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Processo n.º 155/2015
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 30/Abril/2015


ASSUNTOS:
- Compensação por trabalho em dia de descanso semanal
    
    
    SUMÁRIO :
    1. O trabalho prestado em dia descanso semanal deverá ser pago pelo dobro da retribuição normal, não se podendo ficcionar que o trabalhador já recebeu um dia de salário por integrado no seu salário mensal.
    2. A não se entender desta forma teríamos que a remuneração de um dia de descanso não era minimamente compensatória de um esforço acrescido de quem trabalhe em dia de descanso semanal em relação àqueles que ficassem a descansar ao fim de uma semana de trabalho. Estes ganhariam, por ficarem a descansar, um dia de trabalho; os outros, por trabalharem nesse dia especial não ganhariam mais do que um dia de trabalho normal.
              
              O Relator,
              João A. G. Gil de Oliveira



Processo n.º 155/2015
(Recurso Civil)
Data : 30/Abril/2015

Recorrente : A

Recorrida : B, Lda.
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    A, mais bem identificado nos autos, inconformado com a sentença proferida em acção laboral movida por si contra a empregadora B, discordando da fórmula relativa à compensação do trabalho em dias de descanso semanal, dela vem recorrer, alegando em síntese conclusiva:
    1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
    2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24,89,M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
    3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado;
    4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n. o de dias de descanso não gozados X 2);
    5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$141,689.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$70,689.00, correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento.
    
    Nestes termos e nos de mais de Direito deve a sentença na parte em que condena a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de retribuição em singelo, ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao pedido tal qual supra formulado.
    
    B Limitada, R. nos autos em epígrafe, contra-alega, defendendo a bondade do decidido.
    Foram colhidos os vistos legais.
    II – FACTOS
    
    Vêm provados os factos seguintes:
    - Entre 1 de Maio de 1996 e 31 de Novembro de 2009, o Autor prestou para a Ré funções de "guarda de segurança". (al. A) dos factos assentes)
    - Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea B) dos factos assentes)
    - A Ré sempre fixou o local, o período e o horário de trabalho do Autor de acordo com as necessidades. (alínea C) dos factos assentes)
    - O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré, e sempre prestou trabalho nos locais indicados pela Ré. (alínea D) dos factos assentes)
    - Ao longo de toda a relação laboral a Ré sempre pagou ao Autor uma quantia fixa mensal, acrescida de uma quantia variável determinada em função do número de horas de trabalho extraordinário efectivamente prestadas pelo Autor. (alínea E) dos factos assentes)
    - Durante a relação de trabalho o Autor auferiu da Ré a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. fls. 11 Certidão de Rendimentos - Imposto Profissional, que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos):
    
Ano
Salário anual
Salário normal diário
1996

120
1997

120
1998

120
1999

120
2000

120
2001
22236
62
2002
45086
125
2003
47615
132
2004
41891
116
2005
59349
165
2006
57680
160
2007
75372
209
    (alínea F) dos factos assentes)
    - Entre 1 de Maio de 1996 a 31 de Dezembro de 2007, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (alínea G) dos factos assentes)
    - Entre 1 de Julho de 1999 e 31 de Dezembro de 2007, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de 7 dias, um período de descanso de 24 horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, com excepção de 30 dias em 2001, 11 dias em 2002, 12 dias em 2003,4 dias em 2004,2 dias em 2005,2 dias em 2006, 14 dias em 2007. (alínea H) dos factos assentes)
    - Entre 1 de Maio de 1996 a 30 de Junho de 1999, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (Resposta ao quesito 1° da base instrutória)
    - Por solicitação da Ré, o Autor prestou trabalho todos os dias da semana, de modo a garantir o contínuo e diário funcionamento da actividade da Ré. (Resposta ao quesito 2° da base instrutória)
    - Entre 1 de Maio de 1996 a 31 de Dezembro de 2007, a Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (Resposta ao quesito 3° da base instrutória)
    - O trabalho que prestou em dias de descanso semanal foi remunerado pela R. com o valor de um salário diário, em singelo. (Quesito 8° da base instrutória, aceite pelas partes)
    
    III – FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa unicamente por determinar qual a forma de apuramento da quantia devida ao trabalhador como compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, já que defende a recorrente que a mesma nunca poderá ser superior a um único dia de descanso semanal porquanto o mesmo já terá recebido outro tanto a esse título.
    2. Trata-se de matéria já sobejamente debatida, sendo pacífica a solução adoptada neste tribunal1, no sentido de que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser pago pelo dobro da retribuição normal, não se podendo ficcionar que o trabalhador já recebeu um dia de salário por integrado no seu salário mensal.
    Não se pode dizer que o recorrente recebeu em singelo a retribuição pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que o seu salário era mensal e se foi trabalhar não foi remunerado por isso. O montante do seu salário ao fim do mês contemplava todos os dias e pode até dizer-se que era pago também enquanto estava a descansar ou devia descansar. Forçando a nota, dir-se-á que era pago para não trabalhar. Se trabalhou, tem que ser compensado por isso e é aí que a lei estabelece o correspondente ao dobro do montante de um dia de trabalho, não se podendo abater um montante ficcionado e remuneratório do dia de descanso.
     A não se entender desta forma teríamos que a remuneração de um dia de descanso não era minimamente compensatória de um esforço acrescido de quem trabalhe em dia de descanso semanal em relação àqueles que ficassem a descansar ao fim de uma semana de trabalho. Estes ganhariam, por ficarem a descansar, um dia de trabalho; os outros, por trabalharem nesse dia especial não ganhariam mais do que um dia de trabalho normal.
    O pagamento de tal trabalho em dobro não traduz qualquer errada interpretação do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
    Com efeito, a fórmula correcta para retribuir o trabalho prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal é a seguinte: "2X o salário diário X o número de dias de prestação de trabalho em dia de descanso semanal, sem ter em consideração o dia de trabalho prestado", tal como concluído pelo Tribunal a quo.
    O Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal que não gozou e não se pode considerar que já foi compensado por isso. Não, ele, enquanto pago ao mês, foi pago exactamente para não trabalhar, pelo que não se pode dizer que esse trabalho já foi pago em singelo. Não se podem confundir retribuições que assumem natureza diferente.
     O artigo 17.° do Decreto-Lei n." 24/89/M de 03 de Abril dispõe, no seu n. ° 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo.
    
    3. Sobre o tema transcrevemos até, com a devida vénia, o que exarado ficou no acórdão deste TSI, n.º 780/2007, já acima referido:
    “O mesmo é dizer que "o Autor tem direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do singelo já recebido".
    Na vigência do DL n. 24/89/M
    Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
    Assim:
    N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
    N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
    N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
    Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
    Na 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
    Na 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
    - Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
    - O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
    Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2.”
    De onde se conclui que, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal, a recorrida não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no referido preceito legal, tal como decidido pelo Tribunal a quo.
    O trabalhador deve assim ser compensado a esse título com o montante de MOP 141.378,00.
    4. Acresce ainda o salário pelo dia compensatório não gozado, como contemplado na sentença, questão que não é discutida nas doutas alegações de recurso, razão por que, tudo visto e ponderadas as razões aduzidas, somos a manter o que doutamente ficou decidido.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogando a decisão recorrida, condena-se a Ré B, Lda. a pagar ao A. A a quantia de MOP 141.378,00.
    Custas pela recorrida em ambas as instâncias.
                Macau, 30 de Abril de 2015,
                João A. G. Gil de Oliveira
                Ho Wai Neng
                José Cândido de Pinho

    
    
    
    
1 - Cfr., entre muitos outros, acs. do TSI, no proc. n.º 780/2007, de 31 de Março de 2011; 422/2013, de 14/Nov/2013; 327/2005, de 15 de Julho de 2006; 678/2013, de 24 de Abril de 2014

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