurante e, posteriormente, a gerente distrital.
Quanto à separação do namorado, se, como a requerente alega, a relação com o actual namorado é tão forte que planeiam casar (nada disto está provado, incluindo que tenha namorado em Macau, que nunca identifica), isso não parece compatível com a alegação de que a circunstância de ter de regressar a Hong Kong provoque a ruptura da relação.
Quanto ao animal de estimação, já se anotou que a ora recorrente não respondeu ao argumento do acórdão recorrido de que pode levar o cão para Hong Kong.
De qualquer forma, a requerente é trabalhadora não-residente de Macau, sabendo bem que a sua permanência em Macau não estava garantida, mesmo no futuro próximo. Se aceitou ficar com o cão da amiga – facto que também não está provado nos autos – certamente equacionou um destino a dar ao animal no caso de a sua permanência em Macau não se eternizar. Nessa ocasião também deveria ter ponderado as consequências da separação do seu animal de estimação para a sua saúde psíquica.
Resta a vontade e o gosto de viver em Macau.
Ainda que se aceite que tal vontade e tal gosto são reais, sempre tal situação é transitória, apenas até à decisão do recurso contencioso. E assim, não parece haver prejuízo de difícil reparação. Se lhe for dada razão neste recurso contencioso, regressa a Macau. Se perder o recurso contencioso, a questão deixa de se pôr.
Em suma, não só não se provam os factos que alega como integrando prejuízos de difícil reparação, como também tais hipotéticos factos não constituem estes prejuízos de difícil reparação.
Improcedem as questões suscitadas.
Não merece censura o acórdão recorrido.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 UC.
Macau, 6 de Maio de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho



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