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Processo nº 162/2015 Data: 07.05.2015
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crimes de “violação”, “coacção sexual” e “fotografias ilícitas”.
Direito de defesa.
Prova.
Acareação.
Fundamentação do Acórdão
Erro notório.
Data do crime.


SUMÁRIO
1. O processo penal reconhece ao arguido um amplo “direito de defesa”, de forma a possibilitar-lhe uma “defesa justa, efectiva e eficaz”.

Porém, e como se mostra óbvio, este mesmo direito de defesa não é – nem podia ser – “absoluto e/ou ilimitado”, admissível não sendo o seu exercício de forma (manifestamente) inútil ou em (gratuita) ofensa a direitos ou legítimos interesses que a outras pessoas assistem, colidindo assim, necessariamente, com o que seria “razoável” e “aceitável”.

Aliás, é da “essência” do próprio processo penal assegurar o exercício do direito punitivo e consequente aplicação do direito penal em (pleno) “equilíbrio” com o exercício do direito de defesa do arguido.

É assim de confirmar o decidido, que no uso do poder de “disciplina”, “direcção”, assim como de “investigação” que ao Tribunal assiste – cfr., os art°s 304° e 321° do C.P.P.M. – concedeu à ofendida a faculdade de não responder às “perguntas relativas à sua personalidade que” – sublinhe-se – “não tinham relação directa com a matéria dos autos”.

2. Atento o estatuído no art. 132° do C.P.P.M., a “acareação” pressupõe a verificação de dois requisitos: o primeiro, no sentido de haver “contradição entre declarações”, e, o segundo, quanto à sua “utilidade para a descoberta da verdade”, implicando a falta de qualquer um deles a sua não realização.

3. A “fundamentação do Tribunal” não é o segmento da sentença ou acórdão com o qual se tenta dar (ou se dá) resposta a toda e qualquer questão ou dúvida que os sujeitos processuais possam (ou venham a) ter, (esgotando-se em absoluto, o tema e eventuais questões), destinando-se, antes, a expor e a permitir conhecer os “motivos que levaram o Tribunal a decidir (a matéria de facto) da forma como decidiu”, (acolhendo, ou não, uma ou mais versões apresentadas e discutidas em audiência de julgamento).

Pode-se não concordar a fundamentação apresentada, mas então, a questão não é a da “falta de fundamentação”, (sendo apenas uma questão de concordância com o exposto em sede de fundamentação, que não equivale a “falta de fundamentação”).

4. “Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova.

5. Nenhum “vício” existe por se ter feito constar na acusação pública que o crime de “violação” ocorreu no “dia 21”, corrigindo-se depois, em audiência para o “dia 20”, se na acusação particular já constava tal data.

De facto, não foi o arguido “apanhado de surpresa”, (porque tal data constava de acusação particular), e ainda que a “data da prática de um crime” não deixe de constituir um “elemento” que deva constar da acusação, não se pode olvidar que é no julgamento que se comprovam os factos narrados na acusação, nenhuma irregularidade existindo se deste resultarem “pequenos acertos”, como foi o que sucedeu, sem nenhuma alteração da matéria de facto imputada nem inclusão de “factos novos”.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 162/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. datado de 10.12.2014 prolatado nos Autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-14-0062-PCC, decidiu-se condenar A, arguido com os restantes sinais dos autos, como autor material da prática em concurso real de:
- 1 crime de “violação”, p. e p. e p. pelo art. 157°, n.° 1, al. a) do C.P.M., na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
- 1 crime de “coacção sexual”, p. e p. pelo art. 158° do C.P.M., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
- 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão; e
- 1 crime de “gravações e fotografias ilícitas”, p. e p. pelo art. 191°, n.° 2., al. a) do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fl.s 1297 a 1315-v, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado com o assim decidido, o arguido recorreu.
Com este seu recurso (do referido Acórdão do Colectivo do T.J.B.) subiram outros 3 “recursos interlocutórios” pelo mesmo arguido antes interpostos.

*

Adequadamente admitidos que foram os recursos, observadas que foram todas as formalidades processuais, e nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Como se deixou relatado, 4 são os recursos pelo arguido trazidos a este T.S.I..

Três “interlocutórios”, e o quarto, do Acórdão pelo Colectivo T.J.B. a final da audiência de julgamento prolatado.

Ponderando no “objecto” dos mencionados 3 “recursos interlocutórios”, incidindo (todos) eles sobre decisões que indeferiram pedidos de “produção de prova” pelo arguido apresentados aquando da audiência de julgamento, e considerando que a sua (eventual) procedência pode implicar a anulação do Acórdão recorrido, mostra-se adequado começar pela sua apreciação.

3. Dos “recursos interlocutórios”.

3.1. Do “1° recurso interlocutório”.

Tem este recurso como objecto a decisão que “indeferiu um pedido de inquirição da ofendida assistente” identificada nos autos; (cfr., fls. 968).

Na sua motivação, tece o arguido as conclusões seguintes:

“1. A Meritíssima juiz a quo decidiu que a Assistente podia recusar responder às perguntas formuladas que questionassem o seu carácter, nos termos do art.° 326.° do Código de Processo Penal, tendo ordenado à mandatária do ora Recorrente que mudasse a sua linha do interrogatório, colocando questões que não pusessem a Assistente em causa, sob pena de lhe ser retirada a palavra.
2. No entender do Recorrente, não assiste razão ao douto Tribunal a quo, porquanto o aludido art.° 326.° não é aplicável às declarações da Assistente, à excepção do n.° 4, que manifestamente não se aplica ao caso.
3. O art.° 327.° do Código de Processo Penal aplicável às declarações da Assistente, não restringe o tipo de perguntas que podem ser colocadas à Assistente.
4. O n.° 2 do referido artigo estipula que à tomada de declarações do assistente é aplicável ao art.° 131.° e o n.° 4 do art. ° 326.°, dispondo o primeiro que o assistente fica sujeito ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação, ficando sujeito ao regime de prestação de prova testemunhal, salvo no que lhe for manifestamente aplicável.
5. O art.° 119.° do Código de Processo Penal, referente à prestação da prova testemunhal estipula que deve a testemunha, neste caso, leia-se, a Assistente, responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas, só não sendo obrigada a responder as perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilização penal.
6. Nem a Assistente, nem o seu Mandatário constituído invocaram o n.° 2 do citado art.° 119.° para fundamentar a sua recusa em responder às questões colocadas.
7. Não podia por si, a Meritíssima Juiz Presidente, impedir a colocação das questões formuladas à Assistente considerando que o Arguido foi acusado nos presentes autos pela prática de dois crimes de violação, dois crimes de coacção sexual, dois crimes de ofensas simples à integridade física, e dois crimes de fotografias ilícitas e ainda mais dois crimes de coacção sexual, dois crimes de coacção, dois crimes de ofensa simples a integridade física e um crime de ameaça.
8. As Acusações foram construídas somente com base na versão apresentada pela Assistente.
9. Na sua Contestação e nas suas declarações em audiência de discussão e julgamento, o Arguido alegou a sua inocência, tendo-se proposto demonstrar a falsidade das imputações que lhe eram imputadas.
10. Alegou que a Assistente mentia tanto relativamente aos factos principais como os circunstanciais, tendo omitido factos relevantes.
11. O teor das mensagens do Facebook, não só contraria os factos descritos na Acusação Particular e Acusação Pública, como corrobora a versão apresentada pelo Arguido.
12. A Assistente alegou que o Arguido a atemorizou, agrediu, manipulou a restringiu a sua liberdade, desde Julho de 2012, o que culminou em Julho e Agosto de 2013.
13. O Arguido por outro lado afirmou que o casal tinha vários amigos com quem jantava e estava frequentemente, participando em inúmeros convívios e jantares, sendo visto como um casal feliz.
14. Considerando o acima exposto, é necessária apurar-se tudo o que seja relevante relativamente ao carácter e personalidade da Assistente com vista a descobrir a verdade material.
15. O douto tribunal a quo, não pode simplesmente fazer fé na parte das declarações da Assistente, escusando-se a obter todos os factos relativamente ao carácter e personalidade da Assistente.
16. É necessário proceder-se à avaliação do carácter e da personalidade da Assistente, mormente para tentar vislumbrar a base em que sustenta a factualidade imputada e a sua motivação.
17. Acresce que o Douto Tribunal a quo, com base no princípio da verdade material dos factos, consignado no art.° 321.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, deve ser o primeiro a pretender escrutinar a factualidade oferecida pela Assistente, que tem interesse processual no processo.
18. O Tribunal deve procurar relevar pertinentemente não só a versão oferecida pela Assistente, mas também todos factos trazidos à colação pelo Arguido que possam desvendar a sua inocência ou a inverosimilhança do que lhe é imputado.
19. O processo penal foi criado, antes e acima e tudo, para servir de garantia dos cidadãos contra a aplicação discricionária de penas privativas da liberdade, às quais se deve recorrer em ultima ratio, como se sabe, e não deve ser uma apenas uma auto-estrada para legitimar o exercício do poder soberano.
20. O depoimento da Assistente relativamente às matérias que se pretendem inquirir vai demonstrar contradição com os factos descritos nas suas declarações, como na Acusação, o que coloca em séria dúvida não só a credibilidade pessoal da Assistente, bem como a sua versão da factualidade.
21. O tribunal violou frontalmente os vectores que devem orientar o processo penal, designadamente a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
22. Uma boa decisão da causa deve ter em conta todo o contexto em que se desenrolam os factos, principalmente quando estão em causa factos de natureza tão íntima, ocorridos no ninho familiar cercado quatro paredes e protagonizados apenas pelo Arguido e pela Assistente.
23. O tribunal recorrido violou os art°s 326.°, por errada aplicação, o art.° 327.°, o art.°131.°,e o art.° 119.°, e o art.° 321.°, n.° 1, todos do Código de Processo Penal”; (cfr., fls. 1007 a 1018).

Certo sendo que na sua resposta pugna o Ministério Público pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 1024 a 1024-v), - não tendo a ofendida assistente apresentado resposta – vejamos se tem o arguido/recorrente razão.

A fim de permitir uma melhor compreensão dos contornos da “questão” em apreciação, mostra-se útil consignar que a mesma surge após o depoimento da ofendida/assistente efectuado nos termos do art. 327° do C.P.P.M., assim constando – estando relatada – na respectiva acta de julgamento:

“Quando o defensor inquiriu a assistente, esta solicitou a não responder às questões que põem em causa a sua personalidade. O juiz presidente do tribunal colectivo autorizou o seu pedido, uma vez que as respectivas questões não têm relação directa com os factos do presente caso e a assistente não era capaz provar, por si própria, a sua personalidade.
A seguir, é a vez do defensor a formular perguntas sobre o objecto da acção, o juiz presidente do tribunal colectivo advertiu o defensor de que evite divagações, sob pena de proibição de inquisição dirigida directamente à assistente nos termos do art. 327° do Código de Processo Penal.
O juiz presidente do tribunal colectivo autorizou a assistente a ter direito a recusar a resposta às perguntas relativas à sua personalidade, levantadas pelo defensor que não têm relação directa com o presente caso. O defensor não se conformou com a decisão e consequentemente, interpôs imediatamente recurso (…)”.

Aqui chegados, “quid iuris”?

Vejamos.

No seu douto Parecer, e sobre a questão em causa, assim considera o Ilustre Procurador Adjunto:

“Recurso de fls 1007 e sgs.
Mostra-se o recorrente inconformado com o facto de, em audiência de julgamento, o Mmo Juíz presidente do colectivo ter autorizado a assistente ao “direito de recusar a resposta às perguntas relativas à sua personalidade” formuladas pela defesa, antevendo, com tal decisão, o atropelo, nada mais, nada menos, que dos art°s 326°, 327°, 131°, 119° e 321°, n° 1, todos do CPP.
Mas, francamente, não se vê como.
Começando precisamente pelo texto do último normativo citado, constatar-se-á que “o tribunal ordena oficiosamente, ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa” (sublinhado nosso)”.
Ora, há-de ser nestes parâmetros que haverá que aferir a decisão em questão do presidente do colectivo perante as perguntas que o defensor pretendia formular à assistente. E, perante a recusa desta em responder a perguntas formuladas pelo defensor acerca da sua personalidade, antevemos, à luz do preceituado no art° 327° C.P.P., como perfeitamente adequada a avaliação pelo julgador acerca da falta de oportunidade e pertinência dos segmentos pretendidos, por os mesmos não deterem relação directa com os factos criminosos imputados ao arguido e, como bem acentua o Exmo colega junto do tribunal “a quo”, dificilmente poderem satisfazer “o motivo do defensor”, ao visar pôr em questão a personalidade da assistente, mediante perguntas à própria, recusando-se aquela ao efeitos, em nada se apresentando, pois, a situação como pertinente ao bom andamento da audiência e descoberta da verdade”; (cfr., fls. 1610 a 1611).

E da reflexão que sobre a questão nos foi possível efectuar, cremos que se mostra de acompanhar o entendimento do Ilustre Procurador Adjunto, necessário não sendo uma grande fundamentação para o demonstrar.

Com efeito, dúvidas não há que o processo penal reconhece ao arguido um amplo “direito de defesa”, de forma a possibilitar-lhe uma “defesa justa, efectiva e eficaz”.

Porém, e como se mostra óbvio, este mesmo direito de defesa não é – nem podia ser – “absoluto e/ou ilimitado”, admissível não sendo o seu exercício de forma (manifestamente) inútil ou em (gratuita) ofensa a direitos ou legítimos interesses que a outras pessoas assistem, colidindo assim, necessariamente, com o que seria “razoável” e “aceitável”.

Aliás, é da “essência” do próprio processo penal assegurar o exercício do direito punitivo e consequente aplicação do direito penal em (pleno) “equilíbrio” com o exercício do direito de defesa do arguido.

Dest’arte, (e, tal como se deixou identificada, atentos os termos e contornos da “questão”), mostra-se-nos de confirmar o decidido, pois que a decisão recorrida, proferida no uso do poder de “disciplina”, “direcção”, assim como de “investigação” que ao Tribunal assiste – cfr., os art°s 304° e 321° do C.P.P.M. – limitou-se a conceder à assistente a faculdade de não responder às “perguntas relativas à sua personalidade que” – sublinhe-se – “não tinham relação directa com a matéria dos autos”.

E, perante isto, ociosos apresentam-se outros considerandos: se a prova a produzir não está relacionada com a matéria dos autos é “irrelevante” ou “supérflua”, (cfr., art. 321°, n.° 4, al. a) do C.P.P.M.), e então, (obviamente), inadmissível.

Nesta conformidade, e face ao que se deixou exposto, outra solução não se afigura possível que a não a da improcedência do recurso em apreciação.

3.2. O “2° recurso interlocutório”.

Tem este recurso como objecto a decisão que indeferiu um “pedido de acareação”, de “inquirição complementar da assistente” assim como o de “recuperação de fotografias apagadas”; (cfr., fls. 1044 e segs.).

Na sua motivação, produz o recorrente as conclusões seguintes:

“1. O objecto do presente recurso são três despachos, proferidos verbalmente, reproduzidos na acta de 16 de Setembro de 2014, que respectivamente, (1) indeferiu a acareação entre os dois agentes da Polícia de Segurança Pública, B e C; (2) indeferiu o requerimento de inquirição complementar da Assistente; (3) indeferiu o requerimento para recuperação das fotografias apagadas nos aparelhos electrónicos apreendidos.
2. Na sessão de julgamento do dia 16 de Setembro de 2014, foram inquiridos dois agentes da PSP, n.os ...... e ......, que acorreram à chamada de emergência efectuada pelos vizinhos do Arguido e da Assistente no dia 21 Agosto, conforme descrito nos art.°s 15.° e 16.° da Acusação pública.
5. De acordo com a Acusação Pública - art.° 16.° - o Arguido recusou a entrada dos agentes, com fundamento de que não tinham mandado de busca, tendo ordenado à Ofendida que dissesse aos agentes que "nada tinha acontecido", tendo esta satisfeito o seu pedido, por estar com medo, pelo que o agentes se limitaram a fazer o registo da identificação de ambos e abandonaram o local.
4. O Arguido, ora Recorrente, em contestação, afirmou ser falso que tenha impedido a entrada dos agentes, tendo acrescentado que a pedido dos agentes a Assistente foi falar com eles.
5. O Agente n.° ......, afirmou em audiência, por diversas vezes, que tocaram à campainha e bateram à porta, repetidamente, uma, duas e três vezes, enquanto mantinham a conversa com o ora Recorrente, fazendo barulho para chamar a atenção daquela, o que determinou que esta viesse cá fora, finalmente, para falar com eles.
6. Acrescentou esta testemunha que a Ofendida finalmente apareceu e desceu 5 degraus, tendo-se colocado a meio das escadas onde ficou a falar consigo.
7. Por sua vez, a testemunha C, Agente ......, afirmou que não correspondia à verdade que tenham continuado a bater à porta e a tocar a campainha enquanto falavam com o Arguido, tendo apenas tocado uma vez.
8. Acrescentou que a Ofendida não desceu os 5 degraus, tal como afirmado pelo seu colega, tendo simplesmente saído da fracção, mas permanecido à porta.
9. Conforme se pode ver dos depoimentos transcritos, são patentes as divergências existentes entre os depoimentos, pelo que no entender do Recorrente, considerando a defesa apresentada por si apresentada, impunha-se a acareação.
10. Com efeito, afigura-se importante apurar qual o concreto comportamento do Arguido, uma vez que é diferente o Arguido abrir a porta e chamar a Ofendida e não abrir a porta e a Ofendida apenas aparecer devido à insistência dos agentes que não paravam de tocar à campainha.
11. Contudo, a acta não reflecte o requerimento apresentado pela defesa, apenas referindo que se pretende apurar se os agentes tocaram à campainha ou bateram à porta.
12. A Meritíssima Juiz Presidente indeferiu o requerimento com o fundamento de que “O requerimento apresentado pela Ilustre Advogada não é importante para o apuramento da verdade, portanto não reúne as condições do art.° 132.° do CPP ...”
13. O objectivo do julgamento é apurar a verdade material, apurar se o arguido cometeu o crime por que foi acusado, na forma como se mostra descrito, as circunstâncias em que os factos ocorreram, tendo em vista a graduação da responsabilidade, do grau de culpabilidade do agente.
14. O art. ° 111.° do Código de Processo Penal, corolário do princípio da verdade material, estipula que constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicável, de modo a que haja uma correcta aplicação do direito.
15· Nos termos do disposto na al. d) do art.° 119.° do Código de Processo Penal a testemunha é obrigada a responder com verdade às perguntas que lhe forem feitas.
16. Devendo a inquirição ao abrigo do n.° 3 do art.° 125.°, incidir sobre quaisquer circunstâncias relevantes para a avaliação da credibilidade do depoimento.
17· O depoimento prestado pelo primeiro agente contém algumas incongruências e imprecisões, não só no seu todo, mas comparativamente ao depoimento que foi prestado pelo seu colega.
18. Acresce que a sua postura - ficou de costas para a mandatária do Arguido, virando a sua cabeça completamente para o lado esquerdo, contrário à mandatária, rindo e abanando os ombros enquanto pela mesma lhe eram colocadas questões - determinou que a mandatária do Arguido, ao abrigo da al. c) do n.° 1 do art.° 119.° do Código de Processo Penal, fosse obrigada a chamar a sua atenção quanto à forma de prestar o seu depoimento.
19. Pelo que, no entender do Arguido, impunha-se a realização da diligência de acareação, contrariamente ao entendimento do tribunal.
20. No que respeita ao despacho de indeferimento da inquirição complementar da Assistente, esta prestou declarações na audiência de julgamento designada para o dia 21 de Julho de 2014.
21. O Arguido - por intermédio dos seus mandatários – tentou colocar-lhe algumas questões, tendo em vista a demonstração da tese plasmada na contestação, cuja resposta às mesmas seria reveladora, no seu entender, dos motivos e do carácter da Assistente.
22. Contudo, a M.eritíssima Juiz Presidente do Colectivo, indeferiu várias das questões formuladas à Assistente, afirmando que Assistente poderia não responder se não quisesse.
23. Ainda, começou por obstar a que lhe fossem mostradas fotografias dos autos, e só com muita insistência, permitiu tal diligência.
24. Relativamente à fotografia de indicada a fls. 84 apenas permitiu mostrar urna parte da mesma.
25. Foram efectuadas várias interrupções e objecções às perguntas, não obstante as mesmas terem interesse e relevância para a descoberta da verdade material.
26. As interrupções do raciocínio lógico desenvolvido pelo Arguido, acrescidas da pressão do tempo, uma vez que o julgamento se prolongou para além das 14 horas, determinaram que ficassem por perguntar várias outras questões relativamente aos factos ocorridos nos dias 19 e 20 de Agosto, perguntas às quais apenas o Arguido e a Assistente podem responder, porque apenas eles foram protagonistas desses factos em que são baseadas as acusações.
27. Por essa razão, no dia 22 seguinte, o ora Recorrente requereu ao Tribunal a quo que fosse novamente chamada a Assistente para prestação de declarações complementares.
28. Sendo certo que a Assistente já foi ouvida, seria de grande importância para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa que a Assistente complementasse o seu depoimento, respondendo a questões que ficaram por esclarecer, pelas razões já expostas, o que requereu, ao abrigo do disposto no n.° 1 do art.° 321.° do Código de Processo Penal.
29. A Meritíssima Juiz a quo ordenou ao Arguido que indicasse os factos que pretendia provar com a inquirição complementar requerida, o que veio a ser cumprido.
30. O Mandatário da Assistente não se opôs ao requerimento.
31. Por despacho verbal proferido na sessão de julgamento do dia 16 de Setembro, foi proferido o seguinte despacho “Indeferido. A diligência requerida pelo Arguido vai atrasar o julgamento.
32. Estipula o n.° 3 do art.° 321.° que os requerimentos de prova são indeferidos por despacho, quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis, prevendo-se no seu n.° 4 que os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; o meio de prova é inadequado ou de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou o requerimento tem finalidade meramente dilatória.
33. Entende o Arguido que a lei permite-lhe fazer perguntas sobre o carácter da Assistente, bem como todas aquelas que se lhe afigurarem importantes, relativas aos factos, se isso constituir o thema probandum do processo.
34. Nas exposições introdutórias apresentadas, o Arguido propôs-se tentar demonstrar, tal como já alegado na sua contestação, que a Acusação, baseada na versão dos factos apresentada pela Assistente, tratava-se de uma vingança daquela contra o Arguido, que terminou a relação amorosa com a Assistente no dia 20 de Agosto de 2013.
35. Alegou ainda que o carácter da Assistente, que se auto-intitulou na sua acusação particular como sendo uma pessoa de grande sensibilidade emocional e física seria desmascarado, na medida em que o Arguido se propunha demonstrar ao tribunal que a prática de sexo vaginal, anal, oral, violento, explícito e com objectos fazia parte das
práticas comuns do casal.
36. Propôs-se ainda tentar demonstrar que a Assistente mentiu, tanto nos factos principais, como nos pequenos factos circunstanciais.
37. Sendo que tratando-se de factos de natureza sexual apenas os dois têm conhecimento dos mesmos, pelo que era crucial que a Assistente se pronunciasse sobre os factos alegados pela Arguido, aqui Recorrente.
38. Pelo que entende o ora Recorrente que o douto Tribunal a quo errou ao indeferir a inquirição complementar da Assistente, com fundamento em que o mesmo se traduzia num atraso do julgamento.
39. O requerimento para inquirição complementar foi efectuado no dia 22 de Julho, sendo que faltavam ouvir cerca de 30 testemunhas, pelo que, salvo respeito por melhor opinião, não é por uma diligência de 2 ou 3 horas que o julgamento iria atrasar-se, considerando que em causa estavam factos juridicamente relevantes para a descoberta da verdade material, constitutivos do thema probarulurn.
40. Finalmente, relativamente ao despacho de indeferimento da diligência para recuperação das fotografias, após requerer que os objectos apreendidos, cujo conteúdo foi transferido para CDs, fossem facultados a título devolutivo ao Arguido para efectuar uma análise a fim de averiguar da viabilidade de recuperação das fotografias apagadas, o que veio a ser indeferido no decurso da audiência de discussão e julgamento, o Arguido apurou que os agentes que transferiram os dados dos aludidos aparelhos para os CDs, por um lado, não efectuaram tal diligência na qualidade de peritos, e por outro lado, não procederam a qualquer diligência tendo em vista a recuperação das fotografias anteriormente captadas.
 41 Nos interrogatórios efectuados a fls. 62 a 66 e a fls. 123 a 126, o Arguido afirmou que o casal regularmente tirava fotografias com o tablet apreendido e o seu telemóvel Nokia, durante as suas práticas sexuais,
41. No primeiro interrogatório referido, o Arguido afirmou que as fotografias haviam sido apagadas do seu tablet, tendo no segundo interrogatório, efectuado pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, a fls. 123 a 126, afirmado que apenas havia mantido uma foto, a de fls. 84, presume-se.
43. Os demais objectos onde as fotografias do casal poderiam ser encontradas, designadamente o telemóvel da marca Nokia e o seu computador portátil, ficaram na posse da Assistente, que até hoje não os juntou aos autos, conforme decorre dos relatórios de fls. 276 e 295.
44. Ao Ministério Público, o órgão encarregue do inquérito e garante da legalidade, incumbia ter procedido às diligências de recuperação das fotografias que o Arguido desde o início afirmou ter tirado e apagado no dia em que terminaram a relação, pois não lhe compete apenas acusar a todo o custo, mas garantir que a investigação seja efectuada de molde a averiguar da existência ou inexistência do crime, seus agentes e respectiva responsabilidade, bem como descobrir e recolher todas as provas pertinentes.
45. Não o tendo feito, o Arguido pode fazê-lo a qualquer momento.
46. No entender do Recorrente, a diligência requerida é relevante para a descoberta da verdade material, é a única diligência possível, considerando que os outros objectos onde estariam armazenadas mais fotografias ficaram na posse da Assistente que até à data não os juntou aos autos, sendo provável que nunca venham a ser juntos.
47. Para além disso, à data do requerimento encontravam-se designadas mais duas datas para a audiência de discussão e julgamento, prevendo-se, já, àquela data, que o julgamento viesse a desenrolar-se por mais tempo.
48. A Meritíssima. Juiz Presidente indeferiu o requerimento, justificando, por um lado que o requerimento foi extemporâneo e por outro, afirmou que a diligência iria atrasar o julgamento.
49. Os art.° 139.° e seguintes do diploma referido, relativos à prova pericial, não estabelecem limites temporais relativamente à prova pericial, concluindo-se que a referida diligência pode ser requerida a todo o tempo, pelo que não se percebe a razão pela qual a Meritíssima Juiz a quo considerou o requerimento extemporâneo.
50. Ainda, o n.° 3 do art.° 309.° do Código de Processo Penal permite que durante a audiência de discussão e julgamento possa haver lugar à produção de qualquer meio de prova, onde se inclui a prova pericial.
51. Por outro lado, estipula o art.° 321.° do aludido Código que o
tribunal ordena a produção dos meios de prova necessários à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa.
52. O final do julgamento não está próximo, encontrando-se por ouvir ainda cerca de 30 testemunhas, pelo que nada obstaria a que o tribunal ordenasse a diligência de imediato, pedindo urgência, e caso não fosse possível até ao final do julgamento obter resultado pretendido, disso se faria consignar.
55. Não assiste razão ao douto Tribunal a quo na prolação dos três despachos acima identificados.
54. O tribunal recorrido violou os artigos 111.°, 112.°, 131.°, 132.°, 304.°, als. a) e b) - (por não aplicação quando necessário), 321° e 327.° todos do Código de Processo Penal”; (cfr., fls. 1123 a 1153).

No seu douto Parecer, e em relação a este (2°) recurso, diz o Ilustre Procurador Adjunto o que segue:

“Recurso de fls 1007 e sgs.
Prende-se o inconformismo do recorrente com o teor de 3 despachos de indeferimento de requerimentos, reproduzidos na acta de 16/9/14, atinentes a
a) - acareação entre dois agentes da PSP ;
b) - inquirição complementar da assistente;
c)-recuperação de fotografias apagadas dos aparelhos electrónicos apreendidos.
a) - Neste concreto, sustenta, além do mais, o recorrente que "a acta não reflecte o requerimento apresentado pela defesa, apenas referindo que se pretende apurar se os agentes tocaram à campainha ou bateram à porta". Não se nos afigura que seja bem assim, já que quer do denominado "processo de inquirição", quer do entendimento do M.P. ali vertido, claramente se coloca também a questão aduzida àcerca de a ofendida, na ocasião, ter ou não descido escadas.
Seja como for, dando e barato a integral veracidade da reprodução sonora apresentada da matéria e, mesmo aceitando-se que nos específicos questionados possam ter existido discrepâncias nos depoimentos prestados por ambas as testemunhas em questão, a verdade é que não se divisa que da eventual "afinação "que pudesse resultar da acareação almejada se pudesse alcançar qualquer utilidade para a descoberta da verdade, isto no que respeita verdadeiramente à imputação dos factos criminosos ao visado, que não ao comportamento do mesmo quando abordado, pelo que, em nosso critério, bem se agiu, à luz do disposto no art° 1320 CPP , inviabilizando aquela diligência.
b) - A propósito da pretendida inquirição complementar da assistente, dispensar-nos-emos de comentar o que apresenta tratar-se de "grito de alma" do recorrente relativamente ao que este entendeu como não permissões, condicionamentos ou "interrupções do raciocínio lógico" que imputa ao Mmo juíz presidente do colectivo, no que tange a perguntas que pretenderia fazer e que não terá conseguido, à assistente, quando a mesma prestou declarações.
Aquelas limitações impostas apenas podem ser entendidas no sentido da boa condução dos trabalhos da audiência, obstando ao que se mostrasse irrelevante, dilatório ou supérfluo, em abono da descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Posto isto, ao contrário do que parece pretender o recorrente, o tribunal "a quo" não indeferiu a inquirição complementar da assistente apenas por se traduzir "num atraso do julgamento": conforme claramente decorre da acta respetiva, tal indeferimento, com reporte aos pontos precisos adiantados (95 a 100 da contestação e 9 a 13 e 21 da acusação da assistente) ficou a dever-se ao facto de " ... para os respectivos factos, a assistente já prestou declaração na anterior audiência de julgamento. Com efeito, o tribunal entende que não é necessário prestar novamente a declaração, a nova audição implica uma produção de provas repetida, retardando o andamento da audiência de julgamento, pelo que rejeita o requerimento do defensor".
Se a tal se juntar o facto de, grande parte da prova pretendida se reportar a questões de carácter e personalidade da própria assistente, matéria a que a mesma, autorizada, rejeitou responder e de que decorre recurso autónomo, acima tratado, facilmente se alcança a adequação e justeza do indeferimento registado.
c) Mais uma vez, desta feita a propósito do requerimento de restauração de fotografias e vídeos suprimidos do computador portátil apreendido ao arguido, aparenta o recorrente um juízo algo precipitado e minimalista àcerca das razões do indeferimento, pretextando que as mesmas se limitaram à extemporaneidade e ao atraso que provocaria no julgamento.
Ora, ao que se colhe da acta respectiva, além do apontado, a razão fundamental do indeferimento prende-se com a circunstância de o próprio arguido ter suprimido as fotografias excepto uma, exibida em audiência e "assim, a restauração das demais fotografias tiradas na mesma situação não tem relevância para a descoberta da verdade, apenas retardando o andamento da audiência ... "
Dest'arte, toma-se inócua a esgrima com o facto de o requerimento ser ou não tempestivo, ou a diligência requerida porventura arrastar o julgamento, já que a mesma, de todo o modo, não deteria relevância para a descoberta da verdade, justificação a deter perfeito acolhimento no preceituado no art° 321°, CPP”; (cfr., fls. 1611 a 1613).

Apreciando.

No presente recurso, três são as questões colocadas: quanto ao “pedido de acareação de testemunhas”, (2 agentes da P.S.P.), “inquirição adicional da ofendida/assistente” e “recuperação de fotografias”.

–– Comecemos pela aludida “acareação”.

Desde já, (antes de mais, e para que fique claro), note-se que a “acta de julgamento” faz referência a ambas as “situações” a que se refere o ora recorrente: se “a ofendida desceu as escadas”, e se “os agentes tocaram à campainha ou bateram à porta”, (cfr., fls. 1044 a 1045), inadequada sendo assim qualquer censura ao T.J.B. por desatenção em relação ao que em causa estava.

Dito isto, vejamos.

Pois bem, nos termos do art. 132° do C.P.P.M.:

“1. É admissível acareação entre co-arguidos, entre o arguido e o assistente, entre testemunhas ou entre estas, o arguido e o assistente sempre que houver contradição entre as suas declarações e a diligência se afigurar útil à descoberta da verdade.
2. O disposto no número anterior é correspondentemente aplicável à parte civil”.

Perante o estatuído no transcrito comando legal, evidente é que a realização da dita diligência de acareação pressupõe a verificação de dois requisitos: o primeiro, no sentido de haver “contradição entre declarações”, e, o segundo, quanto à sua “utilidade para a descoberta da verdade”.

No caso, independentemente do demais, e admitindo-se que as declarações das testemunhas em questão não tenham sido totalmente coincidentes, (o que não deixa de ser natural), cremos que manifesto é que verificado não está o segundo pressuposto atrás referido.

Eis o porque deste nosso entendimento.

Os alegados “factos (ou versões) em contradição” – tendo em conta o teor da acusação pública, acusação particular e contestação – ocorreram na madrugada do dia 21.08.2013.

Todavia, das ditas acusações nada consta quanto às “…escadas…”, constando apenas (nas acusações) que “o arguido recusou a entrada dos guardas por não possuírem mandado de busca”, facto que o arguido contestou, (alegando ser falso), certo sendo também que, no Acórdão a final prolatado, e em sede de “factos provados”, nenhuma referência existe a tal matéria, daí se nos afigurando de concluir que, de facto, irrelevante é/era apurar se “a ofendida desceu (ou não) as escadas” e se “os guardas tocaram (ou não) à campainha ou bateram (ou não) à porta”, não se nos mostrando igualmente que o arguido possa ter ficado prejudicado com a decisão que lhe indeferiu o pedido de acareação que deduziu, nenhum motivo existindo para se alterar a decisão proferida.

–– Quanto à “inquirição adicional da ofendida/assistente”, pouco há a dizer.

Constando da acta de julgamento que os motivos do indeferimento se devem ao facto de “a matéria sobre a qual se pretendia a nova inquirição já ter sido objecto de anterior depoimento, e que seria uma (inútil) repetição com o consequente retardamento da audiência”, claro está que nenhuma censura merece o decidido, que se mostra em perfeita consonância com os princípios fundamentais que regulamentam a produção de prova em audiência de julgamento: os da oportunidade, conveniência e utilidade.

–– Em relação à “recuperação de fotografias”.

Eis o que – em síntese – se nos apresenta de dizer.

O Tribunal a quo considerou a diligência “tardia e irrelevante”.

Por nós, mostra-se-nos de subscrever o decidido indeferimento.

Não se pode olvidar que em causa nos autos não estão (eventuais) “factos ocorridos” ou “fotografias captadas noutras datas e circunstâncias”, mas apenas aqueles referenciados nas acusações pública e particular, adequado e útil não se apresentando assim a tentativa de recuperação de alegadas fotografias não directamente relacionadas com a matéria dos autos.

Posto isto, há que julgar igualmente improcedente o presente recurso.

3.3. O “3° recurso interlocutório”.

Tem como objecto o indeferimento da visualização de uma fotografia em audiência; (cfr., fls. 1156 e segs.).

Eis as conclusões pelo arguido oferecidas a final da motivação apresentada:

“1. Os despachos recorridos introduzem grave limitação aos direitos de defesa do arguido por subtraírem um elemento de prova essencial à defesa ao princípio do contraditório.
2. Deve ser autorizada a junção da fotografia em causa aos autos em suporte papel e ser permitida a sua exibição plena para permitir o exercício do aludido princípio.
3. As decisões recorridas violam os princípios do contraditório e da defesa plena do arguido”; (cfr., fls. 1248 a 1251).

Pronunciando-se sobre o assim alegado diz o Ilustre Procurador Adjunto o que segue:

“Recurso de fls 1248 e sgs.
Insurge-se o recorrente contra 2 indeferimentos registados em audiência de 19/10/14 relativos a pedidos de visualização de uma fotografia, aquando da produção dos depoimentos das testemunhas D e E.
Percebe-se, pelo argumentado, pretender aquele que da visualização de tal fotografia da assistente ("no transcurso de acto sexual em que tinha um taco de basebol introduzido na vagina") se poderia depreender, através de análise de expressão e "trejeito" respectivo, um sentimento de "satisfação", claramente revelador de "prática mútua e consentida entre arguido e ofendida de sexo sado masoquista", porventura não coadunável com os factos imputados nos termos do libelo acusatório.
Pois bem: não se pondo em causa que tal interpretação possa, porventura, subjectivamente, surgir de tal visionamento, não se vê, porém, que aqueles indeferimentos possam, de qualquer forma, ter colidido com o legítimo direito de defesa e contraditório do recorrente, ou constituído qualquer limitação aos mesmos.
A fotografia em questão, junta aos autos e conservada em CD (fls 84 e 1475) havia já sido exposta em audiência anterior, nos termos e condições em que o tribunal "a quo" julgou por bem, designadamente em termos de decoro e pudor, mas a permitir, de todo o modo, a avaliação da expressão facial da visada.
Trata-se, portanto, de elemento probatório não enjeitado e que o tribunal, adentro do critério da livre apreciação da prova, interpretou e valorou, sendo certo (e isso, o que aqui releva) que para tal avaliação não carecia, certamente, de juízo interpretativo a formular por terceiros, designadamente das testemunhas em causa, já que do que se trata é da mera apreensão do vertido em fotografia e respeitante à “expressão” e “pose” da visada, a qual, bem como valor probatório respectivo, não carecerá, certamente, de qualquer outro juízo pericial, que não o senso comum, pelo que bem andou, cremos, o tribunal nos indeferimentos em questão”; (cfr., fls. 1614 a 1615).

E, em relação ao recurso em questão, que dizer?

Ora, afigura-se-nos patente a sem razão do arguido.

Com efeito, como – bem – nota o Ilustre Procurador Adjunto, a fotografia em questão já tinha sido (convenientemente) exibida em audiência, (expondo-se a cara da ofendida, já que era deste “pormenor” que se tratava), irrelevante sendo o que poderiam eventualmente considerar outras testemunhas em resultado da apreciação que da mesma fotografia fizessem, pois que não passaria de (mais) uma (mera) opinião, despida de qualquer valor técnico ou científico, e que por isso, pudesse merecer especial valor como elemento probatório, certo sendo que o Tribunal Colectivo não deixou de analisar a mesma fotografia e de decidir de acordo com a convicção que formou em resultado da apreciação de todos os elementos probatórios que lhe foram apresentados.

*

Apreciados que assim nos parecem ficar os (3) “recursos interlocutórios”, e mostrando-se de decidir pela sua improcedência, é tempo de conhecer do recurso interposto do Acórdão condenatório proferido pelo Colectivo do T.J.B..

A tanto se passa.

4. Do recurso do Acórdão.

4.1. O Colectivo a quo deu como “provada” a factualidade seguinte:
(…)

4.2. Nas conclusões da sua motivação, diz o arguido o seguinte:
(…)

4.3. Analisadas as transcritas conclusões pelo recorrente apresentadas a final da sua (extensa) motivação de recurso – e que como se sabe, identificam as “questões” a apreciar pelo Tribunal de recurso – cremos que adequado é considerar-se como colocadas as seguintes:
- “falta de fundamentação”; (concl. 1ª a 15ª);
- “recusa do Tribunal na junção de uma fotografia”; (concl. 16ª a 27ª);
- “existência de outras fotografias em computador”; (concl. 28ª a 32ª)’
- “factos incongruentes e provas não apreciadas”; (concl. 33ª a 60ª).

–– Começa-se pela primeira, quanto à “falta de fundamentação”.

Nos termos do art. 355° do C.P.P.M. (na versão introduzida pela Lei n.° 9/2013, por força do seu art. 6°):

“1. A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e da parte civil;
c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a pronúncia ou, se a não tiver havido, segundo a acusação ou acusações;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
3. A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos juízes.
4. A sentença observa o disposto neste Código e na legislação sobre custas em matéria de taxa de justiça, custas e honorários”.

Em causa para a questão está o n.° 2 do transcrito comando legal, considerando o recorrente que observado não foi o aí preceituado.

Porém, não se nos mostra de acolher o assim entendido.

Com efeito, (e como atrás se deixou transcrito; cfr., fls. 50 e segs.), o Colectivo a quo não se limitou a “indicar os meios de prova de que se serviu para formar a sua convicção”, tendo, exposto o porque da “relevância” e sua preferência quanto a certos meios de prova, justificando assim a decisão que tomou em termos que se apresentam aceitáveis e não merecedoras de censura.

É óbvio que podia ser mais “generoso” na fundamentação exposta.

Porém, a apresentada, afigura-se-nos em harmonia com o estatuído no art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M., (onde – sublinha-se – também se refere a uma “exposição, tanto quanto possível, completa…”).

Há que dizer que a “fundamentação do Tribunal” não é o segmento da sentença ou acórdão com o qual se tenta dar (ou se dá) resposta a toda e qualquer questão ou dúvida que os sujeitos processuais possam (ou venham a) ter, (esgotando-se em absoluto, o tema e eventuais questões), destinando-se, antes, a expor e a permitir conhecer os “motivos que levaram o Tribunal a decidir (a matéria de facto) da forma como decidiu”, (acolhendo, ou não, uma ou mais versões apresentadas e discutidas em audiência de julgamento), o que, no caso, em face do pelo Colectivo a quo exposto, sucede.

Pode-se não concordar a fundamentação apresentada, mas então, a questão não é a da “falta de fundamentação”, (sendo apenas uma questão de concordância com o exposto em sede de fundamentação, que não equivale a “falta de fundamentação”).

Dito isto, e evidenciada que assim nos parece ficar a improcedência do presente recuso na parte em questão, continuemos.

–– Da “recusa do Tribunal na junção de uma fotografia”.

Também aqui improcede o recurso, pouco sendo de consignar.

Com efeito, e sem prejuízo do muito respeito por entendimento em sentido diverso – e reconhecendo-se o esforço nos argumentos apresentados – não se consegue alcançar a finalidade da pretendida junção, se a “fotografia” em questão já se encontrava junta aos autos, tendo sido exibida em termos que, (como aliás já se consignou), se mostram adequados à pretensão do recorrente.

Improcede, assim, igualmente, o recurso na parte em questão.

–– Das alegadas “outras fotografias do computador”.

Pois bem, no fundo, e se bem ajuizamos, o que pretende o recorrente com a questão é (tão só) afirmar que “tinha outras provas”, (outras fotografias), e que não lhe foi facultada a oportunidade de as utilizar em sua defesa.

Porém, cabe dizer que sobre a “recuperação de outras fotografias” (num alegado computador desaparecido) já se pronunciou este Tribunal no âmbito do “2° recurso interlocutório” do (mesmo) recorrente.

Afigurando-se-nos assim que se está, (como já aconteceu com a “questão” anterior), perante uma “recolocação de questão já colocada (e apreciada)”, nada mais se mostra de acrescentar para se negar provimento ao recurso.

–– Dos alegados “factos incongruentes e provas não apreciadas”.

Da reflexão que sobre o (longamente) alegado nos foi possível efectuar, também aqui se nos afigura que o recurso não merece provimento, sendo de se acompanhar, na íntegra, o douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, que dá clara resposta ao pelo recorrente afirmado, e que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

De facto, pronunciando-se sobre a questão assim se consignou no dito Parecer:

“Preocupa-se, depois, o recorrente em definir como incongruentes e contra as regras da experiência e das "legis artis", uma série de factos julgados como provados, entendendo como tal, que uma mulher adulta pudesse confidenciar ao companheiro relações íntimas anteriormente mantidas com outros homens, que o recorrente tivesse poderes para fazer perder o emprego da ofendida ou para interferir em processo de regulação do poder paternal, que a ofendida, tendo sofrido agressões de que resultou, além do mais, a fractura de duas costelas, pudesse ter descansado na cama até às 9 horas da manhã seguinte e que precisasse de autorização de quem quer que fosse para ir ao hospital e de ali mentir quanto à origem dos ferimentos, ou que o recorrente lhe pudesse ter ordenado, aquando da visita policial para dizer aos agentes que nada tinha sucedido.
Mas perguntamos nós : por que diabo, há-de ser contra o senso comum, contra as regras da experiência, que um homem possa dominar, submeter uma mulher, em tais circunstâncias? Não é esse o pão nosso de cada dia, relativamente aos múltiplos casos de violência doméstica?
Existe, porventura, qualquer traço de anormalidade evidente ou suposta bizarria nos extractos probatórios evidenciados no douto acórdão, que o recorrente faz questão de sublinhar?
Francamente, não se entende ...
No que tange às divergências da acusação pública e particular quanto à data do crime de violação por que o arguido viria a ser condenado, remete-se, neste específico, para as doutas considerações da Exmas colega, que se acompanham.
Relativamente ao restante alegado - "libertinagem sexual da assistente ", ser esta ou não a proprietária do veículo automóvel, características do cão do arguido, o relatado em sede de "Exposição" após produção de prova e o adiantado quanto ao comportamento violento e agressivo do visado - vê-se bem que o recorrente, fazendo uso de extractos precisos da documentação da audiência e mensagens trocadas no "Facebook", pretende, por uma banda, "fazer entrar pela janela o que não conseguiu pela porta ", querendo fazer relevar circunstancialismo, "maxime" respeitante ao comportamento e carácter da assistente, matéria que o tribunal já considerara, (porque não conexionada directamente com os factos imputados), como sem interesse para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e, por outra, extrair ilacções e conclusões que confirmariam a sua versão dos factos em detrimento do concluído pelo tribunal, quando, em boa verdade, não se vê que do teor da decisão sob escrutínio, por si só, ou conjugada com as regras da experiência ou senso comum, resulte evidente, patente ou ostensivo que os julgadores erraram ao apreciar como apreciaram, não se tendo os mesmos esquivado a expressar, concreta e especificamente, a sua valoração da prova produzida e dos motivos que os conduziram às conclusões que formularam, não se divisando que tenham sido dados como provados factos incompatíveis entre si, ou que se tenham retirado desses factos conclusões logicamente inaceitáveis, não competindo a este tribunal censurar os julgadores por terem formado a sua convicção no sentido em que o fizeram, já que da decisão recorrida, confirmada pelo sendo comum, nada contraria as conclusões alcançadas, não passando, pois, a este nível, a invocação do recorrente de uma mera discordância no quadro do julgamento da matéria de facto, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, insindicável em reexame de direito.
(…)”; (cfr., fls. 1619 a 1621).

E perante o que se deixou exposto, muito não é preciso acrescentar.

De facto, também nós somos de opinião que inexistem (quaisquer) “incongruências”, limitando-se o recorrente a controverter a matéria de facto pelo Colectivo a quo dada como provada, tentando suscitar dúvidas em “pontos” que em sua opinião lhe seriam favoráveis, afrontando o princípio da livre apreciação da prova pelo Tribunal, insistindo com a versão que apresentou, (o que, certamente, não colhe), sendo de notar, como aliás não deixou o Colectivo a quo de explicitar, que a versão da ofendida/assistente se mostra consistente (e lógica) com outros elementos de prova existentes nos autos, não merecendo a nossa censura.

Não se pode olvidar que – infelizmente – algo frequentes são também os casos de “violência (doméstica)” entre companheiros ou membros de uma família (de longos anos), e que os crimes pelos quais foi o recorrente condenado podem, igualmente, ocorrer “entre cônjuges”, de nada valendo a invocação de eventuais “usos”, “costumes” ou “práticas pretéritas” para se tentar justificar “agressões” e “violências sexuais” que, em concreto, se vieram a provar em audiência de julgamento.

Por sua vez, e como sobre a matéria do “erro notório” repetidamente temos afirmado:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015).

E, motivos não havendo para se alterar este entendimento, não se vislumbrando que tenha o Colectivo a quo violado qualquer regra sobre o valor das provas legais ou tarifadas, regra de experiência ou legis artis, evidente é que censura não merece a “decisão da matéria de facto” proferida.

Por fim, considera-se aqui adequado um breve apontamento no que toca à alegada “divergência entre a acusação pública e particular quanto à data do crime de violação”.

Em nossa opinião, é uma (autêntica) “falsa questão”.

Com efeito, qual o “vício” por se ter feito constar na acusação pública que o crime de “violação” ocorreu no “dia 21”, corrigindo-se depois para o “dia 20”, se na acusação particular já constava tal data, (dia 20)?

Certo sendo que não foi o arguido “apanhado de surpresa”, (porque tal data constava de acusação particular), e ainda que a “data da prática de um crime” não deixe de constituir um “elemento” que deva constar da acusação, não se pode olvidar que é no julgamento que se comprovam os factos narrados na acusação, nenhuma irregularidade existindo se deste resultarem “pequenos acertos”, como foi o que sucedeu, sem nenhuma alteração da matéria de facto imputada nem inclusão de “factos novos”.

Daí, não se vislumbrando nenhum dos “vícios” que o recorrente assaca à “decisão recorrida”, e outros, de conhecimento oficioso não existindo, resta confirmar aquela, negando-se também provimento ao recurso pelo arguido interposto do Acórdão do T.J.B..

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

5. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento aos (4) recursos pelo arguido interpostos, mantendo-se assim a decisão condenatória do Colectivo do T.J.B..

Pagará o recorrente as custas dos seus recursos com taxa de justiça global que se fixa em 18 UCs.

Macau, aos 07 de Maio de 2015
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa




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