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Processo n.º 19/2015. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrida: B.
Assunto: Marcas. Imitação. Consumidor médio dos produtos ou serviços em causa. Marcas mistas. Elemento nominativo. Direito à prevalência do erro ou ilegalidade anteriores.
Data do Acórdão: 20 de Maio de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
I - A imitação de uma marca por outra tanto existe quando, postas em confronto, elas se confundam, mas também, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento.
II – A susceptibilidade de erro ou confusão quanto às marcas deve ser aferida em face do consumidor médio dos produtos ou serviços em causa, em termos de este só poder distinguir os sinais depois de exame atento ou confronto.
III – A averiguação da novidade das marcas mistas e das marcas complexas deve conduzir a considerá-las globalmente, como sinais distintivos de natureza unitária, mas incidindo a averiguação da novidade sobre o elemento ou elementos prevalentes – sobre os elementos que se afigurem mais idóneos a perdurar na memória do público (não deverão tomar-se em linha de conta os elementos que desempenhem função acessória, de mero pormenor).
IV - No caso das marcas mistas o elemento nominativo é, em regra, o mais importante para a apreciação do risco de confusão.
V – Na decisão sobre o risco de confusão entre marcas não releva o decidido pela DSE, em casos supostamente análogos, dado que os interessados não têm um direito à prevalência do erro ou ilegalidade anteriores.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
B (ora recorrida) interpôs recurso da Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, que recusou o registo das marcas N/638502 (classe 35.ª) e N/638504 (classe 41.ª), por falta de eficácia distintiva em relação às marcas registadas em nome de A (ora recorrente), respectivamente, N/58055 (classe 35.ª) e N/58057 (classe 41.ª).
O recurso foi julgado improcedente, por sentença de 10 de Março de 2014, do Ex.mo Juiz do 3.º Juízo Cível.
Em recurso interposto por B, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 16 de Outubro de 2014, revogou a sentença, determinando a concessão dos pedidos das marcas N/638502 (classe 35.ª) e N/638504 (classe 41.ª), por entender não haver imitação das marcas da A pela B.
Recorre agora A, alegando haver imitação das suas marcas, por terem estas capacidade distintiva, sendo o elemento dominante em todas as marcas em causa o vocábulo NOW.
II - Os factos
Estão provados os seguintes factos:
    - B requereu, em 27 de Fevereiro de 2012, o registo das marcas N/63502 (para a classe 35.ª) e N/63504 (para a classe 41.ª), junto da Direcção dos Serviços de Economia, e que consistem no seguinte :
    
    - A DSE recusou o registo das referidas marcas com fundamento na circunstância de se entender que não têm eficácia distintiva em relação à marcas já registada em nome da A, com o N/58055 (classe 35.ª) e N/58057 (classe 41.ª), e materializadas no seguinte :
    
    - A decisão de recusa foi publicada no BO, II, Série, nº 18/2013, de 2 de Maio.

III – O Direito
1. A questão a resolver
Trata-se de saber se as marcas anteriormente registadas de A para as duas classes em causa têm eficácia distintiva e, portanto, se as marcas, para as mesmas classes, que a B pretendia registar, constituem imitação daquelas.
Na verdade, é pacífico que as marcas da A para as classes 35.ª e 41.ª, já estavam registadas em Macau quando a B, pretendeu registar para as mesmas classes.
O registo das marcas é efectuado por produtos ou serviços, competindo à DSE indicar as respectivas classes de acordo com a classificação prevista na lei (artigo 205.º do RJPI).
Tais classes agrupam os seguintes serviços:
Classe 35 Publicidade; gestão de negócios comerciais; administração comercial; trabalhos de escritório.
Classe 41 Educação; formação; entretenimento; actividades desportivas e culturais.

2. Marcas. Imitação
A marca é um dos direitos de propriedade industrial.
O direito de propriedade industrial confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei [artigo 5.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI)].
Como se refere no artigo 197.º do RJPI, “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
A marca destina-se a distinguir produtos ou serviços. Sendo ela “… um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”1.
Como se sabe, vigora em matéria de marcas o princípio da especialidade, segundo o qual a marca há-de ser constituída por forma a que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante.
É o que decorre da alínea b) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI, que estatui que “O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha: b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada ”.
  Como explica FERRER CORREIA2 “A marca não pode, portanto, ser igual ou semelhante a outra já anteriormente registada. O grau de semelhança que a marca não deve ter com outra registada anteriormente é definido por este elemento: possibilidade de confusão de uma com outra no mercado. Mas não pode haver confusão entre a marca adoptada para certo produto e a marca adoptada para outro que daquele seja completamente distinto. Por isso a lei restringe o princípio da especialidade da marca aos produtos da mesma espécie ou afins, nessa conformidade tendo substituído ao sistema do registo por classes o sistema de registo por produtos”.
Ambas as marcas dos autos constituem aquilo que a doutrina designa por marca mista, por conterem tanto sinais ou conjuntos de sinais nominativos (marca nominativa), como figurativos ou emblemáticos (marca figurativa ou emblemática).
As marcas da A são constituídas pela palavra inglesa NOW, em letras maiúsculas, na horizontal, tendo no interior do O o sinal @.
As da B são constituídas pela palavra inglesa NOW, em letras maiúsculas, na horizontal, no interior daquilo que parece ser um balde, tendo a seu lado, mas na vertical, os caracteres chineses que significam canal3 pipocas.
Em ambas as marcas o elemento visualmente preponderante é a palavra inglesa NOW, combinado com o elemento fonético da mesma palavra.
Vejamos, então, a que regras deve obedecer o confronto das marcas, para se apurar do carácter da novidade da marca registanda, bem como da capacidade distintiva da marca já registada.
Na lição de FERRER CORREIA4 “ … a imitação de uma marca por outra existirá, obviamente, quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas existirá ainda, convém sublinhá-lo, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento. Este processo de aferição da novidade é o que melhor tutela o interesse que a lei visa proteger – o interesse em que se não confundam, através da marca, mercadorias idênticas ou afins pertencentes a empresários diversos. Com efeito, o consumidor, quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem à vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória”.
Relembra CARLOS OLAVO5 que, da constatação de que a comparação das marcas não é simultânea, mas sucessiva, decorrem os seguintes corolários, “Se dois sinais são comparados um perante o outro, são as diferenças que ressaltam.
Mas quando dois sinais são vistos sucessivamente, é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece, pelo que, nesse momento, apenas as semelhanças ressaltam”.
Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas6.
Também se tem considerado que os elementos fonéticos das marcas são mais idóneos para perdurar na memória do público do que os elementos gráficos ou figurativos7.
Por outro lado, a susceptibilidade de erro ou confusão quanto às marcas deve ser aferida em face do consumidor, em termos de este só poder distinguir os sinais depois de exame atento ou confronto [artigo 215.º, n.º 1, alínea c) do RJPI].
Para este efeito o consumidor é o médio, não o distraído, nem o perito8.
E, como assinala JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU9, “os consumidores a considerar são, em primeiro lugar, aqueles a quem os produtos assinalados com as marcas em causa se destinam”. Ou, como refere CARLOS OLAVO10 “A apreciação do carácter distintivo de uma marca deve ser feita em concreto no que se refere aos produtos ou serviços a que ela se destina”.
Especificamente, quanto às marcas mistas, como é o nosso caso, o exame para detectar a contrafacção ou a imitação, deve seguir as seguintes regras:
Como mostra FERRER CORREIA11 “… as marcas mistas e as marcas complexas deverão ser consideradas globalmente, como sinais distintivos de natureza unitária, mas incidindo a averiguação da novidade sobre o elemento ou elementos prevalentes – sobre os elementos que se afigurem mais idóneos a perdurar na memória do público (não deverão tomar-se em linha de conta, portanto, os elementos que desempenhem função acessória, de mero pormenor). Uma marca mista ou complexa não será nova quando o seu núcleo se confunda com marca mais antiga …”
No caso das marcas mistas, tanto a doutrina como a jurisprudência têm entendido que o elemento nominativo é, em regra, o mais importante para a apreciação do risco de confusão.12

3. O caso dos autos
Estamos em condições de concluir.
Ponderando que, no caso das marcas mistas dos autos, em confronto, o que sobressai no conjunto de ambas é a palavra inglesa NOW, em letras maiúsculas, na horizontal, bem como a correspondência fonética deste vocábulo.
Afigura-se não ser este um sinal fraco.
É certo que a marca da B tem, também, caracteres chineses, significando canal13 pipocas, embora na vertical. Mas sobressaem muito menos que a palavra inglesa.
Por outro lado, se como se disse, os consumidores a considerar são, em primeiro lugar, aqueles a quem os produtos assinalados com as marcas em causa se destinam, sendo também, seguro que a maioria dos residentes de Macau, os trabalhadores não-residentes e os turistas são falantes da língua chinesa (facto notório que, nos termos do artigo 434.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não carece de alegação nem de prova), há que ponderar, igualmente, que os consumidores chineses dos serviços em causa (publicidade; gestão de negócios comerciais; administração comercial; trabalhos de escritório. Educação; formação; entretenimento; actividades desportivas e culturais) serão os que dominam a língua inglesa, no mínimo para conhecerem a fonética e o significado da palavra Now.
Tendo em atenção as considerações precedentes, afigura-se-nos existir risco de confusão para o consumidor entre as marcas dos autos, destinadas aos mesmos serviços.
Não releva o decidido pela DSE, em casos supostamente análogos, dado que os interessados não têm um direito à prevalência do erro ou ilegalidade anteriores, como tem este TUI decidido (Acórdão de 22 de Abril de 2008, no Processo n.º 7/2007). Aliás, também o TSI tem decidido no mesmo sentido (Acórdão de 16 de Outubro de 2003, Processo n.º 183/2002).
Procede, assim, o recurso jurisdicional.

IV – Decisão
Face ao expendido, concede-se provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se o acórdão recorrido e nega-se provimento ao recurso judicial da decisão da DSE.
Custas pela ora recorrida em todas as instâncias.

Macau, 20 de Maio de 2015.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

     1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 323.
     2 FERRER CORREIA, Lições …, p. 328 e 329.
     3 O caracter em causa pode significar isto ou outra coisa.
     4 FERRER CORREIA, Lições …, p. 328 e 329.
     5 CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Volume I, Sinais Distintivos do Comércio, Concorrência Desleal, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2005, p.101 e 102.
     6 CARLOS OLAVO, Propriedade …, p 102. No mesmo sentido, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Coimbra, Almedina, 4.ª edição, 2003, Volume I, p. 375.
     7 CARLOS OLAVO, Propriedade …, p 102 e 110.
     8 JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso …, p. 377 e CARLOS OLAVO, Propriedade…, p. 108.
     9 JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso …, p. 377
     10 CARLOS OLAVO, Propriedade…, p. 83.
     11 FERRER CORREIA, Lições …, p. 331 e 332. No mesmo sentido, CARLOS OLAVO, Propriedade…, p. 109 e 110.
     12 CARLOS OLAVO, Propriedade…, p. 110.
     13 Ver nota 3.
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