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Processo nº 116/2015 Data: 07.05.2015
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Defensor Oficioso.
Honorários.
Adiantamento do pagamento.



SUMÁRIO

  O Tribunal deve determinar o adiantamento do pagamento dos honorários fixados a um Defensor Oficioso (e a cargo do arguido condenado), se esgotado estiver o prazo para o seu pagamento voluntário e constatada estiver a inviabilidade do seu pagamento coercivo.

O relator,

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Processo nº 116/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguida com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenada como autora da prática de 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e – no que para o presente recurso interessa – no pagamento dos honorários no montante de MOP$1.200,00 ao seu Defensor Oficioso; (cfr., fls. 96 a 99-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, após trânsito do assim decidido, o Exmo. Defensor Oficioso da identificada arguida requereu ao Mmo Juiz que lhe fosse adiantado o pagamento dos honorários que lhe tinham sido fixados.
Alegou, essencialmente, que a arguida não era residente de Macau, tendo cometido o crime enquanto turista, que tinha sido julgada à sua revelia (consentida), que muito provavelmente nunca mais voltaria a Macau e que o Ministério Público tinha decidido não intentar acção executiva por dívida de custas; (cfr., fls. 104).

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Indeferido que foi o assim requerido, veio o Exmo. Defensor recorrer para este T.S.I., insistindo na pretensão que deduziu; (cfr., fls. 123 a 133).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 136 a 138-v).

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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto Parecer, considerando igualmente que se devia confirmar a decisão recorrida; (cfr., fl.s 174).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.


Fundamentação

2. Tal como se deixou relatado, em causa no presente recurso está saber se pode o Tribunal determinar o “adiantamento do pagamento dos honorários” pelo Tribunal fixados a um Defensor Oficioso que por expressa decisão condenatória transitada em julgado constitui encargo do arguido.

Vejamos.

Nos termos do art. 51°, n.° 2 do C.P.P.M.:

“Nos casos em que a lei determinar que o arguido seja assistido por defensor e aquele o não tiver constituído ou o não constituir, o juiz nomeia-lhe advogado ou advogado estagiário”.

Por sua vez, estatui o art. 55°, n.° 5 do mesmo C.P.P.M.:

“O exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerado”.

Colhe-se assim do primeiro dos transcritos comandos legais, (pelo Exmo. Defensor ora recorrente também invocado), que garantido está o (princípio fundamental do) “acesso ao Direito e aos Tribunais” – a todos sendo “assegurado o acesso ao direito, aos tribunais e à assistência por advogado…” – igualmente consagrado no art. 36° da Lei Básica da R.A.E.M., no art. 8° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art. 6°, n.° 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem assim como nos art°s 1° e 4°A, da Lei n.° 21/88/M (chamada “Lei do Acesso ao Direito e Tribunais”, com a redacção introduzida pela Lei n.° 1/2009), assim como na Lei n.° 13/2012, (que regula o “Regime Geral de Apoio Judiciário”, e com a qual se revogou o D.L. n.° 41/94/M que tratava tal matéria).

Por sua vez, (e como não podia deixar de ser), está também estatuído que “o exercício da função de defensor é sempre remunerado”, (cfr., art. 55°, n.° 5 do C.P.P.M., daí resultando também que a dita remuneração tem – sempre – lugar, independentemente do resultado decorrente do exercício da função, crendo nós que tal disposição visa afastar eventual entendimento no sentido de que não havia lugar a remuneração no caso da absolvição do arguido, como parece ter existido no âmbito do anterior C.P.P. de 1929; cfr., Ac. do T.R.L. de 31.05.1995, P. 0002133, in www.dgsi.pt).

No caso dos autos, e não obstante se constatar que o Exmo. Defensor, ora recorrente, foi ao arguido nomeado por despacho judicial, (cfr., fls. 72 e 72-v), e que, nesta qualidade teve intervenção (provocada) no processo, (em audiência de julgamento), entendeu-se indeferir o pretendido “adiantamento” por se considerar (em síntese) que inexistia base legal para se satisfazer a pretensão apresentada.

E, da reflexão que sobre a questão nos foi possível efectuar, eis a solução que se nos mostra de adoptar.

Vejamos.

Desde já, cabe referir que o dito “princípio de acesso ao Direito e aos Tribunais” (consagrado nos diplomas atrás já mencionados) concretiza-se, na parte que para a situação dos autos releva, em “duas vertentes”.

Uma, através do designado “Regime de Apoio Judiciário” – cfr., (o anterior D.L. n.° 41/94/M de 01.08 e, agora), a Lei n.° 13/2012 de 10.09 onde, logo no seu art. 1° preceitua que “a presente lei estabelece o regime geral de apoio judiciário com vista a assegurar que nenhuma pessoa que reúna as condições legais seja impedida, por insuficiência de meios económicos, de fazer valer ou defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos por meio de processo judicial” – e que compreende as modalidades de “isenção de preparos” e “de custas”, assim como a “nomeação de patrono e pagamento de patrocínio judiciário”; (cfr., art. 3°, n.° 1 da mesma Lei).

Todavia, convém frisar, o aludido “apoio judiciário”, (para além do pressuposto da “insuficiência económica” do seu requerente), compreende algumas “particularidades”: é a uma “”Comissão de Apoio Judiciário” que compete a “decisão da sua concessão”, e assim, a decisão de “nomeação de patrono”, o mesmo sucedendo – como é natural e lógico – com a “fixação dos honorários aos patronos nomeados”; (cfr., os art°s 4°, 7° e 34° da citada Lei).

A outra, é a que igualmente já nos referimos, através da nomeação de “Defensor”, exclusiva da “jurisdição penal”, e tão só para um dos seus sujeitos processuais: o “arguido”, de forma a lhe assegurar, independentemente da sua capacidade económica, o seu direito – de defesa – de “ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele”, (cfr., art. 50°, n.° 1, al. e) do C.P.P.M.), e a que também fazem referência os atrás já transcritos art°s 51°, n.° 2 e 55°, n.° 5 do mesmo C.P.P.M..

Aqui chegados, e (crendo nós), clarificadas que estão (algumas) das “diferenças” que existem entre a “nomeação de patrono” (no âmbito do Regime de Apoio Judiciário) e a “nomeação de defensor” (no âmbito do C.P.P.M.), cabe notar o seguinte.

Prevê o art. 39° da Lei n.° 13/2012 (“Regime de Apoio Judiciário”) que: “os encargos financeiros decorrentes da execução da presente lei são suportados pelo orçamento do Cofre dos Assuntos de Justiça”.

Certo sendo que tal preceito se refere tão só aos “encargos” decorrentes na execução do diploma que regula o “regime de apoio judiciário”, não incluindo assim os “honorários dos Defensores nomeados ao arguido em sede de processo penal”, defensável é o entendimento do Mmo Juiz a quo no sentido de concluir que inexiste fundamento legal para que sejam os “honorários” dos Defensores Oficiosos suportados pelo erário público, cabendo, desta forma, ao arguido o seu pagamento; (crf., neste sentido, o Parecer n.° 6/IV/2012 da 2ª Comissão Permanente da A.L.M., sobre a então proposta da Lei intitulada “Regime Geral de Apoio Judiciário”, e, como perante idêntico regime legal entendeu o S.T.J., em várias decisões proferidas, como é o caso dos Acs. de 22.03.1990, Proc. n.° 040799, de 20.03.1991, Proc. n.° 041628, e de 05.01.1994, Proc. n.° 045106, in www.dgsi.pt, aqui citados como mera referência, e onde se considerou também que “o pagamento dos honorários dos defensores oficiosos nomeados fora do âmbito do apoio judiciário deverá ser feito pelo arguido”).

Aliás, em abono do assim considerado preceitua também o art. 2° da Lei n.° 13/2012, (Regime de Apoio Judiciário), que:

“1. A presente lei aplica-se aos processos judiciais que corram nos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM, qualquer que seja a forma, salvo as seguintes excepções:
1) Aos casos em que os trabalhadores dos serviços públicos da RAEM sejam demandados por actos ou factos ocorridos em virtude do exercício de funções públicas, aplica-se o disposto na Lei n.º 13/2010;
2) No que diz respeito à constituição de defensor e ao pagamento de custas judiciais pelo arguido em processo penal, aplicam-se as disposições do Código de Processo Penal e do Regime das Custas nos Tribunais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/99/M, de 25 de Outubro.
(…)”; (sub. nosso).

Por sua vez, cabe ter ainda em conta que, como no caso sucede, a arguida dos autos foi condenada, e que, nos termos do art. 490°, n.° 1 e art. 491°, n.° 1, ambos do C.P.P.M., “é devido imposto de justiça pelo arguido quando for condenado em primeira instância…”, cabendo-lhe também pagar as “custas a que a sua actividade houver dado causa”, que, nos termos do art. 75°, n.° 1, al. b) do “Regime das Custas dos Tribunais”, (D.L. n.° 63/99/M), inclui os “honorários e compensação de despesas atribuídas aos defensores que lhes foram nomeados”.

Porém, caberia desde já aqui colocar uma questão, e que é a seguinte: a quem caberia pagar os honorários do Defensor Oficioso pelo Tribunal nomeado ao arguido no caso de este ter sido absolvido (e assim, não ser condenado em custas) e se tratar de processo sem constituição de assistente?

Seja como for, no caso, em questão não está saber a quem cabe efectuar o “pagamento” dos honorários do Defensor Oficioso, (que o recorrente não suscita nem pretende discutir).

A questão é outra, consistindo em se saber se, estando um arguido condenado no pagamento dos honorários ao seu Defensor Oficioso (nomeado fora do âmbito do Regime de Apoio Judiciário), pode o Tribunal acolher pedido do mesmo Defensor, no sentido de ao mesmo ser “adiantado” tal pagamento.

Pois bem, admite-se que a resposta que surja de forma mais imediata seja de sentido negativo.

Com efeito, não se estando no âmbito do “sistema de apoio judiciário”, e em causa não estando uma situação de “insuficiência económica”, poder-se-ia considerar que se a quem cabe pagar os ditos honorários é o arguido, razões não existem para o Tribunal adiantar tal pagamento, se apenas se observou a lei ao se lhe nomear um Defensor a fim de ao mesmo ser assegurado o seu “direito de defesa”.

Todavia, outra se nos apresenta que deva ser a solução a adoptar, não se devendo centrar a questão no “arguido (condenado)”, mas sim, no “Defensor Oficioso” (que como tal desempenhou funções no processo).

Não se pode pois olvidar que o art. 3° da Lei n.° 21/88/M prescreve que:

“1. O acesso ao direito e aos tribunais constitui responsabilidade conjunta do Governo e dos profissionais forenses ou das respectivas instituições representativas, quando existam, através de dispositivos de cooperação.
2. O Governo garante uma adequada remuneração aos profissionais forenses que intervierem no sistema de acesso ao direito e aos tribunais”.

E que no art. 4° desta mesma Lei se estatui que:

“O sistema de acesso ao direito e aos tribunais funcionará por forma que os serviços prestados aos seus utentes sejam qualificados e eficazes”.

E, a ser assim, não diferenciando os transcritos comandos legais a “nomeação de patrono” (no âmbito do apoio judiciário) e a “nomeação de defensor oficioso”, cabe perguntar: como pretender que os “serviços prestados” pelo Defensor Oficioso no âmbito do sistema de acesso ao direito e aos tribunais seja “qualificado e eficaz” se aos profissionais que nele intervêm não é – efectivamente – assegurada a sua remuneração?

Não obstante se estatuir no art. 55°, n.° 5 do C.P.P.M. que “o exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerado” e no art. 3°, n.° 2 da Lei n.° 21/88/M se preceituar que “o Governo garante uma adequada remuneração aos profissionais forenses que intervierem no sistema de acesso ao direito e aos tribunais”?

Sendo ainda de notar que nos termos do art. 112° e segs. do “Regime das Custas dos Tribunais”, é ao Ministério Público que compete instaurar a execução se o arguido, devedor das custas (e honorários), não as pagar voluntariamente, cabendo ao mesmo decidir da sua oportunidade e viabilidade?

Ora, do exposto, (cremos nós), resulta que a decisão recorrida não se pode manter.

Com efeito, não se mostra (minimamente) razoável que o Defensor Oficioso fique a “ver navios”, depois de, no cumprimento do seu dever, fique sem a remuneração que lhe é legalmente devida, e o Tribunal, (que o nomeou, provocando a sua intervenção no processo), e o Ministério Público (que decide da execução pelas custas), se alheiem da questão, deixando-o “à sua sorte”.

Indiscutível sendo que – como no caso dos autos – são os honorários da responsabilidade do arguido por decisão (até já) transitada em julgado, há que ponderar da viabilidade deste pagamento, (seja ele voluntário ou coercivo), e apurada tal circunstância, no caso de ser ela de sentido negativo, há pois que dar aplicação ao preceituado no art. 55°, n.° 2 do C.P.P.M. e art. 3°, n.° 2 da Lei n.° 21/88/M, (sob pena de se transformarem em letra morta), efectuando-se, (se tal for requerido), o “adiantamento” do pagamento por decisão do Tribunal, cabendo ao G.P.T.U.I. o encargo de os suportar, já que constituindo sua receita “a totalidade das custas e juros cobrados”, (cfr., art. 38°, n.° 4 do R.A. n.° 39/2004), aí se incluem os honorários dos Defensores Oficiosos nomeados.

Note-se, (aliás), que esta possibilidade de adiantamento do pagamento dos honorários não constitui nenhuma “especialidade”, sendo o que se verifica noutros sistemas judiciais, como sucede, v.g., com o sistema português; (cfr., v.g., os Acs. de Lisboa 10.02.1999, 23.02.1999, 21.04.1999, 15.06.1999 e de 16.06.1999, Procs.n.° 0079763, 0007245, 0004023, 0034745 e 0022583, in www.dgsi.pt).

Dito isto, não sendo a arguida dos autos residente de Macau, esgotado estando o prazo para o “pagamento voluntário” das custas (e honorários) em que foi condenada, e tendo já o Ministério Público decidido que não iria propor “execução por custas”, (e assim, constatada também estando a inviabilidade do “pagamento coercivo”), considera-se que verificados estão os condicionalismos para que determinado fosse o pretendido adiantamento nos termos atrás referidos, sendo assim de revogar a decisão recorrida, e de se julgar procedente o presente recurso.

Decisão

3. Em face do exposto, acordam conceder provimento ao recurso.

Sem tributação.

Macau, aos 07 de Maio de 2015
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
Proc. 116/2015 Pág. 16

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