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Processo n.º 69/2014
Recurso Civil
Recorrente: A
Recorridaos: B, C e D
Data da conferência: 13 de Maio de 2015
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Simulação
- Inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé
- Ónus da prova


SUMÁRIO

1. Decorre do art.º 232.º do Código Civil que a simulação supõe a alegação e prova de factos que integrem:
- Existência de uma declaração negocial;
- Um acordo entre declarante e declaratário, com intuito de enganar terceiros;
- Existência de divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
São requisitos de verificação cumulativa.
2. Nos termos do art.º 235.º do Código Civil, a nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida contra terceiro de boa fé que do titular aparente adquiriu direitos sobre o bem que foi objecto do negócio simulado.
3. O conceito de boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que se adquiriram os respectivos direitos. Não basta, para haver má fé, a cognoscibilidade da simulação ou a suspeita ou dúvida sobre a sua existência.
4. O critério geral sobre o ónus de prova é o de que a prova deve caber àquele que carece dela para que o seu direito seja reconhecido.
5. Um facto normalmente impeditivo pode valer como constitutivo, por ser a base da pretensão que o autor deduz em juízo. A sua prova caberá, então, não ao réu, mas sim ao autor.

A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  
1. Relatório
E e seu marido F (1ºs AA.), B e sua mulher C (2ºs AA.) e D (3º A.), todos melhor identificados nos autos, intentaram no Tribunal Judicial de Base acção declarativa com processo comum ordinário contra G (1ª R.), H (2ª R.), I (3º R.)e A (4º R.), pedindo que a acção seja julgada procedente, invocando a simulação de contratos de compra e venda de fracções autónomas celebrados entre os RR., relativos às fracções autónomas “A-6”, “B-6”, “A-21” e ao lugar de estacionamento C28, todos do [Endereço], pedindo a sua nulidade, ou subsidiariamente a procedência da impugnação pauliana deduzida contra as referidas compras e vendas, com reconhecimento do direito dos AA. à restituição de tais fracções, pretendendo ainda a título subsidiário a resolução dos contratos-promessa celebrados entre os AA. e a 1ª R., por incumprimento definitivo e culposo desta bem como o pagamento do dobro do sinal.
Houve desistência, por parte dos 1ºs e 3º AA., do pedido formulado relativamente às fracções autónomas “A-6” e “B-6”, que foi homologada por sentença.
E a Juíza Presidente do Tribunal Colectivo julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os 2ºs AA. e a 1ª R. em relação à fracção autónoma designada por “A-21” e ao lugar de estacionamento C28 e condenou a 1ª R. a pagar aos 2ºs AA., a título de indemnização e correspondente ao dobro do sinal, a quantia global de HK$11.750.120,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até ao efectivo pagamento.
Inconformados com a decisão, os 2ºs e 3º AA. recorreram para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu julgar procedente o recurso jurisdicional e, em consequência, declarar nulos, por simulação, os contratos de compra e venda respeitantes à fracção autónoma “A-21” e ao lugar de estacionamento C28, decretar o cancelamento na Conservatória dos respectivos registos e de outros que, porventura, depois daqueles hajam sido feitos, declarar os 2ºs AA. os proprietários dos bens imóveis em causa e condenar a 1ª R. a pagar eventuais despesas com a expurgação da respectiva hipoteca.
Deste Acórdão vem agora o 4º R. A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as alegações com a formulação das seguintes conclusões:
1. Por Acórdão de 27 de Fevereiro de 2014, o Tribunal de Segunda Instância declarou a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda celebrado em 1 de Junho de 2001 entre as 1.ª e 2.ª RR., que teve por objecto a transmissão da propriedade a favor da 2.ª R. da fracção habitacional “A21” e 1/82 avos da fracção AR/C, correspondente ao lugar de estacionamento “C28”, do [Endereço].
2. Divergindo deste modo da decisão que havia proferido a 1.ª Instância, que considerou não haver simulação no referido negócio, concluindo pela sua validade.
3. Para fundamentar a sua convicção, o Tribunal a quo avançou os seguintes argumentos: a) a existência de simulação relativa, pois se declarou uma compra e venda e, em vez disso, se queria uma dação em cumprimento; b) 1.ª e 2.ª RR. pertencem ao mesmo grupo empresarial; c) a 2.ª R. não fez o pagamento na data da celebração do negócio, nem anteriormente; d) a 2.ª R. teve conhecimento do contrato-promessa celebrado anteriormente; e) a 2.ª R. tinha conhecimento da existência de uma hipoteca para garantia de facilidades bancárias; f) a 2.ª R. sabia que a fracção habitacional e o lugar de garagem estavam ocupadas pelos promitentes compradores e que estes haviam pago a totalidade do preço.
4. Não releva para efeitos da formulação de um juízo de probabilidade qualificada o facto de 1.ª e 2.ª RR. pertencerem ao mesmo grupo empresarial, pois não só não são proibidas transmissões de bens entre sociedades pertencentes ao mesmo grupo, como ficou provado que a transmissão visou a satisfação parcial de uma dívida da 1.ª R. à 2.ª R., tal como julgado provado por sentença de 13.10.2001, proferida pelo Tribunal de Foshan, em que foi Autor a ora 2.ª R. e Ré a ora 1.ª A., sentença essa que consta de fls. 323 a 330 dos autos e cujo teor se deu por integralmente reproduzido (artigo 37.º dos factos provados).
5. O conhecimento de que o contrato promessa celebrado anteriormente e de que a fracção “A21” e o lugar de garagem “C28” estavam ocupados pelos promitentes compradores, e de que estes haviam pago a totalidade do preço, não releva para efeito da simulação, até porque, conforme referido, a 2.ª R. apenas pretendeu garantir o seu crédito.
6. Em Macau é vulgar a transmissão de bens onerados com hipotecas, e prova disso é o facto de também os 2.os RR., promitentes compradores, sabendo de antemão que as fracções objecto do contrato promessa estavam onerados por uma hipoteca de HKD$40,000,000.00, mesmo assim não se terem coibido de proceder ao seu pagamento integral em 15 de Setembro de 1997 conforme provado pelas alíneas M) a Q) dos factos assentes.
7. O pagamento da sisa é um dever legal e pressuposto necessário para o registo da aquisição, pressuposto este, por sua vez, necessário para a transmissão a terceiro em face dos princípios da legitimação registal e do trato sucessivo, obviando também a que a 1.ª R. pudesse voltar a vender as mesmas fracções a um terceiro.
8. Para que se verifique um acordo simulatório não basta que sob a aparência de um negócio se tenha realizado um outro negócio; é necessária a verificação cumulativa dos três requisitos previstos no n.º 1 do artigo 232.º do Código Civil: a) a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; b) o acordo simulatório; c) o intuito de enganar terceiros.
9. Sendo certo que sob a aparência de uma compra e venda se realizou uma dação em cumprimento, nada permite concluir que houve acordo entre as partes com o intuito de enganar terceiros, faltando assim o “pactum simulationis” e o “animus decipiendi”.
10. Uma vez que a transmissão simultânea da fracção “A21” e de 1/82 avos da fracção “AR/C” do [Endereço], juntamente com outras fracções do mesmo edifício, tem a sua razão de ser na necessidade de satisfação de um crédito que a 2.ª R. tinha sobre a 1.ª R..
11. Ao mesmo tempo, a 2.ª R. tinha pressa em vender as fracções, para assim realizar o dinheiro que pretendeu ver devolvido através da aceitação da dação em cumprimento.
12. Não houve, pois, negócio simulado, tendo sido esta a conclusão a que chegou a 1.ª Instância, e a que deveria também ter chegado o Tribunal a quo.
13. Caso se considere ter havido simulação, o que só por dever de patrocínio se concede, importa dizer que o Tribunal a quo terá feito uma errada aplicação do Direito.
14. Não obstante conceder que no negócio em causa “tudo aponta para a caracterização de uma simulação relativa, quanto à natureza do negócio, pois se declarou uma venda e, em vez disso, se queria uma dação em cumprimento”.
15. A decisão recorrida não procedeu à necessária análise das condições de validade do negócio simulado, optando por, sem mais, “declarar nulos, por simulação, os contratos de compra e venda respeitantes à fracção habitacional “A21” e a 1/82 avos da fracção “AR/C”, correspondente ao lugar de estacionamento “C28” do prédio mencionado supra”.
16. Na simulação relativa o negócio simulado é nulo mas o negócio que realmente se quis, isto é, o negócio dissimulado, não o é necessariamente.
17. Impunha-se deste modo que o Tribunal a quo se tivesse pronunciado sobre a validade do negócio realmente celebrado, que admite expressamente ter sido celebrado, nos termos do disposto no artigo 233.º do Código Civil.
18. Ao não fazê-lo, limitando-se a “declarar nulos, por simulação, os contratos de compra e venda respeitantes à fracção habitacional “A21” e a 1/82 avos da fracção “AR/C”, correspondente ao lugar de estacionamento “C28” do prédio mencionado supra”, a decisão recorrida incorre numa omissão de pronúncia sobre uma questão de direito essencial à análise da validade do acto em crise, o que implica a sua nulidade, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 de artigo 571.º do Código de Processo Civil.
19. Caso o Tribunal a quo tivesse aplicado ao regime legalmente previsto no artigo 233.º do Código Civil, a sua decisão seria forçosamente no sentido de decretar a validade do negócio.
20. Isto porque a compra e venda foi reduzida a escritura pública, forma que o n.º 1 do artigo 94.º do Código do Notariado exige para todos os negócios de transmissão de direitos reais que tenham por objecto bens imóveis.
21. Razão porque a decisão do Tribunal a quo só poderia ser no sentido de declarar a validade da dação em cumprimento celebrada entre as 1.ª e 2.ª RR. relativamente à fracção “A21” e a 1/82 avos da fracção “AR/C” para estacionamento, correspondente ao lugar “C28”, do [Endereço].
22. Mesmo que o negócio celebrado entre as 1.ª e 2.ª RR. fosse nulo, por simulação, os 2.os AA. não lograram provar que o ora Recorrente, quando celebrou com a 2.ª R. o contrato de compra e venda relativo às fracções em causa, tinha conhecimento de uma eventual simulação anterior.
23. Não tendo sido feita prova desse conhecimento anterior, fica afastada a hipótese da má fé do terceiro adquirente, ora Recorrente, nos exactos termos em que o declara a sentença da 1.ª Instância.
24. No entanto, vem o Tribunal a quo declarar a nulidade, por simulação, do negócio celebrado entre a 2.ª R. e o 4.º R..
25. Na base da sua convicção estiveram os seguintes argumentos: a) o comprador não se mostrou interessado em saber do estado de conservação do que ía comprar; b) o 4.º R. sabia que a fracção estava hipotecada como garantia de facilidades bancárias; c) o 4.º R. sabia que a fracção estava a ser ocupada; d) a morada do 4.ª R. declarada na escritura é falsa; e) a venda feita em 2001 pelo preço de MOP$1,240,000.00 pela fracção habitacional e MOP$60,100.00 pelo lugar de estacionamento; f) o 4.ª R. não pagou à 2.ª R. na data da escritura o preço ali declarado.
26. Importa rebater estes argumentos, começando por dizer que é vulgar a falta de interesse relativamente ao estado de conservação dos imóveis, sobretudo quando são adquirentes provenientes do Continente, dado que a aquisição serve sobretudo interesses de investimento e também, até à suspensão desse regime.
27. Relativamente à aquisição de imóvel hipotecado, repete-se que é vulgar a transmissão de bens onerados com hipotecas, e prova disso é o facto de também o 2.o R., promitente comprador, sabendo de antemão que as fracções objecto do contrato promessa estavam onerados por uma hipoteca de HKD$40,000,000.00, mesmo assim não se ter coibido de proceder ao seu pagamento integral em 15 de Setembro de 1997 conforme provado pelas alíneas M) a Q) dos factos assentes.
28. O facto de a fracção estar a ser ocupada não é inibitório da sua tradição para um terceiro, sobretudo quando o que se pretende é apenas o investimento e a sua rentabilização através do arrendamento.
29. A morada declarada na escritura assinalada na alínea W) dos factos assentes foi indicada por razões de conveniência, uma vez que o Recorrente não tinha outro endereço em Macau, sendo, por isso, normal que o tivesse feito.
30. O preço da transmissão das fracções foi fixado em função da pressa da 2.ª R. em realizar dinheiro com as fracções que tinha aceite por contrato de dação em cumprimento com a 1.ª R., decorrente da dívida desta para com a 2.ª R., da hipoteca de HKD$40,000,000.00 que onerava a fracção “A21” juntamente com outras fracções do mesmo prédio e, também, da forte crise no mercado imobiliário que se fazia sentir em 2001.
As fracções “A21” e 1/82 avos da fracção “AR/C” foram vendidas, respectivamente, pelos preços de MOP$1,240,000.00 e MOP$60,000.00, e não MOP$2,600,000.00, uma vez que este valor inclui também a fracção “A31”, além de que o não pagamento integral do preço não significa que o mesmo não tenha sido pago de outra forma, situação que não conduz à nulidade do negócio.
31. Pelo que não resultam indícios suficientes que sustentem com certeza ou probabilidade qualificada a simulação do negócio celebrado entre a 2.ª R. e o ora Recorrente.
32. A vida negocial tem os seus riscos e por isso as partes contratantes devem tomar todas as cautelas.
33. Os 2.os AA., na qualidade de promitentes compradores, que obtiveram a tradição do bem e pagaram na íntegra o preço, deveriam ter acautelado o seu direito, quer conferindo eficácia real ao contrato promessa, quer exigindo a rápida celebração do contrato prometido.
34. Não o fizeram, tendo decorrido entre a data da tradição das fracções e respectivo pagamento integral, em 15 de Setembro de 1997, e a data da alienação feita entre a 1.ª e a 2.ª RR., em 1 de Junho de 2001, 3 anos e nove meses, tempo mais do que suficiente para que os 2.os AA. tivesse exigido a celebração do contrato definitivo.
35. Não o tendo feito, nada obsta ao seu ressarcimento pelo dobro do que prestaram.

Contra-alegaram os 2ºs e 3º AA., formulando as seguintes conclusões:
1. Por requerimento de fls. 1446, veio o ora Recorrente A interpor recurso do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância o qual julgou totalmente procedente o recurso interposto pelos ora Recorridos da sentença de fls. 1148 e seguintes.
2. Na primeira parte das suas alegações vem o Recorrente insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou simulado e, por tanto, nulo o negócio de compra e venda a que se refere a alínea R) dos factos assentes na parte respeitante à fracção autónoma para habitação “A21” e ao lugar de estacionamento denominado por “C28”, correspondente a 1/82 avos da fracção “AR/C”. No entanto, não assiste qualquer razão ao Recorrente.
3. Desde logo, a divergência entre a vontade real e vontade declarada pela 1.ª e a 2.ª Rés na escritura de compra e venda a que se refere a alínea R) dos factos assentes é demonstrada à saciedade pela resposta ao quesito 25.ºa) em que se deu como assente que tal venda nunca existiu, não tendo a 2.ª Ré, naquela data ou anteriormente, pago à 1.ª Ré, a título de preço, o montante de 13 milhões de patacas, correspondente ao preço declarado nessa escritura.
4. Ora, concluindo-se que não houve lugar ao pagamento de qualquer preço, o qual é um elemento essencial do contrato de compra e venda (vide artigo 865.º do Código Civil), nomeadamente do preço declarado como contrapartida da pseudo transmissão dos imóveis em apreço, fica ipso facto demonstrada a divergência entre a vontade real da 1.ª e 2.ª Rés e aquela que declararam na aludida escritura pública.
5. Por outro lado, importa também realçar a circunstância de se ter dado como assente que a 2.ª Ré tinha conhecimento da existência dos contratos promessa celebrados pela l.ª Ré com os ora Recorridos, que estes haviam pago à 1.ª Ré a totalidade do preço de aquisição destes imóveis e que a sua contraparte no negócio especificado sob a alínea R) dos factos assentes havia procedido à tradição dos imóveis a favor dos ora Recorridos, encontrando-se estes ocupados pelos respectivos promitentes-compradores (vide resposta aos quesitos 25.º e 29.ºc)).
6. Doutro passo, partilhando as Rés dos mesmos interesses e objectivos, ao ponto de se concluir que uma é dominada directa ou indirectamente pela outra e sabendo-se que a 2.ª Ré tinha conhecimento de que a 1.ª Ré, com o recebimento integral do preço e a traditio dos imóveis em apreço a favor dos 2.ºs Autores, ora Recorridos, na sequência da celebração dos contratos promessa (vide resposta aos quesitos 25.º e 29.ºc)), já não dispunha de quaisquer direitos em relação aos imóveis sub judice e que, portanto, estes não poderiam ser objecto de transmissão à 2.ª Ré qualquer que fosse a natureza desta transmissão (compra e venda, dação em cumprimento para extinção de uma obrigação), uma vez que tal se traduziria numa ilegalidade consubstanciada no incumprimento dos mencionados contratos em claro prejuízo dos Recorridos, a concretização do negócio a que se refere a alínea R) dos factos assentes constitui a expressão de um acordo simulatório dotado de evidente animus decipiendi ou seja da intenção de enganar terceiros.
7. Por outro lado, ao contrário do que afirma o Recorrente, os direitos que para os Recorridos advinham dos contratos-promessa que celebraram com a l.ª Ré não tinham uma natureza meramente obrigacional preenchendo sim uma situação de verdadeira posse em termos tais que, inclusive, lhes permite invocar o direito de retenção tal como reconhecido no douto aresto recorrido.
8. Quanto ao conhecimento que a 2.ª Ré tinha da existência da hipoteca a que se refere a alínea T) dos factos assentes o que releva não é obviamente a circunstãncia de a lei não proibir a transmissão de bens onerados como frisa o Recorrente. O que há que realçar é sim a absoluta anormalidade deste suposto negócio, para a qual contribui uma alegada (inexistente) compra e venda ou dação em pagamento de bens onerados com uma hipoteca para garantia de HKD$40.000.000,00, quase quatro vezes mais do valor dos imóveis em apreço que foi declarado na escritura mencionada na alínea R) dos factos assentes.
9. Acresce que, a circunstância de a 2.ª Ré jamais se ter arrogado a dona destes imóveis (vide resposta ao quesito 26.ºa)), sem sequer se ter deslocado alguma vez aos mesmos, traduz-se em mais um evidente indício da existência de simulação neste negócio (e também da inexistência de vontade de celebrar qualquer dação em pagamento).
10. Acresce que, ao contrário do que diz o Recorrente, o facto de a 2.ª Ré ter efectuado o pagamento da sisa no próprio dia da escritura é um claro indício, a juntar a todos os outros, da simulação do negócio pois com o referido pagamento da sisa a 2.ª Ré preferiu sujeitar-se a uma taxa de imposto de 6%, o dobro da taxa aprovada pelo Regulamento do Imposto do Selo e que era do conhecimento geral que iria entrar em vigor pouco tempo após a escritura referida em R) dos factos assentes.
11. Finalmente, não poderá deixar de ter também presente que foi dado como assente que do contrato de compra e venda celebrado entre a 1.ª e 2.ª Rés (a que se refere a alínea R) dos factos assentes) resulta a impossibilidade para os ora Recorridos de obterem a satisfação dos seus créditos ou, pelo menos, o agravamento dessa impossibilidade (vide resposta ao quesito 29.ª)) .
12. Destarte, dúvidas não restam de que o negócio a que se refere a alínea R) dos factos assentes padece de uma simulação absoluta, porquanto a l.ª e a 2.ª Rés apenas pretenderam criar um obstáculo à satisfação dos direitos dos Recorridos resultantes dos contratos-promessa, procurando registar uma transmissão anteriormente à celebração dos contratos prometidos, que prejudicasse em absoluto o cumprimento destes.
13. A conclusão óbvia a retirar da matéria de facto dada como assente é então que o contrato de compra e venda relativo à fracção “A21” e ao lugar de estacionamento C28 titulado pela escritura pública mencionada em R) dos factos assentes, constituiu um negócio simulado e, assim nulo, e de nenhum efeito, nos termos dos artigos 232.º e 282.º ambos do Código Civil, pelo que o acórdão recorrido ao decidir nos termos em que decidiu não merece qualquer censura.
14. Por outro lado, ao darem-se como provados todos os requisitos da simulação absoluta (oportunamente alegados pelos Recorridos) – ou seja a divergência entre a vontade real e a vontade declarada; o intuito de enganar terceiros e o acordo simulatório – não se vê em que medida poderia valer a tese da simulação relativa no negócio a que se refere a alínea R) dos factos assentes, tese que os Réus nem sequer lograram provar, como o demonstra à saciedade o facto de se ter dado como assente que o Recorrido nada pagou à 2.ª Ré pela pseudo transmissão dos imóveis a que se vem fazendo menção (vide resposta ao quesito 25.ºd) da base instrutória) .
15. Também no que concerne ao negócio titulado pela escritura a que se refere a alínea W) dos factos assentes a matéria de facto que resultou assente da discussão da causa revela sem margem para dúvidas a existência de simulação absoluta deste negócio.
16. Desde logo importa realçar o facto de ter ficado provado que o Recorrente não pagou qualquer preço à 2.ª Ré (vide resposta aos quesitos 25.ºd)), o que constitui uma demonstração mais do que evidente de que nem ele, nem a 2.ª Ré tiveram, entre si, a intenção de comprar e vender os imóveis sub judice.
17. Por outro lado, o facto resultante da resposta ao quesito 25.ºd) da base instrutória permite também concluir pela má fé do Recorrente, traduzida no conhecimento que tinha do vício de que enfermava o negócio precedente celebrado entre a 1.ª e a 2.ª Rés.
18. Por outro lado, a demonstrar o carácter fictício destes negócios está também a circunstância de terem sido efectuados no período de uma semana (vide alínea X1) dos Factos Assentes), sendo inconcebível e inaceitável, num cenário de boa fé e inexistência de vício no negócio, que a 2.ª Ré, sendo uma sociedade que não opera em Macau, tenha em tão curto espaço de tempo logrado vender os imóveis que diz ter comprado dois meses antes.
19. A hipoteca que à data da escritura mencionada na alínea W) dos factos assentes continuava a incidir sobre os imóveis em apreço, facto de que o Recorrente foi expressamente advertido pelo notário, é igualmente/ um claro indício da simulação do negócio.
20. Por outro lado, o facto de a fracção e o lugar de estacionamento que o Recorrente declarou ter comprado há muito se encontrarem na posse dos 2.ºs Autores, circunstância que aquele conhecia, é algo que, pela sua natureza verdadeiramente excepcional, não poderá também deixar de ser considerado como um sinal, mais um, inequívoco da simulação do negócio a que se refere a alínea W) dos factos assentes.
21. Efectivamente, se tivesse sido real a vontade do Recorrente em comprar e da 2.ª Ré em vender os imóveis em causa, aquele não deixaria de ter efectuado diligências, antes da escritura, no sentido de apurar o seu estado, e apurando que os mesmos se encontravam ocupados, não deixaria de procurar apurar por quem e a que título, acabando por certamente recusar concretizar a respectiva compra em face da sua efectiva ocupação pelos 2.ºs Autores e dos direitos destes e do 3.º Autor, ora Recorridos (baseados em contratos-promessa com pagamento integral do preço e tradição da coisa), sobre a fracção “A21” e o lugar de estacionamento C28.
22. Os contornos obscuros a que obedeceu a transmissão dos imóveis em apreço para a esfera do Recorrente – aquisição de imóveis onerados com uma hipoteca de elevado valor, o facto de não ter sido pago qualquer preço, de nunca se ter deslocado aos imóveis que disse ter adquirido, jamais procurando saber o seu estado de conservação e de saber que tais imóveis se encontravam ocupados e a ser utilizados pelos 2.ºs Autores a com quem nunca contactou, conformando-se com tal situação – permite uma só conclusão: a de que também o Recorrente sabia que não poderia adquirir a fracção “A21” e o lugar de estacionamento C28 precisamente pelo facto de a 2.ª Ré não dispor de quaisquer direitos em relação a estes imóveis.
23. Os factos acima referidos funcionam, portanto, não só como prova da simulação absoluta do negócio celebrado entre a 2.ª Ré e o Recorrente mas também da má fé deste pelo que, dúvidas não restam, o contrato de compra e venda relativo à fracção “A-21” e ao lugar de estacionamento C28, formalizados pela escritura pública de 16 de Agosto (referida em W) dos factos assentes), constitui um negócio simulado e, assim, nulo e de nenhum efeito, por força do disposto nos artigos 232.° e 282.° do Código Civil.
24. De resto, independentemente da simulação, o referido negócio teria sempre de se considerar inválido, por força da invalidade (por simulação absoluta) que afecta a compra e venda celebrada entre a 1.ª e a 2.ª Rés e a que se refere a alínea R) dos factos assentes.
25. Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil, a declaração de nulidade (do negócio efectuado entre a 1.ª e a 2.ª Rés) tem efeito retroactivo, pelo que os respectivos efeitos não se limitam às partes do negócio simulado mas aplicam-se também a todos os sub adquirentes (o ora Recorrente) depois da celebração do negócio inválido.
26. Ademais, é inquestionável que a simulação absoluta do negócio de compra e venda celebrado entre a 1.ª e a 2.ª Rés pode ser arguida contra o Recorrente por força do disposto no artigo 235.º do Código Civil pois, ao contrário do que este diz, ficou provado que o mesmo se encontrava de má fé.
27. Assim sendo, a simulação e consequente nulidade verificada no negócio celebrado pela 1.ª e 2.ª Rés é-lhe oponível, independentemente de se considerar que a compra e venda que aquele celebrou com a 2.ª Ré não foi simulada, hipótese que apenas por dever de patrocínio.
28. Por último importa referir que, atendendo às regras do ónus da prova, para beneficiar do regime previsto no artigo 235.º do Código Civil era ao Recorrente, e não aos Recorridos, que incumbia ter alegado e provado a ignorância da simulação que vicia o negócio celebrado entre a 1.ª e a 2.ª Rés, o que não fez, conforme aliás refere o citado Acórdão proferido nos Autos de Recurso Civil e Laboral n.º 194/2011.
29. Do supra exposto resulta, portanto, não ser o acórdão recorrido merecedor de qualquer reparo devendo o mesmo manter-se na íntegra com o que deve o recurso interposto pelo Recorrente ser julgado totalmente improcedente.

Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos Provados
Nos autos foi dada como provada a seguinte factualidade:
- Dos factos assentes
A) Em 27 de Abril de 1992, a 1ª A. mulher, E, celebrou com a 1ª R. “G” (doravante também denominada “G”), dois contratos-promessa.
B) Nos termos dos quais, aquela prometeu comprar e esta prometeu vender, livres de ónus e encargos e devolutas, as fracções autónomas designadas por “A-6” e “B-6”, ambas do 6º andar para habitação, do prédio com os [Endereço], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº XXXX a fls. 265 do livro B-XX, inscrito na matriz predial urbana sob o nº XXXXX, prédio esse identificado nos mesmos contratos-promessa como “Edifício ……”.
C) Pelos preços, respectivamente, de HK$4.246.800,00 (equivalentes a MOP$4.382.700,00) e HK$3.001.200,00 (equivalentes a MOP$3.097.300,00).
D) Os 2ºs AA. B e C, em 20 de Maio de 1993, celebraram um contrato de cessão da posição contratual através do qual adquiriram a posição de promitentes compradores num contrato-promessa celebrado em 29 de Abril de 1993 com a sociedade 1ª R..
E) Nos termos do qual, aqueles prometeram comprar e esta prometeu vender, livre de ónus e encargos e devolutos, a fracção autónoma designada por “A-21”, do 21º andar para habitação, e um lugar de estacionamento designado por C28, correspondente a 1/82 avos da fracção autónoma “AR/C”, do mesmo prédio, também identificado neste contrato-promessa como “Edifício ……”.
F) Pelo preço de HK$5.875.060,00 (equivalentes a MOP$6.063.060,00).
G) O pagamento da totalidade dos preços por parte dos promitentes compradores, ora 1ª e 2ºs AA., à sociedade promitente vendedora, ora 1ª R., foi efectuado, em parte através da obtenção de empréstimos junto do 3 º A., “D”.
H) Em 12 de Outubro de 1995, os 1ºs AA., a 1ª R. e o 3º A., celebraram dois contratos tripartidos, intitulados de “contrato promessa de compra e venda, mútuo e hipoteca” (cujas cópias devidamente traduzidas como Docs. 12 e 13 e se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais).
I) Nos termos dos quais o 3º A. concedeu aos 1ºs AA. empréstimos nos montantes de HK$3.640.000,00 e HK$2.360.000,00, destinados a financiar a aquisição das fracções autónomas “A-6” e “B-6”.
J) Tais empréstimos no montante global de HK$6.000.000,00 foram concedidos pelo 3º A. aos 1ºs AA., pelo prazo de 180 meses, ao juro anual de 11,125%, sujeito a flutuação, acrescido de 3% em caso de mora, e nas demais condições constantes do contrato de mútuo celebrado entre aqueles por carta-contrato datada de 6 de Setembro de 1995 e revisto por carta-contrato de 9 de Agosto de 1997.
J1) Sendo o respectivo saldo devedor, por reembolsar pelos 1ºs AA ao 3º A, na data da entrada da petição inicial em juízo, de HK$4.906.191,44.
K) O preço global acordado nos contratos-promessa celebrados entre a 1ª A. mulher e a sociedade promitente vendedora, ora 1ª R., é de HK$7.248.000,00.
L) Preço esse que, conforme declarado expressamente pela 1ª R. nos supra mencionados contratos, foi integralmente pago e recebido pela referida 1ª R..
M) Os 2ºs AA. celebraram com a 1ª R. e com o 3º A., em 15 de Setembro de 1997, um contrato tripartido intitulado de “contrato promessa de compra e venda, mútuo e hipoteca” (cuja cópia devidamente traduzida como Doc. 15 e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
N) Nos termos do qual o 3º A. concedeu aos 2ºs AA. um empréstimo no montante de HK$4.000.000,00 destinado a financiar a aquisição da fracção autónoma “A-21” e do respectivo lugar de estacionamento C28 da fracção autónoma “AR/C”.
O) Tal empréstimo foi concedido pelo 3º A. aos 2ºs AA., pelo prazo de 180 meses, ao juro anual de 10,75%, sujeito a flutuação, acrescido de 3% em caso de mora, e nas demais condições constantes do contrato de mútuo celebrado entre aqueles mediante carta-contrato datada de 1 de Setembro de 1997 e revista em 19 de Março de 1998, 26 de Maio de 2001 e 14 de Junho de 2001.
O1) Sendo o respectivo saldo devedor, por reembolsar pelos 2ºs AA. ao 3º A., na data da entrada da petição inicial em juízo, de HK$3.684.235,72.
P) O preço acordado no contrato-promessa entre eles e a sociedade promitente vendedora é de HK$5.875.060,00.
Q) Preço esse que, conforme declarado expressamente pela 1ª R. no supra mencionado contrato, foi integralmente pago e recebido pela referida 1ª R.
R) Por escritura de 01.06.2001, lavrada a fls. 4 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º XX do Notário Privado I, o representante legal da 1ª R. “G” declarou vender pelo preço total de MOP$13.000.000,00, que declarou já haver recebido, as fracções autónomas “A6”, pelo preço relativo de MOP$1.200.000,00, “A16”, pelo preço relativo de MOP$1.200.000,00, “A17”, pelo preço relativo de MOP$1.200.000,00, “A21”, pelo preço relativo de MOP$1.200.000,00, “A28”, pelo preço relativo de MOP$1.200.000,00, “A29”, pelo preço relativo de MOP$1.200.000,00, “A31”, pelo preço relativo de MOP$1.200.000,00, “B6”, pelo preço relativo de MOP$1.000.000,00, “B8”, pelo preço relativo de MOP$1.000.000,00, “B14”, pelo preço relativo de MOP$1.000.000,00, “B15”, pelo preço relativo de MOP$1.000.000,00, 10/82 da “Ar/c”, pelo preço relativo de MOP$600.000,00, e o representante legal da 2a R., declarou aceitar a venda, nestes termos, para a sua representada.
S) Sobre as fracções autónomas em causa - incluindo as fracções “A-6”, “B-6” e “A-21” - incide uma hipoteca a favor do [Banco], para garantia do reembolso de facilidades bancárias concedidas à 1ª R., até ao montante global de HK$40.000.000,00 e respectivos juros e despesas, registada na Conservatória do Registo Predial de Macau mediante inscrição nº XXXX do Livro C-XXK.
S1) Os 3º e 4º réus foram expressamente advertidos pelo notário, aquando da outorga das escrituras referidas em U) e W), respectivamente, do facto referido na alíneas S) da matéria dos factos assentes.
T) Facto que a 2a R. foi expressamente advertida pelo notário aquando da outorga da escritura pública.
T1) As 1ª e 2a RR. efectuaram o pagamento da SISA no própria dia da celebração da escritura pública mencionada em R) dos factos assentes.
U) Por escritura de 16.08.2001, lavrada a fls. 60 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 4 da Notária Privada K, a 2a R. declarou vender pelo preço total de MOP$2.410.000,00, que declarou já haver recebido, as fracções autónomas “A6”, pelo preço relativo de MOP$1.280.000,00, e a “B6”, pelo preço relativo de MOP$1.000.000,00, e 2/82 da “Ar/c”, pelo preço relativo de MOP$130.000,00, e que ele 3º R. declarou aceitar a venda nos termos exarados.
V) A referida aquisição a seu favor (3º Réu) foi registada em 20.09.2001 sob a inscrição n.º XXXXXG.
W) Por escrituras de 16.08.2001, lavrada a fls. 64, e de 17.08.2002, lavrada a fls. 68, ambas do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 4 da Notária Privada K, a 2a R. declarou vender pelos preços respectivos de MOP$1.240.000,00, MOP$60.000,00 e MOP$1.300.000,00, a fracção autónoma “A21”, 1/82 da fracção autónoma “Ar/c”, e a fracção autónoma “A31”, e que ele 4º R. declarou aceitar as vendas nos termos exarados.
X) As referidas aquisições das fracções “A21”e “A31”, a seu favor (4º Réu) foram registadas em 20.09.2001 sob as inscrições nºs XXXXXG e XXXXXG.
X1) Entre o dia 10 e o dia 17 de Agosto de 2001, a 2a R. celebrou separadamente com o 4º R. e outras cinco pessoas, mais seis escrituras públicas nas quais declarou vender e estas declararam comprar-lhe, todas as restantes oito fracções que aquela havia declarado comprar à 1ª R. através da escritura mencionada em R) dos factos assentes.
- De base instrutória
1. A 1ª R., procedeu à entrega das chaves de cada um dos imóveis - fracções “A-6” e “B-6” - na data da celebração dos respectivos contratos tripartidos, à 1ª A.
2. A 1ª A. imediatamente começou a fruir as fracções autónomas designadas por “A-6” e “B-6”.
3. De forma exclusiva.
4. Logo após a celebração de cada um dos contratos-promessa, a 1ª A. mandou instalar em cada uma das fracções uma porta exterior de ferro para garantir a sua segurança.
5. Tendo procedido, depois, à sua limpeza.
6. A partir desse momento, passou a proceder ao pagamento das despesas periódicas de condomínio.
7. Colocou, lâmpadas eléctricas em todas as divisões das fracções.
8. As despesas com os actos mencionados nos anteriores artigos 4º a 7º foram suportadas exclusivamente pela 1ª A.
9. A 1ª A. deu de arrendamento a L a fracção autónoma “B-6” supra identificada.
10. Passando a auferir, na qualidade de senhoria, as respectivas rendas.
11. A fracção autónoma “A-6” foi dada de arrendamento pela 1ª A., a M.
12. A qual, na qualidade inquilina, passou a pagar a renda mensal devida à 1ª A..
13. Os actos mencionadas nos supra artigos 4º a 12º eram exercitados à vista de todos, sem violência nem oposição de ninguém e de forma ininterrupta desde 12 de Outubro de 1995.
14. A 1ª R., procedeu à entrega da chaves do imóvel - fracção “A-21”- e bem assim, à entrega do lugar de estacionamento, na data da celebração do respectivo contrato tripartido, aos 2ºs AA..
15. Os 2ºs AA. começaram imediatamente a fruir da fracção autónoma designada por “A-21” e do respectivo lugar de estacionamento designado por C28.
16. De forma exclusiva.
17. Os 2ºs AA., logo após a celebração do contrato-promessa, mandaram instalar na fracção uma porta exterior de ferro para garantir a sua segurança.
18. Tendo procedido a obras de beneficiação e decoração necessárias para tomar a referida fracção habitável e mais confortável, e à aquisição de mobiliário diverso, uma vez que a mesma se destinava à habitação própria dos 2ºs AA..
19. Após o que, a referida fracção autónoma “A-21”, tomou-se na residência dos 2ºs AA..
20. Utilizando igualmente no dia-a-dia o lugar de estacionamento já identificado.
21. A partir daquela data, passaram a proceder ao pagamento das despesas periódicas de condomínio e da contribuição predial devida.
22. Todas as despesas com os actos mencionados nos supra artigos 17º e 18º foram suportadas pelos 2ºs AA.
23. Os actos mencionados nos supra artigos 17º a. 22º eram exercitados à vista de todos, sem violência nem oposição de ninguém e de forma ininterrupta desde 15 de Setembro de 1997.
24. A 2a R. tinha conhecimento da existência do contrato-promessa celebrado entre a 1ª R. e os AA.
25. A venda a que se refere a alínea R) dos factos assentes nunca existiu, não tendo a 2a R. pago à 1ª R., naquela data ou anteriormente, a título de preço, no montante de treze milhões de patacas.
26. A 2a R. pagou pela transmissão operada pela escritura mencionada supra na alínea R) imposto de SISA, à taxa de 6% sobre MOP$22.804.967,00.
27. O 3º R. não pagou à 2a Ré, na datada escritura referida em U) dos factos assentes ou anteriormente, o preço ali declarado de MOP$2,410,000.00
28. O 4º R. não pagou à 2a R., na data da escritura referida em W) dos factos assentes ou anteriormente, o preço ali declarado de MOP$2.600.000,00.
29. A 1ª e a 2a RR. são entidades associadas e pertencentes na prática, ao mesmo grupo empresarial, sendo uma dominada, directa ou indirectamente, pela outra.
30. Nenhum representante da 2a R. compareceu pessoalmente nas fracções autónomas “A-6”, “B-6” e “A-21” e respectivo lugar de estacionamento, após a celebração da escritura pública mencionada em R) dos factos assentes a arrogar-se proprietária das mesmas.
31. O 3º e o 4º RR. não procuraram, antes da celebração das escrituras referidas em U) e W) dos Factos Assentes, certificar-se quer do estado de conservação em que os respectivos imóveis se encontravam, quer da sua situação.
32. Apesar de terem tomado conhecimento que as mesmas fracções estavam ocupadas e a ser utilizadas pelos primeiros e segundos Autores, os 3º e 4º RR. “conformaram-se com a situação” e, sem sequer procurarem apurar junto destes a verdadeira situação, celebraram as escrituras de compra e venda com a 2ª R.
33. A morada declarada pelo 4º réu na escritura mencionada em W) dos factos assentes é falsa e não corresponde à sua residência, correspondendo antes à habitação dos 2º AA..
34. Do contrato de compra e venda celebrado entre a 1ª R. e a 2ª R. em 1 de Junho de 2001 resulta a impossibilidade para os autores de obterem a satisfação dos seus créditos, ou, pelo menos o agravamento dessa impossibilidade.
35. À 1ª Ré apenas são conhecidos bens de reduzido valor - nunca superior a HK$3.300.000,00 - e que se consubstanciam apenas na existência de 44 lugares de estacionamento do mesmo prédio livres de ónus e encargos, e 4 fracções autónomas hipotecadas a diferentes bancos para garantia de empréstimos superiores ao seu valor de mercado.
36. A 2ª Ré tinha conhecimento de que as fracções autónomas e o lugar de estacionamento objecto dos contratos promessa referidos nos factos assentes se encontravam ocupadas pelos promitentes compradores e que estes haviam pago a totalidade dos preços.
37. Foi proferida a sentença pelo Tribunal da cidade Foshan, a qual consta de fls. 323 a 330, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. Direito
No presente recurso, foram colocadas as seguintes questões:
- Simulação dos contratos de compra e venda respeitantes à fracção habitacional “A-21” e ao lugar de estacionamento C28, correspondente a 1/82 avos da fracção AR/C do [Endereço], celebrados entre a 1ª R. e a 2ª R. e depois entre a 2ª R. e o 4º R.;
- Inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé; e
- Nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a validade do negócio realmente celebrado, nos termos do disposto no art.º 233.º do Código Civil.

3.1. Simulação
Sobre a questão ora colocada, dispõem os art.ºs 232.º e 233.º do Código Civil o seguinte:
Artigo 232.º
(Simulação)
1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo.
Artigo 233.º
(Simulação relativa)
1. Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.
3. Para efeitos do número anterior, considera-se suficiente a observância no negócio simulado da forma exigida para o dissimulado, contanto que as razões determinantes da forma do negócio dissimulado não se oponham a essa validade.

Ora, decorre da norma acima transcrita - art.º 232.º do Código Civil - que a simulação supõe a alegação e prova de factos que integrem:
- Existência de uma declaração negocial;
- Um acordo entre declarante e declaratário, com intuito de enganar terceiros;
- Existência de divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.1
São requisitos de verificação cumulativa.
E havendo várias modalidades da simulação, uma das distinções faz-se entre simulação inocente e simulação fraudulenta, consoante se houve mero intuito de enganar terceiros, sem intenção de os prejudicar, ou intuito de prejudicar terceiros ilicitamente ou de contornar qualquer norma da lei, sendo a simulação fraudulenta mais frequente.
Outra distinção estabelece-se entre simulação absoluta e simulação relativa.
Na primeira, as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem nenhum negócio. Há apenas o negócio simulado e, por detrás dele, nada mais.
Na simulação relativa, as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na realidade querem um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso. Por detrás do negócio simulado (ou aparente, fictício ou ostensivo) há um negócio dissimulado (ou real, latente ou oculto).
A distinção entre simulação absoluta e simulação relativa tem a importância derivada de esta última gerar um problema solucionado pelo art.º 233.º n.º 2 do Código Civil. Enquanto o negócio simulado é nulo, e na simulação absoluta se não põe nenhum problema por detrás dele não haver outro negócio, na simulação relativa surge o problema do tratamento a dar ao negócio dissimulado ou real que fica a descoberto com a nulidade do negócio simulado.
Na realidade, enquanto o negócio simulado está ferido de nulidade, o negócio dissimulado merece o tratamento jurídico que lhe corresponderia se tivesse sido concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.2

No caso vertente, coloca-se a questão de saber se há simulação de negócio entre a 1ª R. e a 2ª R. e depois entre a 2ª R. e o 4º R., respeitante à fracção “A-21” e ao lugar de estacionamento C28.
Decorre da factualidade provada que houve efectivamente uma declaração negocial entre as 1ª e 2ª RR., que assinaram em 1 de Junho de 2001 a escritura pública de compra e venda dos imóveis em causa (al. R) dos factos assentes).
E verifica-se divergência entre a declaração negocial e a vontade real da declarante e da declaratária bem como o acordo entre elas, pois a referida venda nunca existiu, não tendo a 2a R. pago à 1ª R., naquela data ou anteriormente, a título de preço, o montante mencionado no contrato (artigo 25 de base intrutória).
O que se pretendia realmente foi uma dação em cumprimento, conforme o que se constata no artigo 37 de base instrutória, que faz referência à sentença proferida pelo Tribunal da cidade Foshan, R.P.C., cujo teor se dá por integralmente reproduzido (fls. 323 a 330 dos autos), da qual resulta que foi feita uma dação em cumprimento, com a transmissão da propriedade de vários imóveis (incluindo os envolvidos nos presentes autos), face à declaração de nulidade do empréstimo constituído entre a 1a R. e a 2ª R..
Trata-se assim duma simulação relativa, já que por detrás do negócio de compra e venda, existiu um outro que as partes realmente queriam.
E houve evidentemente acordo entre as partes, pois a 2ª R. não pagou à 1ª R. o preço (artigo 25 de base instrutória) nem resulta dos factos provados que a 1ª R. chegou a exigir o respectivo pagamento.
O facto de as 1ª e 2ª RR. serem entidades associadas e pertencerem ao mesmo grupo empresarial (artigo 29 de base instrutória) reforça ainda mais a ideia de que houve conluio entre ambas quanto à celebração do contrato de compra e venda e à realização do verdadeiro negócio.
Finalmente e quanto ao intuito de enganar terceiros, é de salientar que, para preenchimento do conceito de simulação, não é exigível a intenção de prejudicar terceiros, sendo bastante o intuito de enganar. É neste ponto em que se fala a distinção entre simulação inocente e simulação fraudulenta.
Nota-se que a 2ª R. tinha conhecimento da existência do contrato-promessa celebrado entre a 1ª R. e os AA. (artigo 24 de base instrutória) e da hipoteca constituída a favor do [Banco] para garantia do reembolso de facilidades bancárias concedidas à 1ª R., já registada na Conservatória do Registo Predial de Macau (al.s S) e T) dos factos assentes), sabendo também que os imóveis em causa se encontravam ocupados pelos promitentes compradores e que estes haviam pago a totalidade dos preços (artigo 36 de base instrutória).
Ora, face a uma situação como esta, pergunte-se naturalmente qual será a intenção das 1ª e 2ª RR. em celebrar a escritura de compra e venda dos mesmos imóveis, bem sabendo que foram estes objectos do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a 1ª R. e outrem, com o pagamento de totalidade do preço e a ocupação e utilização dos imóveis, e querendo na realidade uma dação em cumprimento? Evidencia-se uma intenção de enganar terceiros.
Estando assim preenchidos todos os requisitos da simulação, é de concluir que o negócio de compra e venda celebrado entre as 1ª e 2ª RR. deve ser considerado simulado e, portanto, nulo nos termos do n.º 2 do art.º 232.º do Código Civil.

Passamos a ver o negócio de compra e venda celebrado entre a 2ª R. e o 4º R., respeitante à fracção “A-21” e ao lugar de estacionamento C28.
Há que prestar atenção aos seguintes factos:
Na realidade, a respectiva escritura pública de compra e venda foi feita em 16 de Agosto de 2001, tendo o 4º R. sido expressamente advertido pelo notário, aquando da outorga da escritura, do facto de sobre os imóveis em causa e ainda outras fracções autónomas incidir uma hipoteca já registada a favor do [Banco], para garantia do reembolso de facilidades bancárias concedidas à 1ª R., até ao montante global de HK$40.000.000,00 e respectivos juros e despesas (al. S) dos factos assentes).
Na data da escritura pública ou anteriormente, o 4º R. não pagou à 2a R., o preço declarado (artigo 28 de base intrutória). E não decorre dos autos que o pagamento foi feito posteriormente.
O 4º R. não procurou, antes da celebração da escritura, certificar-se quer do estado de conservação em que os respectivos imóveis se encontravam, quer da sua situação (artigo 31 de base intrutória)
E apesar de ter tomado conhecimento que os mesmos imóveis estavam ocupados e a ser utilizados pelos 2ºs AA., o 4º R. conformou-se com a situação e, sem sequer procurar apurar junto destes a verdadeira situação, celebrou a escritura de compra e venda com a 2ª R. (artigo 32 de base intrutória).
A morada declarada pelo 4º réu na escritura é falsa e não corresponde à sua residência, correspondendo antes à habitação dos 2ºs AA. (artigo 33 de base intrutória), isto é, o local da fracção autónoma em causa, que se encontrava ocupada pelos 2ºs AA..
Toda esta matéria de facto provada, analisada conjuntamente, revela sem dúvida a anormalidade do negócio de compra e venda celebrado entre a 2ª R. e o 4º R., não tendo agido estes como verdadeiros vendedor e comprador.
O não pagamento do preço declarado na escritura pública evidencia a não existência de compra e venda, sendo o pagamento do preço elemento necessário do negócio, que tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço (cfr. artºs 865º e 869º do Código Civil).
Nos autos, não houve pagamento do preço nem a entrega da coisa vendida, os imóveis objectos de compra e venda.
Daí que, na mesma lógica que seguimos na análise sobre a simulação do negócio celebrado entre as 1ª e 2ª RR., é de considerar simulada e, portanto, nula a compra e venda celebrada entre a 2ª R. e o 4º R., nos termos do n.º 2 do art.º 232.º do Código Civil. Trata-se duma simulação absoluta.

3.2. Inoponibilidade da simulação
Alega ainda o recorrente que, mesmo considerando inválido o negócio celebrado entre as 1ª e 2ª RR., ele estaria sempre protegido contra tal nulidade, ao abrigo do art.º 235.º do Código Civil.
Ora, estabelece o art.º 235.º do Código Civil o seguinte:
Artigo 235.º
(Inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé)
1. A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida contra terceiro de boa fé que do titular aparente adquiriu direitos sobre o bem que foi objecto do negócio simulado.
2. A boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos.
3. Considera-se sempre de má fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da acção de simulação, quando a este haja lugar.

Vê-se nesta norma a necessidade de proteger os terceiros de boa fé contra a declaração de nulidade em virtude de simulação, dado o carácter retroactivo que toda a invalidação do negócio jurídico implica (cfr. art.º 282.º do Código Civil).
No ensinamento do Prof. Mota Pinto, o conceito de boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que se adquiriram os respectivos direitos. Não basta, para haver má fé, a cognoscibilidade da simulação ou a suspeita ou dúvida sobre a sua existência.3
Para Orlando de Carvalho, sendo a simulação uma divergência intencional entre o que se quer (a vontade) e o que se diz (declaração), decorrente de um acordo (acordo simulatório: consilium fraudis) entre declarante e declaratório com o intuito de enganar terceiros, os que acreditam na declaração mentirosa (na validade do acto simulado) e adquirem direitos com base nela, precisam de uma especial protecção quando a simulação seja arguida e o negócio simulado se declare nulo.
Com referência às duas normas básicas da tutela da boa fé de terceiros, em face da invalidade dos negócios jurídicos - os art.ºs 243.º e 291.º do Código Civil de Portugal, correspondentes aos art.ºs 235.º e 284.º do Código Civil de Macau, que se distinguem entre si, o mesmo autor entende que, para o art.º 243.º, boa fé é o desconhecimento efectivo da simulação, com ou sem culpa, no momento em que o terceiro realiza a aquisição do seu direito; só que, se no momento da aquisição já tinha sido proposta e registada a acção de simulação, a lei presume juris et de jure a má fé.4
E a lei estabelece um regime especial da inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé (art.º 243.º), em confronto com o regime geral da inoponibilidade das nulidades e anulabilidades provenientes de causa diversa da simulação (art.º 291.º).5

No caso vertente, a aquisição dos imóveis ocorreu antes da propositura da acção de simulação, pelo que não se pode presumir a má fé do ora recorrente.
Para a aplicação do disposto no art.º 235.º do Código Civil, há que ver se o recorrente é terceiro de boa fé, sem conhecimento da simulação no momento de realização do negócio com a 2ª R. (n.º 2 do art.º 235.º).
Na óptica do recorrente, competia aos 2ºs AA. alegar e provar que ele sabia da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos e, não tendo sido feito prova desse conhecimento anterior, fica afastada a hipótese da má fé do terceiro adquirente.
Mas sem razão.
Quanto a ónus da prova, o art.º 335.º do Código Civil tem o seguinte teor:
Artigo 335.º
(Ónus da prova)
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

Daí decorre que o critério geral sobre o ónus de prova é o de que a prova deve caber àquele que carece dela para que o seu direito seja reconhecido.
Incumbe assim ao autor a prova dos factos constitutivos do direito que invoca e ao demandado cabe a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Não é ao autor que compete provar que o seu direito não está impedido, modificado ou extinto por qualquer obstáculo ou causa modificativa ou extintiva.6
E factos impeditivos são os que se opõem a que o direito do autor tenha efectivamente surgido, tais como incapacidade, simulação, erro, dolo, etc..
Um facto normalmente impeditivo pode valer, no entanto, como constitutivo, por ser a base da pretensão que o autor deduz em juízo. A sua prova caberá, então, não ao réu, mas sim ao autor. Assim, se a acção se destinar à anulação de determinado contrato por falta de consentimento, tem o autor de provar essa falta, que normalmente é um facto impeditivo.7
Os fatos constitutivos são aqueles que servem de fundamento e que substancialmente configuram uma determinada posição jurídica.
A simulação, normalmente considerada como um facto impeditivo, assume no caso ora em apreciação a natureza do facto constitutivo.

Nos presentes autos, os AA. intentaram a acção, invocando a simulação dos negócios celebrados entre os RR., cabendo-lhes alegar e provar tal simulação.
Pretendendo reagir contra a declaração da nulidade do negócio celebrado entre si e a 2ª R., veio o 4 º R. invocar a aplicação do disposto no art.º 235.º do Código Civil, recorrendo à protecção conferida por lei a terceiros de boa fé, ao qual é inoponível a nulidade proveniente da simulação. Por outras palavras, a boa fé do terceiro adquirente opõe-se à nulidade declarada, assistindo-lhe o direito de opô-la com fundamento na boa fé.
Assim sendo, e uma vez concluída pela simulação do negócio entre as 1ª e 2ª RR., afigura-se-nos ter o 4 º R. o ónus da prova, competindo-lhe alegar e provar a sua ignorância da simulação ao tempo em que assinou a escritura pública de compra e venda dos imóveis em causa com a 2ª R., pois se trata dum facto constitutivo do direito por si alegado, para poder beneficiar da tutela consagrada no art.º 235.º.
Vista a coisa de outra maneira: tendo a alegada boa fé o efeito de impedir a concretização ou efectivação do direito invocado pelos AA., de ver anulados os negócios, cabe ao 4º R. alegar e provar esse facto impeditivo do direito, nos termos do n.º 2 do art.º 335.º do Código Civil.
E não se verificam casos em que haja inversão do ónus da prova (art.º 337.º do Código Civil).
Ora, não conseguiu o 4º R. provar a ignorância da simulação ao tempo da celebração do negócio, não podendo ser satisfeita a sua pretensão, de opor à nulidade proveniente da simulação do negócio celebrado entre as 1ª e 2ª RR., uma vez que a não satisfação do ónus da prova implica que a causa deve ser decidida contra o onerado.

3.3. Nulidade do Acórdão recorrido
Alega ainda o recorrente que o Acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a validade do negócio realmente celebrado, nos termos do disposto no art.º 233.º do Código Civil.
Ao abrigo do disposto da al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil, é nula a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
O Tribunal deve apreciar todas as questões que foram submetidas pelas partes à sua pronúncia e ainda aquelas que são de conhecimento oficioso.
No caso vertente, a questão sobre a validade do negócio dissimulado não é de conhecimento oficioso.
Resta ver se a mesma questão foi colocada à apreciação do Tribunal de Segunda Instância.
Ora, constata-se nos autos que, aquando da apresentação da contestação, os 3º e 4 º RR. deduziram a reconvenção, alegando que deve ser declarado válido o negócio dissimulado de dação em cumprimento (cfr. fls. 423 dos autos), pedido este que foi indeferido, com absolvição dos AA. da instância do pedido reconvencional (cfr. sentença de 1.ª instância).
Tal decisão sobre a questão de validade do negócio dissimulado não foi impugnado, notando-se que o recurso para o Tribunal de Segunda Instância foi interposto pelos 2ºs e 3º AA. e os RR. não apresentaram contra-alegações.
Sendo assim, a questão ora em causa – validade do negócio dissimulado – não foi submetida à apreciação do Tribunal de Segunda Instância, que não tinha obrigação de conhecê-la, pelo que não se verifica a nulidade do Acórdão recorrido invocada pelo ora recorrente, por não houve omissão de pronúncia.

Concluindo, improcede o recurso interposto pelo 4º R..

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.

Macau, 13 de Maio de 2015

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
1 Cfr. Ac. do Tribunal de Última Instância, de 11-03-2015, proc. n. º 10/2015.
2 Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, 1992, p. 472 a 474.
3 Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, 1992, p. 486.
4 Orlando de Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, p. 169 a 171.
5 Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, 1992, p. 484.
6 Mário de Brito, Código Civil Anotado, volume I, 1968, p.453.
7 Mário de Brito, Código Civil Anotado, volume I, 1968, p.454.
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Processo n.º 69/2014